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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E PRÁTICAS
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Maurício José Nardini *

 

Muito se fala acerca dos direitos humanos e quanto mais o tempo passa percebemos que existe ainda um longo caminho a percorrer. Muitas são as boas intenções que não são compreendidas. muitas são ainda as hediondas faltas cometidas por pessoas que desconhecem alguns princípios básicos de humanidade e bom senso.

A evolução dos direitos humanos remonta à Antiguidade. com preceitos contidos no Código de Hamurabi e no Levítico. Não como hoje os vimos mas sob uma ótica que deve levar em consideração o grau de civilização da época. Nesse sentido, hoje vivemos momentos em que, em alguns lugares, parece termos um conceito mais avançado em alguns países. ao mesmo tempo em que assistimos, pela im­prensa, a cenas chocantes de graves violações aos direitos humanos.

Por direitos humanos ou direitos do homem devemos entender que se tratam daqueles que o homem possui por sua própria natureza humana e pela dignidade que a ela é inerente. Não resultam de uma concessão da sociedade política. Constituem, sim, um dever da sociedade política a ser garantido e consagrado. São admitidos desde a antiguidade: No Código de Hamurabi (Babilônia), na filosofia de Mêncio (China), na república (de Platão), no direito Romano. Logicamente, nessas épocas, não existia o conceito que hoje temos de direitos humanos.

Na Idade Média, apesar das atrocidades cometidas pela inquisição, podemos destacar a existência da Magna Carta (1226), que estabeleceu alguns direitos básicos que se incorporariam a partir de então no seio de nossa consciência e prevalecem até nossos dias.

Séculos mais tarde, vieram as declarações dos direi­tos do homem e do cidadão. com a Revolução Francesa e tais ideais foram consolidados. Em nosso século, a Constituição Mexicana (1917) proclamou os direitos do trabalhador . A Revolução Russa trouxe à luz a declaração dos direitos do povo, dos trabalhadores e explorados (1918).

Ultrapassado o ideal liberalista em nosso século, sur­giu a idéia dos direitos sociais. Já não bastava o Estado de Direito. Era necessário um Estado Social de Direito. Essas aspirações foram colocadas, de maneira solene, na procla­mação das quatros liberdades de Roosevelt em 1941 (a liberdade de palavra e expressão, a de culto, a de não passar necessidade, e a de não sentir medo). Depois vieram as declarações das Nações Unidas (1942), e as das Confe­rências de Moscou (1943). São Francisco (1945). culmi­nando com a conhecida Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.

Numa primeira geração, ficaram cristalizados os direi­tos de cidadania. Numa segunda geração, foram inseridos os direitos sociais na dos direitos fundamentais. A partir de en­tão a preocupação centrou-se não mais na formulação de me­ras declarações mas ficou evidenciada a necessidade de ver­dadeira promoção dos direitos humanos. Não adianta mais multiplicarmos textos que encerrem promessas mais ou me­nos vagas. É preciso que tais textos sejam aplicados no mundo jurídico, a fim de que surtam efetivo efeito.

Não podemos negar o caráter pedagógico da Declaração dos Direitos do homem. Tal documento carrega uma presunção de verdade, de legitimidade e de amplo consenso em torno de seus termos. Todavia, a Declaração sofreu um profundo desgaste decorrente da distância que separa seus enunciados e o efetivo cumprimento dos mesmos. Daí a necessidade de criarmos mecanismos que provem e salvaguardem tais direitos a todos nós. No Brasil, a situação não é diferente.

Não pudemos falar de direitos humanos sem falar cm classes sociais. Com efeito, a História demonstrou que os discursos dos direitos humanos no Brasil veio sendo influenciado pela classe média, que oscilou sua defesa e hoje procura esvaziar o discurso em favor dos direitos humanos. Isso porque o discurso dos direitos humanos no Brasil (como de resto em toda América latina) durante muito tempo sempre foi feito por uma maioria marginalizada e pobre.

A luta pelos direitos humanos no Brasil, nas três últimas décadas, é o reflexo do movimento popular da classe média. Do golpe de 64 (e especialmente depois de 1969) até a morto do jornalista Wladimir Herzog nas dependência do DOI-CODI em 1975, a luta pelos direitos humano, era sinônimo de luta pelo direitos políticos e, principal­mente, contra a tortura. Nessa fase, destaca-se o trabalho da Igreja Católica em favor dos direitos humanos, no Brasil e fora do Brasil e o apoio da Anistia Internacional.

A partir da morte de Herzog, até 1979, com a “distensão lenta e gradual” promovida pelo governo militar. buscou-se não apenas garantir a atividade física dos opositores do regime militar mas também se procurou alcançar os direitos de cidadania política. Essa época foi marcada pela luta por anistia, por campanha contra a Lei de Segurança Nacional, pelas greves do ABC paulista e pelo engajamento do movimento sindical paulista. Nesse período, a Igreja não lutou sozinha. A Ordem dos Advogados do Brasil e os próprios sindicatos dos trabalhadores, organizados e fortes, se engajaram na luta pelos direitos humanos. Ocorre ai, como reflexo dessa luta, o fim da cen­sura à imprensa. O assassinato do operário Santos Dias da Silva, nas greves de 1979/80 em São Paulo, é o símbolo da luta nesse período.

Em 1979, com a identificação dos direitos humanos com as classes marginais se deu de maneira total. Conquistados os diretos políticos e restabelecido o regime democrático, o discurso, a prática e a luta migraram para a conquista dos direitos econômicos e sociais. Passou-se a lutar pelo direito ao trabalho. (não nos esquecendo que a recessão de 1981 a 1984 exerceu uma influência importante nesse sentido), à saúde, à vida, à moradia e à integridade física. A luta continuou em favor dos presos (agora, presos comuns) e em prol dos lares pobres. Marcou essa época a campanha pela reforma agrária. O assassinato de dois menores na favela de Heliópolis (Teodoro e Dirley) representa também um marco nas reivindicações desse período.

Com a Constituição de 1988, consolidado o regi­me democrático, a luta pelos direitos humanos passou a ser a luta pela efetiva implementação dos direitos adquiridos através da nova carta. E também a partir daí que surge um novo perfil do Ministério Público, em que se consolidam (pelo menos no papel) os direitos democráticos e surgem leis mais importantes em defesa do cidadão, O conteúdo da luta pelos direitos humanos continua a favor dos presos e pela inserção das classes menos favorecidas nos direitos mais essenciais como a moradia, a saúde, a educação e pelos menores. Esse último período pode ser simbolizado pelas chacinas da Candelária e do Carandiru e pelos violentos conflitos com os sem-terras cm Eldorado dos Carajá, no norte do país.

O professor paulista José Reinaldo de Lima Lopes observou bem que. do ponto de vista das classe sociais a história recente dos direitos humanos pode ser dividida em dois momentos: do Golpe Militar até 1975; e de 1975 até nossos dias . O primeiro período foi marcado pela violação dos direitos da classe média (intelectuais, artistas e estudantes) ao lado das lideranças populares. A distinção de classes não constitui uma figura de retórica mas verdadeiramente aparece como um divisor de águas pelos direitos humanos. No período inicial, a prisão e a opressão do Estado recaía sobre a classe média (as classes dominantes nunca sofreram com as ditaduras militares nem no Brasil, nem no resto da América Latina) e havia uma retórica em favor do Estado de Direito. A violência contra as classes populares. que já existia desde antes de 1964, existiu durante o regime militar e persiste até hoje. Essa violência é reflexo de nossa infeliz tradição, desde os tempos da escravatura. em que os açoites eram públicos, passando pela abolição, que deixou uma grande musa de ex-escravos sem a mínima perspectiva, abandonados pela própria sorte e que continuaram a reproduzir o mesmo modo de produção anterior.

E em cima desse movimento pendular da classe me­dia é que podemos melhor compreender a situação de luta pelos direitos humanos no Brasil. A deterioração das condições de sobrevivência das classes populares constitui um fator importante para a ampliação da pauta de reivindicações, que deixou de ser apenas da proteção aos presos e partiu para a luta por melhores condições de salubridade, habitabilidade e educação das periferias. Assim, o modelo econômico brasileiro acabou por implantar um sistema falido de habitação popular. O êxodo rural, que antes era interessante porque garantia mão-de-obra barata para o pro­cesso de industrialização, passou a constitui um problema sério porque o inchaço da cidade acabou degradando a classe trabalhadora. A luta agora é contra o Estado, através de reivindicações de caráter social (das classes populares enquanto produtoras) e econômico (das classes sociais enquanto consumidoras). São lutas de caráter concreto, por melhores condições de trabalho (produção) ou de sobrevivência (reprodução).

As classes médias apoiaram os movimentos de direitos humanos no momento em que buscavam defender os presos políticos e retiraram esse apoio no momento em que a ex­pressão “direitos humanos” passou a ter uma conotação estendida a um caráter social e econômico. No período em que vigorava a censura no Brasil, o envolvimento das classes médias se deu através daqueles que diretamente se sentiam afetados pelo problema. Assim, as famílias de presos torturados e desaparecidos, os setores que tinham acesso à imprensa alternativa exerceram, juntamente com a igreja, um papel importante na luta pelos direitos humanos no Brasil durante a ditadura militar. É importante ressaltar que a classe média brasileira não foi unânime nesse apoio. Muitos se calaram . seduzidos pelo “milagre econômico”.

No período ditatorial, ocorreu um contato maior dos intelectuais (artistas. professores. estudantes e advogados), oriundos em geral da classe média, com a real idade soei ai das classes populares. através da proximidade física com presos comuns Num segundo momento, restabelecido o Estado de direito. o apoio dos intelectuais se esvaziou e somente aqueles desligados e independentes do grande capital e que tinham em principio, grande apoio da imprensa, é que continuaram na luta em favor dos direitos humanos, agora com um conceito renovado e com uma pauta de reivindicações ampliada.

A sistematização dada pelas Declarações de direitos acabou por influenciar todo o Direito Constitucional ocidental. Com efeito, a simples colocação dos direitos como leis não devem ser cumpridas não basta para que se efetivem tais direitos. É preciso lutar por eles, Os mecanismos jurídicos mais importantes serão tratados aqui. Nem sempre as ações praticadas pelos grupos de defesa dos direitos humanos checam a um resultado satisfatório. A falta de conhecimento) dos meandros da lei, vez por outra. acaba tornando mais lenta a prestação jurisdicional e prejudicando a eficácia legal da defesa dos direitos humanos. Torna-se necessário conhecer melhor os direitos contidos na lei.

A principal garanti a que o Estado pode dar, em termos legislativos, é a colocação dos princípios fundamentais de direitos humanos dentro da Constituição, no capítulo dos direitos e garantias individuais. A disposição dos assuntos no texto da constituição mostra o grande importância dos mesmos. Pela estrutura do texto constituicional podemos ter uma idéia do valor dado aos direitos fundamentais. No caso da Lei brasileira. no art. 5º, podemos perceber a existência de inúmeros princípios ã consagrados como direitos humanos de primeira geração só depois desses princípios é que aparecem os direitos sociais (por coincidência assim também ocorre na Constituição. no art. 7º). Os direitos humanos de terceira geração já estio sendo inseridos na Constituição (colocados no final do texto da lei). A própria colocação do assunto dentro de nossa constituição já mostra que ainda temos muito pela frente. É preciso fazer com que os direitos humanos de terceira geração sejam co­locados num patamar mais próximo dos “direitos funda­mentais”. Para que isso ocorra é necessário colocar efetivamente tais direitos em prática.

Para que isso possa ocorrer, devemos conhecer melhor os instrumentos jurídicos que existem à nossa disposição. Nossa Constituição carrega inúmeros instrumentos jurídicos que, uma vez conhecidos e utilizados, podem representar mecanismos de avanço rumo a uma sociedade mais justa e democrática. Vejamos alguns deles.

CONCLUSÃO

As pessoas que lutam pelos direitos humanos no Brasil são rotuladas como> aquelas que lutam pela proteção) do bandido contra a policia. Esquecem-se (ou fingem se esquecer) que o conceito é muito mais abrangente e envolve outras ações civis de reintegração de posse, ações civis re­ativa á tutela ou curatela de crianças e adolescentes carentes na busca de regularização de áreas urbanas irregulares, na divulgação dos direitos trabalhistas e previdenciários, na verdadeira luta por condições dignas de vida. O discurso, portanto. é muito maior.

A retórica de que os direitos humanos se resumem na busca de proteger da polícia os bandidos encobre o fato de que a polícia é utilizada com frequência como repressora dos movimentos de reivindicação das classes populares. A invasão do Carandiru em São Paulo. o massacre dos sem-terra, ocorrido no Pará, são exemplos disso. Na verdade, o choque não é entre a polícia e o cidadão mas, sim, entre o Estado e o cidadão. A polícia serve apenas de instrumento, de força aparente, de materializaçâo do Estado mas ela não é o Estado.

E importante ressaltar que essa retórica, hoje. interessa a classe média. Afinal, seus membros já não estão mais no cárcere porque os motivos políticos que ensejaram as prisões já se esgotaram. Institua-se novamente a dita­dura militar no Brasil e veremos de novo a classe média ingressar nas fileiras dos movimentos em defesa dos direi­tos humanos...

Vivemos uma situação peculiar em nosso país. Nossas leis são avançadíssimas. Somente para exemplificar. possuímos um moderno estatuto da criança e do adolescente mas que, na prática. vem se mostrando ineficaz. Possuí­mos uma lei de execução penal de moldes europeus que vem sendo permanentemente desrespeitada. Possuímos um Código de defesa do consumidor avançado mas que não surte eleito frente a uma grande massa de pessoas que não têm acesso ao consumo. Como podemos falar em direito do consumidor num Pais em que existem inúmeros cidadãos vivendo dos restos que são depositados nos lixões das grandes cidades? Como podemos pensar na proteção integral à criança ao adolescente quando abrirmos os jornais e constatamos o trabalho escravo nas carvoarias, nas plantação de erva-mate e a prostituição que grassa em alguns estados do Nordestes e Centro Sul do Pais? Será que podemos resumir o conteúdo das discussões sobre o direito humano aos maus-tratos que recebe nossa população carcerária? Não seria uma simplificação demasiada de seu conteúdo?

Sabemos que o Brasil é rico em leis. Possui uma estrutura legal que dá inveja a muito país dito desenvolvido. O grande problema é lazer com que nossas leis sei a m cumpridas porque leis existem para promover direitos humanos no Brasil. O judiciário (e aqui podemos colocar também o Ministério Público) possui algumas deficiências que impedem a efetiva aplicação das leis brasileiras. Afinal, não é do interesse das classes dominantes lazer com que as leis sejam cumpridas. Por outro lado, as classes populares. quando começam a rei­vindicar aquilo que lhes pertence. não como esmola mas, sim, como direito garantido pela a lei, a situação muda de figura. De lato, as garantias de direitos fundamentais não estão na lei mas, sim, no modo como se aplica a lei. A relevância não é sobre aquilo que está escrito mas, principalmente, no modo como são tomadas as decisões sobre a matéria. Nesse sentido, o Ministério Público pode exercer um papel importantíssimo na garantia da aplicação das leis que já existem.

Quanto às ONGs, é preciso tirar proveito da liberdade de informação e promover mecanismo de pressão econômica contra os países que violam os direitos humanos. As ações do Ministério Público são eminente­mente públicas e abertas à participação popular. As­sim, as organizações não-governamentais podem se utilizar do Ministério Públicos para canalizar a defesa jurídica de seus direitos. Por outro lado, a publicidade. fator predominante nas ações do Ministério Público pode ser utilizada como fonte de informações para as organizações não-governamentais. de modo a poderem ter acesso seguro e confiável aos dados, a fim de que possam exercer sua função de grupo de pressão, especial­mente utilizando-se de entidades internacionais. Com a globalização do inundo podemos tirar proveito para pressionar as autoridades. Com as facilidades advindas por exemplo, da INTERNET. podemos divulgar de maneira atualizadas todas as lesões aos direitos humanos que ocorrem no Brasil e com isso buscarmos outras formas de pressão (principalmente de caráter econômico) para que possamos lutar por um mundo melhor.

 

Promotor de Justiça de Goiânia. Mestre em Direito (UFG). Professor
de Direito da faculdade Anhanguera de Ciências Humanas
e UNIP (Universidade Paulista) – Campus de Goiânia  

 
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