Tecido
Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos
- RN
N.
013 – 24/11/03
SISTEMA
PENITENCIÁRIO DO RN
A barbárie cotidiana do
Presídio Provisório
O
Presídio Previsório Raimundo Nonato de Natal (RN) é a
dramática encarnação do estado vergonhoso, de autêntica barbárie,
em que se encontra hoje o sistema carcerário do Brasil. Além
de superlotado, o presídio está completamente abandonado pelo
poder público em todos os aspectos (infraestrutura, condições
higiênico-sanitárias, atendimento psicológico aos presos, fiscalização
da administração e da gestão, etc.), o que faz com que seja,
na prática, um universo concentrado de atrocidades gratuitas
e fora de qualquer legalidade contra quem está descontando penas
entre suas paredes.
Segundo
a legislação brasileira, a Pena Privativa de Liberdade ao qual
o Estado-juiz submete o réu através de sentença condenatória
tem o dúplice objetivo de tirar o indivíduo do meio social para
que não possa reincidir no crime cometido ou cometer outros
e ao mesmo tempo de regenerar espiritualmente e reinserir socialmente
o condenado através de um acompanhamento psicológico e humano
permanente. Este último é um direito inviolável de toda pessoa
submetida a regime de prisão, porém, de fato, o único direito
que os presos do Presídio Provisório Raimundo Nonato têm é o
à humilhação, à fome, às doenças e a toda espécie de tortura
física e psicológica, sendo sua condição humana completamente
negada.
Por
estes motivos, ao invés que ressocializar e regenerar os presos,
a cadeia - como está organizada hoje no Brasil - perverte, vicia,
deturpa, humilha e embrutece. É uma universidade às avessas,
onde se aperfeiçoa a montagem da criminalidade.
Para
enfrentarem o estado em que vivem, o ambiente prisional e sua
contaminação, os presos necessitam de um acompanhamento psicológico
permanente. Porém, o sistema atual, ao contrário do que dispoe
a lei penal, cria ou acirra o espírito de mágoa, insatisfação
e revolta pela crueldade, miserabilidade e insalubridade do
local. É o que ocorre com os detentos do Presídio Provisório:
inexiste um acompanhamento psicológico e também qualquer tipo
de assistência material.
Uma
comissão da Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias
(CODEM) do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, dirigida
pelo ex padre Fábio dos Santos,
visitou o Presídio Provisório no dia 3 de novembro e o que viu
- relatado oralmente a Tecido Social - foi uma situação
assustadora: presos deseperados clamando por ajuda e justiça.
Além
de serem agredidos diariamente sem motivo nenhum, por puro sadismo
dos agentes penitenciários, os presos são submetidos à humilhação
permanente de serem tratados de "bois" cada vez que
agentes ou policiais lhes dirigem a palavra. Na noite do passado
2 de novembro, os agentes mandaram eles descerem a escadaria:
assim que chegavam ao final, falavam "este boi é bom"
e em seguida os espancavam violentamente.
Na
visita, com caráter de urgência, a Comissão encontrou presos
exaltados e revoltados por terem sido submetidos a torturas
no dia anterior. Segundo o que os presos relataram, tudo começou
quando dois deles, Franciso Rodrigo dos Anjos e Wendell,
da cela 03 da ala B, começaram a bater nas grades para que fossem
abertas pois era domingo, dia destinado às visitas, um direito
reconhecido na Lei de Execução Penal, artigo 41, inciso X. Normalmente
as grades são abertas às 8 horas, mas já passavam as 9 e nenhum
agente tinha aparecido para abrí-las.
Após
o horário de visita, começaram as agressões por parte dos policiais
e agentes. Primeiro, levaram Francisco e Wendell para o castigo,
onde os torturaram. A grande maioria dos presos, como a Comissão
da CODEM constatou, também foram agredidos física e moralmente,
com frontal desrespeito ao que prescreve a Constituição Federal
em seu artigo 5º, inciso III: "ninguém será submetido
a tortura nem a tratamento degradante", e a Lei 9.455/97,
artigo 1º, inciso II, parágrafo 1º, que comete crime de tortura
"quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança
a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de
ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal".
Alguns ainda foram levados para castigo onde permanecem isolados,
num local sem iluminação, sem ventilação adequada, sem alimento
e sem assistência médica.
Na
noite daquele mesmo dia, 2 de novembro, em um dos pavilhões
do presídio, nas celas 01, 02, 03, 11, 14 e 15, vinte detentos
foram submetidos a graves e injustificadas agressões, algumas
das quais foram relatadas pela Pastoral Carcerária em um relatório
reproduzido, em parte, na passada edição do Correio Tecido
Social.
Muitos
dos presos, mesmo temerosos em sofrer represálias, falaram à
Comissão da CODEM sobre o tratamento desumano ao qual são submetidos
por parte do diretor do presídio, o Dr. Paulo Jales, e seus
agentes carcerários e policiais militares. Se for confirmado
o que foi relatado pela Pastoral Carcerária no documento publicado
na passada edição deste jornal eletrônico, que o diretor do
presídio presenciou às toruras infligidas aos presos e não só
não fez nada para impedí-la mas as incitou afirmando que "preso
comigo é para levar porrada. Aqui é a lei da selva",
se trata de crime conforme a Lei 9.455/97, parágrafo 2º, inciso
II, que define os crimes de tortura e dá outras providências:
"aquele que se omite em face dessas condutas, quando
tinha o dever de evitá-las ou apurá-las incorre na pena de detenção
de 1 (um) a 4 (quatro) anos".
Segundo
nos realtou a Comissão da CODEM que visitou o presídio, na hora
em que ela conversava com os detentos o Dr. Paulo Jales ficava
contradizendo os presos de forma ameaçadora. Por exemplo, um
dos presos da ala B foi informar o que acontecera no dia anterior,
quando o diretor de forma irônica perguntou se ele realmente
havia sido agredido. Os presos se sentiam coagidos com a presença
acintosa do diretor, que dificultou que a Comissão tivesse uma
conversa clara e sincera com eles já que a todo momento estava
presente.
Haja
visto tudo isso, Tecido Social pede urgentemente ao Ministério
Público e os órgãos competentes que todos os atos de tortura
cometidos no Presídio Provisório Raimundo Nonato na noite do
2 de novembro sejam rapidamente apurados e seus autores punidos.
Também, juntando nossa voz à de Fábio dos Santos que o pediu
publicamente, exigimos o afastamento imediato do Dr. Paulo Jales
do cargo de diretor do presídio e uma investigação que apure
a responsabilidade deste último nas violações dos direitos humanos
acontecidas no 2 de novembro para que sejam tomadas as devidas
providências penais.
Redação
de Tecido Social
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