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Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 014 – 01/12/03

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Violência e opressão de gênero no Rio Grande do Norte

A cada 15 segundos, no Brasil, uma mulher é vítima de algum tipo de violência: moral, física ou assassinato. Uma de cada três mulheres sofre agressões. Estes dados vergonhosos, fruto de uma pesquisa recente da Fundação Perseu Abrão de São Paulo, foram o ponto de partida da palestra A violência contra a mulher que teve lugar na noite da passada sexta-feira, 28 de novembro, no Auditório do Tribunal de Contas da União de Natal (RN).

A palestra foi organizada pela União Brasileira de Mulheres (UBM), entidade feminista que há 15 anos combate a discriminação de gênero e qualquer forma de violência contra a mulher, e pela União de Mulheres de Natal (UMNA), organização feminista local filiada à UBM e ativa há 20 anos.

O evento, parte de uma mobilização nacional pela eliminação da violência contra a mulher lançada no dia 25 de novembro e que terminará no dia 10 de dezembro, contou com a participação à mesa de representantes de diversas entidades: Isabel Helena, do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher e das Minorias; Eveline Guerra, do mandato popular do vereador George Câmara; Fátima Viana, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Francisca Elpídio, do Sindicato de Testes do RN.

As palestrantes foram a ex jornalista e atual médica do trabalho e Conselheira da União Brasileira de Mulheres, Olívia Rangel, a ex delegada e atual Coordenadora de Defesa da Mulher do Governo do Estado do RN, Rossana Pinheiro, e a antropóloga e Coordenadora do Fórum de Mulheres do RN, Elizabeth Nasser.

Olívia Rangel traçou uma breve história da opressão de gênero mostrando que durante séculos - desde o começo da História até a Revolução Industrial - não se pensou na mulher como pessoa: por exemplo, a "democracia" ateniense, na Grécia antiga, era só para homens porque a mulher era considerada incapacitada para exercê-la. Com a implantação do capitalismo e a entrada da mulher no mercado de trabalho, afirmou a médica, se começou a pensar na questão feminina: ???????C°???um novo sujeito social, com exigências e características específicas, começou a ocupar espaços públicos e a entrar no debate social.

A novidade do feminismo, desde as suas origens na época da Revolução Francesa, foi identificar a opressão de gênero como questão específica, diferente da opressão de classe. Até mesmo no processo revolucionário que pôs fim a séculos de sociedade feudal, e mais tarde nas ideologias libertárias de carácter socialista, os direitos da mulher não foram pensados como questão independente. A revolução feminista consistiu em mostrar que não é suficiente mudar as estruturas sociais de classe para eliminar, como conseqüência, a opressão de gênero, pois esta última tem profundas raízes culturais.

A violência, sustentou Olívia Rangel, é um elemento CONSTITUTIVO das relações de gênero de tipo opressivo. A subordinação da mulher assume diversas formas: simbólica, psicológica, moral e física. Uma das principais características de todas estas formas de violência é que, na sua grande maioria, são praticadas no contexto doméstico, no interior do lar: segundo as estatísticas, a proporção de mulheres que sofrem violência doméstica respeito àquelas que sofrem violência na rua é de nove a uma. Rangel especificou que a expressão "violência doméstica" não se refere necessariamente à violência que ocorre de???????C°???ntro das casas: é considerada tal a violência que se desenvolve no âmbito da relação conjugal.

A médica do trabalho, mencionando dados levantados em uma dissertação universitária de autoria dela, mostrou que - contrariamente ao que se pensa - grande parte dos crimes contra as mulheres acontecem nas classes A ou B. Principalmente na primeira, onde ocorre o 30% dos casos de violência doméstica. Isto, segundo Rangel, desmonta o "mito" (tão difundido entre a população) de que a violência contra a mulher seria fruto da miséria. Quem agride física ou moralmente mulheres não são só favelados desempregados, bêbados e geralmente de pele negra (o clichê do marginalizado), mas muitas vezes médicos, advogados, professores universitários, executivos, gerentes financeiros, etc.

Afirmar que a violência contra a mulher vem da miséria, afirmou a doutora Olívia, é uma maneira de negar que são a estrutura da família e das relações de gênero na nossa sociedade que geram esta violência. Ou seja, é uma maneira de reproduzir o mito da "família burguesa organica": a conceição - completamente falsa - da família de classe médio-alta como entidade integrada e harmônica, em contraposição à família disgregada das classes mais desfavorecidas.

A palestrante afirmou que este mito deriva do fato de que os boletins de ocorrências das delegacias registram mais crimes procedentes das classes humildes. Segundo Rangel, a violência contra a mulher nas classes altas chega mais dificilmente à imprensa e as delegacias porque os ricos têm muito a perder: a concepção do "bom nome" da família como valor supremo a ser protegido de qualquer "escândalo" ainda é muito enraizada, além do fato de que na divisão de bens que deriva da separação, na maioria dos casos, a mulher sai gravemente prejudicada (até o ponto de poder perder tudo o que tem).

Além de ser uma gravíssima violação dos direitos humanos, a violência contra a mulher - afirmou Rangel - tem custos sociais, econômicos e sanitários enormes. Segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), as faltas no trabalho de mulheres empregadas, provocadas pelos espancamentos que estas sofrem, gera perdas consideráveis no PIB de todos os países do continente americano, sem contar as gigantescas despesas sanitárias (gastos de hospital e de atendimento) que Este fenômeno acarreta para os Estados. Mas o aspecto mais grave é a queda dos salários das mulheres empregadas que sofrem espancamentos e, por este motivo, faltam repetidamente no trabalho: o salário destas mulheres corresponde apenas ao 39% do daquelas que não sofrem violência. Já que as autoridades públicas, geralmente, são sensíveis só aos aspectos econômicos das questões sociais - disse Rangel - deveriam considerar as perdas para o PIB das nações, os gastos para os Estados e a diminuição de renda que o problema da violência contra a mulher produz.

As saídas, segundo a médica do trabalho, não são a curto prazo. Em primeiro lugar, disse, é necessário que haja vontade política. Em segundo lugar, que as políticas públicas para erradicar a violência contra as mulheres envolvam diversos Ministérios. O da Educação deve eliminar o sexismo no material didático, pois no ambiente escolar o preconceito se reproduz de várias formas e sem uma discussão promovida pelos professores tais concepções acabam sendo cristalizadas. O Saúde precisa capacitar pessoal médico e paramédico para detetar os casos de violência quando as mulheres vão aos hospitais ou aos postos de saúde. O da Justiça deve instituir mais delegacias da mulher, treinar o pessoal destas que geralmente não é preparado e mudar o sistema de promoções internas da polícia, pois o tempo que as delegadas passam à frente das delegacias da mulher não é computado para as suas carreiras. Além disso, o Ministério da Justiça deve elaborar uma política de proteção às mulheres ameaçadas de morte.

Por último, afirmou Rangel, é preciso criar condições para que as mulheres conquistem espaços de cidadania nos sindicatos, os partidos, as instituições, as comunidades. Mudar as estruturas de classe da sociedade capitalista não é suficiente para eliminar a prática da violência contra a mulher, disse a palestrante, pois o que é preciso realizar é uma transformação cultural das relações de gênero.

Elizabeth Nasser, coordenadora do Fórum de Mulheres do RN, disse que no início do século XX as mulheres não tinham nem o direito de escolher o próprio marido (portanto, de decidir livremente sobre os aspectos mais relevantes da própria existência) e que em 2002, um século depois, o 61% dos formados no Brasil foram mulheres. Isto, segundo a antropóloga, mostra que a mulher conquistou espaços; porém, a cultura continua sendo extremamente machista.

Como exemplo, a professora contou que virou feminista depois de morar quatro anos nos Estados Unidos e lidar com a sociedade mais violenta do mundo com relação à mulher, e que quando voltou ao Brasil muitos casais amigos se afastaram dela porque os maridos temiam que pudesse "interferir" na vida das esposas deles.

A mulher que sofre violência, afirmou Nasser, perde o respeito por ela mesma e passa esta visão para os filhos, criando um círculo vicioso de reprodução da opressão de gênero. Mas o que é pior, segundo a antropóloga, é que a violência vivida no dia a dia pela mulher não é percebida como tal pela sociedade. A cultura sexista instínseca às relações de gênero leva muitas pessoas a acreditar que a mulher é CULPADA pela violência que sofre. E não são só os pobres, os que não têm educação que acham isso, disse Nasser, mas muitos homens que ocupam altos cargos na iniciativa pública ou privada: pessoas determinan as políticas econômicas, salariais, trabalhistas, sociais e os mesmos juizes que condenam os crimes dos quais as mulheres são vítimas.

O pior, segundo Nasser, é que muitas mulheres têm introjetado tanto a cultura sexista dominante que chegam a achar que MERECEM os abusos aos quais são submetidas ou, no mínimo, que não têm direito de manchar o "bom nome" do marido (assumido como valor absoluto, superior aos próprios direitos). Esta cultura é reproduzida de geração em geração através da educação: em todas as classes sociais, afirmou a professora, se criam os filhos com a concepção de que é o marido quem traz renda na casa, quem tem emprego entre os dois pais e quem "governa" dentro do lar.

As mulheres sofrem violência em diversos âmbitos, afirmou Nasser. Há violência no trabalho: a diferença salarial (para o mesmo cargo, uma mulher ganha várias vezes menos do que um homem) e o assédio sexual. Há violência na área de saúde: morte materna devida a atendimento médico inadequado (o RN tem um dos maiores índices deste fenômeno), pessoal médico não capacitado para reconhecer os casos de violência, atendimento superficial e irresponsável nos postos de saúde. Muitas vezes, relatou a professora, os médicos nem olham o que as mulheres têm e receitam remédios impróprios ou psicofármacos: isso acontece demais nos postos de saúde e é violência.

A maioria das pessoas acha que violência contra a mulher é apenas matar ou espancar, acrecentou, mas é errado: impedir que a própria esposa coloque um certo batom, que saia com as amigas, que viva a própria vida é violência, é considerar a mulher um objeto de propriedade ao invés que uma pessoa. E isto acontece em todas as classes sociais.

A novela da Rede Globo Mulheres Apaixonadas, finalizou Nasser, tentou passar a idéia de que a pessoa que bate na mulher é doente mental, tem problemas psicológicos. Não é assim: são pessoas normalíssimas, perfeitamente sãs mentalmente. É a CULTURA da sociedade no que diz respeito às relações de gênero que SE FUNDA na violência (moral, que acaba incentivando e legitimando a física), pois faz acreditar às pessoas que a mulher é um objeto de posse do homem cujos lugares são a cozinha e a cama.

Rossana Pinheiro, Coordenadora de Defesa da Mulher do Governo do Estado do RN, começou sua intervenção comemorando a inauguração, no dia 25 de novembro, da segunda Delegacia da Mulher de Natal, na Zona Norte, após 17 anos de espera.

A ex delegada, que atendeu durante seis anos mulheres vítimas de violência, testemunhou o que vivenciou ao longo da sua experiência. Afirmou que todas as mulheres que chegam à Delegacia encontram-se em um determinado estágio de violência doméstica e que a principal tarefa do profissional é entender em qual destes estágios a mulher se encontra e como estimulá-la a levar adiante a ação penal contra o marido, pois na maioria dos casos acabam desistindo.

Pinheiro relatou que, muitas vezes, mulheres que simplesmente acompanhavam amigas vítimas de violência, ao longo do processo de atendimento a estas últimas iam se dando conta de que elas também sofriam determinadas formas de violência em casa, e que estas podiam se tornar a qualquer momento agressões físicas. Porém, a ex delegada denunciou o despreparo de muitos profissionais para detectar estes casos para um trabalho de prevenção, assim como para lidar com as vítimas de agressões abertas para que perdessem o medo de processar os maridos e não se sentissem desprotegidas.

Os estágios de violência que a delegada identificou nas vítimas atendidas pela polícia são quatro. O primeiro é uma violência não visível, que poderiamos definir violência moral: o desprestígio constante, sistamático da mulher dentro de casa (diminuição do seu valor, exclusão do processo de toma de decisões, exclusão da administração do dinheiro, etc.).

Deste estágio, em muitos casos, se passa a um segundo de violência mais explícita, que poderiamos chamar de violência psicológica: a mulher é ameaçada verbalmente (de ser espancada, abandonada, perder os filhos, etc., caso que vista determinadas roupas, saia, freqüente determinadas pessoas, etc.) e submetida a humilhações constantes realizadas com palavras, gestos, críticas desrespeituosas ao seu desempenho sexual, etc.

O terceiro estágio, o da violência física (agressões, espancamentos, estupros, etc.), segundo a ex delegada na maioria dos casos vem desta longa trajetória de violência não visível, que não deixa marcas no corpo, mas na personalidade.

O momento crucial em determinar o destino da mulher que sofre violência é o que segue à primeira agressão. Depois desta, o homem geralmente "se arrepende": envia flores à vítima, leva ela para sair, depois a leva para algum motel e lhe proporciona momentos de prazer, tenta se desculpar pelo que fez, atribui a culpa a causas externas, diz que nunca mais vai acontecer e que ele mudou. É ai, afimrou Pinheiro, quando a maioria das mulheres desistem de levar diante uma ação penal. Acabam pensando que afinal o marido delas é o pai dos seus filhos, é o homem que um dia amaram e talvez amem ainda, lembram do prazer que ele lhes proporcionou, etc.

Quando isto acontece, se o profissional não sabe como estimular a mulher a prosseguir a ação penal, é tarde demais para voltar atrás: o marido da mulher volta a agredí-la, os espancamentos viram sistamáticos mas ela fica com medo de denunciá-lo, com medo de não conseguir sobreviver sozinha com seus filhos sem o dinheiro dele, etc. Em muitos casos, esta situação leva ao último estágio: o assassinato da mulher.

Na Delegacia da Mulher de Natal, afirmou a Coordenadora de Defesa da Mulher do RN, são registrados aproximadamente 700 casos por mês de violência contra mulheres.

Pinheiro afirmou que mostrar às mulheres que vão à Delegacia o desprestígio ao qual são submetidas em suas casas é estar previndo futuros homicídios e estar conscientizando a mulher sobre seus direitos e seu valor.

Ela mostrou também sua frustração pela falta de capacitação profissional de quem trabalha na delegacia, que faz que muitas vezes este pessoal não seja capaz de estimular a mulher vítima da primeira agressão a emprender um processo penal contra o marido e, deste jeito, impedir um assassinato. Também criticou duramente a falta de uma casa-abrigo para as mulheres ameaçadas de morte pelos próprios maridos em Natal e de uma política orgânica de proteção a estas mulheres, o que faz que muitas delas acabem assassinadas por omissão do poder público.

No entanto, a ex delegada afirmou que mesmo sendo poucas duas delegacias da mulher em Natal (que tem uma população de quase um milhão de habitantes), antes isto não existia e que, portanto, algo está mundando. O importante, segundo ela, é continuar a luta nesta direção porque as coisas podem mudar e a existência das delegacias demostra que isto é possível.

Antonino Condorelli

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