Tecido
Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos
- RN
N.
014 – 01/12/03
ENTREVISTA
Olívia Rangel
(Médica do trabalho e Conselheira da União Brasileira de Mulheres)
"A violência é um componente constitutivo das relações
de gênero desiguais"
Por
Antonino Condorelli
Qual
é a situação da mulher, hoje, no Brasil?
Ainda
é uma situação bastante difícil. É claro que em alguns aspectos
houve avanços e melhoras: desde o período do regime militar
houve avanços nas leis, principalmente com a Constituição de
1988. Mas, infelizmente, estas conquistas nas legislação ainda
não entraram a fazer parte da vida cotidiana, onde as mulheres
continuam enfrentando enormes dificuldades nas condições de
trabalho, nas condições de moradia, dentro de casa nas relações
com seus companheiros, etc. E a violência é um componente central
desta realidade.
O
Governo Lula realizou políticas visadas à promoção dos direitos
das mulheres?
Ainda
está no começo. Tem uma Secretaria da Mulher com estatuto de
Ministério, dirigida por Emília Fernandes, e as primeiras medidas
que eles estão tomando são justamente direcionadas ao combate
à violência, no sentido de acabar com a impunidade e de promover
conjuntamente com outros Ministérios políticas públicas que
contribuam a conscientizar as pessoas. Mas está no começo e
esta é uma luta muito longa, não é uma questão que vai ser resolvida
em poucos anos. É uma luta de longo prazo.
Quais
são as raízes do fenômeno da violência contra as mulheres na
sociedade brasileira?
Eu
acho que não é um problema da sociedade brasileira, é um problema
das relações de gênero em qualquer lugar. Em todo o mundo, as
relações de gênero são relações desiguais. Em todos os países
que a gente conhece (mesmo aqueles considerados mais desenvolvidos),
existe uma diferença flagrante na situação de homens e mulheres.
E um dos elementos desta diferença social e cultural entre gêneros,
de raízes milenares, é a violência. As relações de gênero são
marcadas pela violência, do mesmo jeito que as relações de classe
ou as raciais. Sempre que tem alguém oprimindo e alguém oprimido,
inevitavelmente há um componente de violência que é parte integrante
desta relação.
O
mercado de trabalho, hoje, continua a ser sexista?
Sim.
Embora as mulheres estejam ficando mais tempo no emprego, isto
não se deve ao fato delas estarem favorecidas mas ao fato de
que os seus salários são mais baixos. As mulheres, historicamente,
aprenderam a ser polivalentes e como hoje o mercado está exigindo
justamente pessoas polivalentes elas estão conservando mais
facilmente seus postos. Elas realizam sozinhas diversos serviços
que antigamente eram realizados por mais duma pessoa e ganham
salários mais baixos. O mercado de trabalho continua a ser sexista
sim.
Na
sua opinião, políticas afirmativas como a das cotas no referente
à questão racial poderiam ajudar a melhorar a situação das mulheres?
Eu
acho que sim, mas as políticas afirmativas sozinhas não são
suficientes. Aliás, realizar só este tipo de políticas pode
ser uma perigosa armadilha, porque com elas você cria postos
para as mulheres mas não cria condições efetivas para que elas
possam ocupar estes postos. É preciso dar capacitação às mulheres,
é preciso criar condições para o exercício dos seus direitos.
Por exemplo, se você cria postos de trabalho, tem que criar
também instituições onde elas possam deixar seus filhos. E é
preciso que elas tenham capacitação. As mulheres, em sua grande
maioria, estão excluídas da alfabetização digital, portanto
vão ter maiores dificuldades na inserção no mercado. Criar postos
sem dar condições objetivas não é suficiente.
As
desigualdades sociais que há no Brasil repercutem também na
questão das mulheres? As mulheres das classes altas têm mais
direitos, de fato, do que as das classes menos favorecidas?
Do
ponto de vista das relações de classe, as mulheres das classes
altas, tendo mais dinheiro, evidentemente têm melhores condições
de vida. Mas do ponto de vista das relações de gênero propriamente
ditas, não. Os índices de violência também são grandes nas classes
altas. Eu fiz minha dissertação de mestrado sobre violência
na classe A, justamente para acabar com o mito de que a violência
doméstica seria um problema exclusivo das classes menos favorecidas,
com menos culturas, etc. Não é assim. Minha pesquisa se desenvolveu
com pessoas de formação superior, que às vezes falam várias
línguas, que têm uma renda superior a 5.000 reais mensais e
os índices de violência que registrei são muitos semelhantes
àqueles encontrados nas classes sociais mais baixas.
A
mulher brasileira é uma das principais vítimas do turismo sexual
e do tráfico internacional de prostitutas. Que medidas podem
ser tomadas para erradicar estes fenômenos?
Em
primeiro lugar, eu acho que há que agir do ponto de vista econômico.
É preciso realizar políticas afirmativas para garantir sustento
para estas mulheres. Elas acabam vítimas destes fenômenos, em
grande parte, porque não têm meios para viver, ainda mais quando
têm filhos. Portanto, é preciso que haja políticas econômicas
afirmativas visadas a permitir que estas mulheres tenham renda
própria. Além disso, é preciso punição: a impunidade, tanto
no Brasil como no exterior, favorece este tipo de fenômenos.
E também é necessária uma política cultural em larga escala
que implante uma discussão social sobre o papel da mulher e
que permita uma valorização da mulher dentro da sociedade.
O
Brasil rural é o lugar do país onde a cultura machista é mais
profundamente enraizada. Como fazer chegar ao Agreste, ao Sertão,
ao meio da floresta, etc., a consciência dos direitos das mulheres?
Esta
é uma questão de organização e participação, e evidentemente
nos centros urbanos é mais fácil criá-la pelo fato das pessoas
estarem aglomeradas. Mas, por outro lado, há organizações sindicais
que têm na própria agenda a questão dos direitos das trabalhadoras
agrícolas. Seria muito importante que o movimento de mulheres
fizesse uma aliança com estas entidades. Seria importante levar
a questão da opressão de gênero a estas entidades que mobilizam
as mulheres do interior, como a CONTAG, o próprio MST que realiza
um trabalho de conscientização, etc. Só deste jeito a questão
dos direitos da mulher como tal poderá chegar ao interior do
país.
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