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Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 087 – 31/08/04

MEMÓRIA HISTÓRICA E CULTURA POPULAR

Entrevista a Nei Leandro de Castro - Escritor

“A cultura oficial e a mídia nacional relegam o Nordeste à margem da história”

Por Antonino Condorelli

Potiguar radicado no Rio de Janeiro há 36 anos, Nei Leandro de Castro é poeta, contista e romancista, tendo passado pelo jornalismo (escreveu no diário natalense Tribuna do Norte e no semanário nacional de sátira O Pasquim) e a publicidade. Nascido em Caicó, com cinco anos de idade foi morar em Natal, onde permaneceu até 1968. É um dos poucos autores brasileiros que se dedicam com sistematicidade e paixão à literatura erótica, tanto nos contos e romances como na poesia. Seus poemas eróticos foram apreciados por Carlos Drummond de Andrade e estão reunidos nos volumes Zona Erógena e Era uma vez Eros. É fascinado pela cultura e a linguagem popular nordestina, que inspiraram seu romance mais lido, As Pelejas de Ojuara, que em breve terá uma versão cinematográfica produzida por Luiz Carlos Barreto. Na passada terça-feira, 24 de agosto, Nei Leandro de Castro lançou em Natal seu último romance, As Dunas Vermelhas, ambientado durante a insurreição comunista de 1935 na capital potiguar e que, misturando fatos históricos e ficção literária, conta histórias de amor, traição e crimes passionais entremeadas com doses de humor. Antes de voltar ao Rio, o autor concedeu esta entrevista a Tecido Social na passada sexta-feira, 27 de agosto.

Tecido Social: As Dunas Vermelhas, seu último romance, é ambientado durante a insurreição comunista de 1935 em Natal, um acontecimento muito pouco conhecido pelos brasileiros e muito pouco estudado pelos historiadores. De onde veio o impulso de ambientar uma história durante este levante?

Nei Leandro de Castro: Primeiro de tudo, eu cresci ouvindo histórias sobre esta insurreição. Meu pai era militar e combateu no interior contra os rebeldes que, depois de tomar o poder na capital, estavam caminhando em direção ao Seridó. Meu pai contava muitas histórias daquele levante. Mais tarde, me interessei com aquela história e comecei a ler para conhecê-la. Infelizmente, a bibliografia sobre o tema é muito escassa. Os grandes historiadores nacionais, quando relatam o fato, o fazem de forma muito breve e superficial. Por exemplo, Hélio Silva, que dedicou grande parte da vida ao estudo de Getúlio Vargas e da sua época, quase não escreveu nada sobre o assunto. No livro Olga, de Fernando Morais, há uma referência muito pequena. Para achar alguém que escreveu mais sobre esta tentativa de golpe passada à história com o nome – que eu não gosto - de “intentona comunista”, há que voltar para o Rio Grande do Norte. Então, encontraremos João Maria Furtado, que escreveu sobre o levante de um ponto de vista a favor da insurreição, e João Medeiros Filho, que o fez do ponto de vista oposto, pois em 1935 era chefe de polícia e foi preso e quase fuzilado durante a rebelião. Mais recentemente, com mais precisão e uma sólida pesquisa histórica, escreveu sobre o assunto o professor Homero Costa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, uma das minhas principais fontes para o romance. Agora, eu não sou historiador: usei a insurreição de 35 como cenário para desenvolver temas de ficção, e juntei ficção com realidade.

Tecido Social: Na sua opinião, porque este acontecimento é tão pouco estudado e tão pouco conhecido a nível nacional, apesar de ser tão relevante para a história não apenas do Brasil, mas da América Latina toda, pois se tratou da primeira insurreição de caráter marxista do continente?

Nei Leandro de Castro: Eu tenho certeza de que, se esta rebelião tivesse acontecido no Rio de Janeiro ou em São Paulo, não seria um rodapé da história, mas faria parte dela a pleno título. Infelizmente, o Nordeste é relegado às margens. A mídia nacional não olha para cá, não só no que diz respeito à história, mas também à poesia, os romances... A produção cultural do Nordeste é muito pouco divulgada, conhecida, considerada pelos grandes meios de comunicação. Gostaria que meu livro servisse pelo menos para despertar novos pesquisadores, novos historiadores para se debruçarem sobre a insurreição de 35 em Natal.

Tecido Social: As Pelejas de Ojuara, outro seu romance, é uma re-elaboração pessoal de histórias e personagens da cultura popular sertaneja, especialmente a da região onde nasceu, o Seridó. O romance surgiu de uma vontade explícita de resgatar esta cultura ou se tratou simplesmente de inspiração?

Nei Leandro de Castro: Nasceu de uma idéia: queria ter um herói nordestino. Ai comecei a pesquisar: passei oito meses lendo literatura popular nordestina, especialmente cordéis feitos no Seridó, que me inspiraram muito. Depois destes oito meses, me isolei e passei quatro meses escrevendo. Toda minha memória afetiva aflorou abundantemente enquanto estava exilado voluntariamente no inverno de Chicago. Escolhi uma cidade à qual ninguém vai se não por negócios, larguei a família, o emprego, me tranquei num apartamento e comecei a escrever. E lá, em Chicago, veio tudo... A memória dos grandes mentirosos que conheci na minha infância, estes fabulistas maravilhosos que amedrontavam a gente à noite com histórias de terror e que hoje, infelizmente, não existem mais... todo aquele mundo mágico do Nordeste. Ojuara é um personagem que mostra dois aspetos do nordestino: seu heroísmo e seu erotismo.

Tecido Social: Confia na versão cinematográfica do romance, acha que vai respeitar o espírito da obra?

Nei Leandro de Castro: Vou torcer para que seja assim, porque não posso fazer nada. Já dei opiniões sobre o roteiro, vou ficar muito perto do diretor, Moacir Góes (que é de Natal, filho do professor Moacir de Góes, militante potiguar perseguido pela ditadura militar), e de Luiz Carlos Barreto, a pedido dele. Na verdade, eu não queria, foi ele que insistiu. Até queria que eu escrevesse o roteiro, mas recusei porque esta não é a minha especialidade: escrevi o romance e, com isso, já fiz minha parte. Pedi que pegasse um bom roteirista, porque eu não sei desenvolver a linguagem do cinema. De todas as maneiras, ele disse que vai fazer o filme mais bonito da sua vida, melhor de Dona Flor e seus dois maridos, e eu vou torcer para que seja realmente assim.

Tecido Social: Na sua opinião, existem esforços para preservar e reproduzir a cultura popular nordestina ou ela está fadada inevitavelmente a desaparecer?

Nei Leandro de Castro: Acho que, neste momento, há um excelente trabalho a favor da cultura nordestina aqui, no Rio Grande do Norte, realizado pelo diretor geral da Fundação José Augusto, François Silvestre. Graças à sua atuação, estão sendo abertas casas de cultura em muitos municípios do interior do Estado e a Fundação está produzindo uma revista de alto nível, a Preá, onde a cultura do Sertão, das regiões mais esquecidas do nosso Estado, uma cultura até então desconhecida ainda por nós da capital, está sendo mostrada em toda a sua riqueza e diversidade.

Tecido Social: De onde nasceu sua paixão pela poesia erótica e porque, na sua opinião, este gênero é tão pouco cultivado pelos poetas brasileiros?

Nei Leandro de Castro: Acho que é destino ou maldição. Eu não vou deixar de escrever poesia erótica, porque gosto e é um dos meus temas, mas até no Rio de Janeiro isso é visto com um certo preconceito. Já fiz vários recitais de poemas do meu livro Era uma vez Eros e, certa vez, um amigo meu me apresentou a uma amiga dele e disse: “Este aqui é Nei, que escreve versos de sacanagem”. A visão dos outros é pejorativa, quase de desprezo. Eu não sei de onde vem tanta implicância com a poesia erótica no Brasil. Nós não temos uma tradição, os grandes poetas que fizeram versos eróticos se esconderam: Drummond passou a vida toda sem publicá-los, deixando-os para depois da morte; Bandeira era, na minha opinião, um grande poeta erótico, mas reprimiu sua sensualidade. Bernardo Guimarães, que era um bom romancista e um mal poeta, escreveu dois longos poemas eróticos muito ruins: O Elixir do Pajé e A Origem do Mênstruo. E pronto, não há uma obra como a de Bocage: grandiosa, monumental e de um erotismo forte e explícito, sem meios termos... Isso o tornou uma glória nacional em Portugal. Admiro muito a poesia erótica portuguesa, a francesa de Verlaine, a do grande renascentista italiano Pietro Aretino, aquela poesia bem forte, sem pudores... Este é o caminho que gosto de trilhar.

Tecido Social: O senhor é um nordestino no Rio de Janeiro. Que sensação é essa?

Nei Leandro de Castro: Eu só conheço o meu lado, porque existe aquela triste epopéia do nordestino que vai para o Sudeste para ser mão de obra barata, trabalhar em empregos humildes, pouco qualificados, e para este viver no Rio de Janeiro significa passar a vida inteira trabalhando duro, mal pago e sofrendo preconceito. E o preconceito existe e muito. No Rio de Janeiro, quando você abre a boca em certas rodas e o sotaque é nordestino, já há um clima diferente. No meu caso, sempre trabalhei em ambientes intelectuais: fui jornalista, publicitário, escrevo poemas e romances... Mas, mesmo assim, diversas vezes encontrei manifestações de desprezo devido a minha maneira de falar. Moro a 36 anos no Rio e faço tudo para preservar meu sotaque, porque tenho orgulho dele e tenho orgulho de ser nordestino. Amo o Rio de Janeiro, não quero sair de lá, mas sou acima de tudo nordestino.

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