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Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 031 – 25/03/04

OLHAR SOBRE A REGIÃO

O Seridó na vanguarda do Desenvolvimento Sustentável

 

Por Antonino Condorelli

Nos últimos anos, o Seridó tem sido o cenário de uma forte mobilização social que levou à criação de um instrumento de ação pública profundamente inovador, que a Rede Estadual de Direitos Humanos – RN quer ampliar a nível estadual: o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Seridó. Pela primeira vez, uma micro-região do país pensou o desenvolvimento como um processo global que envolve a esfera econômica, social, ambiental, cultural e histórica.

O Plano define as ações a serem realizadas pelo poder público e a sociedade civil organizada para o crecimento da região. A execução de tais ações cabe à Agência de Desenvolvimento do Seridó (ADESE), instituição da sociedade civil de interesse público criada para a realização das diretrizes contidas no Plano.

O movimento pela criação do Plano foi promovido pela Diocese de Caicó e envolveu grande parte da população, que se mobilizou de maneira ampla e contribuiu à sua elaboração em reuniões nos municípios e nas comunidades.

A ação da ADESE, baseada no Plano, abrange a inteira região, formada por 28 municípios e com cerca de 310.000 habitantes. Atualmente, está envolvida na realização de seis projetos.

O Projeto Ambiente pretende promover um amplo debate sobre o meio ambiente regional com o objetivo de fazer conhecer à população os processos de degradação ocorridos e suas implicações atuais e futuras, procurando criar um sentimento de responsabilidade individual e coletiva com o meio natural. O programa quer atingir um quarto da população seridoense através da sua participação em encontros entre especialistas e moradores das comunidades.

O Projeto Nossa História, que pretende atingir um terço da população da região, pretende fazer conhecer ao povo seridoense sua história regional e municipal através de encontros da população com estudiosos, pesquisadores e contadores de histórias.

O Projeto Universo, que pretende envolver um terço da juventude seridoense, tem como objetivo estimular a imaginação dos jovens da região sobre as realidades da física quântica e da cosmologia, chegando à compreensão destes mundos através de uma viagem fantástica, para induzir o interesse pelo estudo das ciências.

O Projeto Outra Música, que visa atingir a dois terços dos jovens seridoenses, que proporcionar a estes últimos o contato com ritmos e composições musicais (chorinho, baião, xote, bossa nova, samba, jazz, blues, etc.) diferentes daqueles amplamente divulgados pelos meios de comunicação, quase sempre de baixíssima qualidade.

Junto com esses projetos de caráter socio-cultural, a ADESE elaborou o Projeto Básico do Gasoduto Assu-Seridó, que vai trazer mais desenvolvimento para a região, e um projeto com a Agência Nacional de Águas (ANA) para promover o uso sustentável dos recursos hídricos, particularmente a água de consumo humano. O objetivo deste último projeto é a criação de uma entidade regional de gestão dos serviços de saneamento na área de atuação da ADESE.

Com o Plano de Desenvolvimento Sustentável, o Seridó se coloca na vanguarda de um dos maiores desafios da contemporaneidade, que precisa urgentemente ser levado à discussão pública: em um mundo em que os capitais circulam sem nenhum controle e as barreiras econômicas, comerciais e éticas são cada vez mais frágeis, em um mundo em que se considera legítimo pantentear as espécies naturais e os genes humanos e privatizar recursos como a água, qual é o modelo de desenvolvimento que queremos para o nosso Estado, o nosso município, a nossa comunidade?

A exploração salineira e a carcinicultura visada à exportação no mercado internacional são aceitáveis se destroem o mangue, berço de grande parte da nossa biodiversidade, e impedem a centenas de pessoas de viverem dela?

A implantação de atividades industriais de multinacionais e colossos nacionais chamados pelos incentivos fiscais são legítimas se seus dejetos contaminam nossos rios, destruindo suas formas de vida e envenenando a água que bebemos?

Os investimentos estrangeiros e nacionais na hotelaria são aceitáveis se destroem a Mata Atlântica e jogam dejetos nas praias?

Os investimentos estrangeiros são legítimos se o lucro que produzem vai para contas do exterior enquanto os trabalhadores locais recebem salários mínimos e são obrigados a trabalhar em empresas tercerizadas com contratos precários?

Hoje é mais do que urgente, é imprescindível envolver toda a sociedade (em suas formas de organização: sindicatos, partidos políticos, Igrejas, movimentos sociais, ONG’s, associações comunitárias, etc.), a mídia e as instituições em um amplo debate sobre que tipo de desenvolvimento estamos implantado e qual é o que queremos.

É imprescindível começar a conceber e discutir o desenvolvimento como um todo - um conjunto indissociável de fatores econômicos, sociais, culturais, ambientais, etc. – e elaborar coletivamente um novo modelo compatível com as exigências do meio-ambiente e do ser humano.

Agressão ao meio-ambiente em Caicó

O desrespeito ao meio-ambiente e ao Patromônio Histórico e Cultural por parte de um modelo de desenvolvimento que coloca os interesses particulares antes dos direitos das pessoas e das comunidades é uma das razões que impulsionaram a sociedade seridoense a elaborar o Plano de Desenvolvimento Sustentável. Mas, apesar dos avances, este tipo de violações continuam na região.

Por exemplo, em janeiro deste ano, a Associação dos Moradores e Amigos do Açude Recreio, que em 2001 foi declarado pela Prefeitura de Caicó Patrimônio Histórico e Cultural do Município, denunciou o arrombamento das paredes do bem público. Segundo uma vistoria realizada no local, o fato não se produziu por causas naturais: se trata, portanto, de um crime contra o Patrimônio Histórico. Já em setembro do ano passado, a Associação tinha denunciado ao Ministério Público o fato de que diversas pessoas estavam construindo residências e comércios nas margens do açude, o que representa uma violação da lei, já que este é Patrimônio Histórico.

Mas o mesmo poder público, em Caicó, participa da agressão ao meio ambiente. Por exemplo, em 2002, a então administração municipal mudou o lixão da cidade, que estava na periferia, para um local mais distante à margem da BR-427, que se encontra exatamente na confluência do Rio Seridó e o Rio Sabugi. O IDEMA fez uma inspeção no local e constatou que a água de chuva que escorre do lixão para os rios estava contaminando estes últimos.

A Justiça, através do Ministério Público, obrigou à Prefeitura de Caicó a levantar um estudo para se encontrar um novo local para o lixão da cidade. Estes estudos estão em andamento, mas o prazo para que a Prefeitura retire o lixão daquele local está se acabando e, pelo menos até agora, não parece que a situação vá mudar. A imprensa radiofônica e escrita de Caicó denunciaram recentemente a gravíssima situação em que se encontram os rios, mas o poder público não tem tomado nenhuma providência.

 

A mulher humilhada

Um dos dados mais alarmantes, em Caicó, é o da violência contra as mulheres, vítimas ancestrais de todo tipo de abuso e opressão, que têm suas raízes na desigualdade constitutiva das relações de gênero em nossa sociedade. Segundo dados do Instituto Técnico-Científico de Polícia (ITEP) da cidade, só em 2003, no município foram assassinadas 6 mulheres, 46 foram estupradas, 19 sofreram lesões corporais graves e 8 sofreram atos libidinosos forçados. Sempre segundo dados do ITEP, de 1999 a hoje houve cerca de 700 casos de agressão contra mulheres.

A grandissíssima maioria destas agressões, como sempre, acontecem entre as paredes domésticas, e o mais grave é que as registradas representam um porcentual muito inferior às ocorrem diariamente e não chegam a serem denunciadas. Um dado arrepiante é o dos suicídios de mulheres: em 2003, sete tiraram a própria vida, o que deixa presumir que suas condições de existência, principalmente dentro da família, fossem horríveis. Considerando estes dados, é gravíssimo que em Caicó ainda não exista uma Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher.

Outra violação contra a mulher no Seridó, tão grave quanto a violência doméstica, é praticada pelo poder público que não oferece para as gestantes de baixa renda uma saúde pública que permita parir em condições dignas, sem pôr em risco a própria vida. Segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado, entre 2000 e 2003, nos hospitais públicos da região se verificaram 9 mortes maternas. Um dado vergonhoso para a saúde pública e uma violência inaceitável contra mulheres cuja única culpa é não ter condições econômicas para parir em hospitais particulares.

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