Tecido
Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos
- RN
N.
010 – 09/11/03
BALANÇO DO I FÓRUM SOCIAL BRASILEIRO
Moacir Gadotti
Fórum Mundial da Educação
"O
Fórum representa a cultura da vida, um modelo alternativo à
cultura da guerra"
Por
Antonino Condorelli
O professor da Universidade de São Paulo Moacir Godotti,
do Fórum Mundial da Educação, é um dos maiores representantes
atuais da pedagogia do oprimido elaborada por Paulo Freire na
década de 60 e uma dos mais ativos militantes da educação popular
no Brasil. Godotti faz parte do Conselho organizador do I Fórum
Social Brasileiro e no domingo pela manhã participou da última
conferência deste último, com tema “A ação global dos movimentos
sociais”. Nesta entrevista a Tecido Social.,
o professor faz um balanço da importantíssima experiência que
o Fórum representou.
Chegamos ao fim do I Fórum Social Brasileiro. Qual é o balanço
que faz dele?
Acho que o que nós p! recisávamos era
manter viva a chama de Porto Alegre, o espírito do Fórum Social
Mundial, e é isso o que fizemos aqui nestes quatro dias. O Mineirinho
é um novo Gigantinho: precisamos de muitos Mineirinhos, de muitos
Gigantinhos para levar esta luta para frente. Nós do Conselho
do Fórum abrimos espaços, organizamos todas as conferências,
mas houve centenas de atividades auto-gestionadas e isso demostra
que o Fórum é primeiro de tudo um movimento, não um evento.
Aqui chegaram delegações de todos os Estados da União e de mais
de 20 países e estas delegações vão continuar as lutas, vão
continuar levando adiante as instâncias deste Fórum com as baterias
recarregadas, uma experiência enriquecida e mais esperança de
que mudar é possível. Aqui encontraram força, energia, movimentos
sociais de todas as áreas, jovens, igrejas progressistas, sindicatos,
representantes de governos progressistas, etc. E tudo isso em
um clima de crítica e ao mesmo tempo discussão aberta porque
a crítica não é só importante, ela é fundamental: sem a crítica,
os governos não podem realizar as mudanças que o povo almeja...
as mudanças sempre vêm de baixo, é através das lutas dos povos
que os governos mudam. Se os governos percebem que o povo não
está mobilizado, acabam não sendo empurrados para as políticas
de mudança e desviando suas preocupações e ações para outras
causas que podem até ser justas mas muitas vezes não atendem às necessidades populares.
Na segunda conferência de ontem, sábado 8, Leonardo Boff
falou da necessidade de uma aliança entre a intelectualidade
e a miséria. Como é que as instâncias dos fóruns sociais podem
chegar à população excluída, à população marginalizada que afinal
é a verdadeira vítima do modelo econômico e social que os fóruns
combatem?
Eu sou filho de trabalhadores rurais, meu pai ainda trabalha
na roça com quase 90 anos, então eu tenho uma ligação genética
com o trabalho rural, com o campo brasileiro e ainda hoje que
sou professor na universidade de São Paulo não quero me desenraizar.
Eu chamo sempre a atenção dos meus colegas e companheiros sobre
a necessidade de uma troca de experiências e saberes com os
movimentos sociais e populares. Eu convivi 23 anos com Paulo
Freire e ele sempre mostrava para a gente como podemos estar
aprendendo do povo e dos seus movimentos organizados. Ele chamava
isso de “saber de experiência feita”. Este aprendizado é fundamental,
profundamente pedagógico: o intelectual não pode ser apenas
um especialista em alguma coisa, ele é antes
de mais nada um ser humano... um
ser humanos que produz ciência, saber, conhecimento para o bem
o para o mal da humanidade, para a globalização dos capitais
o para a globalização dos direitos. È preciso que ele tenha
a capacidade de questionar os conteúdos que está produzindo,
as relações sociais que está mantendo, e se é professor é importantíssimo
que passe este espírito crítico e auto-crítico
para os seus alunos. Eu acho que Leonardo Boff tinha toda a
razão: esta aliança entre intelectuais e povo tem que ser consolidada
não só através da aliança com os movimentos sociais e populares,
mas com todos os setores da sociedade civil que não estão organizados
para uma mudança social ou política mas
em pequenos grupos (clubes de futebol, torcidas, associações
de bairro, associações de música, etc.). O grande desafio é
conseguir criar uma consciência política nestas formas espontâneas
de organização popular, no sentindo bom, não de política não
partidária mas de política em seu significado
mais amplo: a consciência de que as necessidades sociais têm
que ser resolvidas através da política.
Qual é a mensagem do I Fórum Social Brasileiro para todos
os que participaram dele e para o povo brasileiro?
Vamos cuidar da vida. Vivemos em uma cultura da guerra, uma
cultura da prepotência, da arrogância, vivemos amoldados a um
modelo, um ponto de vista que vem de Washington. Eu gostaria
que este ponto de vista fosse de Angicos. Lá Paulo Freire começou
sua longa caminhada em direção da construção de uma pedagogia
da luta, uma pedagogia da palavra, da pergunta, da autonomia:
uma pedagogia do oprimido. É este o ponto de vista que acho
correto para a humanidade, pois o outro conduz à hecatombe,
à catástrofe. Vocês, no Rio Grande do Norte, têm uma história
de lutas importantes, não só de Paulo Freire mas de tantos outros, de camponeses, de trabalhos populares...
O importante hoje é manter a luta, manter a cooperação, manter
o coração aberto, dialogar sobretudo...
foi o que Paulo Freire ensinou em Angicos: dialogar.... cooperar, entender, escutar. Há momentos em que precisamos
gritar para sermos ouvidos, mas encima de tudo temos duas orelhas
para escutar, para aprender novos modelos.
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