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Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 095 – 19/11/04

Altos escalões do Exército Brasileiro têm saudade da ditadura e consideram legítimas as detenções arbitrárias, as torturas, os assassinatos e as desaparições de pessoas

Nota de repúdio à depredação do Monumento Tortura Nunca Mais de Recife e à certas declarações de exponentes das forças armadas

Na passada sexta-feira, 12 de novembro, a escultura do monumento Tortura Nunca Mais de Recife, situado na Rua da Aurora, em frente à Assembléia Legislativa de Pernambuco, foi depredada por cinco motoqueiros encapuzados, segundo o testemunho de um vigilante do posto de gasolina próximo ao local.

O monumento, inaugurado em 1993 em memória de todas as pessoas que lutaram contra a ditadura militar no Brasil (1964-1983) e por ela foram torturadas, assassinadas ou desaparecidas, sempre tinha sido respeitado, até pelos pichadores.

Este fato repugnante - que representa um insulto à memória e a dignidade de todos aqueles e todas aquelas que sofreram na pele as mais bárbaras atrocidades, morreram e desapareceram pela mão de um regime brutal e criminoso e cujos familiares ainda hoje têm negado pelas forças armadas o direito de conhecer a verdade sobre suas desaparições e o paradeiro de seus restos mortais para der-lhes sepultura adequada – se produziu significativamente poucos dias depois da demissão do Ministro da Defesa, José Viegas, como conseqüência da carta assinada pelo comando do Exército Brasileiro em 17 de outubro - referente à divulgação pela imprensa de umas fotos que retratavam as torturas às quais os militares submeteram o jornalista Vladirmir Herzog, morto e desaparecido político - em que os altos escalões das forças armadas afirmaram que a tortura e as outras práticas lesivas da dignidade e integridade humana perpetradas pelos militares durante o regime eram legítimos instrumentos de defesa da segurança nacional contra a ameaça terrorista supostamente representada pelos opositores da ditadura.

Na mesma época em que se produziam estes fatos, no Rio Grande do Norte o general José Carlos Leite publicava nas páginas do Jornal de Hoje, terceiro maior diário de Natal, uma matéria na qual, comentando o caso Vladimir Herzog, denegria à memória do jornalista torturado e assassinado pelos militares e insultava os anistiados políticos potiguares e brasileiros, assim como todos os que lutaram e em muitos casos sacrificaram a própria vida em defesa da democracia no país, comparando-os a criminosos e terroristas, justificando em base a estes argumentos as atrocidades do regime.

Tudo isso, enquanto altos cargos das forças armadas continuam sendo ocupados pelas mesmas pessoas que detiveram arbitrariamente, torturaram de maneira selvagem, assassinaram e fizeram desaparecer milhares de brasileiros e brasileiras ficando totalmente impunes, enquanto os familiares da maioria destas vítimas continuam sem conhecer a verdade sobre o destino dos seus filhos e suas filhas e o paradeiro de seus restos, enquanto a memória das atrocidades da ditadura continua sendo enterrada, ocultada, apagada da consciência das pessoas pelos meios de comunicação, as oligarquias (como no Rio Grande do Norte, onde a mais poderosa família do Estado, a dos Alves, faz de tudo para que o povo não se lembre que Aluízio Alves, governador na época do golpe e proprietário da maior cadeia de tv norte-riograndense, filiada à Rede Globo, foi cúmplice ativo do regime e contribuiu a fazer seqüestrar, torturar e assassinar centenas de pessoas) e uma consistente fatia dos poderes públicos e privados locais e nacionais.

Cientes de que altos escalões das forças armadas brasileiras olham com saudade para os tempos das detenções arbitrárias, as torturas, os assassinatos e as desaparições de pessoas em nome da “segurança nacional” e consideram legítimas estas práticas contra aqueles que se opõem ao conceito de “ordem” deles, cientes de que só uma estrita e intransigente vigilância dos valores democráticos e a fundação do Estado de Direitos nos princípios da justiça e da verdade pode impedir que tais atrocidades se repitam, nós, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, instituições e pessoas com consciência democrática que integram a Rede Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte repudiamos veementemente os fatos acontecidos em Recife e as recentes declarações de altos comandos do Exército Brasileiro e reiteramos a exigência de que sejam esclarecidas todas as mortes e desaparições políticas ocorridas durante a ditadura militar e sejam punidos seus responsáveis.

Um povo sem memória é um povo sem identidade, portanto sem futuro, pois está destinado a repetir eternamente seu passado. Por esta razão, o esforço para preservar a memória das barbáries das quais milhares de brasileiros e as brasileiras foram vítimas e para que seja conhecida toda a verdade sobre estes crimes e seus culpados sejam punidos não é apenas muito importante: é indispensável, necessário, vital para a construção de uma democracia autêntica. Nenhum Estado democrático e de direito pode se fundar na impunidade e o esquecimento.

A Rede Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte

Veja também:
- A Associação Norte-RioGrandense de Anistiados Políticos: “Queremos discutir os crimes da ditadura militar sem revanchismo, mas exigindo clareza”

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