Eu voto:
o direito aos direitos das pessoas com deficiência
Artigo XXI
1)
Toda pessoa tem o direito de tomar parte do governo de seu
país diretamente ou por intermédio de representantes livremente
escolhidos.
2)
Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público
de seu país.
3)
A vontade do povo será a base da autoridade do governo;
esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas,
por SUFRÁGIO UNIVERSAL, por VOTO secreto ou processo equivalente
que assegure a LIBERDADE DE VOTO.
Declaração Universal do Direitos Humanos
– 1948
Por Jorge Márcio Pereira de Andrade
Afirma-se
que Cidadania presupõe participação política, e esta precisa
de sua universalidade no exercício do sufrágio dito universal.
Recentemente, em agosto de 2004, o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) baseado na argumentação de que "o
cidadão que apresente deficiência que impossibilite ou torne
extremamente oneroso o exercício de suas obrigações eleitorais
não será obrigado a votar", por um voto de um
de seus ministros, decidiu que
as pessoas com deficiência física "grave" não
seriam obrigados a votar nas eleições municipais deste ano.
O tribunal considerou que muitas salas de votação não estão
equipadas para atender às necessidades das pessoas com deficiência,
o que nos surpreende exatamente quando estamos em plena
Era dos Direitos, quando estamos discutindo a participação
política de todos os cidadãos e cidadãs com deficiências
no Brasil, quando estamos exigindo o acesso a todos o espaços
públicos e à vida social e política ampliada para estes
brasileiros.
O pensador
Norberto Bobbio já nos alertou, o que deve valer também
para nossos representantes políticos e nossos magistrados,
que os direitos sociais contrariam sempre os velhos interesses,
havendo uma oposição entre os direitos civis e políticos
e os direitos sociais. Para Bobbio, os primeiros consistem
em liberdades
e os sociais em poderes. Os direitos civis e políticos
exigem da parte dos outros (inclusive dos poderes públicos
constuídos) obrigações negativas, tendo como
implicações a supressão de determinados comportamentos,
enquanto os direitos sociais só podem ser efetivados se
forem impostos aos outros (incluindo também os órgãos públicos)
determinadas obrigações positivas.
A conquista
de direitos sociais das pessoas com deficiência no Brasil
parece vir na contramão dos interesses hegemônicos e da
exigente implementação de seus direitos já adquiridos. Quando
se acredita que nossos políticos e nossa Justiça vêm avançando,
a exemplo da participação ativa hoje de pessoas com deficiência
dentro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, diretamente
ligada à Presidência da República, assim como a atuação
do Ministério Público, surgem situações e intervenções que
nos demonstram a ausência de compreensão das mais elementares
garantias de direitos das pessoas com deficiência, como
este ‘voto facultativo’ e acrítico que seria criado pelo
TSE.
Mas os
tempos estão mudando. As pessoas com deficiência tem hoje
outra consciência de sua autonomia e de seu imprescindível
direito de acesso a todos os bens e espaços públicos. Não
estão mais no lugar de tutelados pelo Estado e pelas instituições
de reabilitação. Nos aproximadamente 25 milhões de brasileiros
e brasileiras com deficiência já se despertou uma mobilização
política de alguns milhares destes cidadãos e cidadãs, muito
embora a sua maioria ainda permaneça na exclusão e na desinformação
de seus direitos. Os poucos milhares não ficaram e não ficarão
silenciados e silenciosos diante quaisquer aparentes ‘concessões
jurídicas’ que facilitem a manutenção das barreiras, todas,
que se tem tentado eliminar tanto na hora do voto de pessoas
com deficiência, como em seu caminhar pela pólis e pela
política.
Por este
motivo temos questionado, pioneiramente, a elaboração de
novas leis, ou sua remaquiagem, a exemplo do Estatuto da
Pessoa com Deficiência, ora em tramitação na Câmara Federal,
sem uma demorada e profunda discussão nacional, indicando,
claramente, que temos de caminhar para além das boas intenções
de ‘facilitar’ a vida de pessoas com deficiência, sem sua
efetiva e indispensável participação política, na elaboração,
discussão, crítica e implementação de quaisquer atos ou
ações governamentais ou jurídicas que possam afetar diretamente
suas vidas e seus Direitos Humanos.
Desde
1856, na Austrália, o voto, apesar de uma certa descrença
popular sobre a macro política e nossos representantes,
vem sendo o melhor instrumento de escolha democrática para que possamos tentar
romper com o processo de captura de nossas opções políticas.
Pode ser, portanto, um instrumento de afirmação de direitos
humanos que confirme a singularidade e a especificidade
das pessoas com deficiência. No atual cenário político nacional
e global poderá, e deve ser um poderoso instrumento de escolha
de candidatos que realmente representem e defendam os sujeitos
até agora excluídos. Em realidade caminhamos, no mundo dito
globalizado, muito mais fora do que dentro das margens,
um mundo de desigualdades sociais em crescimento.
É chegada
a hora de escolher candidatos que defendam o direito a ter
direitos, assim como a criação de políticas sociais e recursos
públicos específicas, voltados para a promoção e proteção
dos negros, dos idosos, das pessoas com deficiência, por
exemplo, ou quaisquer outros que são objeto de uma ‘falsa’
inclusão social, que perversamente só são utilizados nas
tão caras, bem elaboradas e midiatizadas campanhas eleitorais.
Estes cidadãos costumam ser, abusivamente utilizados como
‘bandeiras e promessas de mudança’, assim como a formulação
de ‘novas’ leis, para, em seguida das eleições, serem jogadas
na lata do lixo da História, ou pior ainda se tornarem o
oposto do que se espera destas “boas intenções”: a reafirmação
dos preconceitos, dos estigmas, das segregações e as naturalizações
de um lugar de ‘invalidez’ social ou de ‘marginalidade’
que justificam uma distância enorme entre a proclamação
dos direitos e a sua real efetivação.
Portanto,
fazendo coro como os descontentes com a atitude segregativa,
estigmatizante e que tornava o voto dos chamados incorretamente
de "inválidos" mais inválido do que eles próprios
do TSE, conclamamos a todos os brasileiros e brasileiras
que se manifestem, protestem e repudiem mais esta exclusão
disfarçada de solução para a inacessibilidade das seções
eleitoriais e suas barreiras arquitetônicas, que se multipliquem
os esforços para que o Tribunal Superior Eleitoral venha
a promover, em associação com as entidades de defesa dos
Direitos Humanos, a realização de ELEIÇÔES
SEM BARREIRAS, EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL,
assim como já se promoveu nesta cidade, por uma iniciativa
do Centro de Vida Independente (CVI) de Campinas, no último
pleito. Quantos são os votos válidos dos 'inválidos"
do Brasil? 10 milhões?
PELO
DIREITO DE, DO ALTO DE NOSSAS CADEIRAS DE RODAS E TODAS
AS FORMAS DE DEFICIÊNCIA, TEMPORÁRIAS OU DEFINITIVAS, REAIS
OU APARENTEMENTE FICTÍCIAS, PODERMOS GRITAR MAIS UMA VEZ:
“NOS VOTAMOS E NOS SENTIMOS SUJEITOS TITULARES DE DIREITOS
HUMANOS”.
Fonte:
Jorge Márcio Pereira de Andrade, editor do informativo INFO ATIVO DEFNET
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