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Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 092 – 02/10/04

Eu voto: o direito aos direitos das pessoas com deficiência

Artigo XXI

1) Toda pessoa tem o direito de tomar parte do governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

2) Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público de seu país.

3) A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por SUFRÁGIO UNIVERSAL, por VOTO secreto ou processo equivalente que assegure a LIBERDADE DE VOTO.

Declaração Universal do Direitos Humanos – 1948

Por Jorge Márcio Pereira de Andrade

Afirma-se que Cidadania presupõe participação política, e esta precisa de sua universalidade no exercício do sufrágio dito universal. Recentemente, em agosto de 2004, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) baseado na argumentação de que "o cidadão que apresente deficiência que impossibilite ou torne extremamente oneroso o exercício de suas obrigações eleitorais não será obrigado a votar", por um voto de um de seus ministros, decidiu  que as pessoas com deficiência física "grave" não seriam obrigados a votar nas eleições municipais deste ano. O tribunal considerou que muitas salas de votação não estão equipadas para atender às necessidades das pessoas com deficiência, o que nos surpreende exatamente quando estamos em plena Era dos Direitos, quando estamos discutindo a participação política de todos os cidadãos e cidadãs com deficiências no Brasil, quando estamos exigindo o acesso a todos o espaços públicos e à vida social e política ampliada para estes brasileiros.

O pensador Norberto Bobbio já nos alertou, o que deve valer também para nossos representantes políticos e nossos magistrados, que os direitos sociais contrariam sempre os velhos interesses, havendo uma oposição entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais. Para Bobbio, os primeiros consistem em liberdades e os sociais em poderes. Os direitos civis e políticos exigem da parte dos outros (inclusive dos poderes públicos constuídos) obrigações negativas, tendo como implicações a supressão de determinados comportamentos, enquanto os direitos sociais só podem ser efetivados se forem impostos aos outros (incluindo também os órgãos públicos) determinadas obrigações positivas.

A conquista de direitos sociais das pessoas com deficiência no Brasil parece vir na contramão dos interesses hegemônicos e da exigente implementação de seus direitos já adquiridos. Quando se acredita que nossos políticos e nossa Justiça vêm avançando, a exemplo da participação ativa hoje de pessoas com deficiência dentro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, diretamente ligada à Presidência da República, assim como a atuação do Ministério Público, surgem situações e intervenções que nos demonstram a ausência de compreensão das mais elementares garantias de direitos das pessoas com deficiência, como este ‘voto facultativo’ e acrítico que seria criado pelo TSE.

Mas os tempos estão mudando. As pessoas com deficiência tem hoje outra consciência de sua autonomia e de seu imprescindível direito de acesso a todos os bens e espaços públicos. Não estão mais no lugar de tutelados pelo Estado e pelas instituições de reabilitação. Nos aproximadamente 25 milhões de brasileiros e brasileiras com deficiência já se despertou uma mobilização política de alguns milhares destes cidadãos e cidadãs, muito embora a sua maioria ainda permaneça na exclusão e na desinformação de seus direitos. Os poucos milhares não ficaram e não ficarão silenciados e silenciosos diante quaisquer aparentes ‘concessões jurídicas’ que facilitem a manutenção das barreiras, todas, que se tem tentado eliminar tanto na hora do voto de pessoas com deficiência, como em seu caminhar pela pólis e pela política.

Por este motivo temos questionado, pioneiramente, a elaboração de novas leis, ou sua remaquiagem, a exemplo do Estatuto da Pessoa com Deficiência, ora em tramitação na Câmara Federal, sem uma demorada e profunda discussão nacional, indicando, claramente, que temos de caminhar para além das boas intenções de ‘facilitar’ a vida de pessoas com deficiência, sem sua efetiva e indispensável participação política, na elaboração, discussão, crítica e implementação de quaisquer atos ou ações governamentais ou jurídicas que possam afetar diretamente suas vidas e seus Direitos Humanos.

Desde 1856, na Austrália, o voto, apesar de uma certa descrença popular sobre a macro política e nossos representantes, vem sendo o melhor instrumento  de escolha democrática para que possamos tentar romper com o processo de captura de nossas opções políticas. Pode ser, portanto, um instrumento de afirmação de direitos humanos que confirme a singularidade e a especificidade das pessoas com deficiência. No atual cenário político nacional e global poderá, e deve ser um poderoso instrumento de escolha de candidatos que realmente representem e defendam os sujeitos até agora excluídos. Em realidade caminhamos, no mundo dito globalizado, muito mais fora do que dentro das margens, um mundo de desigualdades sociais em crescimento.

É chegada a hora de escolher candidatos que defendam o direito a ter direitos, assim como a criação de políticas sociais e recursos públicos específicas, voltados para a promoção e proteção dos negros, dos idosos, das pessoas com deficiência, por exemplo, ou quaisquer outros que são objeto de uma ‘falsa’ inclusão social, que perversamente só são utilizados nas tão caras, bem elaboradas e midiatizadas campanhas eleitorais. Estes cidadãos costumam ser, abusivamente utilizados como ‘bandeiras e promessas de mudança’, assim como a formulação de ‘novas’ leis, para, em seguida das eleições, serem jogadas na lata do lixo da História, ou pior ainda se tornarem o oposto do que se espera destas “boas intenções”: a reafirmação dos preconceitos, dos estigmas, das segregações e as naturalizações de um lugar de ‘invalidez’ social ou de ‘marginalidade’ que justificam uma distância enorme entre a proclamação dos direitos e a sua real efetivação.

Portanto, fazendo coro como os descontentes com a atitude segregativa, estigmatizante e que tornava o voto dos chamados incorretamente de "inválidos" mais inválido do que eles próprios do TSE, conclamamos a todos os brasileiros e brasileiras que se manifestem, protestem e repudiem mais esta exclusão disfarçada de solução para a inacessibilidade das seções eleitoriais e suas barreiras arquitetônicas, que se multipliquem os esforços para que o Tribunal Superior Eleitoral venha a promover, em associação com as entidades de defesa dos Direitos Humanos, a realização de ELEIÇÔES SEM BARREIRAS, EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL, assim como já se promoveu nesta cidade, por uma iniciativa do Centro de Vida Independente (CVI) de Campinas, no último pleito. Quantos são os votos válidos dos 'inválidos" do Brasil? 10 milhões?

PELO DIREITO DE, DO ALTO DE NOSSAS CADEIRAS DE RODAS E TODAS AS FORMAS DE DEFICIÊNCIA, TEMPORÁRIAS OU DEFINITIVAS, REAIS OU APARENTEMENTE FICTÍCIAS, PODERMOS GRITAR MAIS UMA VEZ: “NOS VOTAMOS E NOS SENTIMOS SUJEITOS TITULARES DE DIREITOS HUMANOS”.

Fonte: Jorge Márcio Pereira de Andrade, editor do informativo INFO ATIVO DEFNET

Veja também:
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