CARTA
AO MINISTRO NILMÁRIO MIRANDA
Natal/RN,
25 de junho de 2004
Ofício n.º 0001/2004 - OJC/RN
Assunto: sugestão de pauta para as discussões acerca da
reforma do Sistema Judicial
Senhor Ministro:
Vimos, através desta, sugerir que seja colocada na pauta
de discussões da IX Conferência Nacional de Direitos Humanos
a questão acerca da reforma do Sistema Judicial brasileiro
(Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública),
uma vez que o tema é de grande interesse para a Sociedade
Civil, mas que as Instituições não vêm travando diálogo
a respeito, de modo que a formatação e construção do novo
modelo que está proposto no Congresso Nacional é algo que
não está sendo discutido com a Sociedade Civil.
Entendemos que é preciso criar um espaço de interlocução,
bem como que a Sociedade Civil se manifeste a respeito,
dizendo que Justiça quer para si mesma e que tipo de modelo
Institucional lhe satisfaz. Acreditamos que é importante
um pronunciamento da IX Conferência sobre o tema, a fim
de que possa vir a influenciar o Congresso Nacional, pois
a Sociedade Civil não pode ficar à margem desse processo.
Ou seja, cremos que é necessário que a Sociedade Civil formule
uma contraproposta acerca da reforma do Sistema Judicial,
informando, assim, o Congresso Nacional e os demais Poderes
Estatais acerca de como pensa um modelo Institucional que
melhor funcione e sirva à população.
Nesse contexto, tivemos algumas idéias sobre o assunto que
queremos apresentar para que possam ser debatidas e avaliadas
nesse espaço de formação da vontade geral da Sociedade Civil
acerca das Instituições e seus papéis com relação à efetivação
dos Direitos Humanos e à construção do Sistema Nacional
de Direitos Humanos. Algumas delas foram, inclusive,
incluídas na IV Conferência Estadual de Direitos Humanos
do Rio Grande do Norte, como, por exemplo, a criação de
Ouvidoria para o Judiciário e para o Ministério Público,
cujo Ouvidor deve ser eleito pelos respectivos Conselhos
de Direitos Humanos. Outras, porém, foram elaboradas
depois e não foi possível serem expostas na IV Conferência
Estadual, por isso é que vão ser declinadas a seguir.
Primeiramente, pensamos que a Sociedade Civil deve propor
o fim do famigerado foro por prerrogativa de função, pois
as (pseudo)justificativas para essa fórmula de privilégio
não se afiguram razoáveis aos olhos da Sociedade Civil.
Ademais,
a prática e a experiência histórica já demonstraram que
o foro privilegiado favorece a impunidade daqueles agentes
públicos que têm maior responsabilidade para com os interesses
da sociedade.
É preciso salientar, ainda, que o foro por prerrogativa
de função gera uma série de inconvenientes processuais e
burocráticos, que prejudicam a persecução criminal.
Recentemente, por exemplo, o Ministério Público Estadual
desvendou, com base em documentos duma CPI da Assembléia
Legislativa e duma Auditoria realizada pelo novo Governo
Estadual, uma série de desvios e irregularidades no Programa
do Leite, nas quais os nomes do Senador Garibaldi Alves
Filho (ex-Governador) e de seu irmão, Paulo Roberto Chaves
Alves, membro do Tribunal de Contas, apareceram nas investigações.
Nesse caso tudo teve que ser parado para remeter o feito
ao Supremo Tribunal Federal, a fim de que decida se prossegue
ou não com as investigações contra o Senador e seu irmão,
de forma que, afora a perda de tempo e do fio da meada nas
investigações, serão suscitadas inúmeras questões processuais
(formais) para procrastinar o curso do processo e desviar
o foco das investigações, como sempre ocorre nesses casos
graves - muitos outros exemplos poderiam ser citados, conforme
a pesquisa que fizemos, mas o espaço limitado não permite
isso.
Sob outro aspecto, convém assinalarmos que a "envergadura
e dignidade" do cargo, por exemplo, é um argumento
falacioso para a fixação do foro por prerrogativa de função.
O critério, na verdade, é outro. Refere-se ao simples
fato de que, no atual Sistema Judicial, os Tribunais são
formados a partir de indicação e nomeação política por parte
do Governador e do Presidente da República. Portanto, o
foro por prerrogativa de função visa garantir um privilégio
ao ocupante do cargo: de ser julgado por pessoas que ele
próprio colocou no cargo do Sistema Judicial.
Com efeito, um Juiz da República, seja Estadual seja Federal,
possui a mesma "envergadura e dignidade" dos representantes
quer do Executivo quer do Legislativo, seja Estadual seja
Federal, na medida em que o Juiz é integrante de um dos
Poderes Estatais, inclusive, no modelo atual, com cargo
vitalício, ao contrário dos ocupantes dos cargos do Executivo
e do Legislativo. Logo, possui plena capacidade, segundo
a harmonia e separação dos Poderes, para julgar os integrantes
dos demais Poderes, seja qual for o nível do cargo que ocupem.
O que o representante do Sistema Judicial atualmente não
possui é a mesma legitimidade que os ocupantes do Executivo
e do Legislativo, que são eleitos, mas isso será alvo das
próximas propostas.
Bem esses são alguns poucos argumentos para que se possa
pretender o fim do privilégio do foro para os ocupantes
de cargos do Executivo e do Legislativo. Certamente, o Plenário
da IX Conferência encontrará muitos outros, com maior propriedade
e mais profundidade, com a finalidade de convencer o Congresso
Nacional a acabar com o foro por prerrogativa de função.
Outra proposta, que já decorre um pouco da anterior, diz
respeito ao fim da indicação e nomeação dos Ministros e
Desembargadores dos Tribunais, por parte dos Chefes dos
Executivos Federal e Estaduais, conforme cada caso.
Realmente, essa forma viola o princípio da separação e harmonia
entre os Poderes, ao invés de se amoldar a ele como dizem
alguns, numa outra falácia sem tamanho.
No caso, entendemos que é a própria Sociedade Civil que
deve eleger diretamente seus representantes para os Tribunais
Superiores e para os Estaduais, a exemplo do que ocorre
em relação ao Executivo e ao Legislativo. Manter-se-ia,
porém, o critério da idade mínima (35 anos) e se acrescentaria
o critério de no mínimo dez anos de carreira, como ocorre
em relação ao quinto constitucional. Na nossa opinião, essa
é a forma que mais condiz com o Estado Democrático de Direito.
Mas a eleição direta não deveria se restringir apenas à
escolha dos membros dos Tribunais e chefias do Ministério
Público e Defensoria Pública. Nesse caso, teremos
a terceira proposta, que se refere à eleição direta também
para o ingresso nas carreiras do Ministério Público, da
Magistratura e da Defensoria Pública. Para esse caso,
estabelecer-se-iam os critérios da idade mínima (25 anos),
de no mínimo 5 anos de atuação na Advocacia, de o candidato
residir na Comarca ou Seção há pelo menos um ano e do Curso
de Formação prévio em uma das Escolas Superiores de cada
categoria, conforme a vaga e escolha do candidato (Ministério
Público, Magistratura ou Defensoria Pública), o qual deve
ser público e gratuito.
O atual sistema de ingresso nessas carreiras - através de
concurso público - vem se mostrando excludente e ineficiente.
Significa dizer, não permite que trabalhadores e pessoas
de camadas sociais mais baixas tenham acesso às carreiras,
pois essas classes não têm tempo para os estudos teoréticos
e não possuem dinheiro para ter acesso aos livros doutrinários
que as Doutas Comissões possuem. Ademais, o concurso
na área jurídica transformou-se numa indústria de arrecadação,
cujo controle acerca do dinheiro que se arrecada com as
altas taxas de inscrição não existe, de modo que não se
sabe o que fazem com as "sobras". Em verdade,
o concurso não é nada "público" por uma série
de fatores excludentes e de classe, de maneira que a maioria
avassaladora dos que ingressam naquelas carreiras são pessoas
abastadas e que já são filhas dos que já pertencem à elite
dominante.
Diante disso, as categorias da Magistratura, do Ministério
Público e da Defensoria Pública carecem de legitimidade
perante a Sociedade Civil, pois as classes sociais que representam
a maioria da população não possuem representantes em número
razoável junto àqueles órgãos.
É por isso que a eleição direta se afigura como modelo mais
democrático para as Instituições que formam o Sistema Judicial,
a exemplo do que ocorre como o Executivo e o Legislativo.
Poderiam ser elencados muitos outros argumentos e muitas
outras causas para se propor essa modificação do Sistema
Judicial, mas, novamente, não é possível expor tudo nesse
curto espaço. Deixamos a cargo do Plenário da IX Conferência
que, certamente, com sabedoria, encontrará outros bons e
melhores motivos para a defesa da proposta ora lançada,
caso seja acatada.
Nessa esteira de raciocínio, resta apenas propor a quarta
e última mudança que servirá para democratizar o Sistema
Judicial. Realmente, diante de tudo que já se expôs,
torna-se insustentável manter a vitaliciedade dos membros
da Magistratura e do Ministério Público. Logo, é de
se pleitear o fim da vitaliciedade, porém, mantendo-se as
demais prerrogativas e vedações que estão postas na Constituição
Federal.
Trata-se, pois, de uma questão de coerência do modelo proposto.
Ora, se vamos ter eleições diretas para os cargos do Sistema
Judicial, então, não se pode conceber que tais cargos sejam
ocupados eternamente, mesmo que os vencedores dos pleitos
eleitorais deixem de corresponder aos interesses Públicos
e da Justiça Social. Há que se conceber, por conseguinte,
um mandato de 4 anos, renováveis, a exemplo dos cargos do
Legislativo.
Ou seja, de quatro em quatro anos a população poderá reavaliar
aquelas pessoas que elegeram para cumprir com tão nobres
funções públicas, mantendo-as nos cargos, ou não, conforme
tenham merecido ou não. Isto é, a instituição do mandato
temporário é um mecanismo eficaz para que os eleitos pelo
povo mantenham um trabalho essencialmente direcionado aos
interesses Públicos e da Justiça. Além disso, o eleito
terá que mostrar eficiência na administração das atividades,
de maneira que a proposta tende a gerar uma grande melhora
na prestação jurisdicional.
Eis o que tínhamos, em rápidas linhas, a colocar acerca
do tema para discussão em Plenário.
Evidentemente, as idéias ou propostas antes declinadas são
sugestões ao Plenário da IX Conferência, como uma forma
de contribuirmos para a criação do Sistema Nacional de Direitos
Humanos que atendam aos interesses da Sociedade Civil.
Portanto, queremos, com isso tudo, "compor, e não impor;
construir, e não destruir; convencer, e não vencer"
(Subcomandante Marcos). Afinal, temos certeza que
muitas outras idéias e propostas surgirão no âmbito das
discussões plurais, democráticas e horizontais dessa IX
Conferência a respeito do tema, as quais, inclusive, terão
plena legitimidade e serão mais aperfeiçoadas.
Finalmente, resta dizer que urge que a Sociedade Civil tome
seu papel na discussão da reforma do Sistema Judicial, pois
aqueles que defendem idéias antidemocráticas já estão percebendo
que nós estamos querendo participar diretamente da construção
dessa mudança Institucional, de modo que estão "apressando"
a votação da reforma no Congresso Nacional.
Sem mais para o momento, manifestamos votos de elevada estima
e que a IX Conferência obtenha o sucesso e o destaque merecidos,
bem como alcance seus objetivos políticos e sociais.
Atenciosamente,
DANIEL ALVES PESSÔA
COORDENADOR DO OJC/RN
ROBERTO DE OLIVEIRA MONTE
COORDENADOR DO CDHMP
FÁBIO DOS SANTOS
COORDENADOR DO CDHEC
MARCOS DIONÍSIO MEDEIROS CALDAS
OUVIDOR DA DEFESA SOCIAL
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