
Cidadania
e Direitos Humanos:
Um Sentido Para a Educação
Introdução
EDUCAÇÃO:
PARA UM RESGATE DO SENTIDO
"Parece
óbvio, evidente, mas, ainda assim, precisa ser dito: o conhecimento
isolado, obtido por um grupo de especialistas em um campo restrito,
não tem nenhum valor em si mesmo, mas somente em sua síntese com todo
o resto do conhecimento e apenas na medida em que contribui realmente
para esta síntese a fim de responder a pergunta: ‘Quem somos nós?’". (SCHRODINGER apud GOLEMAN,1997)
Quando
tomei contato com a Logoterapia, de Viktor Frankl,
e de sua visão de que “aos homens não basta saber que existem mas para que existem”,
impressionou-me muito a idéia de que
o caminho da cura para o ser humano só pode ser aquele do reencontro
com o seu “sentido”.
Desde
então, tenho pensado que o caminho da cura das instituições e processos
também é o mesmo.
Quanto
mais complexas se tornam as estruturas do mundo em que vivemos - e elas
o fazem em velocidade alucinante - mais amedrontados e tendentes nos
tornamos aos ritualismos vazios, às repetições mecânicas, ao estabelecimento
de rotinas sem perspectivas.
O
fenômeno, no entanto, não é novo. Leibniz já dizia que
“somos autômatos
em três quartos de nossas ações”. Reprisar, jogar o jogo, entregar-nos
filialmente à manipulação (nem sempre consciente e articulada, como
podemos fantasiar, mas de qualquer forma terrível) do sistema, dá-nos
uma ilusória sensação de pertinência, de fusão, de continuidade, de
segurança.
Esse
“bem-estar” da mediocridade pode, muitas vezes, transformar as causas
mais belas em tediosas “funções”. É o que tem ocorrido com a educação,
especialmente no âmbito escolar.
A
funcionalidade do “fazer educativo” (aqui, no caso, como discurso de
acobertamento do adestratório e informativo), estabelecida pelas demandas
produtivas da sociedade, tem matado a inspiração, o ideal, o sonho,
a utopia.
O
grande totem que é o mercado real (não o mercado dos livros, mas o do
febril consumo de tudo, coisas e pessoas), a cada dia mais absoluto,
comanda a cena da contemporaneidade e define para a educação os seus
papéis.
Nós,
que deveríamos construir e reconstruir, junto a nossos educandos, através
do processo educativo, os papéis e funções das diversas instituições
formais e informais da sociedade (incluindo-se aí o “mercado”), acabamos
como produto e não como produtores intelectuais. O poder ainda olha
a educação e os entes nela envolvidos pelo viés objetal.
Os
“objetos” operadores de tudo isso, por excelência, devem ser,
lamentavelmente, o professor, o monitor, o pai, a mãe.
É
como acabamos sempre que
não assumimos a nossa dignidade de sujeitos intelectual e moralmente
autônomos, provocadores orgânicos da edificação da cidadania.
Em
outra palavras: o que estamos fazendo em sala de aula (ou nos outros
âmbitos educacionais, como a família)? “Reproduzindo” comportamentos,
“transmitindo” conteúdos, “ensinando” técnicas, “preparando” profissionais?
Alimentando a “máquina
de fazer guisado”, que a horripilante metáfora do filme “The Wall”,
com justiça, nos jogou na cara?
A
frustração, a depressão, o sentimento de impotência que encontramos
nos sistemas educacionais, particularmente nos públicos, de boa parte
do mundo, em especial do nosso Brasil, são sintomas que revelam uma
lamentável causa: a perda do sentido.
Se
a educação esquece de sua vocação axiológica, de seu significado como
provocadora da construção de valores solidários, de seu caráter de emuladora
cívica, de seu papel mobilizador da vontade de sentido coletiva, de
sua força articuladora da justiça distributiva, torna-se uma pobre e
patética (porque auto-iludida de importância) ferramenta de consecução
das necessidades (nem sempre humanas, nem sempre éticas) do mercado.
Dizendo
de outra forma: o professor que vai à escola para “dar matéria” é uma
triste peça; o pai ou a mãe que pensam que sua tarefa se esgota na “formação
de hábitos” e na herança material e mesmo “cultural” deixada, renunciam
ao mais importante.
O
que faz a diferença não é ter aquele diploma especial, possuir recursos
materiais, deter muitas informações (ainda que tudo isso seja
excelente complemento). A diferença está na força da auto-estima,
em acreditar na própria capacidade transformadora, em saber-se agente
de mudanças, em sentir-se comprometido com o coletivo, em viver numa
perspectiva moral, para além do legal.
Se
nós, educadores, não promovemos isso, promoveremos apenas o mercado
e, pior, na sua versão mais extemporânea, ainda que dominante, eivada
da selvageria aderida nas origens.
Que
não pareça, aqui, o meu discurso, uma peça anacrônica.
Não
estou recusando o mercado e nem, saudosisticamente, esperando
voltar
a viver na pré-modernidade (que, aliás, não era nada boa) ou nos clãs
primitivos. Essa é uma sociedade urbana, complexa, pós-industrial, sofisticada,
tecnológica e ponto. Cabe-nos encontrar a melhor forma de torná-la também
humana, coisa que não podemos fazer se abrimos mão de nossa responsabilidade
como educadores, a quem cabe perguntar, questionar, provocar, desafiar
as unanimidades burras. Há muitas delas no deus mercado! Felizmente,
por suas inerentes contradições, nos últimos tempos, esse mesmo mercado,
através de seus segmentos mais lúcidos, vem fazendo um discurso de sobrevivência
que nos é útil, na linha das humanidades. De maneira geral, ainda é
perfunctório, retórica apenas, da vanguarda intelectual do capitalismo,
que não vingou para a maioria. Dos subprodutos da ideologia, a dinâmica
das relações é o último reduto a mudar, freqüentemente sobrevivendo
aos inevitáveis ajustes gerais do modelo.
Contudo,
sou otimista. A novidade é parida em bolsões, em “úteros” sociais de
experienciação e criatividade. Nunca vi tanta gente buscando alternativas,
tantos cursos, grupos de estudos, tanta bibliografia. O
Centro de Assessoramento a Programas de Educação para a Cidadania
(CAPEC), em parceria com a Secretaria de
Estado
dos Direitos Humanos e o Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (IDDEHA),
com o monitoramento da Seção Brasileira da Anistia Internacional, organizou
módulos formativos para educadores, tão solicitados
em todo o país que temos tido dificuldade em atender a maior
parte da demanda.
Há,
entre as pessoas, um cansaço de esperar mesclado a uma sede de realizar
que vem se articulando em intervenções criativas. Batemos no fundo do
poço e agora começamos a subir.
Os
Direitos Humanos surgem, nesse momento, como um bom mapa de valores
a inspirar, transversalmente, os currículos escolares e as relações
interpessoais, em outros âmbitos educativos, para a construção do Homo
Humanus.
Este
trabalho propõe-se, singelamente e sem quaisquer pretensões acadêmicas,
a refletir critica e propositivamente sobre tudo isso: o papel que temos
e o que deveríamos ter, os grandes motes pedagógicos e temáticos para
alavancar o processo, o avivamento de nossas mais caras inspirações
existenciais no campo pessoal e institucional.
Por
essa vocação não acadêmica, será uma abordagem descomprometida com os
tradicionais “rigores” e ritmos, mais leve e coloquial nos momentos
de critica das “atuações”, mais densa e teórica quando voltada à análise
do “script”.
São
olhares vários (mas interconectados pelo mesmo “pano de fundo”) sobre
a realidade, enraizados em mais de duas décadas apaixonadas de trabalho
como educador, assim como em toda a riqueza que pudemos recolher nos
“Módulos Educativos” do CAPEC e do Instituto de Defesa dos Direitos
Humanos, junto a colegas, pais, professores, educadores de rua e instituições
de guarda, de várias partes do Brasil.
Toda
leitura feita na perspectiva reflexiva é fecunda, pois toda reflexão
é, necessariamente, interativa na dimensão simbólica.
Sinta-se
convidado a dialogar interiormente com as idéias aqui expostas: discuta
com elas, discorde, concorde, reconhecendo-se, sincronicamente, como
co-autor. Principalmente, pense sua prática e sinta-se estimulado à
ação.
Esse
é o sentido de um livro. Afora isso, é tinta e papel.
Ricardo
Brisolla Balestreri
Erwin Schrodinger, apud Goleman, Daniel. Mentiras
Essenciais, Verdades Simples, Editora Rocco,1997.
Frankl, Viktor. Psicoterapia
e Sentido da Vida, Editora Quadrante, São Paulo, 1973.