
Direitos
Humanos, Soberania e Desafios da Nacionalidade para o Terceiro Milênio
Nilmário Miranda
O motivador estudo sobre a relação
axiológica entre a efetiva proteção aos direitos humanos e o
Estatuto Constitucional de 1988 inicia-se precipuamente com a
constatação topológica dos princípios fundamentais da República
Federativa do Brasil elencados na abertura da Constituição,
inseridos, desde logo, em seu artigo inaugural:
"I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa
humana;
IV - os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político".
Expressa-se, portanto, inequívoca
intenção do legislador constituinte originário em conferir
primazia aos direitos e às garantias fundamentais da pessoa
humana no ordenamento normativo constitucional, em dissenso com o
tradicionalismo das constituições brasileiras pretéritas, também
incluída nesse contexto a Carta liberal de 1946, saudada por
muitos por seu diferencial democrático. Todas elas,
indistintamente, inauguravam a redação de seus respectivos
textos constitucionais contendo normas e disposições pertinentes
à organização do Estado brasileiro1 .
Prossegue o enunciado constitucional,
em seu artigo 4º, incluindo expressamente no rol dos princípios
regentes das relações internacionais a serem estabelecidas pelo
Estado brasileiro: a "prevalência dos direitos humanos"
( inciso II)2 .
Compreende-se nesse enunciado a
inamovibilidade valorativa dos direitos humanos como postulado
funcional e deliberativo das ações do governo brasileiro. Não
por outro motivo, observa-se sua presença entre os princípios
fundamentais da vigente carta política3 .
Significa com isso dizer que o tópico
relativo a inafastável permanência dos direitos humanos deverá,
desde logo, manter-se por exigência constitucional como conteúdo
programático a orientar a agenda diplomática pátria. Acresce-se
de forma concomitante a adjuração pela "cooperação
entre os povos para o progresso da humanidade" (inciso
IX) na formulação da política externa brasileira4 .
Outrossim, a efetiva inserção
internacional do Brasil no contexto da globalização, requer,
prioritariamente, o aprimoramento do Estado democrático mediante
a interseção normativa entre nosso diploma constitucional e o
direito internacional, na permanente manutenção das garantias e
dos direitos fundamentais da pessoa humana.
O realce definitivo à integração
do ordenamento jurídico brasileiro às normas internacionais
observa-se pela redação do § 2º do artigo 5º da Constituição
Federal:
"Os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte".5
Preciosa observação é feita por Mário
Lúcio Quintão Soares:
"É incontestável, entretanto,
que a incapacidade dos Estados para a promoção dos direitos
humanos contemplados em seus textos constitucionais conduziu à
internacionalização desses mesmos direitos". Não
obstante a isso, conveniente foi constatar que " (...) A
Constituição brasileira, procurando ser um instrumento de mudança
social, preconiza, expressamente, princípios basilares dos
direitos humanos como: soberania, cidadania, dignidade humana e
valores sociais do trabalho; a construção de uma sociedade
justa, livre e solidária; a erradicação da pobreza e da
marginalização social; a prevalência dos direitos humanos nas
relações internacionais".6
Desse modo, a eficaz consagração do
princípio constitucional da "prevalência dos direitos
humanos" aguarda complementaridade na
implementação de um sistema internacional que efetive
instrumentos de proteção aos direitos humanos, mediante seu
aperfeiçoamento, bem como o reconhecimento, por parte das nações,
da capacidade processual de seus cidadãos mediante sincera
compreensão da integral completitude normativa de Declarações,
Pactos, Convenções e Tratados Internacionais ao regimento jurídico
nacional7 .
Contudo, o almejado reconhecimento da
competência das Cortes internacionais, mediante a desobstrução
do exercício e as atribuições concernentes à investigação e
ao julgamento de violações a direitos humanos deflagrados em
território brasileiro, ainda hoje, é enfrentado de forma
discordante sob alegação de se preservar a soberania nacional8 .
O nobre jurista italiano, Norberto
Bobbio, em seu primoroso Dicionário de Política, contrapõe-se
ao apego conceitual verificado no monolítico entendimento das funções
e atribuições tradicionais do Estado moderno:
" No nosso século, o conceito
político-jurídico de Soberania entrou em crise, quer teórica,
quer praticamente. Teoricamente, com o prevalecer das teorias
constitucionalistas; praticamente, com a crise do Estado moderno,
não mais capaz de se apresentar como centro único e autônomo de
poder, sujeito exclusivo da política, único protagonista na
arena internacional.
??????p>small>Para o fim desse monismo contribuíram,
ao mesmo tempo, a realidade cada vez mais pluralista das
sociedades democráticas, bem como o novo caráter dado às relações
internacionais, nas quais a interdependência entre os diferentes
Estados se torna cada vez mais forte e mais estreita, quer no
aspecto político, quer no ideológico. Está desaparecendo a
plenitude do papel estatal, caracterizado justamente pela
Soberania; por isso, o Estado acabou quase se esvaziando e quase
desapareceram seus limites.(...) O movimento por uma colaboração
internacional cada vez mais estreita começou a desgastar os
poderes tradicionais dos Estados soberanos. (...) As autoridades 'supranacionais'
têm a possibilidade de conseguir que adequadas Cortes de Justiça
definam e confirmem a maneira pela qual o direito 'supranacional'
deva ser aplicado pelos Estados em casos concretos".9
Equivocam-se, portanto, aqueles que
insistem na compreensão restritiva do antigo silogismo jurídico
incurso na traiçoeira e incompleta definição de soberania10 .
Pode-se deduzir a motivação da objeção
à tese de acolhimento irrestrito das garantias jurídicas
internacionais de proteção aos direitos humanos, decorrente dos
princípios da universalidade e da indivisibilidade por países
violadores de direitos de suas populações (seja por natureza étnica,
política, cultural, social ou religiosa), portanto,
descompromissados com a preservação integral da dignidade humana
de seus concidadãos. Entretanto, aos países que no plano político
externo apregoam o aprimoramento e a auto-evolução de sua vida
democrática, não há elemento justificador da abstenção ao
acolhimento complementar de mecanismos internacionais que visem à
defesa dos direitos da pessoa humana.
Não se pretende com essa iniciativa
suprimir a legitimidade da ordem jurídica dos Estados nacionais
na proteção aos direitos humanos. Ao contrário, aspira-se
proporcionar à sociedade elementos estruturais que confirmem a
eficácia e a legitimidade de seus direitos, inerentes à própria
condição humana, e que, muitas vezes, no ordenamento jurídico
disponível terminam por frustrar expectativas, justamente pela
ausência de confiabilidade operacional11 .
Por esses motivos, verifica-se no
presente momento histórico a necessária análise revisional do
conceito de soberania, conferindo-lhe amplitude democrática,
mediante afirmativa presença da cidadania na vida nacional12 .
O espaço público passa finalmente a
dispor de agentes sociais, cada vez mais dotados de consciência e
capacitação para propiciar eficácia normativa e operacional de
observância dos valores básicos dos seres humanos.
Todavia, a consolidação de um novo
paradigma marcado pela preponderância dos direitos e das
garantias fundamentais da pessoa humana necessita ainda de nítida
recepção por parte dos Estados nacionais da doutrina
internacionalista, que, por sua vez, prescinde, para sua plena
eficácia, da formal aceitação de competência das cortes
internacionais de direitos humanos. O que acontece, contudo, é
que essa decisão decorre, evidentemente, do real comprometimento
político em relação à excelência da referida matéria.
Se de fato existe fiel propósito dos
governos em enfrentar a impunidade, em casos de notada ineficácia
da ordem jurídica interna ao exercer a contento sua imprescindível
atribuição mantenedora da justiça e da paz social, o
acolhimento ao conjunto de instrumentos internacionais de promoção
aos direitos humanos auxiliaria sobremaneira o advento contínuo
do respeito e da preservação da dignidade humana.
Ignorada a efetiva implementação
dos diplomas de natureza global ou regional, a convincente fruição
da seguridade da ordem jurídica encontra-se flagrantemente
comprometida.
No tocante à realidade brasileira,
sem embargo de virtude à ordem jurídica pátria, árdua e
democraticamente constituída, a integração ao direito
internacional humanitário, além de resultar no aprimoramento
democrático da vida nacional, sobretudo no tocante ao basilar
princípio de defesa dos direitos e das garantias fundamentais,
propiciaria imediatamente a emergência de efeito preventivo à prática
atentatória e/ou infracional aos direitos humanos.
Caminhar-se-ia para uma integral
concepção sobre a indivisibilidade dos direitos humanos,
abarcando horizontalmente direitos civis, políticos, sociais,
econômicos e culturais, incorporados indistintamente ao campo da
atividade humana.
É fato que com o advento da Magna
Carta de 1988, os direitos e as garantias fundamentais se
alargaram prodigamente aos direitos econômico-sociais, agora,
especialmente aglutinados ao artigo 5º da Constituição da República.
Sendo assim, passaram os direitos de natureza econômica e social
a incorporar os distintos princípios intangíveis da Lei maior, não
estando, portanto, sujeitos à iniciativa supressiva.
Mesmo assim, não obstante a
relevante presença dos direitos civis, políticos, econômicos e
culturais cultuados no texto constitucional, o Estado brasileiro,
reafirmando formalmente, perante a comunidade internacional, sua
compreensão sobre a indivisibilidade dos direitos humanos,
incorporou à ordem jurídica interna, como signatário, o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ambos
adotados pela Resolução 2.200 - A (XXI) da Assembléia-Geral das
Nações Unidas, em 16 de Dezembro de 1966, e ratificados somente
em 24 de janeiro de 1992).
Antes, porém, recém egresso do
Estado Novo e maculado por suas implicações arbitrárias, o
governo brasileiro havia referendado o texto da Carta das Nações
Unidas (1945), além de participar ativamente da elaboração da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Em seguida,
convalidou a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas
de Discriminação Racial (1968) e a Convenção sobre os Direitos
da Criança (1990), todas pertinentes ao sistema normativo global.
Na esfera regional interamericana, o
Estado brasileiro ratificou a Convenção Interamericana para
prevenir e punir a tortura (adotada pela Assembléia-Geral da
Organização dos Estados Americanos) em 1989, a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa
Rica) em 199213 e a Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Adotada
pela Assembléia-Geral de Estados Americanos) em 1995.
Sem prejuízo da louvável adesão
aos Estatutos Jurídicos Internacionais, muitas vezes, a não
ratificação integral dos diplomas internacionais de direitos
humanos acaba por comprometer o mérito da iniciativa.
Com referência específica ao teor
expositivo da declaração interpretativa, feito pelo governo
brasileiro, quando da ratificação da Convenção Interamericana
de Direitos Humanos, comprometeu-se rigorosamente o êxito das
atribuições e do exercício de competência da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, cuja atribuição consiste na
observância da defesa dos direitos humanos nos países signatários.
Ao obstaculizar o livre trânsito da
Comissão em território brasileiro para a pertinente investigação
de denúncias oferecidas, terminou-se por reduzir o efeito
coercivo às violações a direitos humanos perpetradas em solo
brasileiro e, por conseguinte, restringir objetivamente a força
impactante da adesão à Convenção Interamericana.
Nesse final de século, desenha-se no
contexto mundial a imperiosa necessidade de a cidadania dispor de
instrumentos normativos que assegurem a inviolabilidade dos povos.
Essa tendência, iniciada pela separação do indistinto poder
soberano, premente nas antigas relações entre governantes e
governados, tem como marco histórico e inaugural a célebre
instituição do Tribunal de Nuremberg, responsável pelo
julgamento dos crimes cometidos contra a humanidade patrocinados
pelo delírio nazista14 .
Renato Janine Ribeiro, em magistral
artigo nominado "Em Busca da Paz Perpétua"15 ,
assim proclama:
" Surge, no lugar da paz que se
fazia do ponto de vista dos príncipes, o anseio por uma paz que
se institua da perspectiva dos povos. O eixo dessa novidade é a
inclusão dos direitos humanos na agenda internacional. É claro
que isso limita as imunidades jurídicas para tratar seus súditos
como queira.
Em outras palavras, há hoje uma
sensibilidade mundial que cada vez mais substitui o termo "súdito"
pelo conceito de "cidadão"16. Uma série de direitos
humanos, ligados uns à liberdade (dos direitos liberais), outros
à igualdade (os direitos sociais, de cunhagem socialista),
outros, enfim à fraternidade (aqueles que o terceiro mundo
exigiu), tornaram-se essenciais para definir as relações dos
homens entre si, inclusive as internacionais".
O próximo século que se avizinha
apresentará aos países em desenvolvimento novos desafios, sem os
quais suas inserções na ordem mundial não se viabililizarão.
Embora a proposital referência ao
processo em curso de globalização aponte para uma visão
economicista, com finalidade de explorações financeiras e
mercantis, torna-se cada vez mais inevitável contemplar o novo
cenário planetário sem perceber a inevitável inclusão de
reivindicações humanitárias, que venham a aproximar os povos de
todos os continentes em direitos e dignidade.
Nesse quadro multiplica-se
consideravelmente a importância dimensional dos tratados gerais
de proteção internacional dos direitos humanos no plano das relações
exteriores.
Do Brasil, objetivamente, aguarda-se
posição de concordância dos instrumentos e tratados de proteção
á pessoa humana, a revisão de cláusulas facultativas e a conjunção
harmoniosa entre a Constituição Federal e as normas
internacionais de direitos humanos. Somente, assim, nossa integração
ao mundo dar-se-á de forma satisfatoriamente global.
Notas
- José Cretella Júnior com
oportuna precisão historiográfica assim discorre: "(...)
tendo o País saído de um regime forte, os constituintes, no
Estado de direito implantado, ressaltaram que o Brasil
fundamentará suas relações internacionais nos princípios
da independência nacional, com a prevalência dos Direitos
Humanos." Além disso, "(...) o Brasil
tomará posição contra os Estados em que os direitos humanos
sejam desrespeitados". (CRETELLA JÚNIOR, José.
Comentários à Constituição de 1988. volume I. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1992. p. 172).
- Flávia Piovesan em admirável
obra afirma: " A Carta de 1988 é a primeira Constituição
brasileira a elencar o princípio da prevalência dos direitos
humanos, como princípio fundamental a reger o Estado
brasileiro nas relações internacionais". (
PIOVESAN, Flávia C. Direitos humanos e o direito
constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad,
1996. p.65).
- " Princípios fundamentais
são aqueles que contêm as decisões políticas estruturais
do Estado, no sentido que a eles empresta Carl Schimidt.
Constituem, como afirmam Canotilho e Vidal Moreira, 'síntese
ou matriz de todas as restantes normas constitucionais, que àquelas
podem ser direta ou indiretamente reconduzidas' ".
(BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a
efetividade de suas normas - limites e possibilidades da
Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1993.
p. 288).
- Aduz Antônio Augusto Cançado
Trindade, em clássica obra do Direito Público brasileiro:
"No Brasil houve efetivamente uma mudança fundamental
- e não há como negá-la - da atitude que prevaleceu durante
o regime militar (1964 - 1985) para a que hoje (a partir de
1985) predomina em nosso país, no tocante à proteção
internacional dos direitos humanos. Tanto é assim que mesmo
os que antes, no ancien régime, se opunham
categoricamente à adesão do Brasil aos tratados gerais de
proteção dos direitos humanos, imbuídos de um pseudo-"constitucionalismo"
estéril que pretendia fazer abstração do regime a que
servia, hoje se aliam, convertidos, ao consenso arduamente
formado (ainda que tardiamente) em prol da causa da proteção
internacional, em nome do mesmo "constitucionalismo".
(TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção
internacional dos direitos humanos - fundamentos jurídicos e
instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. p.
622-3).
- "O dispositivo em exame
significa simplesmente que a Constituição brasileira ao
enunciar os direitos fundamentais não pretende ser exaustiva.
Por isso, além desses direitos explicitamente reconhecidos,
admite existirem outros decorrentes dos regimes e dos princípios
que ela adota, os quais implicitamente reconhece".
(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à
Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1993. p.
623 ).
- (SOARES, Mário Lúcio Quintão. Direitos
fundamentais do homem nos textos constitucionais brasileiro e
alemão. Brasília: Separata da Revista de Informação
Legislativa a.29. nº 115 - Senado Federal - Subsecretaria de
Edições Técnicas, 1992. p. 88-94).
- "Nas raízes do próprio
pensamento constitucionalista mais esclarecido se encontra
apoio para a proteção internacional dos direitos humanos. Há
pouco menos de duas décadas, Mauro Cappelletti ressaltava que
a proteção dos direitos humanos, no plano do direito
interno, requer instrumentos processuais adequados, e é
tamanha sua importância que transcende o sistema ordinário
de proteção judicial; assim, em caso de ameaça aos direitos
constitucionalmente reconhecidos, há que prover meios
processuais extraordinários de proteção. E é quando nem
mesmo esses são disponíveis que as garantias consagradas nos
tratados e instrumentos internacionais de proteção dos
direitos humanos operam em favor dos que necessitam de proteção.
E segundo esses tratados de direitos humanos não é
suficiente que os Estados-Partes contem com sistemas de tutela
jurídica de caráter genérico; encontram-se eles na obrigação
de prover instrumentos processuais adequados e eficazes para a
salvaguarda dos direitos constitucionalmente consagrados. Há,
entre os constitucionalistas, os que revelam sensibilidade
para as afinidades e a interação entre o direito
internacional e o direito interno no tocante à proteção dos
direitos humanos". (TRINDADE, Antônio Augusto
Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos -
fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São
Paulo: Saraiva, 1991. p. 624 ).
- Em artigo editado pela publicação
dos Juízes para a Democracia, Sylvia Helena Steiner
Malheiros, referindo-se à resistência do governo brasileiro
em reconhecer a competência da corte interamericana de
direitos humanos, declara com rigor: "O reconhecimento
incondicionado da competência da Corte não fere a soberania
do Estado, mesmo porque o Estado assumiu o compromisso,
perante a ordem internacional, de zelar pela prevalência dos
direitos humanos na ordem interna e em suas relações com os
demais Estados".(MALHEIROS, Sylvia Helena Steiner. Reconhecimento
da competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos
pelo Brasil: exigência democrática. In: Juízes para a
Democracia - Publicação Oficial da Associação Juízes para
a Democracia. São Paulo: ano 4, nº 8, junho/1996. p. 10).
- (BOBBIO, Norberto e outros. Dicionário
de política. v. 2. Brasília: Universidade de Brasília,
1995. p.1187).
- Em brilhante ensaio intitulado
"A violação sistemática dos direitos humanos",
Oscar Vilhena Vieira, ao expor a ineficácia da ordem jurídica
constitucional na monopolização e contenção da violência
e do arbítrio, cita Michel Foucalt: "ao questionar o
paradigma jurídico construído a partir da idéia de
soberania, aponta relações de dominação que não decorrem
da soberania, mas que são construídas a partir das relações
no interior da Sociedade", In: Microfísica do
Poder, Rio de Janeiro: Graal, 1982. p.181. (FOUCAULT,
Michel, citado por VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito,
cidadania e justiça - ensaios sobre lógica, interpretação,
teoria, sociologia e filosofia jurídica. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1995. p.192).
- No seminário "A Proteção
Nacional e Internacional dos Direitos Humanos", realizado
em Brasília e promovido pelo Fórum Interamericano de
Direitos Humanos - FIDEH e Centro Santo Dias de Direitos
Humanos da Arquidiocese de São Paulo, em dezembro de 1994, o
eminente professor Antônio Augusto Cançado Trindade, expondo
com usual brilhantismo sobre o assunto, declarou: "Trata-se
de uma meta premente, porquanto não se pode professar o
universalismo dos direitos humanos no plano conceitual ou
normativo, e continuar aplicando ou praticando a seletividade
no plano operacional. Os direitos humanos se impõem e obrigam
os Estados, e, em igual medida, os organismos internacionais e
as entidades ou grupos detentores do poder econômico,
particularmente aqueles cujas decisões repercutem no
cotidiano da vida de milhões de seres humanos. Os direitos,
em razão de sua universalidade nos planos tanto normativo
quanto operacional, acarretam obrigações erga omnes."
(Organização: MARIANO, Benedito Domingos e FECHIO FILHO,
Fermino. A proteção nacional e internacional dos direitos
humanos)
- J. A. Lindgren Alves, em
meticuloso trabalho sobre Direitos Humanos e seu sistema
internacional de proteção, descreve ser "Para muitos
analistas do período pós-45, e malgrado as distorções do
tema inerentes à Guerra Fria, a inclusão da observância dos
direitos humanos entre os propósitos fundamentais das Nações
Unidas e a proclamação, em 1948, da Declaração Universal
dos Direitos Humanos representariam uma mudança qualitativa
nas relações internacionais. Com elas e com os instrumentos
jurídicos delas decorrentes, o homem e a mulher ter-se-iam
tornado sujeitos do direito internacional, ocupando, como
"cidadãos do mundo", um espaço previamente
reservado apenas aos Estados." (ALVES, J. A. Lindgren.
Os direitos humanos como tema global. Brasília:
Perspectiva, 1994. p.37).
- O governo brasileiro, ao depositar
a Carta de Adesão à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos ( Pacto de San José da Costa Rica ), em 25 de
setembro de 1992 ( e convalidado mediante Decreto nº 678, de
6 de novembro de 1992), fez a seguinte declaração
interpretativa sobre os artigos 43 e 48, alínea
"d": "O Governo do Brasil entende que os
artigos 43 e 48, alínea "d", não incluem o direito
automático de visitas, inspeções in loco da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão de
anuência expressa do Estado".
- Flávia Piovesan C., ao advogar a
criação de um Tribunal Criminal Internacional Permanente
para julgamento de crimes contra a humanidade, em artigo
intitulado Um Tribunal Permanente, afirma: "Nuremberg
atestou que a proteção dos direitos humanos não mais
poderia se confirmar ao domínio reservado do Estado,
consolidando a idéia de que a forma pela qual um Estado trata
seus cidadãos interessa ao mundo e que, por sua vez, os indivíduos
têm direitos protegidos na ordem internacional"
(PIOVESAN, Flávia C. Um tribunal permanente. In: Folha
de São Paulo, 3.2 - Caderno Cotidiano, 3/10/96).
- (RIBEIRO, Renato Janine. Em
busca da paz perpétua. In: Folha de São Paulo, 5.12 -
Caderno Mais!, 7/4/96).
- Mesma proposição lastreia a
narrativa de Norberto Bobbio em A era dos direitos (BOBBIO,
Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus.
1992).À
Nilmário Miranda
é jornalista, pós-graduado em Ciência Política pela
Universidade Federal de Minas Gerais, deputado federal pelo
Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais e membro efetivo das
Comissões de Constituição e Justiça e Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados.
RESUMO Direitos
Humanos, Soberania e os Desafios da Nacionalidade para o
Terceiro Milênio Nilmário Miranda
A Constituição de
1988, ao tratar dos direitos humanos, insere o Brasil no estádio
do direito internacional.
No presente momento
histórico, evidencia-se a necessidade de uma análise revisional
do conceito de soberania, conferindo-lhe amplitude democrática
mediante afirmativa presença da cidadania na vida nacional.
No tocante à
realidade brasileira, o aprimoramento democrático da vida
nacional conduziria a uma integral concepção sobre a
indivisibilidade dos direitos humanos, abarcando horizontalmente
direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais,
incorporados indistintamente ao campo da atividade humana.
Para o próximo milênio,
aguarda-se do Brasil uma posição de concordância dos
instrumentos e tratados de proteção à pessoa humana, a revisão
de cláusulas facultativas e a conjunção harmoniosa entre a
Constituição Federal e as normas internacionais de direitos
humanos. Somente assim, nossa integração ao mundo dar-se-á de
forma satisfatoriamente global.
ABSTRACT Human
Rights, Sovereignty and Threats to Nationality for the
Third Millenium Nilmário Miranda
When referring to
human rights, the 1988 Constitution links Brazil with
international law.
At this present time
in history, it is evident that there is a need for a revised
concept of supreme authority, giving it a wider democratic
dimension by affirming the presence of citizenship in national
life.
In the actual
brazilian scene, a democratic improvement in national life would
lead to an holistic conception with respect to human rights, thus
embracing civil, political, social, economic and cultural rights,
all of which are indistinctively incorporated in human activity.
It is expected that,
for the next millennium, Brazil will assume a position of
agreement with treaties and other instruments designed for the
human being's protection, a revision of non-mandatory clauses as
well as a harmonious union between the federal constitution and
international norms for human rights. Only then will Brazil's
integration with the rest of the world be satisfactorily global.
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