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Direitos Humanos, Soberania e Desafios da Nacionalidade para o Terceiro Milênio

Nilmário Miranda

O motivador estudo sobre a relação axiológica entre a efetiva proteção aos direitos humanos e o Estatuto Constitucional de 1988 inicia-se precipuamente com a constatação topológica dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil elencados na abertura da Constituição, inseridos, desde logo, em seu artigo inaugural:

"I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político".

Expressa-se, portanto, inequívoca intenção do legislador constituinte originário em conferir primazia aos direitos e às garantias fundamentais da pessoa humana no ordenamento normativo constitucional, em dissenso com o tradicionalismo das constituições brasileiras pretéritas, também incluída nesse contexto a Carta liberal de 1946, saudada por muitos por seu diferencial democrático. Todas elas, indistintamente, inauguravam a redação de seus respectivos textos constitucionais contendo normas e disposições pertinentes à organização do Estado brasileiro1 .

Prossegue o enunciado constitucional, em seu artigo 4º, incluindo expressamente no rol dos princípios regentes das relações internacionais a serem estabelecidas pelo Estado brasileiro: a "prevalência dos direitos humanos" ( inciso II)2 .

Compreende-se nesse enunciado a inamovibilidade valorativa dos direitos humanos como postulado funcional e deliberativo das ações do governo brasileiro. Não por outro motivo, observa-se sua presença entre os princípios fundamentais da vigente carta política3 .

Significa com isso dizer que o tópico relativo a inafastável permanência dos direitos humanos deverá, desde logo, manter-se por exigência constitucional como conteúdo programático a orientar a agenda diplomática pátria. Acresce-se de forma concomitante a adjuração pela "cooperação entre os povos para o progresso da humanidade" (inciso IX) na formulação da política externa brasileira4 .

Outrossim, a efetiva inserção internacional do Brasil no contexto da globalização, requer, prioritariamente, o aprimoramento do Estado democrático mediante a interseção normativa entre nosso diploma constitucional e o direito internacional, na permanente manutenção das garantias e dos direitos fundamentais da pessoa humana.

O realce definitivo à integração do ordenamento jurídico brasileiro às normas internacionais observa-se pela redação do § 2º do artigo 5º da Constituição Federal:

"Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".5

Preciosa observação é feita por Mário Lúcio Quintão Soares:

"É incontestável, entretanto, que a incapacidade dos Estados para a promoção dos direitos humanos contemplados em seus textos constitucionais conduziu à internacionalização desses mesmos direitos". Não obstante a isso, conveniente foi constatar que " (...) A Constituição brasileira, procurando ser um instrumento de mudança social, preconiza, expressamente, princípios basilares dos direitos humanos como: soberania, cidadania, dignidade humana e valores sociais do trabalho; a construção de uma sociedade justa, livre e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização social; a prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais".6

Desse modo, a eficaz consagração do princípio constitucional da "prevalência dos direitos humanos" aguarda complementaridade na implementação de um sistema internacional que efetive instrumentos de proteção aos direitos humanos, mediante seu aperfeiçoamento, bem como o reconhecimento, por parte das nações, da capacidade processual de seus cidadãos mediante sincera compreensão da integral completitude normativa de Declarações, Pactos, Convenções e Tratados Internacionais ao regimento jurídico nacional7 .

Contudo, o almejado reconhecimento da competência das Cortes internacionais, mediante a desobstrução do exercício e as atribuições concernentes à investigação e ao julgamento de violações a direitos humanos deflagrados em território brasileiro, ainda hoje, é enfrentado de forma discordante sob alegação de se preservar a soberania nacional8 .

O nobre jurista italiano, Norberto Bobbio, em seu primoroso Dicionário de Política, contrapõe-se ao apego conceitual verificado no monolítico entendimento das funções e atribuições tradicionais do Estado moderno:

" No nosso século, o conceito político-jurídico de Soberania entrou em crise, quer teórica, quer praticamente. Teoricamente, com o prevalecer das teorias constitucionalistas; praticamente, com a crise do Estado moderno, não mais capaz de se apresentar como centro único e autônomo de poder, sujeito exclusivo da política, único protagonista na arena internacional.

small>Para o fim desse monismo contribuíram, ao mesmo tempo, a realidade cada vez mais pluralista das sociedades democráticas, bem como o novo caráter dado às relações internacionais, nas quais a interdependência entre os diferentes Estados se torna cada vez mais forte e mais estreita, quer no aspecto político, quer no ideológico. Está desaparecendo a plenitude do papel estatal, caracterizado justamente pela Soberania; por isso, o Estado acabou quase se esvaziando e quase desapareceram seus limites.(...) O movimento por uma colaboração internacional cada vez mais estreita começou a desgastar os poderes tradicionais dos Estados soberanos. (...) As autoridades 'supranacionais' têm a possibilidade de conseguir que adequadas Cortes de Justiça definam e confirmem a maneira pela qual o direito 'supranacional' deva ser aplicado pelos Estados em casos concretos".9 

Equivocam-se, portanto, aqueles que insistem na compreensão restritiva do antigo silogismo jurídico incurso na traiçoeira e incompleta definição de soberania10 .

Pode-se deduzir a motivação da objeção à tese de acolhimento irrestrito das garantias jurídicas internacionais de proteção aos direitos humanos, decorrente dos princípios da universalidade e da indivisibilidade por países violadores de direitos de suas populações (seja por natureza étnica, política, cultural, social ou religiosa), portanto, descompromissados com a preservação integral da dignidade humana de seus concidadãos. Entretanto, aos países que no plano político externo apregoam o aprimoramento e a auto-evolução de sua vida democrática, não há elemento justificador da abstenção ao acolhimento complementar de mecanismos internacionais que visem à defesa dos direitos da pessoa humana.

Não se pretende com essa iniciativa suprimir a legitimidade da ordem jurídica dos Estados nacionais na proteção aos direitos humanos. Ao contrário, aspira-se proporcionar à sociedade elementos estruturais que confirmem a eficácia e a legitimidade de seus direitos, inerentes à própria condição humana, e que, muitas vezes, no ordenamento jurídico disponível terminam por frustrar expectativas, justamente pela ausência de confiabilidade operacional11 .

Por esses motivos, verifica-se no presente momento histórico a necessária análise revisional do conceito de soberania, conferindo-lhe amplitude democrática, mediante afirmativa presença da cidadania na vida nacional12 .

O espaço público passa finalmente a dispor de agentes sociais, cada vez mais dotados de consciência e capacitação para propiciar eficácia normativa e operacional de observância dos valores básicos dos seres humanos.

Todavia, a consolidação de um novo paradigma marcado pela preponderância dos direitos e das garantias fundamentais da pessoa humana necessita ainda de nítida recepção por parte dos Estados nacionais da doutrina internacionalista, que, por sua vez, prescinde, para sua plena eficácia, da formal aceitação de competência das cortes internacionais de direitos humanos. O que acontece, contudo, é que essa decisão decorre, evidentemente, do real comprometimento político em relação à excelência da referida matéria.

Se de fato existe fiel propósito dos governos em enfrentar a impunidade, em casos de notada ineficácia da ordem jurídica interna ao exercer a contento sua imprescindível atribuição mantenedora da justiça e da paz social, o acolhimento ao conjunto de instrumentos internacionais de promoção aos direitos humanos auxiliaria sobremaneira o advento contínuo do respeito e da preservação da dignidade humana.

Ignorada a efetiva implementação dos diplomas de natureza global ou regional, a convincente fruição da seguridade da ordem jurídica encontra-se flagrantemente comprometida.

No tocante à realidade brasileira, sem embargo de virtude à ordem jurídica pátria, árdua e democraticamente constituída, a integração ao direito internacional humanitário, além de resultar no aprimoramento democrático da vida nacional, sobretudo no tocante ao basilar princípio de defesa dos direitos e das garantias fundamentais, propiciaria imediatamente a emergência de efeito preventivo à prática atentatória e/ou infracional aos direitos humanos.

Caminhar-se-ia para uma integral concepção sobre a indivisibilidade dos direitos humanos, abarcando horizontalmente direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, incorporados indistintamente ao campo da atividade humana.

É fato que com o advento da Magna Carta de 1988, os direitos e as garantias fundamentais se alargaram prodigamente aos direitos econômico-sociais, agora, especialmente aglutinados ao artigo 5º da Constituição da República. Sendo assim, passaram os direitos de natureza econômica e social a incorporar os distintos princípios intangíveis da Lei maior, não estando, portanto, sujeitos à iniciativa supressiva.

Mesmo assim, não obstante a relevante presença dos direitos civis, políticos, econômicos e culturais cultuados no texto constitucional, o Estado brasileiro, reafirmando formalmente, perante a comunidade internacional, sua compreensão sobre a indivisibilidade dos direitos humanos, incorporou à ordem jurídica interna, como signatário, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ambos adotados pela Resolução 2.200 - A (XXI) da Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 16 de Dezembro de 1966, e ratificados somente em 24 de janeiro de 1992).

Antes, porém, recém egresso do Estado Novo e maculado por suas implicações arbitrárias, o governo brasileiro havia referendado o texto da Carta das Nações Unidas (1945), além de participar ativamente da elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Em seguida, convalidou a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (1968) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1990), todas pertinentes ao sistema normativo global.

Na esfera regional interamericana, o Estado brasileiro ratificou a Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura (adotada pela Assembléia-Geral da Organização dos Estados Americanos) em 1989, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) em 199213  e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Adotada pela Assembléia-Geral de Estados Americanos) em 1995.

Sem prejuízo da louvável adesão aos Estatutos Jurídicos Internacionais, muitas vezes, a não ratificação integral dos diplomas internacionais de direitos humanos acaba por comprometer o mérito da iniciativa.

Com referência específica ao teor expositivo da declaração interpretativa, feito pelo governo brasileiro, quando da ratificação da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, comprometeu-se rigorosamente o êxito das atribuições e do exercício de competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, cuja atribuição consiste na observância da defesa dos direitos humanos nos países signatários.

Ao obstaculizar o livre trânsito da Comissão em território brasileiro para a pertinente investigação de denúncias oferecidas, terminou-se por reduzir o efeito coercivo às violações a direitos humanos perpetradas em solo brasileiro e, por conseguinte, restringir objetivamente a força impactante da adesão à Convenção Interamericana.

Nesse final de século, desenha-se no contexto mundial a imperiosa necessidade de a cidadania dispor de instrumentos normativos que assegurem a inviolabilidade dos povos. Essa tendência, iniciada pela separação do indistinto poder soberano, premente nas antigas relações entre governantes e governados, tem como marco histórico e inaugural a célebre instituição do Tribunal de Nuremberg, responsável pelo julgamento dos crimes cometidos contra a humanidade patrocinados pelo delírio nazista14 .

Renato Janine Ribeiro, em magistral artigo nominado "Em Busca da Paz Perpétua"15 , assim proclama:

" Surge, no lugar da paz que se fazia do ponto de vista dos príncipes, o anseio por uma paz que se institua da perspectiva dos povos. O eixo dessa novidade é a inclusão dos direitos humanos na agenda internacional. É claro que isso limita as imunidades jurídicas para tratar seus súditos como queira.

Em outras palavras, há hoje uma sensibilidade mundial que cada vez mais substitui o termo "súdito" pelo conceito de "cidadão"16. Uma série de direitos humanos, ligados uns à liberdade (dos direitos liberais), outros à igualdade (os direitos sociais, de cunhagem socialista), outros, enfim à fraternidade (aqueles que o terceiro mundo exigiu), tornaram-se essenciais para definir as relações dos homens entre si, inclusive as internacionais".

O próximo século que se avizinha apresentará aos países em desenvolvimento novos desafios, sem os quais suas inserções na ordem mundial não se viabililizarão.

Embora a proposital referência ao processo em curso de globalização aponte para uma visão economicista, com finalidade de explorações financeiras e mercantis, torna-se cada vez mais inevitável contemplar o novo cenário planetário sem perceber a inevitável inclusão de reivindicações humanitárias, que venham a aproximar os povos de todos os continentes em direitos e dignidade.

Nesse quadro multiplica-se consideravelmente a importância dimensional dos tratados gerais de proteção internacional dos direitos humanos no plano das relações exteriores.

Do Brasil, objetivamente, aguarda-se posição de concordância dos instrumentos e tratados de proteção á pessoa humana, a revisão de cláusulas facultativas e a conjunção harmoniosa entre a Constituição Federal e as normas internacionais de direitos humanos. Somente, assim, nossa integração ao mundo dar-se-á de forma satisfatoriamente global.

Notas

  1. José Cretella Júnior com oportuna precisão historiográfica assim discorre: "(...) tendo o País saído de um regime forte, os constituintes, no Estado de direito implantado, ressaltaram que o Brasil fundamentará suas relações internacionais nos princípios da independência nacional, com a prevalência dos Direitos Humanos." Além disso, "(...) o Brasil tomará posição contra os Estados em que os direitos humanos sejam desrespeitados". (CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. volume I. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992. p. 172).
  2. Flávia Piovesan em admirável obra afirma: " A Carta de 1988 é a primeira Constituição brasileira a elencar o princípio da prevalência dos direitos humanos, como princípio fundamental a reger o Estado brasileiro nas relações internacionais". ( PIOVESAN, Flávia C. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996. p.65).
  3. " Princípios fundamentais são aqueles que contêm as decisões políticas estruturais do Estado, no sentido que a eles empresta Carl Schimidt. Constituem, como afirmam Canotilho e Vidal Moreira, 'síntese ou matriz de todas as restantes normas constitucionais, que àquelas podem ser direta ou indiretamente reconduzidas' ". (BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas - limites e possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1993. p. 288).
  4. Aduz Antônio Augusto Cançado Trindade, em clássica obra do Direito Público brasileiro: "No Brasil houve efetivamente uma mudança fundamental - e não há como negá-la - da atitude que prevaleceu durante o regime militar (1964 - 1985) para a que hoje (a partir de 1985) predomina em nosso país, no tocante à proteção internacional dos direitos humanos. Tanto é assim que mesmo os que antes, no ancien régime, se opunham categoricamente à adesão do Brasil aos tratados gerais de proteção dos direitos humanos, imbuídos de um pseudo-"constitucionalismo" estéril que pretendia fazer abstração do regime a que servia, hoje se aliam, convertidos, ao consenso arduamente formado (ainda que tardiamente) em prol da causa da proteção internacional, em nome do mesmo "constitucionalismo". (TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos - fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 622-3).
  5. "O dispositivo em exame significa simplesmente que a Constituição brasileira ao enunciar os direitos fundamentais não pretende ser exaustiva. Por isso, além desses direitos explicitamente reconhecidos, admite existirem outros decorrentes dos regimes e dos princípios que ela adota, os quais implicitamente reconhece". (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 623 ).
  6. (SOARES, Mário Lúcio Quintão. Direitos fundamentais do homem nos textos constitucionais brasileiro e alemão. Brasília: Separata da Revista de Informação Legislativa a.29. nº 115 - Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, 1992. p. 88-94).
  7. "Nas raízes do próprio pensamento constitucionalista mais esclarecido se encontra apoio para a proteção internacional dos direitos humanos. Há pouco menos de duas décadas, Mauro Cappelletti ressaltava que a proteção dos direitos humanos, no plano do direito interno, requer instrumentos processuais adequados, e é tamanha sua importância que transcende o sistema ordinário de proteção judicial; assim, em caso de ameaça aos direitos constitucionalmente reconhecidos, há que prover meios processuais extraordinários de proteção. E é quando nem mesmo esses são disponíveis que as garantias consagradas nos tratados e instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos operam em favor dos que necessitam de proteção. E segundo esses tratados de direitos humanos não é suficiente que os Estados-Partes contem com sistemas de tutela jurídica de caráter genérico; encontram-se eles na obrigação de prover instrumentos processuais adequados e eficazes para a salvaguarda dos direitos constitucionalmente consagrados. Há, entre os constitucionalistas, os que revelam sensibilidade para as afinidades e a interação entre o direito internacional e o direito interno no tocante à proteção dos direitos humanos". (TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos - fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 624 ).
  8. Em artigo editado pela publicação dos Juízes para a Democracia, Sylvia Helena Steiner Malheiros, referindo-se à resistência do governo brasileiro em reconhecer a competência da corte interamericana de direitos humanos, declara com rigor: "O reconhecimento incondicionado da competência da Corte não fere a soberania do Estado, mesmo porque o Estado assumiu o compromisso, perante a ordem internacional, de zelar pela prevalência dos direitos humanos na ordem interna e em suas relações com os demais Estados".(MALHEIROS, Sylvia Helena Steiner. Reconhecimento da competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Brasil: exigência democrática. In: Juízes para a Democracia - Publicação Oficial da Associação Juízes para a Democracia. São Paulo: ano 4, nº 8, junho/1996. p. 10).
  9. (BOBBIO, Norberto e outros. Dicionário de política. v. 2. Brasília: Universidade de Brasília, 1995. p.1187).
  10. Em brilhante ensaio intitulado "A violação sistemática dos direitos humanos", Oscar Vilhena Vieira, ao expor a ineficácia da ordem jurídica constitucional na monopolização e contenção da violência e do arbítrio, cita Michel Foucalt: "ao questionar o paradigma jurídico construído a partir da idéia de soberania, aponta relações de dominação que não decorrem da soberania, mas que são construídas a partir das relações no interior da Sociedade", In: Microfísica do Poder, Rio de Janeiro: Graal, 1982. p.181. (FOUCAULT, Michel, citado por VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito, cidadania e justiça - ensaios sobre lógica, interpretação, teoria, sociologia e filosofia jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p.192).
  11. No seminário "A Proteção Nacional e Internacional dos Direitos Humanos", realizado em Brasília e promovido pelo Fórum Interamericano de Direitos Humanos - FIDEH e Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, em dezembro de 1994, o eminente professor Antônio Augusto Cançado Trindade, expondo com usual brilhantismo sobre o assunto, declarou: "Trata-se de uma meta premente, porquanto não se pode professar o universalismo dos direitos humanos no plano conceitual ou normativo, e continuar aplicando ou praticando a seletividade no plano operacional. Os direitos humanos se impõem e obrigam os Estados, e, em igual medida, os organismos internacionais e as entidades ou grupos detentores do poder econômico, particularmente aqueles cujas decisões repercutem no cotidiano da vida de milhões de seres humanos. Os direitos, em razão de sua universalidade nos planos tanto normativo quanto operacional, acarretam obrigações erga omnes." (Organização: MARIANO, Benedito Domingos e FECHIO FILHO, Fermino. A proteção nacional e internacional dos direitos humanos)
  12. J. A. Lindgren Alves, em meticuloso trabalho sobre Direitos Humanos e seu sistema internacional de proteção, descreve ser "Para muitos analistas do período pós-45, e malgrado as distorções do tema inerentes à Guerra Fria, a inclusão da observância dos direitos humanos entre os propósitos fundamentais das Nações Unidas e a proclamação, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos representariam uma mudança qualitativa nas relações internacionais. Com elas e com os instrumentos jurídicos delas decorrentes, o homem e a mulher ter-se-iam tornado sujeitos do direito internacional, ocupando, como "cidadãos do mundo", um espaço previamente reservado apenas aos Estados." (ALVES, J. A. Lindgren. Os direitos humanos como tema global. Brasília: Perspectiva, 1994. p.37).
  13. O governo brasileiro, ao depositar a Carta de Adesão à Convenção Americana sobre Direitos Humanos ( Pacto de San José da Costa Rica ), em 25 de setembro de 1992 ( e convalidado mediante Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992), fez a seguinte declaração interpretativa sobre os artigos 43 e 48, alínea "d": "O Governo do Brasil entende que os artigos 43 e 48, alínea "d", não incluem o direito automático de visitas, inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão de anuência expressa do Estado".
  14. Flávia Piovesan C., ao advogar a criação de um Tribunal Criminal Internacional Permanente para julgamento de crimes contra a humanidade, em artigo intitulado Um Tribunal Permanente, afirma: "Nuremberg atestou que a proteção dos direitos humanos não mais poderia se confirmar ao domínio reservado do Estado, consolidando a idéia de que a forma pela qual um Estado trata seus cidadãos interessa ao mundo e que, por sua vez, os indivíduos têm direitos protegidos na ordem internacional" (PIOVESAN, Flávia C. Um tribunal permanente. In: Folha de São Paulo, 3.2 - Caderno Cotidiano, 3/10/96).
  15. (RIBEIRO, Renato Janine. Em busca da paz perpétua. In: Folha de São Paulo, 5.12 - Caderno Mais!, 7/4/96).
  16. Mesma proposição lastreia a narrativa de Norberto Bobbio em A era dos direitos (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus. 1992).À

Nilmário Miranda é jornalista, pós-graduado em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais e membro efetivo das Comissões de Constituição e Justiça e Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

RESUMO Direitos Humanos, Soberania e os Desafios da Nacionalidade para o Terceiro Milênio Nilmário Miranda

A Constituição de 1988, ao tratar dos direitos humanos, insere o Brasil no estádio do direito internacional.

No presente momento histórico, evidencia-se a necessidade de uma análise revisional do conceito de soberania, conferindo-lhe amplitude democrática mediante afirmativa presença da cidadania na vida nacional.

No tocante à realidade brasileira, o aprimoramento democrático da vida nacional conduziria a uma integral concepção sobre a indivisibilidade dos direitos humanos, abarcando horizontalmente direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, incorporados indistintamente ao campo da atividade humana.

Para o próximo milênio, aguarda-se do Brasil uma posição de concordância dos instrumentos e tratados de proteção à pessoa humana, a revisão de cláusulas facultativas e a conjunção harmoniosa entre a Constituição Federal e as normas internacionais de direitos humanos. Somente assim, nossa integração ao mundo dar-se-á de forma satisfatoriamente global.

ABSTRACT Human Rights, Sovereignty and Threats to Nationality for the Third Millenium Nilmário Miranda

When referring to human rights, the 1988 Constitution links Brazil with international law.

At this present time in history, it is evident that there is a need for a revised concept of supreme authority, giving it a wider democratic dimension by affirming the presence of citizenship in national life.

In the actual brazilian scene, a democratic improvement in national life would lead to an holistic conception with respect to human rights, thus embracing civil, political, social, economic and cultural rights, all of which are indistinctively incorporated in human activity.

It is expected that, for the next millennium, Brazil will assume a position of agreement with treaties and other instruments designed for the human being's protection, a revision of non-mandatory clauses as well as a harmonious union between the federal constitution and international norms for human rights. Only then will Brazil's integration with the rest of the world be satisfactorily global.

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