O
desmonte das instituições globalitárias
Soluções
globais e locais sugeridas em conferência sobre ''arquitetura do
poder''
Zaira Machado, Veraz Comunicação
"E agora José?",
indaga o poeta brasileiro Carlos Drumond de Andrade em um dos seus
versos mais conhecidos. Depois de uma verdadeira maratona de
conferências, seminários e oficinas, a sociedade civil planetária,
representada no 2º Fórum Social Mundial, tentou definir os
alicerces de uma nova estrutura de poder global. Não é por acaso
que a conferência "Organismos Internacionais e arquitetura
do poder mundial" ocorreu no último dia de debates. Vírtude
e obstáculo, a diversidade que o movimento abarca, e que se
expressou tantas vezes ao longo dos últimos dias, faz com que
este desafio seja ainda mais difícil. O esforço de sintetizar ao
menos a maioria das opiniões presentes em Porto Alegre coube a
seis debatedores: Walden Bello, da Focus on the Global South (Tailândia),
Roberto Bissio, da Social Watch (Uruguai), Susan George, da Attac
(França) Peter Wahl, da WEED (Alemanha), Aurélio Viana, da Rede
Brasil (Brasil) e Maude Barlow, da Blue Planet Project (Canadá).
Instigados pelo mediador Teivo Teivainen, do Network Institute for
Global Democratization (Finlândia), os conferencistas
sintetizaram pontos de vista muitas vezes opostos, mas de cuja
definição depende o próprio futuro do movimento
antineoliberalismo, que tem no encontro de Porto Alegre um de seus
maiores símbolos. O tema fazia parte do Eixo IV, que abortou o
"Poder Político e Ética na Nova Sociedade".
Ao menos duas questões bastante polêmicas se expressaram ao
longo do debate. A primeira grande questão diz respeito à abrangências
e eficácia destas novas estruturas. Walden Bello considera que
organismos regionais tendem a ter maior possibilidade de êxito na
ótica de quem luta por uma globalização humanizadora. Para o
representante da WEED, Peter Wahl, a proposta de criação de um
"parlamento global" ou outras estruturas de poder em âmbito
planetário é uma "utopia negativa". O brasileiro Aurélio
Viana, por sua vez, sugeriu que novas estruturas de poder deveriam
ter uma "participação diferencial de atores que são
diferentes". Na opinião dele, para tratar do tema da
democracia global e conseguir dialogar "temos que partir do
princípio muito óbvio de que os países não são iguais, que
vivemos em um mundo hegemonizado por um único país e que, nessa
esfera planetária, os países e governos tem poderes
diferenciados. Uma idéia pode ser a articulação entre países
para a participação em instâncias planetárias. Hoje, a
participação de países do hemisfério sul no FMI e Banco
Mundial é compartilhada, só que este conmpartilhamento é aleatório.
Por que não pensamos na participação de grupos de países por
afinidades culturais, econômicas, políticas etc?", sugeriu.
Sobre a abrangência das instâncias de decisão, o canadense
Maude Barlow, embora reconhecendo a direito das comunidades
locais, defendeu que a exploração de algumas bens globais, como
a água e os recursos genéticos, deve ser submetida a organismos
internacionais, que representem o interesse de toda a humanidade.
Roberto Bissio manifestou sua preocupação em relação às
privatizações dos bens globais e questionou a internacionalização,
por exemplo, do manancial genético existente na Amazônia. Maude
reconheceu que o tema é polêmico, na medida em que ameaça a
soberania dos países e das comunidades envolvidas, mas garantiu
que o risco desses recursos serem apropriados pelas grandes
corporações é ainda maior se a decisão ficar somente no âmbito
local, "já que essas comunidades não têm força para
resistir".
O segundo tema polêmico da conferência foi a possibilidade ou não
de organismos internacionais já existentes, como o FMI e as Nações
Unidas, serem profundamente reformados e democratizados. A
proposta foi defendida Peter Wahl, que fez um resgate da origem
progressista do Fundo Monetário Internacional. Para Walden Bello,
esta idéia apenas tenta obstruir ou reduzir o impacto negativo
das políticas desenvolvidas pelos organismos internacionais.
"Eles refletem a poder da classe dominante. Não é mais fácil
democratizá-los do que construir novas estruturas". Na opinião
dele, "utopia é pensar de o Fundo Monetário Internacional e
o Banco Mundial possam ser democratizados".
A questão da democracia, aliás, foi bastante debatida pelos
conferencistas. Todos reconhecem a dificuldade de se constituir
instâncias que representem a humanidade em sua dimensão real.
Roberto Bissio lembrou que se "por alguma magia, tivéssemos
aqui uma representação perfeita da população mundial, essa
assembléia seria bem diferente: a metade seria da Ásia, a metade
seria pobre, 15% jamais teria feito uma ligação telefônica em
toda a sua vida e 6%, um grupo pequeno como o que compõe esta
mesa, teria 80% de todos os recursos do planeta. Então, esse é o
problema. Uma democracia perfeita não existe". Como
alternativa, Bissio sugeriu a criação de um imposto de renda
mundial e de um tribunal internacional de justiça, que não
considera uma utopia, mas as bases de um contrapoder global,
"porque numa sociedade sem lei são os poderes que impõem as
suas próprias leis injustas".
|