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Texto da palestra proferida durante o painel “Como mediar conflitos e construir a paz?”, Eixo IV, dia 29 de janeiro

Sergio Yahni

Gostaria de começar agradecendo a oportunidade de expor o que está acontecendo com o povo da Palestina em sua luta pela libertação nacional. Ocorre que fui convidado para falar sobre as condições para a paz. E a paz, no contexto do Oriente Médio, se transformou num discurso hegemônico com respeito ao conflito. Todo mundo fala de paz, a ultra-direita israelense, principalmente os norte-americanos, os europeus, todo mundo fala de paz. E de tanto se usar essa palavra, começou a ser encoberta a realidade terrível que viveu o povo palestino nos últimos quatro meses. Completam-se hoje quatro meses do levante popular palestino, a Intifada, que começou em setembro de 2000 e já causou a morte de quase 400 palestinos.

Tentarei, durante a minha exposição, explicar e demonstrar a situação. Porém, não quero falar dessas atrocidades que estão acontecendo, não quero falar dos assassinatos de ativistas políticos, dos assassinatos de companheiros ativistas pela paz, pelos serviços secretos, não quero falar dos seqüestros de jovens civis, ilegalmente detidos dentro do território da Autoridade Palestina e levados para Israel, ou dos bombardeios de mísseis israelenses.

Prefiro falar de algo menor, de um companheiro meu, Muhammad Amin Abdu, do povoado de Hares, que morreu aos 17 anos, um mês atrás. Eu vou mostrar um pouquinho com o mapa porque me parece que a maioria das pessoas não conhece muito bem a geografia de que estamos falando. As áreas no centro e no norte da Cisjordânia, as manchas amarelas no mapa, são os territórios sob controle civil palestino e controle militar de Israel. E as áreas marrons são as áreas sob total controle civil e militar palestina. O povoado de Hares fica aqui... há séculos. Eu falava de Muhammad, que era uma criança, um adolescente. Tinha 17 anos quando foi assassinado pelo exército do Israel. Muhammad não entendia muito de Intifadas e insurreições. Diziam que era meio lento, mas que pelo menos sabia ler e escrever e trabalhava como auxiliar de padeiro para ajudar a economia familiar. Passeava pelo povoado com uma bandeja cheia de pão, com farinha de trigo no nariz, cantando baixinho um slogan ouvido dos ativistas palestinos, uma canção cuja letra significa algo como “já não há medo”. Eu o conheci quando viajei, com um grupo de ativistas de Israel – um grupo de solidariedade, que acompanhou uma equipe de televisão catalã, para explicar a situação dessas pessoas sofridas desse povoado.

Até a sua ocupação pelo exército de Israel, em 1967, a população de Hares era camponesa. Vivia, como em todas as áreas da economia típica da região, da colheita da oliva para fazer azeite e azeitonas. Desde 1967, e principalmente no início da década de 70, o Estado de Israel começou a confiscar as terras. Nessas terras confiscadas foram criadas colônias para as quais foi transferida parte da população de Israel. Hares, como qualquer outro povoado ou cidade palestina, perdeu suas terras para a colônia. E a perda das terras significou também uma perda econômica. Para garantirem a sua subsistência, os camponeses de Hares tiveram que trabalhar em Israel ou nas próprias colônias recém-criadas. Em 1993 assinam-se os acordos de Oslo e inicia-se o processo de paz entre o Estado de Israel e a OLP. Para a população de Hares, e para a maioria dos camponeses e operários, esse processo não significou uma melhoria na vida ou na segurança das pessoas. Os níveis econômicos e sociais pioraram, já que Israel não cumpriu os acordos de 1993, que estipulavam que Israel congelasse o processo de colonização na margem ocidental do rio Jordão. As colônias multiplicaram-se: de 1993 para cá, há duas vezes mais colônias do que de 1967 até 1993. E isso ocorreu durante o processo de paz.

No começo da década de 90, o governo de Israel e a previdência israelense descobriram que era muito mais conveniente fazer a importação de trabalhadores estrangeiros do que palestinos, já que um tailandês ou um latino-americano que traga problemas é facilmente expulso do país. Em conseqüência disso, os trabalhadores palestinos perderam seu espaço de trabalho, que servia de subsistência por terem perdido as terras. Ocorre que, pela legislação israelense, se um trabalhador fica desempregado, tem direito a uma indenização. No entanto, como se entrava num processo de paz – onde tudo é negociado – a previdência israelense decidiu que não tinha que pagar indenização a trabalhador algum, já que as indenizações também fazem parte das negociações entre a Palestina e Israel.

O epicentro da Intifada que começou em setembro foi nas cidades e nos campos de refugiados. Essas cidades são palestinas, têm uma polícia palestina, e têm uma história de 50 anos de lutas. Desde o começo da Intifada até hoje, o Estado de Israel não conseguiu conquistar, ocupar ou desarmar a população das cidades nem a do campo. O povoado de Hares, como qualquer outra aldeia palestina, sofre diariamente ataques dos colonos e do exército de Israel, noite após noite. Ao cair da noite, os colonos da área de Hares chegam ao povoado, com carros, acendem os faróis em volta do povoado e começam a atirar na população. A população civil tem medo de sair do povoado, pois nas estradas se encontram colonos armados. Quando encontram um carro palestino, na melhor das hipóteses, com sorte, cortam os pneus. Hipóteses piores, como casos de assassinato, também aconteceram.

O problema da atual Intifada, principalmente para a população camponesa, é que a colheita das oliveiras acontece no outono e é feita de dois em dois anos. O outono de 2000 foi a temporada de colheitas, em setembro. A política adotada pelo governo israelense – e isso foi deixado claro pelo próprio ministro das Relações Exteriores, que também é encarregado do processo de paz – foi a de sufocar a rebelião palestina pela repressão econômica. O exército fechou os povoados, impedindo que a população saísse para trabalhar e impedindo a colheita da oliva. Os colonos, que se organizam num estilo paramilitar, chegavam aos locais das plantações onde houvesse camponeses que tivessem conseguido fazer a colheita, e atiravam sobre quem ali estava – mulheres, homens, crianças, qualquer pessoa que estivesse trabalhando.

A resposta da juventude a essa realidade na área rural palestina foi defender-se com a única arma que tem à mão: a pedra. Muitas vezes, os colonos não estão sozinhos: o exército aguarda a chegada das crianças palestinas atirando pedras. Quando disparam, não atiram necessariamente naquele jovem que atirou a pedra, mas atiram na direção de onde veio a pedra, o que significa que colocam em perigo a população civil que não está atirando pedras no povoado. Não vi quando mataram Muhammad, porém o vi cruzando a rua com sua bandeja de pão, cantando baixinho sua canção. E uma bala o matou. Ele nunca entendeu, nem poderia entender, por quê. Agora que conhecemos esta gente para quem a rebelião acontece, creio que poderíamos dizer que não há outra alternativa. A conquista de Israel não deixa alternativa a não ser a rebelião, e só então seria possível começar a falar do processo de paz.

Agora, vamos ver o processo de paz proposto por Clinton, e já proposto anteriormente pelo ministro da Justiça de Israel. Aparentemente, é um projeto de paz bastante generoso, que deixaria nas mãos da população da Palestina 95% dos territórios. Só que uma boa parte deles seriam anexados a Israel. No total, junto com as cidades de Israel, isso representaria 95% dos territórios em questão. Esse projeto deixaria 80% dos colonos espalhados por territórios palestinos, que seriam anexados. Acontece que essa terra não está vazia. Nesses lugares moram palestinos. Com a anexação de uma área, por exemplo, semelhante à do povoado de Hares, 25 mil palestinos ficariam sob a soberania de Israel. E de 40 a 50 mil palestinos perderiam as suas terras. No total, cerca de 100 mil palestinos ficariam sob a soberania de Israel, e outros 200 mil perderiam as terras. Para esta área, Israel iria transferir cerca de 350 mil colonos.

Existe uma pergunta: que tipo de direitos daria Israel aos palestinos que ficariam sob sua jurisdição? Seria igualdade de direitos e igualdade de cidadania ou os expulsaria para dar espaço aos colonos? Para poder responder a esta pergunta, devemos voltar atrás, à história do Estado. O Estado de Israel foi criado como um projeto britânico de colonização do Oriente Médio, onde os colonos pertenciam a uma etnia não-árabe, perseguida na Europa, os judeus. A Grã-Bretanha propôs criar uma colônia bastante barata: eles entravam com a terra e o processo de colonização era feito pelo movimento sionista. Até 1947, quando as Nações Unidas declararam a partilha da Palestina, já havia na Palestina 700 mil colonos judeus.

Em novembro de 1947, começou a guerra civil entre palestinos e judeus. No processo dessa guerra civil ocorreu uma limpeza étnica da população da palestina. Um milhão de palestinos perderam suas casas e foram expulsos do país – são os refugiados palestinos – criando-se assim um Estado etnocêntrico, onde os direitos se baseiam na origem étnica de uma pessoa. Se a população de Hares fosse anexada a Israel, não seria anexada como cidadãos iguais, pois nenhum palestino tem os mesmos direitos que os israelenses, em Israel. Portanto, se um acordo desse tipo fosse assinado e não fossem reconhecidos os direitos do povo palestino como indivíduos, isso seria apenas um prelúdio para a próxima guerra. Porque iria haver outra insurreição, outra Intifada.

Gostaria de finalizar dizendo que existem duas possibilidades para o futuro na Palestina. Uma é um período de 100 anos de guerra – já temos 50 anos, podemos continuar com mais 50. A outra é uma mudança estrutural do Estado de Israel, de uma etnocracia para uma democracia. Essa é a única possibilidade para que possa haver um processo de paz no Oriente Médio. Se continuarmos falando de acordos e de negociações sem falar da estrutura étnica da política, e etnocrática do Estado de Israel, não estaremos falando da paz. Isso não significa negar o direito de ser criado um Estado palestino em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém. A luta por esse Estado é uma luta de todos nós. Mas significa que mesmo que ele estado seja criado, a luta pela democratização do Estado de Israel tem que continuar. Este é um interesse comum, de israelenses como de palestinos, pois nenhum povo pode viver dignamente às custas da indignidade de outro.

Reprodução editada da gravação da palestra proferida, sem revisão final da expositora.

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