Democratização
das Comunicações e da Mídia - Foco e Amplitude
Osvaldo León
– ALAI
A
nova espiral de violência e mentiras que estourou no mundo depois
dos atentados registrados nos EUA, no dia 11 de setembro passado,
bruscamente trouxe um cenário adverso às lutas democráticas.
Adversidade que obrigou as lutas democráticas a redobrar seus
esforços para a paz, a justiça e a verdade. Isto não só
implica confrontar os “excessos” da manipulação e distorção
informativa, como as bases e condições que permitem que ela
aconteça, que é precisamente o que por décadas vinha animando a
luta pela democratização das comunicações.
O
FSM, enquanto processo social articulador, apresenta-se como um
espaço idôneo e legítimo para catalizar energias e propiciar a
emergência de um movimento social agrupado sob a bandeira da
democratização das comunicações. Com esta premissa, propomos
para a conferência focalizar a atenção no esboço de uma AGENDA
SOCIAL DAS COMUNICAÇÕES. Como se trata de um tema transversal
– pois concerne a toda relação humana – o que importa é
situar os pontos centrais que contribuam para a definição de
estratégias e propósitos frente a articulação e impulso desse
movimento social.
PROBLEMÁTICA
A
democratização da comunicação é, antes de tudo, uma questão
de cidadania e justiça social, que integra o direito humano à
informação e à comunicação. Cabe dizer que é consubstancial
a vida democrática da mesma sociedade, cuja vitalidade depende de
uma cidadania devidamente informada e deliberante para participar
e corresponsabilizar-se na tomada de decisão dos assuntos públicos.
Nos
últimos tempos, sem exceção, esta aspiração democrática tem
sido seriamente debilitada pela hegemonia neoliberal que, ao
colocar o mercado como eixo do ordenamento social, pretende
confiscar as democracias, anulando todo sentido de cidadania. Além
disso, a comunicação passou a se constituir em suporte chave
dessa dinâmica. Tanto é assim que, apoiando-se no acelerado
desenvolvimento de tecnologias e técnicas, os poderes
estabelecidos apontam para convertê-la em paradigma de futuro,
sob a fórmula de “sociedade da informação” ou qualquer
outro equivalente.
Eis
que a comunicação não só tem sido objeto de substanciais mudanças
internas (subordinação da palavra à imagem, transmissões
diretas e em tempo real, multimídia etc) mas também tem se
convertido em um dos setores mais dinâmicos, com profundas
repercussões em todos as ordens da vida social.
A
comunicação aparece agora como um dos setores econômicos de
ponta, tanto por sua rentabilidade na busca em decifrar as chaves
que apontam para a chamada “nova economia”. Portanto, ao calor
da globalização econômica, é do qual com maior virulência se
desatou a dinâmica de concentração empresarial e
multinacionalização, que se traduziu no aparecimento de
verdadeiros “moguls”, com ramificações em todos os cantos do
mundo.
Isto
é, megacorporações que se formaram pela fusão de jornais de médio
porte, cadeias de televisão, tvs a cabo, cinemas, software,
telecomunicações, entretenimento, turismo, entre outros. Tais
produtos e serviços dessas empresas podem promover-se mutuamente
entre seus diferentes ramos, em busca de uma ampliação de seus
respectivos nichos de mercado. Hoje são sete as corporações que
dominam o mercado mundial da comunicação. Se não se
estabelecerem restrições a esta lógica oligopólica, amanhã
poderão ser menos.
Como
se trata de um projeto global, este processo vem acompanhado a
imposição tanto de políticas de liberalização e
desregulamentação, sobretudo em matéria de telecomunicações,
para eliminar qualquer regulamentação ao espaço estatal que
pudesse interpor-se à expansão multinacional, como normas –
tal o caso da nova interpretação dos direitos de propriedade
intelectual – orientadas a salvaguardar seus interesses e a
lograr que de uma vez por todas a informação e a produção
cultural sejam consideradas meras mercadorias.
Ao
amparo do dogma neoliberal, o que se vê configurando é uma indústria
de cultura altamente concentrada e regida por critérios
exclusivamente comerciais. Os critérios são de rentabilidade
acima do interesse público e do paradigma do consumidor acima do
cidadão. Nada surpreende que a promessa do futuro se perfile com
abundante informação gratuita, mas banal, ainda que
sensacionalista pela mídia, sendo que a de qualidade só poderá
ter acesso quem tem condições de pagar.
Tal
é a força desta investida que em seu trajeto praticamente
arrastou os meios de caráter público, privatizando-os todos, além
de forçar todos os restantes a comercializarem-se, criando uma
verdadeira erosão nesse rol, ficando sem espaços para alimentar
o debate amplo, plural e aberto às diversas perspectivas, idéias
e expressões culturais da sociedade.
No
meio de todos esses desenvolvimentos, a mídia também passou a
ser um espaço crucial na configuração do espaço público e da
cidadania – dizemos crucial para assinalar que não se trata de
um fenômeno novo, mas sim intenso e substancial – tanto pelo
peso que agora tem para gravitar na definição das agendas públicas
como para estabelecer a legitimidade de tal debate. A predominância
da mídia com relação a outras instâncias de mediação social
– partidos, associações de classe, igrejas, estabelecimentos
educacionais etc – é tal que, para prevalecer, estas precisão
recorre àquelas.
Neste
contexto, o risco de que a “ditadura do mercado” se consolide
a partir do enorme poder que concentrou no mundo da comunicação,
para ganhar “as mentes e os corações” das pessoas, não é
uma mera fantasia.
O
curso dessa tendência só poderá ser brecado e modificado por
uma ação cidadã contundente, sustentada e deliberada. Existem
roteiros abertos por uma multiplicidade de iniciativas em
diferentes planos. Coletivos empenhados em garantir o acesso
universal às novas tecnologias de informação e comunicação;
redes de intercâmbio para desenvolver software livres; espaços
para pressionar em instâncias de decisão na defesa do direito à
informação e à comunicação; organismos empenhados em
monitorar e implementar ações críticas frente aos conteúdos
sexuais, racistas, excludentes etc, veiculados pela mídia;
programas de educação para desenvolver uma postura crítica
frente a mídia; associações de usuários para pressionar na
programação da mídia; meios independentes, comunitários,
alternativos comprometidos em desenvolver a comunicação; redes
cidadãs e de intercâmbio informativo articuladas por intermédio
da internet; pesquisadores que contribuam para abater as chaves do
sistema reinante e apontar possíveis saídas; organizações
sociais que entrem na disputa da batalha da comunicação; associações
de jornalistas que levantem a bandeira da ética e independência;
coletivos de mulheres que articulem redes para que avance a
perspectiva do gênero na comunicação; movimentos culturais que
se neguem a deixar-se sepultar no esquecimento; redes de educação
popular; observatório em prol da liberdade de informação;
associações para se opor aos monopólios; movimentos em defesa
da mídia de caráter público.
Se
tratam de embriões de uma resistência cidadã, todavia dispersa,
que precisa multiplicar-se e transformar-se em uma grande mobilização
de movimentos sociais articulados na luta pela democratização da
comunicação, trincheira que, na atualidade, se joga o futuro da
democracia. Não é, portanto, um assunto que diga respeito
unicamente a quem direta ou indiretamente se encontre vinculado à
comunicação: interpela o conjunto de atores sociais. E o Fórum
Social Mundial pode ser esse espaço de encontro necessário e
inadiável.
PROPOSTAS
ALTERNATIVAS
De
vários eventos realizado em torno da democratização da comunicação
e da mídia, temos recolhido os seguintes sinais como pontos básicos
para avançar na formulação de uma agenda comum.
O
direito à comunicação se apresenta agora como aspiração que
se inscreve no dever histórico que começou com o reconhecimento
de direitos aos proprietários dos meios de informação, logo aos
que trabalham sob relações de dependência com eles, e,
finalmente, a todas as pessoas, que a Declaração Universal de
Direitos Humanos, em seu Artigo 19, consignou como o direito à
informação e à liberdade de expressão e de opinião. Esta é
parte de uma concepção mais global de todos os direitos
reconhecidos e reivindicados em torno da comunicação, que
incorpora de maneira particular os novos direitos relacionados com
as mudanças de cenário da comunicação e um enfoque mais
interativo da comunicação, no qual os atores sociais são
sujeitos da produção informativa e não simplesmente receptores
passivos da informação. Assim, assume que o reconhecimento desse
direito é necessário ao exercício dos demais direitos humanos e
um elemento fundamental da vigência democrática. A incorporação
desse direito nas agendas dos movimentos sociais e o
desenvolvimento de estratégias para sua concretização se
apresentam como uma meta chave da construção de alternativas.
·
É importante o estabelecimento de políticas públicas
sustentadas nos mecanismos de controle social democrático, para
limitar o poder dos interesses articulados pela lógica do
mercado, com normas que permitam sua regulação, regulamentação
e fiscalização, descartando disposições questionáveis como a
censura, é considerado como uma prioridade.
O tema abrange uma ampla gama de aspectos, incluindo, por
um lado, as atuais tentativas de desorganização do setor e de
imposição de legislações em torno da propriedade industrial
promovidas pela OMC, FMI e similares, cujo resultado é facilitar
o processo de globalização e monopolização dos meio de
sistemas de comunicação. Por outro lado, há a necessidade de
implantar políticas para garantir a diversidade e independência
de fontes, soberania e diversidade cultural, acesso democrático
às tecnologias, dentre outros. Com relação as lutas de resistência
em curso, incluem as de democratização do aspecto radioelétrico
(frente as tentativas de privatização), a defesa dos direitos
dos usuários da internet (frente aos projetos de escuta eletrônica,
censura, etc), a configuração de corpos reguladores
independentes por meio dos quais a cidadania pode participar na
definição de políticas, dentro outras.
·
Vinculada às políticas públicas se destaca a proposta de
resgate e impulso da criação de meios de comunicação públicos
de caráter cidadão. Trata-se de meios da esfera pública (não
necessariamente estatal), mas que estejam sob controle da
sociedade civil e financiados segundo o princípio da economia
solidária (ou seja, com fundos públicos e/ou privados).
·
Assim, adquirem particular importância as ações
desenvolvidas nos diferentes contextos nacionais e internacionais
para frear o processo de monopolização dos meios e sistemas de
comunicação, como também a mercantilização da informação.
·
Outra prioridade identificada é o desenvolvimento de uma
informação diversa, plural e com perspectiva de gênero. As ações
a esse respeito vão desde a crítica aos meios de massa até o
apoio ao desenvolvimento e a sobrevivência de meios alternativos
e independentes, que adotem tais critérios como princípios de
seu objetivo de negócio.
·
Um setor prioritário a envolver nesse movimento são os
jornalistas, particularmente por meio de suas associações de
classe. Não só seus próprios interesses profissionais se
encontram ameaçados pela mercantilização da informação. Um
ponto chave é criar alianças com esse setor em torno do caráter
de serviço público da comunicação.
·
Outro setor importante
para desenvolver alianças são os movimentos de consumidores.
Pode-se desenvolver movimentos de pressão nos meios e nos sistema
de comunicação, que tratam seus “consumidores” de maneira
isolada, deixando-os como único poder o de comprar ou não
comprar, de acender ou apagar. Este poder seria maior se exercido
de forma coletiva.
·
Desenvolver uma cidadania informada requer uma capacidade
de leitura critica dos meios de comunicação, que é o que buscam
desenvolver os programas de “alfabetização imediata”, para
que a cidadania possa entender melhor a natureza socialmente
construída da mídia.
·
Um aspecto fundamental para acompanhar este processo são
as atividades de pesquisa, que permitam enfocar novos terrenos e
formas de ação. Impõe-se uma vinculação mais estreita entre
os movimentos pela democratização da comunicação e os
pesquisadores na matéria e o desenvolvimento de documentos de
popularização de pesquisas e atividades de intercâmbio entre
teoria e prática.
·
Uma das propostas sociais centrais sobre comunicação
plantadas no marco do primeiro FÓRUM SOCIAL MUNDIAL foi a urgência
de abrir um amplo debate público sobre o impacto e conseqüência
da concentração monopolizada no campo da comunicação e as
prioridades de desenvolvimento de novas tecnologias de informação
e de comunicação. Esse debate permitirá abrir uma reflexão
necessária, mas sempre postergada, como é relativa a relação
entre a mídia e a democracia, sua função social e a imposição
de um modelo baseado em considerações estritamente comerciais.
Tradução:
Danilo Trademar Acosta
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