Imperialismo
e cosmopolitismo
Luiz Gonzaga Belluzzo
Marx apostava na homogeneização
do espaço econômico mundial a partir da expansão das forças
produtivas e das relações de produção capitalistas, movendo-se
do centro para a periferia. O capital duplamente constrangido - de
um lado pelo impulso irrefreável à acumulação e de outro pelo
encolhimento relativo das oportunidades de valorização nos
países centrais - desborda para áreas menos desenvolvidas.
"De te fabula narratur" falava Marx, de forma otimista,
do futuro dos países atrasados, espelhado no presente que
observava na Inglaterra.
Marx e Engels defendiam o comércio
livre entre as nações. Viam nele o instrumento da "mercantilização"
universal e, portanto, de introdução das relações e forças
produtivas capitalistas nos países atrasados, capaz de eliminar
os resíduos do Ancien Règime. Marx terminou o seu discurso,
pronunciado em 1847 na Associação Democrática de Bruxelas,
?????AAE?E??????G????? denunciando o caráter conservador do protecionismo e proclamando:
"o sistema de livre-comércio impulsiona a revolução
social. É apenas nesse sentido, senhores, que eu voto a favor do
livre-comércio."
Os fundadores do "socialismo
científico" estavam convencidos de que a revolução social
era iminente na Europa, convicção que seria fortalecida pelos
acontecimentos de 1848 e pela Comuna de Paris em 1871. Mas os
episódios de 1871 nas ruas de Paris foram uma resposta ao
desfecho da Guerra Franco-Prussiana, a primeira manifestação de
uma nova etapa do capitalismo, marcada sobretudo pela presença da
Alemanha, potência emergente, disposta a ameaçar a supremacia
industrial inglesa.
A "Era do Imperialismo"
estava apenas nascendo. O pensamento socialista levou algum tempo
para cuidar das implicações do surgimento dessa nova forma de
existência do capitalismo, muito mais complexa do que poderia ser
deduzido das "leis de movimento" deste modo de
produção.
Lenin, apoiado nos estudo de Hobson
sobre o Imperialismo e de Hilferding sobre o capital financeiro,
concluiu que a compreensão do fenômeno envolvia a análise de
algumas questões fundamentais. A rivalidade entre Estados
Nacionais expansionistas e colonialistas - empenhados na
"repartição do mundo", destinada a ampliar e manter a
submissão da franja periférica - estava amparada na
predominância do capital financeiro e em sua capacidade de
exacerbar a concorrência e produzir o monopólio. Daí a
?????AAE?E??????G????? centralização e a concentração do capital, impulsionando o
aumento das escalas de produção, a formação de enormes massas
sob o mesmo comando capitalista e alentando o surgimento das
camadas parasitárias e rentistas.
A intervenção estatal na esfera
econômica tornou-se crucial para as burguesias nacionais em
conflito, modificando as relações entre a economia e a
política. O desnudamento do "político" escondido sob o
véu do "automatismo das leis de movimento" capitalista
suscitaria, mais tarde, a visão inovadora de Gramsci que , nos
Cadernos do Cárcere, entre outras coisas, iria tratar das
inter-relações necessárias entre as "particularidades
nacionais e os processos de internacionalização
capitalista". O desastre da Depressão e o Nazi-Facismo
encerraram, de forma menos inesperada do que assustadora, o
primeiro ciclo da economia política do imperialismo.
O pós-guerra pode ser visto como a
história de uma derrota: os que emergiram vitoriosos da grande
batalha social, política e militar, acabaram sucumbindo à força
do capitalismo que imaginaram apaziguar com o reformismo
keynesiano.
Nos 30 anos gloriosos, o rápido
crescimento das economias capitalistas esteve apoiado numa forte
participação do Estado, destinada a impedir flutuações bruscas
do nível de atividades e a garantir a segurança dos mais fracos
diante das incertezas inerentes à lógica do mercado. Esta ação
de regulação dos mercados e de promoção do crescimento supunha
a redução da influência dos condic?????AAE?E??????G?????ionantes externos sobre as
políticas macroeconômicas domésticas. Os controles de capitais
eram prática corrente e assim, as políticas monetárias e os
sistemas financeiros nacionais estavam voltados para a
sustentação de taxas elevadas de crescimento econômico.
Comandados por políticas monetárias acomodatícias, os sistemas
financeiros -incluídos os bancos centrais - funcionavam como
redutores de incertezas para o setor privado, que, por sua vez,
sustentava elevadas taxas de investimento. O círculo virtuoso
entre gasto público, oferta de crédito barato, investimento
privado e estabilidade financeira foi a marca registrada da
economia da demanda efetiva.
As políticas keynesianas tinham,
portanto, o propósito declarado de estimular o acesso à riqueza
através do crédito dirigido à acumulação produtiva, com o
desiderato de manter o pleno emprego, elevando, em termos reais,
os salários e demais remunerações do trabalho. A
regulamentação financeira foi a norma em todos os países. Os
Estados Unidos recorreram à segmentação dos mercados e à
especialização das instituições, buscando proteger os money
center banks de eventuais surtos de instabilidade originados nos
mercados de capitais. Os países europeus e o Japão construíram
sistemas financeiros em que prevaleciam as relações de clientela
entre os bancos e as empresas. No Japão, é reconhecida a
importância do main bank para o financiamento das altas taxas de
acumulação de capital e de inovação das empresas. O caráter
insular dos sistemas nacionais de crédito permitia a adoção,
pelas autoridades monetárias de normas de operação que
?????AAE?E??????G????? definiam: a) segmentação e especialização das instituições
financeiras; b) severos requisitos prudenciais e regulamentação
estrita das operações; c) fixação de tetos para as taxas de
captação e empréstimo; d)criação de linhas especiais de
fomento.
As relações entre os bancos
centrais e os bancos privados estimulavam as políticas de
direcionamento do crédito e de sustentação da liquidez corrente
do sistema bancário.
Os sistemas de administração da
moeda e do crédito - desenhados à luz da experiência de
instabilidade monetária e do desastre da grande depressão dos
anos 20 e 30 - tinham como objetivo principal garantir taxas
elevadas de crescimento do produto, do emprego e dos salários
reais, juntamente com a política fiscal e as regras de formação
dos rendimentos do trabalho.
Seria conveniente relembrar que a
rápida recuperação das principais economias européias e o
espetacular crescimento do Japão foram causas importantes do
progressivo desgaste das regras monetárias e cambiais acertadas
em Bretton Woods. A concorrência das renovadas economias
industrializadas da Europa e do Japão e o fluxo continuado de
investimentos americanos diretos para o Resto do Mundo
determinaram, desde o final dos anos 50, um enfraquecimento do
dólar, que funcionava como moeda-central de sistema de taxas
fixas (mas ajustáveis) de câmbio. O enfraquecimento do dólar
provocou reiteradas tentativas de "reforma" do sistema
de Bretton Woods ,mas todas elas terminaram na resistência
ameri?????AAE?E??????G?????cana em aceitar uma redução do papel de sua moeda no
comércio e na finança internacionais. As decisões políticas
tomadas pelo governo americano, ante à decomposição do sistema
de Bretton Woods, já no final dos anos 60 , foram ampliando o
espaço supranacional de circulação do capital monetário.
Diga-se que o establishment
financeiro americano jamais se conformou com a rigorosa
regulamentação imposta aos bancos e demais instituições
não-bancárias pelo Glass-Steagall Act no início dos anos 30.
Foi também grande a resistência dos negócios do dinheiro às
propostas de Keynes e de Dexter White para a reforma do sistema
monetário internacional. Na verdade, as políticas americanas de
resposta às ameaças contra a hegemonia do dólar estavam
associadas à recuperação do predomínio da alta finança nas
hierarquia de interesses que se digladiam no interior do Estado
plutocrático americano.
As relações umbilicais entre a
alta finança e a política externa americanas não são novas nem
desconhecidas. Os Estados Unidos emergiram da Primeira Guerra
Mundial (1914/18) como os credores do mundo e o Banco Morgan
transformou-se no braço financeiro da política internacional de
Washington. Para não vender gato por lebre, seria mais exato
dizer que a política externa do Estado americano era um apêndice
dos interesses financeiros do Morgan.
Os funcionários do Morgan
comandaram os empréstimos destinados a garantir reservas em moeda
forte para o plano de estabilização da Alemanha em 1924 e para a
França em 1926. A partir daí?????AAE?E??????G?????, o Banco Morgan tornou-se o carro
chefe da enxurrada de empréstimos para a Europa e América Latina
(inclusive para o Brasil). Isso sem contar os malucos da Bolsa que
tomavam grana dos bancos para aplicar em ações da "nova
economia" daquele tempo: a aviação, radiofonia e energia
elétrica.
Os desfecho dessa brincadeira foi a
catastrófica depressão de 1929 com seu séquito tenebroso de
desemprego, falências e destruição da riqueza.
A história política e econômica
do planeta, desde meados da década dos 70, registra, como já foi
dito, a intensificação das pressões dos Estados Unidos pela
liberalização financeira. Isto significa, como muitos já
compreenderam, submeter, mais uma vez, a "economia
global" ao controle despótico do capital financeiro
americano e à supremacia do dólar como moeda universal.
Para executar esses desígnios, a
plutocracia de Tio Sam vem usando métodos coletivistas. Ao invés
de um grande banco privado, como o Morgan, os instrumentos de
controle e dominação de hoje são coletivos, exercidos através
dos organismos multilaterais como o FMI, o Banco Mundial, a
Organização Mundial do Comércio. Isso, aliás, os observadores
mais atentos e independentes sabem há muito tempo. O Tesouro
americano e Wall Street transformaram o FMI no PMI, ou seja, numa
Polícia Financeira Internacional a serviço da Grande
Especulação.
Não foi por acaso, aliás, que os
alemães juntaram-se aos franceses, italianos, dinamarqueses,
bel?????AAE?E??????G?????gas etc.. para acelerar a entrada em vigor da moeda única. A
constituição de um espaço monetário unificado na Europa, além
das vantagens comerciais e de integração produtiva já
conhecidas, é condição para o desenvolvimento de um mercado
financeiro capaz de contrabalançar a força da alta finança
americana. O conflito pela supremacia monetária - desnecessário
dizer - é uma luta pelo controle da riqueza global. No
capitalismo, a riqueza das nações e dos indivíduos só ganha
existência econômica e, portanto, social, quando é avaliada sob
a forma monetária nos mercados apropriados. Na realidade, não
há critérios firmes, fundamentais, ou necessários para a
avaliação das várias modalidades de riqueza, a não ser a sua
imaginada capacidade relativa de atrair, no futuro, dentro de
certo prazo, um fluxo líquido de receita monetária.
Em tempos de euforia, como os de
hoje, as alucinações da nova economia atropelam os cálculos
prosaicos da matemática financeira. O economista inglês Peter
Gowan resumiu as relações entre a produção e a finança nas
economias "de mercado": o setor produtivo é
determinante porque só ele é capaz de gerar o novo valor que vai
ser acumulado pelos proprietários do capital; o setor financeiro
é dominante porque ele vai decidir o valor da riqueza acumulada e
o destino dos novos fluxos de crédito.
Na aurora do século XXI, a
concorrência capitalista volta a se realizar através do comando
do capital-dinheiro autonomizado e da rivalidade entre as grandes
empresas amparadas por seus Estados Nacionais. As enormes massas
d?????AAE?E??????G?????e capital lançam-se ainda com maior fúria às mega-fusões, à
conquista e à "reserva" dos mercados. Mais do que
nunca, a concorrência capitalista torna efetiva a sua razão
interna que é a de engendrar o monopólio, impor barreiras à
entrada de novos competidores, sejam eles empresas ou países.
Há, portanto, simultaneamente dinamismo e estagnação, avanço
vertiginoso das forças produtivas em algumas áreas e setores,
combinado com a regressão e abandono em outras partes.
A globalização se apresenta
fundamentalmente como a regeneração das três tendências
centrais e inter-relacionadas do capitalismo: 1) a
mercantilização acelerada de todas as esferas da vida, inclusive
daquelas até agora protegidas (amor, lazer, religião), 2) a
universalização da concorrência e 3) a concentração do poder
econômico e político.
Isso significa, em primeiro lugar,
condicionar o acesso de todos os bens da vida ao impulso cego da
acumulação de riqueza sob a forma monetária e abstrata,
estreitando o espaço ocupado pelos critérios diretamente
sociais, derivados do mundo das necessidades.
Em segundo lugar, a
intensificação da concorrência capitalista impõe a redução
do tempo de trabalho socialmente necessário, ao mesmo tempo em
que acelera o processo de concentração do capital e da riqueza.
Isto reverteu as tendências a uma maior igualdade - tanto no
interior das classes sociais quanto entre elas - observadas no
período que vai do final da Segunda Guerra até meados dos anos
70. Por isso, na era do capitalismo "?????AAE?E??????G?????turbinado", os bem
sucedidos acumulam "tempo livre" sob a forma de capital
fictício enquanto para os mais fracos, a "liberação"
do esforço se apresenta como a ameaça permanente do desemprego,
a crescente insegurança e precariedade das novas ocupações , a
queda dos salários reais, exclusão social.
O regime do capital impõe a todos
as normas do dinheiro que produz mais dinheiro. Em seu rastro de
vitórias, a marcha implacável da riqueza abstrata vem dividindo
as sociedades entre um séquito de vencedores e uma multidão de
perdedores.
Terceiro, "nova ordem
mundial" não é um fenômeno espontâneo. Muito ao
contrário: é o resultado do exercício, sem peias, do poder dos
Estados Unidos: a normas da mercantilização generalizada e da
concorrência universal, apresentadas como forças naturais,
refletem, na verdade, a prevalência dos interesses dominantes do
país dominante sobre o resto do mundo. As reformas liberais vem
sendo impostas aos governos fantoches da periferia pelos
organismos internacionais - Banco Mundial, FMI, BID - que, por sua
vez, funcionam como executores das políticas compatíveis com a
preservação da Ordem Americana.
Diferentemente do período
clássico, nesta etapa imperialista as circunstâncias são ainda
mais desfavoráveis para os sistemas empresariais das regiões
mais frágeis: os recursos de poder político, militar e de
comunicação estão distribuídos assimetricamente entre os
competidores-rivais, brutalmente concentrados em um só país.
?????AAE?E??????G????? É muito importante compreender as
implicações dessa concentração de poderes no campo simbólico
e na formação do imaginário social. O mundo se abre para o novo
milênio dominado pelo pensamento único. Falo da ideologia
globalitária que vem tentando demonstrar a inevitabilidade e a
bem-aventurança dos povos submetidos ao delicioso despotismo.
Assim Ignatio Ramonet no Le Monde Diplomatique de maio de 2000
chamou este crescente predomínio urbi et orbi das visões, dos
valores, dos métodos de pensamento e do estilo de vida
americanos. Construídos "com a cumplicidade passiva dos
dominados" esses controles suaves e despóticos das mentes e
das almas ainda não pode prescindir , no entanto, do uso brutal
ou da ameaça de utilização da enorme supremacia militar e dos
métodos de espionagem, de suborno, da chantagem midiática ou de
coação moral e material.
Sejam quais forem os seus métodos,
o conto de fadas da globalização busca afirmar que as questões
essenciais relativas às formas de convivência e ao regime de
produção à escala mundial estão resolvidas: a democracia
liberal e economia de mercado são as derradeiras conquistas da
humanidade. Não há mais razão, dizem, para se colocar em
discussão questões anacrônicas, como as do conflito entre as
classes ou entre os Estados. A palavra imperialismo, com o fim da
Guerra Fria, desapareceu do vocabulário das Ciências Sociais.
Ramonet no artigo já mencionado afirma que "a América
cuidou de controlar o vocabulário, os conceitos e o sentido. Ela
obriga a formular os problemas que cria com as palavras que ela
?????AAE?E??????G????? mesmo propõe. Fornece os códigos que permitem decifrar os
enigmas que ela mesma criou."
A grande proeza do Presidente
Clinton foi, sem dúvida, a construção da Internacional
Capitalista, ou seja a imposição dos interesses da alta finança
americana, com o aplauso, o apoio e o benefício dos endinheirados
do mundo inteiro e de seus ideólogos-economistas.
Às vésperas das celebrações dos
500 anos do Descobrimento, causou grande alvoroço na Terra
Brasilis um artigo publicado pelo ex-vice presidente do Banco
Mundial, o economista Joseph Stiglitz. O texto versa sobre as
tropelias e "barbeiragens" cometidas pelo FMI nos
programas de ajustamento que enfia goela abaixo dos países
encalacrados em crises financeiras e cambiais. Entre outras
coisas, o ex vice-presidente do BIRD afirmou, em sua catilinária,
que o Fundo executa as políticas de interesse do Tesouro
americano e da clientela de Wall Street.
Com o fim da Guerra Fria o
establishment americano perdeu, de fato, qualquer pudor em
relação ao uso das instituições ditas multilaterais para
promover os seus interesses políticos e econômicos. Desde a
queda do Muro de Berlim o poder americano vem sendo acusado de
muitas coisas, menos de timidez no exercício de suas razões.
Quando não está ocupado em atirar bombas nos adversários
recalcitrantes, cuida de enfiar goela abaixo de países aliados e
subordinados o receituário econômico aviado em Wall Street.
No prefacio que escrevi para o
livro?????AAE?E??????G????? de Moniz Bandeira sobre as relações Brasil-Estados Unidos,
procurei mostrar que por aqui, os avatares do imperialismo são
momentos em que o pensamento liberal se mostra vigoroso, em que
torna-se predominante o cosmopolitismo sans pharse. Esse
cosmopolitismo liberal empenha-se a fundo nos misteres de borrar
as diferenças entre as situações nacionais, de ocultar e negar
a existência de hierarquias e dominação nas relações
internacionais, de exaltar as virtudes regeneradoras da
concorrência.
Daí recorrência dos apelos à
abertura comercial, ao estímulo à entrada do capital estrangeiro
para combater a inevitável ineficiência da indústria nacional
que deve ser eliminada através da maior exposição à
concorrência externa.
Não é por acaso que, tão logo se
restabeleçam os circuitos do crédito internacional, as camadas
dominantes clamem pela abertura econômica e passem a exaltar as
virtudes do financiamento externo. Os endinheirados, os letrados e
os bem postos na vida cultivam o cosmopolitismo, enquanto forma de
assegurar o caráter universal e líquido de sua riqueza e,
subsidiariamente, de expressar uma secular e singular repugnância
pelas condições reais do país, especialmente pelas vida
miserável das classes subalternas.
Apesar disso, eu afirmava no
referido prefácio, nos 50 anos que terminaram no início da
década dos 80, a economia brasileira cresceu de forma acelerada e
sofreu notáveis transformações, transitando do modelo primário
exportador para a etapa industrial. O colapso do capitalismo nos
?????AAE?E??????G????? anos 30, a Segunda Guerra Mundial e as condições excepcionais do
imediato pós-guerra favoreceram o avanço da industrialização
nacional. O ethos do desenvolvimento nasceu da percepção das
camadas empresariais nascentes, do estamento burocrático-militar,
de algumas lideranças intelectuais e do proletariado em
formação de que o objetivo de aproximar o país das formas de
produção e de convivência não poderia ser alcançado através
da simples operação das forças naturais do mercado.
O "desenvolvimentismo",
enquanto projeto ideológico e prática política nos países da
periferia, nasceu nos anos 30, no mesmo berço que produziu o
keynesianismo nos países centrais. Uma reação política contra
as misérias e as desgraças produzidas pelo capitalismo dos anos
20.
A onda desenvolvimentista e a
experiência keynesiana tiveram o seu apogeu nas três décadas
que sucederam o fim da Segunda Guerra. O ambiente político e
social estava saturado da idéia de que era possível adotar
estratégias nacionais e intencionais de crescimento,
industrialização e avanço social.
Para desagrado dos monetaristas e
conexos, as políticas monetárias e de crédito de então tinham
objetivos nacionais, ou seja estavam relacionadas com o desempenho
da economia e das empresas localizadas no país No âmbito
internacional, as taxas fixas (mas ajustáveis) de câmbio e as
limitações ao movimentos internacionais de capitais de
curto-prazo impediam a transmissão de choques causadores de
instabilidade às taxas de juros doméstic?????AAE?E??????G?????as.
Os resultados, ainda que muito
desiguais, não foram ruins. Comparada a qualquer outro período
do capitalismo, anterior ou posterior, a era desenvolvimentista e
keynesiana apresentou desempenho muito superior em termos de taxas
de crescimento do PIB, de criação de empregos, de aumentos dos
salários reais e de ampliação dos direitos sociais e
econômicos. A moda, então, entre os economistas, sociólogos e
cientistas políticos, eram as teorias do desenvolvimento, os
modelos de crescimento econômico e o estudo das técnicas de
programação e de planejamento.
No caso brasileiro, as forças
ditas progressistas foram incapazes de promover as reformas
necessárias para levar adiante o projeto de desenvolvimento
nacional. O avanço da industrialização foi sendo travado pelas
alianças políticas, regionais e de classe que incorporaram os
interesses mais retrógrados e reacionários ao bloco
desenvolvimentista. Esta circunstância explica a derrota, no
imediato pós-guerra, das tendências políticas que almejavam uma
maior autonomia nacional, o que não significava, como pretende o
cosmopolitismo conservador, a busca de um economia autárquica.
Tratava-se de manter sob controle nacional, estatal ou privado, os
setores decisivos do ponto de vista financeiro e tecnológico,
estratégicos no que respeita à governança da economia e às
relações inter-setoriais e inter-industriais.
A repactuação continuada do
compromisso com o cosmopolitismo conservador foi, na verdade,
responsável pela trajetória que levou o capitalismo ?????AAE?E??????G?????brasileiro
aos impasses que o imobilizam atualmente: a deformação
sistemática da vontade popular, imposta por um sistema político
oligárquico e intrinsecamente anti-republicano; a espantosa
persistência da estrutura agrária que está na origem da
reprodução e ampliação das desigualdades sociais,
transportadas do campo para a cidade; o patrimonialismo da grande
empresa industrial, o rentismo do sistema bancário, a eterna
revolta contra o pagamento de impostos por parte dos
endinheirados. É daí que decorre a eterna dependência do
financiamento externo, a desordem financeira do Estado, o
protecionismo excessivo, a passividade tecnológica, o atraso
organizacional e a posição subordinada da grande empresa privada
nacional, para não falar no alegado crescimento do estatismo.
O engano de gente bem intencionada
como Stiglitz está em imaginar que as políticas do Fundo ou os
receituários nefastos do Consenso de Washington poderiam vingar
sem a colaboração decidida das burguesias parasitárias locais,
sempre ansiosas por "dolarizar" a sua riqueza.
Os brasileiros lembram-se ou pelo
menos deveriam lembrar-se de que anos 80 foram marcados pelo
predomínio das políticas patrocinadas pelo FMI, convocado para
socorrer os graves distúrbios que acometiam os balanços de
pagamentos do país que se enfiara, aos longo das duas décadas
anteriores, na aventura do endividamento externo. A missão
principal do Fundo era a de impedir o colapso dos sistemas
bancários - entre eles o norte-americano - que tinham, em suas
carteiras, uma proporção elevada de em?????AAE?E??????G?????préstimos destinados à
periferia.
Os programas orientados pelo Fundo
Monetário Internacional conseguiram, diga-se, resultados
expressivos na redução rápida dos déficits em transações
correntes dos países devedores, pavimentando o caminho para a
recuperação das carteiras dos bancos comerciais. As políticas
do Fundo contaram, então, com a importante colaboração do
desempenho da economia americana. Com a recuperação iniciada no
terceiro trimestre de 1982, estimulada pela queda dos juros e por
um déficit público elevado, a economia dos Estados Unidos, com o
dólar sobrevalorizado, gerou demanda abundante para o resto do
mundo.
Os bancos internacionais, por sua
vez, puderam se beneficiar, tanto do trabalho de coordenação
executado pelo Fundo, quanto da formidável expansão da dívida
pública norte-americana. Os papéis do governo americano deram
mais qualidade aos ativos dos bancos credores, num momento em que
a dívida latino-americana sofria forte desvalorização. Foram
beneficiados ainda pela rápida melhoria das contas externas dos
países devedores, o que assegurava o pagamento dos juros. Os
programas do Fundo Monetário cumpriram, portanto, a finalidade
implícita em sua concepção: reduzir ao mínimo os riscos de uma
crise financeira à escala global, evitando, assim, a
contaminação das praças que formam o centro nervoso do sistema
internacional de pagamentos e de administração de grandes
volumes de capital-dinheiro.
Diversas foram as conseqüências
para os devedores. Concebidas para maxim?????AAE?E??????G?????izar os excedentes
comerciais e minimizar o aporte de novos recursos pelos bancos
credores, as políticas de ajustamento engendraram uma forte
transferência de recursos para o exterior e, ao mesmo tempo, no
âmbito interno das economia endividadas, "quebraram" o
setor público para manter a riqueza dos privados.
Senão vejamos: as reiteradas
tentativas de desvalorização do câmbio e as medidas de
sustentação do ganho real através das minidesvalorizações
diárias incitavam o ânimo da inflação e provocavam o
crescimento, em termos reais, do valor, em moeda local, do estoque
da dívida externa, quase toda ela de responsabilidade pública;
de outra parte, a geração de excedentes comerciais pelo setor
privado envolvia a compra destas divisas pelo setor público, o
grande devedor em moeda estrangeira. Na ausência de um ajuste
fiscal de porte suficiente para esterilizar os efeitos monetários
expansionistas desta operação, o governo era obrigado a emitir
dívida pública "dolarizada", ou papéis denominados em
cruzeiros com taxas de juros nominais elevadas, que -diante da
aceleração inflacionária - revelavam-se insuficientes em termos
reais.
Daí a completa desorganização
das finanças públicas, o mergulho das taxas de investimento, a
espantosa "deformação" da riqueza privada, acumulada
sob a forma de dinheiro indexado e, finalmente, a marcha para a
hiperinflação. No estágio final, depois de várias tentativas
fracassadas de estabilização, avançou célere o processo de
"substituição" da moeda local pela divisa estrang?????AAE?E??????G?????eira.
Foi isso que abriu caminho, mais tarde, para a adoção dos
programas de estabilização com âncora cambial. Estes programas
foram acompanhados por uma desastrosa abertura financeira, matriz
da regressão industrial e da perda de competitividade dos anos
90.
As políticas perpetradas na
"década perdida" dos 80 culminaram na enfraquecimento
dos Estados Nacionais da periferia e de suas economias.
Estrangulados pelo garrote do Fundo e dos credores e pela
resistência dos grupos enriquecidos da sociedade, os projetos de
desenvolvimento nacional acabaram por sucumbir completamente à
velha e sempre renovada aliança entre o cosmopolitismo
patrimonialista e parasitário dos nativos e a finança
internacionalizada. Sob os auspícios desse contubérnio e diante
da impotência dos derrotados, reinstalou-se no Brasil, em pleno
ocaso do século XX, uma democracia de patrícios.
Mas a desorganização dos anos 80,
não deve ser interpretada como uma crise que ocorre apenas no
interior do pacto oligárquico. Desta vez, apesar das aparências,
o estrago foi maior. Por um lado, caducou o consenso das camadas
dominantes em torno do objetivo comum do desenvolvimento e de
outro aumentaram as pressões das classes subalternas por um
reconhecimento integral de seus direitos políticos, sociais e
econômicos.
Não foi apenas por conta das
mudanças no ambiente internacional que o ideário do liberalismo
cosmopolita ganhou força e transformou-se na ideologia dominante
do patriciado. Diante da dificuldade de se?????AAE?E??????G????? reconstituir, em novas
bases, um objetivo compartilhado, do visível enfraquecimento
financeiro e da capacidade coordenadora do Estado, o liberalismo
"internacionalista" reaparece como a fórmula mágica da
conciliação de interesses no interior das camadas dominantes e,
ao mesmo tempo, como método político destinado a bloquear, mais
uma vez, o avanço das classes subordinadas na conquista do seus
direitos.
No Brasil, o cosmopolitismo
conservador empreendeu, no final dos 80 e início dos 90, mais uma
vez, a missão de "recolocar o pais nos eixos". Primeiro
vieram os coloridos, barulhentos e folgazões, um grupo colegiais
em viagem de férias. O progressismo deste pessoal ruidoso invadiu
todas as esferas de atividade, sobretudo as pessoais. Os
aventureiros duraram pouco. Foram apeados do poder pela
indignação da opinião pública. Mas a expulsão dos decaídos
não significou o fim das suas idéias e projetos. Como um
estandarte tombado, elas foram resgatadas no campo de batalha.
Agora seriam empunhadas por mãos sábias e respeitáveis da
social democracia brasileira e de seus doutores.
Como o Brasil é um país singular
e surpreendente, neste caso, produziu-se uma notável inversão
daquela famosa seqüência vislumbrada por Marx no 18 Brumário :
a história se manifestou primeiro como Farsa e depois como
Tragédia. O solene sucedeu o grotesco.
Nas tragédias, o destino impessoal
e inexorável conduz a vida dos homens. Era preciso engatar o
país na globalização e em suas modernidades. Primeiro a
?????AAE?E??????G????? estabilização da economia. Um sucesso retumbante. Vejam que o
real, com sua majestade, nasceu valendo mais que um dólar. As
prateleiras das lojas e dos supermercados ficaram apinhadas de
produtos estrangeiros baratos. Havia para todos os gostos e
idades. Brinquedos chineses, carros alemães e japoneses, verduras
frescas francesas e até berinjela italiana. A indústria, a
agricultura e os serviços mudaram rapidamente seus fornecedores,
para gozar das vantagens dos equipamentos, peças e componentes
mais avançados e mais baratos dos produtores estrangeiros.
Melhor que tudo: toda esta
festança foi financiada com dinheiro emprestado lá fora. Haja
progressismo. Mas o que conta mesmo é a imaginação: nem bem nos
livramos de um e começamos a empilhar outro alentado passivo
externo. Desta vez, preste muita atenção, você aí, que anda na
contramão, não é aquela dívida perniciosa contraída pelo
Estado perdulário. Não! É uma dívida saudável, contratada por
consumidores que maximizam sua utilidade e melhoram seu bem estar
e por produtores que incrementam sua produtividade e eficiência.
Isto para não falar dos estrangeiros que vêm por aqui comprar a
preço de banana as empresas locais, tanto privadas quanto
públicas.
Se o negócio é privado, não há
porque se preocupar, dizem os sabichões. As decisões privadas,
eles sustentam, ao contrário das públicas, são sempre racionais
: se um agente toma emprestado é porque do outro lado da
operação está a aquisição de um ativo capaz de gerar os
recursos necessários para pagar a dívida.
????AAE?E??????G?????font face="Arial" size="2">Assim iam as comemorações. Até
que os argumentos fantásticos e fantasiosos começaram a bater
contra a realidade das turbulências financeiras internacionais e
mudanças de humor dos financiadores. As conseqüências da má
vontade dos credores foram logo descobertas: baixo crescimento da
economia, desemprego, o estreitamento das oportunidades e, de
quebra, vulnerabilidade crônica do balanço de pagamentos./font>
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