LIÇÕES
DA DÉCADA DE 1990 (II)
Adeus
à classe trabalhadora?
Um terço da força de trabalho
mundial está sem emprego. Mas não vive em “cabanas eletrônicas”,
não está no “setor de serviços” nem se dedica,
aparentemente, ao ócio criativo...
José
Luís Fiori*
Existe uma e só uma tese econômica
ou histórica em que se baseia todo o edifício ideológico
liberal-conservador dos anos 1990. A mesma que depois se
transformou na pedra angular da “terceira-via” social-
democrata. Para ambos ocorreu, no último quartil do século 20,
uma revolução tecnológico-informacional que mudou radicalmente
a economia e a sociedade capitalistas. Como resultado, a velha
economia industrial teria cedido lugar a uma “nova economia”,
baseada nos serviços, e a uma sociedade onde o trabalho teria
perdido sua centralidade. No seu lugar estaria nascendo uma
sociedade em que as relações de classe seriam substituídas por
redes horizontais e comunicativas, cada vez mais extensas,
envolventes e democráticas.
Fim do trabalho
ou reestruturação conservadora do capital?
Todas as grandes revoluções
tecnológicas que mudaram o rumo e a velocidade da expansão do
capitalismo passaram invariavelmente por modificações
qualitativas no campo das comunicações. E ninguém pode
desconhecer a natureza espetacular da mudança ocorrida – depois
de 1970 -- no campo da microeletrônica, dos computadores e da
telecomunicação, assim como seu impacto no funcionamento dos
mercados financeiros e das "auto-estradas" de informação.
Mas não há nenhuma evidência de que estas modificações tenham
alterado as relações sociais e as leis básicas e de longo prazo
do sistema capitalista. Hoje, um terço da força de trabalho
mundial – algo em torno de um bilhão de pessoas – está sem
emprego, mas não vive em “cabanas eletrônicas”, não está
no “setor de serviços” nem se dedica, aparentemente, ao ócio
criativo. Pelo contrário, o que as estatísticas mostram é que
esses milhares de desempregados seguem ligados ao mesmo
“paradigma do trabalho”, só que agora como trabalhadores
precarizados, terceirizados ou subcontratados, com direitos cada
vez mais limitados e cada vez mais alheios ao mundo das organizações
sindicais. Uma transformação social gigantesca, mas que não foi
o resultado natural, nem muito menos benéfico, das novas
tecnologias informacionais. Foi, em grande medida, o resultado de
uma reestruturação política e conservadora do capital, em
resposta à perda de rentabilidade e governabilidade que enfrentou
durante a década de 1970.
Nesse sentido, quando os teóricos
do "pós-industrialismo" decretam o "fim do
trabalho", estão olhando apenas para os números que indicam
a redução do peso relativo do emprego industrial na estrutura
ocupacional. Mas mesmo aí, as evidências são de que a
mudança vem se dando de forma extremamente desigual entre os
diferentes países. Se é possível dizer que o emprego vem
crescendo mais rapidamente no setor de serviços, nos Estados
Unidos, Inglaterra e Canadá, o mesmo não se pode dizer com relação
ao Japão, Alemanha, França ou mesmo na Itália. Para não falar
do caso da periferia latino-americana, onde a destruição dos
empregos industriais foi obra de uma política econômica
ultraliberal que promoveu de forma explícita e estratégica a
desindustrialização e o aumento do desemprego estrutural,
independente de qualquer tipo de revolução informacional.
Tudo indica, portanto, que o
trabalho ainda não perdeu sua centralidade e a classe operária não
acabou. O que ocorreu nas últimas duas décadas do século 20
foi, de fato, uma complexificação do mundo do trabalho e do
desemprego. E, como conseqüência, uma inevitável dispersão dos
interesses e da linguagem dos trabalhadores, o que vem
dificultando a soldagem política dos seus diversos segmentos.
Dificuldades e
confusão na esquerda
Não é nova, ainda que seja
paradoxal, a dificuldade dos partidos de esquerda para compreender
e se ajustar a essas mudanças periódicas do sistema capitalista.
O que fica ainda pior, quando se impõe dentro destes partidos a
opinião economicista ou produtivista de muitos dos seus
intelectuais, que se atrapalham toda vez que diagnosticam mudanças
tecnológicas no campo da produção capitalista. Nesses casos,
acabam sempre provocando a reabertura do debate sobre as bases
materiais e sociais do seu projeto histórico. Foi isto que
ocorreu, pela primeira vez, no final do século 19, com a revisão
proposta pelo social-democrata alemão Eduard Bernstein. Encantado
com as transformações produzidas pelo que se chamou de
"segunda revolução industrial", ele já falava, na década
de 1890, da necessidade de rever os conceitos básicos e as estratégias
socialistas como resposta às "mudanças tecnológicas e
organizacionais do capitalismo" que ocorrem a partir de 1870.
E agora de novo, nos anos 1990, sobretudo depois do fim do mundo
soviético, os mais atordoados pelo "progresso tecnológico"
voltam a ser os partidos de esquerda. Enquanto os liberais
anunciam o fim da história, uma boa parte dos intelectuais
marxistas que idealizaram um proletariado que não existia, agora,
decepcionados, querem dizer adeus e enterrá-lo antes que tenha
morrido.
José
Luiz Fiori é cientista político.
|