A
nova revolução verde é um sonho
Peter
Rosset*
Diante do
problema das 786 milhões de pessoas que sofrem de fome no mundo,
os propagandistas de nossa ordem social têm uma solução fácil:
obtermos mais alimentos através dos prodígios da engenharia química
e genética.
Monsanto,
Novartis, AgrEvo, DuPont e outras companhias químicas, junto com
o Banco Mundial e outros organismos internacionais, asseguram que
o mundo pode ser salvo se permitirmos a essas mesmas empresas,
estimuladas pelo livre mercado, que façam sua mágica.
Para os que
recordam da promessa original da Revolução Verde de acabar com a
fome através do emprego de sementes milagrosas, este chamado em
favor da Revolução Verde II deveria soar vazio. De fato, se para
enfrentar o problema da fome a fórmula limita-se a aumentar a
produção de alimentos, ela fracassará, já que não será
modificada a pronunciada concentração do poder econômico e,
especialmente, o acesso à terra.
Inclusive, o
Banco Mundial chegou à conclusão, num importante estudo
realizado em 1986, que a fome mundial só pode ser aliviada por
meio da "redistribuição do poder de compra e dos recursos
em favor dos que estão desnutridos". Em poucas palavras, se
os pobres não têm o dinheiro para comprar alimentos, o aumento
da produção não os ajudará.
Apesar das décadas
de rápida expansão da produção de alimentos, ainda existem 786
milhões de pessoas que passam fome no mundo. Cerca de dois terços
delas vivem na Ásia, precisamente onde as sementes da Revolução
Verde contribuíram para o maior êxito produtivo. Segundo a
revista Business Week, "embora os silos da Índia
estejam abarrotados, atualmente, cinco mil crianças morrem por
dia devido à desnutrição nesse país. Como os pobres não podem
comprar o que é produzido, só resta ao governo armazenar milhões
de toneladas de alimentos".
Tanto a Revolução
Verde como qualquer outra estratégia para estimular a produção
de alimentos depende das regras econômicas, políticas e
culturais, que determinam quem se beneficia como provedor da
incrementada produção e quem se beneficia como consumidor, quem
obtém os alimentos e a que preço. Os pobres pagam mais e obtêm
menos. Os agricultores pobres não podem comprar fertilizantes e
outros produtos nas quantidades necessárias e nem oferecer
melhores preços, como fazem os grandes produtores agrícolas. Os
créditos ou os subsídios governamentais beneficiam enormemente
os grandes agricultores.
Além disso, a
Revolução Verde faz com que a atividade agrícola seja
dependente do petróleo. Na Índia, a adoção de novas sementes
esteve acompanhada por um aumento exponencial do uso de
fertilizantes. Entretanto, o aumento da produção agrícola para
cada tonelada de fertilizante utilizada nesse país caiu em dois
terços. De fato, durante os últimos 30 anos, o crescimento anual
do uso de fertilizantes nos cultivos asiáticos de arroz foi de três
a 40 vezes mais rápido do que o crescimento da produção. Nos
Estados Unidos, as sementes melhoradas combinadas com
fertilizantes permitiram maiores colheitas que, por sua vez,
fizeram baixar os preços que os agricultores obtêm por sua produção.
Entretanto, os custos da atividade agrícola aumentaram
vertiginosamente, diminuindo drasticamente as margens de lucro dos
agricultores.
Diante desse
estado de coisas, quem sobrevive agora? Dois grupos muito
diferentes: os poucos agricultores que escolhem não depender da
agricultura industrializada e os que são capazes de continuar
aumentando sua extensão de terra. Entre este último e seleto
grupo estão 1,2% de estabelecimentos com altas rendas, os que têm,
pelo menos, US$ 500 mil de vendas anuais. Em 1969, as
superfazendas ficaram com 16% da renda líquida do total da produção
agrícola, mas, no final da década de 80, respondiam por quase
40%.
Os Estados Unidos
viram diminuir o número de fazendas em dois terços, enquanto o
tamanho médio das propriedades aumentou mais que o dobro, desde a
Segunda Guerra Mundial. A decadência das comunidades rurais, o
surgimento de bairros marginalizados no centro das cidades e o
aumento exagerado do desemprego aconteceram depois da vasta migração
do campo para a cidade. Pensemos o que significa o equivalente êxodo
rural no Terceiro Mundo, onde o número de desempregados já é o
dobro ou o triplo do registrado nos Estados Unidos.
O único modelo
com o potencial para acabar com a pobreza rural e para proteger o
meio ambiente e a produtividade da terra para as futuras gerações
é uma agricultura baseada na exploração de pequenas fazendas
que sigam os princípios da agroecologia. Dos Estados Unidos à Índia,
a agricultura alternativa está se mostrando viável. Nos Estados
Unidos, um estudo que representou um marco, feito pelo National
Research Council, diz que os agricultores alternativos produzem
mais por acre, com custos mais baixos por unidade colhida, embora
muitas políticas federais desestimulem a adoção de práticas
alternativas".
Numa análise
final, se a história da Revolução Verde nos ensina algo, é que
o incremento da produção de alimentos pode, e freqüentemente é
assim, seguir de mãos dadas com o aumento da fome. É por isso
que devemos ser céticos quando Monsanto, DuPont, Novartis e
outras companhias químico-biotecnológicas nos dizem que a
engenharia genética estimulará o rendimento das colheitas e
alimentará os famintos. Tudo leva a pensar que a Revolução
Verde II, do mesmo modo que a primeira, não acabará com a fome. (IPS)
*Peter
Rosset é co-diretor do Food First/The Institute for Food and
Development Policy e co-autor do livro World Hunger: Twelve
Myths(1998).
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