A taxa
Tobin, uma nova etapa
O
estabelecimento da taxa Tobin e a utilização das receitas
fiscais daí decorrentes exigem
uma discussão política. Para ser eficaz, o tributo deve ser
articulado com outras medidas, como a luta contra os paraísos
fiscais e a possibilidade de instaurar um controle das trocas, ou
ainda, a anulação da dívida do Terceiro Mundo.
Pierre
Rousset*
Do Canadá à
Finlândia, da França à Inglaterra ou à Nova Zelândia,
diversas organizações importantes lutam hoje por uma taxação
dos movimentos de capitais de caráter especulativo – ou seja,
pela taxa Tobin, do nome do economista que a propôs em 1971. Mas
ainda há muito a ser feito para definir coletivamente um conjunto
de proposições concretas que possam ser defendidas conjuntamente
no plano internacional pelas redes de militantes do Norte e do
Sul. É precisamente para avançar neste sentido que o conselho
científico do Attac (França) distribuiu, na reunião européia
de 4 de março, um texto-questionário intitulado “A taxa Tobin:
como geri-la e para financiar o quê?”.
Os autores do
documento destacam, inicialmente, que a taxa Tobin “fixa como
objetivo inicial a redução da especulação no mercado de
divisas. Como todo imposto, ela gera receitas fiscais. O
estabelecimento e a utilização desta taxa traz questões que
podem tomar, por vezes, um aspecto técnico, mas que são sempre e
antes de tudo escolhas de ordem política”. Estas escolhas dizem
respeito a cada medida particular tanto quanto à perspectiva de
conjunto na qual elas se inscrevem. Desta forma, para certos
economistas, “o Banco Mundial poderia receber o produto destas
taxas (...), da mesma forma que o Fundo Monetário Internacional
para reforçar sua capacidade de intervenção. Para outros
economistas – e esta é, evidentemente, a posição do Attac –
o passivo destas instituições, os fracassos e os desgastes
sociais que elas provocaram no passado as desacreditam
definitivamente para gerir a taxa”.
Por quê?
A questão das
escolhas políticas fundamentais foi apenas marginalmente abordada
na época de James Tobin. Ela tornou-se muito importante quando os
movimentos sociais e de cidadãos se assenhoraram desta bandeira;
na França, com a constituição do Attac, seu alcance
democrático (ato político de resistência à ditadura dos
mercados) e solidário (redução das desigualdades sociais e
Norte-Sul) constituiu “uma motivação essencial” deste
segundo combate pela taxa Tobin. Um combate cuja dinâmica
progressista fala por si própria, na medida em que se choca
frontalmente com o dogma neoliberal. Mas um combate onde pode ser
perigoso acreditar que o adversário é incapaz de manobrar ou de
contra-atacar, sobretudo depois da mudança da situação
provocada pelas crises financeiras de 1997-1998.
Apesar das
políticas neoliberais continuarem sendo aplicadas, o sistema
está emperrado, como testemunham as guerras de sucessão no seio
das instituições comerciais e financeiras – hoje o FMI, depois
da demissão precipitada de Michel Camdessus. Desta vez, os
japoneses apresentaram um candidato ao posto de diretor-geral do
Fundo, avaliando que as regras antigas que estabeleciam que um
europeu ocupasse o posto não são mais inquestionáveis. O
postulante japonês, Eisuke Sakakibara, não é uma figura sem
importância. Este antigo vice-ministro das finanças para os
negócios internacionais foi apelidado de “Mister Yen” devido
a sua influência nos mercados monetários. Suas declarações
ganham o caráter de um manifesto antiliberal: o Japão “defende
uma reforma fundamental” do FMI, que deveria “ser menos
dogmático em suas prescrições. Na crise asiática, de início
sua política fiscal restritiva foi errada... O que era
necessário era uma política keynesiana de estímulo. Foi o que
fizeram a Malásia, contra a vontade do FMI, e, à sua maneira, a
Coréia do Sul”.
“Há
teoricamente duas soluções para evitar novas derrapagens: criar
uma espécie de banco central mundial ou estabelecer mecanismos
reguladores dos fluxos de capitais, a fim de limitar a um certo
ponto os excessos de liquidez. Ora, não existe nem um nem
outro... Eu não me surpreenderia se dentro de três ou quatro
anos eclodisse uma nova crise”. “A globalização e o
cibercapitalismo são irreversíveis. Mas a grande lição que
tiramos destes últimos anos é que o mercado não tem sempre
razão. Ele demonstrou, ao contrário, que não resolve os
problemas. Hoje, mesmo seus defensores mais aguerridos, os
americanos e os britânicos, aceitariam isso. Mas nós ainda não
temos o remédio. São necessárias, sem dúvida, uma ou duas
crises para que se encontre um mecanismo de proteção” (Le
Monde, 4 de março).
Como?
A volatilidade
especulativa dos capitais se torna um fator estrutural de crise. A
autoridade política do FMI está minada e sua capacidade de
intervenção financeira em emergências atingiu seus limites em
1997-1998. Como acalmar o jogo e encher os cofres? Os defensores
de uma certa “regulamentação” podem integrar a taxa Tobin em
seu arsenal num percentual suficientemente baixo para ser
assimilado pelas finanças internacionais, e cuja receita
permitiria reforçar os meios de ação (e, portanto, os poderes)
de uma instituição tipo FMI ou banco de regulamentos
internacionais. Tal taxa visaria, então, assegurar um melhor
funcionamento dos mercados financeiros globalizados. Ela perderia
seu alcance democrático, redistributivo, solidário. As
posições de Eisuke Sakakibara, entre outras, mostram que isso
não é apenas de uma hipótese acadêmica, mas de um problema
real.
Uma vez definida
a perspectiva na qual se inscreve a taxa Tobin, do ponto de vista
dos movimentos socias e democráticos, diversas questões
permanecem em debate – por exemplo concernentes a seu nível e
campo de aplicação (pois se trata de pesar efetivamente sobre o
comportamento dos especuladores), sobre a zona geográfica inicial
onde ela poderia ser estabelecida (a União Européia?), ou ainda
sobre suas modalidades de arrecadação e a repartição das
rendas que ela forneceria (para ajudar os países do Sul, para
lutar contra a precariedade também no Norte, para proteger melhor
a natureza e a vida...). Um dos grandes méritos do documento
apresentado pelo conselho científico do Attac é introduzir
sistematicamente esta discussão. Da mesma forma, para ser eficaz,
esta taxa deve ser articulada com outras medidas, tais como a luta
contra os paraísos fiscais e a possibilidade de instaurar um
controle das trocas, ou ainda a anulação da dívida do Terceiro
Mundo. Isto teria, possivelmente, um efeito libertador mais
radical, para os povos do Sul, do que apenas o recurso às rendas
da taxa.
Não se trata,
aqui, de defender uma política do “tudo ou nada”. Para abrir
a brecha legislativa, iniciativas parlamentares podem e devem ser
tomadas a favor da taxa Tobin sem necessariamente exigir, de
antemão, que ela se inscreva em uma perspectiva redistributiva
(mas sem, de outro lado, aceitar que ela se inscreva em uma
perspectiva contrária). Trata-se de discutir antecipadamente como
os movimentos sociais e democráticos podem melhor dar sequência
a suas lutas a longo prazo; e como proposições comuns podem ser
apresentadas em escala internacional. Esta discussão será
retomada na próxima sessão deste esforço de elaboração
coletiva, em meados do segundo semestre deste ano.
*Pierre Rousset
é assessor do Parlamento Europeu
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