Porto Alegre
O
início do século 21 já tem data e local de nascimento
definidos: Brasil, dia 25 de janeiro.
Ignacio
Ramonet*
O novo século
começa em Porto Alegre. Todos aqueles que, de uma maneira ou de
outra, criticam a globalização neoliberal vão se reunir, de 25
a 30 de janeiro, nesta cidade localizada no sul do Brasil, para
promover o 1º Fórum Social Mundial. Não para protestar, como
ocorreu em Seattle, Washington, Praga, contra as injustiças, as
desigualdades e os desastres provocados em todos os recantos do
mundo pelos excessos do neoliberalismo. Mas para tentar, a partir
de um espírito construtivo e positivo, propor um quadro teórico
e prático que permita vislumbrar uma globalização de um novo
tipo e afirmar que um outro mundo – menos desumano e mais
solidário – é possível. Esta espécie de Internacional
rebelde se reunirá em Porto Alegre no mesmo momento em que ocorre
em Davos, na Suíça, o Fórum Econômico Mundial, evento que
congrega há algumas décadas, os novos donos do mundo e, em
particular, todos aqueles que pilotam concretamente a
globalização. Eles não escondem mais sua inquietude. Estão
levando a sério os protestos de cidadãos que, de Seattle a Nice,
vem ocorrendo sistematicamente em todos os encontros das grandes
instituições que, de fato, governam o mundo: Organização
Mundial do Comércio, Fundo Monetário Internacional, Banco
Mundial, Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, G7 e a própria União Européia.
Déficit
democrático
No ano passado,
os protestos em Seattle já haviam impressionado profundamente os
participantes do Fórum de Davos. A cada ano, notou, por exemplo,
um jornalista, um tema ou uma personalidade é a vedete do Fórum
Econômico Mundial. Em 2000, a vedete de Davos foi,
indiscutivelmente, Seattle. Foi o assunto mais falado do encontro.
Conscientes do déficit democrático que acompanha a
globalização, alguns defensores do modelo dominante não hesitam
em reclamar que se reflita seriamente para modificar, em um
sentido mais democrático, as normas e os procedimentos da
globalização. O
próprio presidente do Federal Reserve (o Banco Central dos
Estados Unidos; e, por que não dizer, do mundo), Alan Greenspan,
afirmou recentemente que “as sociedades não podem ter sucesso
quando setores significativos percebem seu funcionamento como
injusto”.
Vindos dos
quatros cantos do planeta, estes “setores significativos” que
se opõem à atual barbárie econômica e recusam o neoliberalismo
como “horizonte intransponível” vão tentar, dentro de um
espírito sem dúvida inovador, lançar as bases de um verdadeiro
contra-poder mundial em Porto Alegre. Por que precisamente nesta
cidade? Porque Porto Alegre tornou-se, há alguns anos, uma cidade
emblemática. Capital do Rio Grande do Sul, o Estado mais
meridional do Brasil, situada na fronteira com Argentina e
Uruguai, Porto Alegre é hoje uma espécie de laboratório social
que os observadores internacionais olham com uma certa
fascinação.
O orçamento
participativo
Governada de
maneira original, há doze anos, por uma coalizão de esquerda
liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), esta cidade vem
conhecendo um desenvolvimento espetacular em muitos domínios
(transporte coletivo, meio ambiente, reciclagem de lixo, centros
de saúde, saneamento básico, alfabetização, escolas, cultura,
segurança, etc.) O segredo deste sucesso? O orçamento
participativo, ou seja, a possibilidade que os habitantes dos
diferentes bairros da cidade têm de definir concreta e
democraticamente a destinação dos recursos públicos municipais.
Isto significa decidir qual tipo de infraestrutura eles desejam
criar ou aperfeiçoar e cria a possibilidade de acompanhar
passo-a-passo a evolução dos trabalhos e o percurso dos
investimentos financeiros. Deste modo, nenhum desvio de fundos é
possível e os investimentos correspondem exatamente às
aspirações majoritárias das populações dos bairros.
Esta
experiência política ocorre, é preciso destacar, em uma
atmosfera de total liberdade democrática, em confrontação com
uma vigorosa oposição política de direita. O PT não controla
os grandes jornais locais, nem a rádio e muito menos a
televisão, todos eles nas mãos de grandes grupos midiáticos
aliados ao patronato hostil ao Partido dos Trabalhadores. Além
disso, em função da Constituição federal brasileira, o PT tem
margens de autonomia política fortemente restritas e,
especialmente em matéria fiscal, não pode legislar segundo sua
vontade. A satisfação dos cidadãos é tal que, em outubro de
2000, o candidato do PT, Tarso Genro, foi eleito prefeito com mais
de 63% dos votos.
Nesta cidade,
onde desabrocha uma
nova forma de democracia, o Fórum Social Mundial tentará lançar
as bases de uma outra globalização que não exclua mais os
povos. O capital e o mercado repetem, há dez anos, que,
contrariamente ao que afirmam as utopias socialistas, são eles, e
não as pessoas, que fazem a história e a felicidade dos homens.
Em Porto Alegre, neste século que começa, alguns novos
sonhadores lembrarão que, não só a economia, mas a crise das
desigualdades sociais, a preocupação com os direitos humanos e a
proteção do meio-ambiente também são temas mundiais. E cabe
aos cidadãos do planeta tomar estes temas em suas mãos.
*Ignacio
Ramonet é diretor-geral
do jornal Le Monde Diplomatique
(Traduzido por
Marco Aurélio Weissheimer: gamarra@hotmail.com)
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