Projeto de
Extensão: A Luta pela Terra e a Extensão Universitária
Fábio Andrade Medeiros
Kildare Araújo Meira
Introdução
O presente artigo tem por objetivo promover a discussão da importância da extensão
universitária, como meio através do qual, os estudantes universitários podem aplicar a
teoria aprendida na sala de aula em atividades práticas e voltadas à sociedade.
Demonstraremos aqui uma experiência real, de como a universidade pode
realizar a sua função social por meio de atividades de extensão, bem como a
importância dessas atividades para a formação dos alunos, pois o conhecimento adquirido
com o estudo da teoria, não é o suficiente para formar profissionais capacitados a atuar
com uma consciência social mais próxima da realidade que vivemos em nosso país , é
preciso vivência prática, a fim de dar ao estudante, condição de analisar as
relações sociais e jurídicas na sua totalidade, levando em consideração todos os
aspectos nelas envolvidos e não apenas o que dispõe a legislação a respeito.
Universidade e Extensão
A extensão universitária desempenha ao nosso ver, papel fundamental
na aproximação da instituição com a sociedade, pois é através dessa atividade que as
pessoas podem sentir de maneira mais real, a participação da universidade na vida da
cidade, do estado ou até dos País.
A atividade de extensão é também aquela que mais condições possui
de propiciar aos alunos uma vivência prática do seu conhecimento, pois nem a monitoria
nem a pesquisa, longe é claro, de querer desmerecer a sua importância para a vida
acadêmica, desempenham essa função, visto que são atividades mais voltadas para o
próprio meio acadêmico.
O centro de ciências jurídicas da UFPB conta com alguns projetos de
extensão da maior importância social, pois são voltados basicamente para as comunidades
carentes, que necessitam desse tipo de serviço mas não possuem condições de pagar por
eles.
Projeto Assessoria Jurídica à Questão da Terra.
No caso específico do nosso projeto, trata-se de uma parceria
entre a universidade e a comissão pastoral da terra, da igreja católica, e é um projeto
voltado para os trabalhadores rurais. Existe na verdade, uma incorporação a uma
atividade já realizada pela CPT/PB, do projeto de extensão oriundo da universidade.
A comissão pastoral da terra dispõe de uma assessoria jurídica a
serviço dos trabalhadores rurais e a nossa atividade se dá em parceria com essa
assessoria, por meio da qual, nós tivemos a oportunidade de conhecer a realidade dessas
pessoas e participar efetivamente da sua luta pela terra.
As atividades realizadas vão desde a assessoria jurídica propriamente
dita, onde nós participamos como estagiários do escritório que presta serviços a CPT,
até uma pesquisa mais ampla que nos possibilita conhecer a história do povo que vive na
terra e da terra.
O projeto se desenvolve em fases distintas que envolvem primeiramente
um estudo da teoria a ser utilizada nos processos em que estão envolvidos os
trabalhadores, notadamente o direito agrário e o direito penal, haja vista a recente
criminalização a que o poder judiciário vem submetendo a luta pela terra, depois disso
vem a parte prática, onde se faz um acompanhamento dos processos, participando das
audiências e acompanhando a produção das peças a serem utilizadas para a defesa dos
direitos dos trabalhadores.
Ademais disto, participamos também de outras atividades desenvolvidas
pelo escritório de assessoria jurídica em parceria com a CPT/PB, em prol dos
trabalhadores, como a elaboração de uma cartilha, contendo os direitos envolvidos na
questão da terra, denominada debulhando a questão da terra, que está em fase final de
elaboração para posterior publicação, bem como de outras atividades.
Teoria Aplicada à Realidade
Dentro dessa experiência por nós vivida no escritório de
assessoria jurídica aos trabalhadores rurais, é importante destacar alguns casos de
maior relevância, a fim de que possamos, inclusive, discutir qual o papel do poder
judiciário e da sociedade de maneira geral, dentro de uma questão de cunho social tão
grande como é a reforma agrária.
Ao estudar a teoria jurídica na Universidade nos deparamos logo nos
primeiros anos do curso, com o direito constitucional e com alguns princípios básicos
para o estudo do ordenamento jurídico como um todo, um desses princípios é o da
hierarquia das normas, que nos diz ser a norma constitucional, soberana em relação às
outras do direito positivo brasileiro, porquanto ao se deparar com um conflito de normas
constitucionais e infra- constitucionais, deve o aplicador do direito optar pelas
primeiras. No entanto, não é isso que se tem observado em alguns casos concretos que
tivemos a oportunidade de acompanhar, pois muito embora a Constituição Federal diga em
seu artigo 5º inciso XXIII que a propriedade deve cumprir a sua função social, o que
tem ocorrido constantemente aqui na Paraíba é que pessoas são obrigadas, via mandado
judicial, a se retirarem de terras que foram por elas ocupadas, exatamente por essas
terras não cumprirem a sua função social, por considerar o aplicador do direito que "
o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no caso
de esbulho ", Artigo 926 do Código de Processo Civil, norma pois, infra
constitucional. Não se considera para a concessão das liminares em reintegração de
posse, se a função social da propriedade rural em questão, está sendo realmente
cumprida, rasga-se pois a constituição, ao aplicar uma norma infra constitucional, em
detrimento de uma constitucional. É esse o entendimento majoritário na magistratura
paraibana, mormente do juiz responsável pela solução dos conflitos agrários em nosso
estado, o da vara agrária. Não obstante o entendimento acima citado ser majoritário,
já começam a existir pessoas que consideram a importância da prova da função social
da propriedade, um requisito importante para a concessão das referidas liminares, o que
sem dúvida nenhuma é um grande avanço para a justa luta dos trabalhadores pela posse da
terra.Nesse sentido o advogado gaúcho Laércio Alexandre Becker, em recente artigo
publicado na revista de Direito Processual Civil, e citando outros renomados juristas
brasileiros como Fábio Konder Comparato, Rui Portanova e Gustavo Tepedino, sugere que se
exija do proprietário a prova do adimplemento da função social da propriedade : assim,
na possessória, o descumprimento da função social desqualificaria a posse, e tanto nas
possessórias quanto nas petitórias, para a prova da propriedade não bastaria o título,
sendo também necessário provar o cumprimento da função social.
Essa rápida discussão teórica, supra levantada, deu-se em razão da
necessidade de situar o leitor para o caso concreto que passaremos a narrar, sem dúvida
nenhuma, o que nos chamou mais atenção, no curso dessa experiência junto aos
trabalhadores rurais.
Esse processo ficou para nós conhecido como caso Ibitipuca, trata-se
de algumas famílias que ocuparam uma propriedade rural que não cumpria a sua função
social, e que dela foram retirados por meio de uma ordem judicial, deferiu-se o pedido
liminar de reintegração de posse, ficando pois os trabalhadores, impedidos de voltar
àquela área, malgrado terem plantado lá uma pequena lavoura para sua subsistência.
Durante a vigência da referida ordem judicial, o proprietário mandou seus empregados
colocarem veneno na plantação dos trabalhadores, a fim de destruí-la, três desses
trabalhadores, movidos pela necessidade de conservar a única coisa que tinham para a sua
sobrevivência, entraram pois na "área proibida" com o intuito de evitar aquela
destruição ; por essa conduta, que a nós, e certamente a todas as pessoas que possuam
um mínimo de sensibilidade, parece mais do que normal, esses trabalhadores foram presos e
"enquadrados" em diversos artigos do Código Penal brasileiro (Arts. 330
Desobediência, 329- Resistência, 163 - Dano e 288 Formação de Quadrilha ou
Bando). A partir de então a vida dessas pessoas, que até então nunca tinham pisado em
uma delegacia e só tinham um sonho em suas vidas, um pouco de terra para trabalhar e
viver com um mínimo de dignidade, transformou-se em uma rotina de verdadeiros criminosos,
cumpriram eles, uma verdadeira via crucis, de cadeia a presídio, passando por delegacia,
conheceram todos os tipos de "aposentos" do sistema prisional paraibano.E não
foi só esse vai e vem que foi novidade para esses trabalhadores "Sem terra",
como eram comumente chamados, eles passaram a conhecer também, todas as formas possíveis
de se tirar uma pessoa da prisão, pois nesse período o escritório impetrou dois habeas
corpus, mais de um pedidos de liberdade provisória e relaxamento de prisão, para tentar
reverter essa injustiça, felizmente após 70 dias, fomos vitoriosos nessa batalha por
justiça, grande objetivo a ser buscado por qualquer profissional do direito.
A vitória nessa batalha nos deixou profundamente felizes e satisfeitos
com a nossa atividade de extensão, pois permitiu que nós vissemos como é importante e
acima de tudo gratificante, utilizar os conhecimentos adquiridos na universidade em
beneficio de pessoas que deles realmente necessitam.
Vários outros casos acontecidos no decorrer desse tempo que estivemos
no escritório foram importantes, principalmente para observar como a formação
estritamente teórica pode ser prejudicial à aplicação do direito, pois as pessoas que
não possuem uma boa formação social, ficam adstritas à letra da lei e não observam
outros fatores importantes que existem em todas as relações jurídicas, notadamente as
questões sociais e econômicas.
Conclusão
Ao final desse artigo faz-se necessário destacar, primeiro, a
importância da atividade extensionista que estamos desenvolvendo, tanto para a
universidade, pois conforme fora por nós destacado, é o meio de que dispõe a
instituição para realizar de forma mais eficiente a sua função social, como para nós
estudantes, por termos o privilégio de ao mesmo tempo que estudamos a teoria do direito,
vivenciar a sua aplicação na prática, e entedermos, ainda enquanto estudantes, que ao
se aplicar conceitos genéricos e abstratos aprendidos nos livros e nas leis, deve-se
atentar para o fato de que é a vida das pessoas que está em jogo nas mais diversas
relações jurídicas existentes, portanto é necessário ter um compromisso muito grande
com a sociedade, de modo que, ao aplicar a lei aos casos concretos, deve o operador do
direito fazê-lo, analisando todos os caracteres envolvidos na lide , inclusive os
sociais, econômicos e políticos e não só observando a literalidade da norma.
Outra observação importante a ser registrada, é a importância de
setores da sociedade civil organizada, realizarem parcerias com a universidade, a fim de
promoverem atividades em conjunto, que visem atender setores da comunidade que não
possuem condição de arcar com o ônus desses serviços, mas que apesar disso são as
pessoas que mais necessitam deles.
Com efeito, iniciativas como esta da Comissão Pastoral da Terra da
Paraíba, de realizar parceria com a universidade com o fito de levar cidadania a quem
não tem, resgatando assim, a auto estima de pessoas que são discriminadas socialmente
simplesmente pelo fato de existirem, devem ser congratuladas e incentivadas para que se
tornem regra e não exceções como acontece atualmente. |