Em busca da cidadania, na luta pela saúde e segurança no
trabalho
O processo de luta pelo reconhecimento dos direitos dos trabalhadores
da construção, por condições de vida e trabalho dignas, remonta a meados da década de
80 quando a oposição então denominada de Zé Pião consegue, depois de algumas
tentativas, assumir a direção do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil.
Desde a criação do movimento oposicionista Zé Pião, já havia diferenças na sua forma
de inserção e mobilização da categoria, ocorrendo a sua potencialização com sua
entrada na direção da entidade.
Calcada numa atuação de combatividade e de mobilização da base, com
o incentivo da participação dos trabalhadores nas lutas da entidade, os construtores3
passaram a ser vistos de outro modo. No Setor da Construção Civil este Sindicato,
transformou-se uma referência em todo o país pela combatividade no enfrentamento com o
empresariado.
Não foram só as lutas salariais que deram uma nova dinamicidade ao
trabalho do Sindicato. Outras conquistas, no campo dos direitos se seguem, como as de
instalação de filtros em todos os canteiros, copos individuais para os construtores que
tiveram significativo papel psico-social, significando o reconhecimento de um direito: era
um passo na conquista do resgate da dignidade dos trabalhadores.
O Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil foi um dos
pioneiros na discussão e implementação de ações junto à categoria na área de Saúde
do Trabalhador. Neste sentido apresentou uma demanda, ao Setor de Estudos e Assessoria a
Movimentos Populares (SEAMPO/UFPB), com o intuito de realizar intervenções com a
categoria. No processo de discussão e análise da demanda foi se construindo uma proposta
conjunta que resultou em cursos na área de saúde e segurança do trabalho, tanto na sede
da entidade como nos canteiros de obras (de 5 empresas), envolvendo mais de 250
trabalhadores nesses eventos.
Aonde queremos chegar... E como.
As atividades desenvolvidas pelo sindicato, em parceria com o SEAMPO,
teve como objetivo a formação (técnica e política) dos trabalhadores em Saúde e
Segurança do Trabalho, visando sua atuação nos ambientes de trabalho, no combate às
condições e a organização do trabalho nocivas à sua vida e ao meio ambiente, bem como
desenvolver seu potencial como agente multiplicador da luta pela Saúde dos Trabalhadores.
Esse trabalho empreendido, teve como opção teórica-metodológica
para desenvolvimento da prática educativa, a Educação Popular, pautada na
produção cientifica sobre o tema e na experiência acumulada dos profissionais
envolvidos nesse trabalho. A educação popular foi utilizada como instrumento
metodológico com o intuito de auxiliar neste processo de construção da autonomia dos
trabalhadores, na luta contra a desvalorização do seu saber e o colocando em
diálogo/confronto com o saber científico.
A respeito da prática educativa, a entendemos como uma pedagogia que
ajude a modificar a realidade social, através da compreensão da sociedade capitalista
com as contradições inerentes à relação capital e trabalho. Ou seja, tornando
transparente as formas de exploração do trabalho, e criando condições para
explicitação dos interesses da classe trabalhadora de forma coletiva.
O desenvolvimento desta prática educativa, constou de um curso sobre
saúde e segurança do trabalho, com duas fases.
O primeiro curso (correspondendo à primeira fase do trabalho),
realizado na sede do sindicato, tinha como objetivo a formação de cipeiros, dentro da
estratégia de envolvê-los posteriormente em ação nos canteiros de obras. Deste curso,
participaram uma média de 20 cipeiros de 8 canteiros de obras situados na grande João
Pessoa. O grupo compunha-se de serventes, pedreiros, eletricistas, carpinteiros, mestre de
obra e técnico de segurança.
Estes trabalhadores foram escolhidos por uma equipe composta por
dirigentes do Sindicato e profissionais do SEAMPO. Para fazer a escolha dos participantes
do curso, a equipe visitou vários canteiros de obra, levantando em cada um os
representantes dos trabalhadores na Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA).
Dessa atividade pôde-se observar empresas que não tinham CIPA e outras que a possuíam,
mas os trabalhadores não sabiam da sua existência. Houve situações em que os
trabalhadores faziam parte da CIPA e não tinham conhecimento disso. Na maioria das
empresas, a CIPA era apenas uma formalidade legal. Essa realidade demonstra o descaso das
empresas no cumprimento da Norma Regulamentadora nº 5 (NR.5), que trata da constituição
e funcionamento da CIPA. O sub-setor edificações da construção civil, por oferecer um
grau de risco alto, requer que em cada canteiro com mais de 20 trabalhadores seja formada
uma CIPA, conforme reza a Norma Regulamentadora nº5.
A etapa de levantamento dos trabalhadores/cipeiros nos canteiros de
obras foi bastante rica, uma vez que propiciou discussões e conversas com os
operários/construtores acerca de questões referentes à luta sindical pela saúde. Essa
metodologia permitiu, portanto, uma problematização e uma disseminação das questões
referentes à Saúde do Trabalhador, contribuindo para o engendramento de outro modo de
sentir/pensar/agir na saúde do trabalhador, permitindo que acontecimentos importantes
ocorressem na categoria.
Por exemplo, a direção do sindicato foi convidada por um mestre de
obra durante estas visitas, para realizar a eleição da CIPA de um canteiro. Essa
experiência mostrou-se singularizante, já que mobilizou e permitiu aos
trabalhadores/construtores da obra viverem esse processo, quebrando o esquema viciado de
formação de CIPA neste sub-setor. Isto ficou demonstrado pela grande lista de candidatos
a cipeiro, sendo a eleição realizada no próprio canteiro. O mestre de obra suspendeu o
expediente mais cedo, para que os operários pudessem votar. Foram eleitos dois operários
como representantes dos trabalhadores na CIPA e dois, ficaram como suplentes. Dias depois,
ficamos ciente que o mestre de obras fôra demitido. Embora consideremos que, esta atitude
tenha sido um rebatimento à ação desencadeada por ele naquela obra, não temos como
confirmar. Apesar disto, o ato de mobilizar um canteiro para eleição teve um sentido
esclarecedor, já que demonstrou aos trabalhadores o direito de poder participar
ativamente nos processos de mobilização pela saúde nos ambientes de trabalho.
Certamente contribuiu para perceber também a violência do empresariado.
Voltando ao curso, a proposta elaborada pela equipe foi submetida aos
cipeiros, que sugeriram a inclusão de um módulo sobre noções básicas de primeiros
socorros. O curso, intitulado "A CIPA enquanto espaço de luta", foi organizado
em 8 módulos, abrangendo um conteúdo temático variado, ministrado por profissionais de
diversas áreas e organismos, tendo a duração de três meses, no período noturno. A
seguir a relação dos módulos apresentados no curso.
Histórico da CIPA, contexto histórico e político da sua criação;
Legislação-NR-5, norma que disciplina a criação e funcionamento da
CIPA;
Legislação NR-18, norma que rege sobre as condições de segurança
coletiva e individual;
Riscos ocupacionais, a que estão sujeitos os trabalhadores;
Primeiros socorros, fornecido noções básicas (este módulo foi
sugerido pelos próprios cipeiros);
Novas tecnologias no Construção Civil, como estas afetam a saúde do
trabalhador;
Sofrimento mental no trabalho;
Aspectos econômicos da industria da construção civil situando-a no
contexto político histórico econômico do estado e do país.
Na avaliação da primeira fase, os cipeiros afirmavam a importância
da extensão das discussões para o conjunto dos trabalhadores, como forma de resgatar e
afirmar a sua função perante os companheiros de trabalho.
A segunda fase contou com a realização de "ciclos de debates nos
canteiros", tendo início em 93 e sendo concluído em 94. O primeiro passo desta
segunda fase foi definir os critérios para a escolha dos canteiros onde as ações seriam
desenvolvidas, chegando-se aos seguintes:
que o canteiro selecionado deveria ter um tempo de duração suficiente
para realização do trabalho,
possuir CIPA e ter um número de trabalhadores significativo, já que
pretendia-se envolver o maior número possível de operários.
Este trabalho nos canteiros de obra foi possível também devido à
conquista (pelo Sindicato), de uma cláusula na Convenção Coletiva que previa o direito
de utilizar uma hora para realização de atividades referentes às questões de saúde e
segurança do trabalho, a cada l5 dias, dentro do horário de trabalho.
Partindo-se da experiência positiva da primeira fase, a equipe decidiu
adaptar o temário daquele curso aos "ciclos de debates nos canteiros". Foi
planejada a realização desses ciclos, com 4 módulos em cada obra:
a) Legislação NR-05;
b) Legislação NR-18;
c) Doenças ocupacionais;
d) Processo produtivo na construção civil.
A diminuição do número de módulos, em relação a primeira fase,
deu-se com a finalidade de ampliar a atuação, atingindo um maior número de canteiros.
Nos "ciclos de debates" privilegiava-se a participação dos
trabalhadores, estimulada por recursos audiovisuais e outros recursos pedagógicos.
A equipe de assessoria juntamente com membros do sindicato, participaram de todas as fases
e passos deste trabalho, efetivando uma prática de ação/intervenção que buscava o
confronto/diálogo entre os saberes técnico-científicos e dos profissionais da
construção.
Nestas duas fases do trabalho tivemos, também, a participação de
profissionais da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e de outros setores da UFPB (Centro
de Tecnologia, Departamento de Nutrição e Departamento de Psicologia), como
ministradores de alguns módulos, o que configura uma prática inter-disciplinar e
inter-institucional.
Considerações finais
Os avanços dessa intervenção do sindicato foi ter conseguido entre
outras coisas:
adentrar o meio ambiente do trabalho;
ter acordado junto ao empresariado a parada do serviço (uma hora antes
do fim do expediente) para que os trabalhadores discutissem assuntos relevantes à
situação de trabalho;
possibilitar a participação dos trabalhadores na discussão de forma
aberta e democrática, resgatando seu saber e considerando o seu sentir/pensar/agir;
produzir no seio da categoria a idéia de que cada trabalhador poderia
ser um fiscal do sindicato nas questões de segurança e saúde e que caberia a qualquer
um denunciar os casos de acidentes de trabalho nas obras.
Este trabalho de extensão do SEAMPO pode assim ser incluído no rol
daqueles que buscam garantir aos trabalhadores o resgate de sua cidadania negada na
produção quando se tornam mera mercadoria. O desrespeito aos direitos fundamentais do
homem, como a uma vida digna e a um trabalho com segurança, é a tônica da prática do
empresariado do setor da construção civil. Prova disso, são os dados alarmantes de
acidentes e casos fatais no setor, segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores da
Construção Civil no ano passado (1997) foram registrados seis mortes. Ou ainda, os
canteiros de obras espalhados por toda cidade, onde pode ser observado o descaso com as
condições de trabalho propiciadas aos trabalhadores.