Resgate de uma Experiência em
Direitos Humanos no Geisel
Ana Fernandes Peixoto
Assistente Social ex-estagiária do
CDHC da UFPB
Histórico
O Grupo de Direitos Humanos do Conjunto Ernesto Geisel é formado de 16 membros, das
localidades Nova República, Sítio Cuiá, Boa Vista, Jardim das Laranjeiras, Conjunto
José Américo e Ernesto Geisel.
A faixa etária do grupo varia de 20 a 50 anos de idade. Com relação ao estado civil do
grupo, participam: solteiros, casados, desquitados e viúvos. O grupo é composto de:
estudantes, professores, contador, advogado, animadores comunitários e donas de casa.
O Grupo, com relação ao grau de
instrução, varia desde o 1º ao 3º grau. Em relação a religião, todos são
católicos e participantes de grupos religiosos da paróquia Santo Antônio.
A partir de um trabalho feito sobre a
relação entre a História de Vida do grupo e os Direitos Humanos através de oficinas,
foi possível levantar:
- todos são de origem "popular e tiveram uma vida de
luta e trabalho;
"estudando sendo filho de gente
humilde, você pode crescer e graças a Deus eu cresci. Minha mãe teve nove filhos, meu
pai analfabeto, minha mãe o nível primário consegui colocar todos na escola e todos se
formaram".
- nas histórias de vida as situações de violência
doméstica e repressão foram marcantes;
- muitos foram excluídos do direito à educação frente a
necessidade de lutar logo cedo pela sobrevivência
"Logo cedo tive que deixar a escola
para trabalhar".
"Nas minhas férias eu ia pro cabo da
enxada, eu dividia com meu pai o que o meu braço tinha de resistência".
- Valores como solidariedade, respeito e igualdade foram
sendo aprendidos desde crianças, com pessoas importantes nas histórias de vida;
"Aprendi com meu pai a respeitar e
repartir".
- O sentimento de lutar por uma sociedade mais humana e justa
aparece como um valor muito forte.
Outro ponto de relevância na formação
do perfil social do grupo diz respeito a trajetória política de seus membros, que é
bastante rica e diversificada. Os grupos, com os quais os membros do grupo participam
além do de Direitos Humanos, destacam-se: Encontro de Casais com Cristo; Sindicatos dos
Auditores de Contas Públicas; Associação de Peritos Contadores da Paraíba; Conselho
Comunitário; Conselho da Paróquia; Conselho Zonal dos Conjuntos; Conselho Pastoral dos
Conjuntos; Conselho Pastoral Arquidiocesano, Comissão de Direitos Humanos da UFPB; Grupo
de Orientação Ambiental com os moradores da Praia do Sol e Penha; Cooperativa
Educacional; Pastoral da Criança; Pastoral das Favelas; Comissão de Moradores da
Comunidade Laranjeiras; Sindicato de Auditores do Tribunal de Contas da Paraíba;
Sindicatos de Trabalhadores Rurais no Maranhão; Comunidades Eclesiais de Base.
A vinculação do grupo com as
organizações religiosas é um fator preponderante que precisa ser considerado no grau de
articulação de seus membros de mobilização e de atuação, considerando que são
vinculações com grupos religiosos que atuam na promoção e defesa da reforma agrária,
da moradia popular e de melhores condições de vida para os grupos sociais excluídos.
A solidariedade que o grupo expressa
frente aos problemas sociais e as lutas dos Sem Teto e Sem Terra, a indignidade com o
descaso das autoridades públicas, são valores éticos fundamentais para a luta pelos
Direitos Humanos.
"Procuramos dar a assistência
necessária, quando nós somos convidados, por exemplo, no sítio Cuiá, estava havendo um
projeto da Prefeitura para despejar os detritos dos esgotos das casas dentro dos rios que
o povo se abastece, então o povo nos convida para encontrar uma solução para evitar,
aí nós vamos procurar assessoria jurídica, junto com as pessoas fazer reuniões para
procurar os caminhos e intervir diante das decisões das autoridades".
Nesse sentido é relevante situar como as
ações políticas são preponderantes no Grupo de Direitos Humanos. Durante um ano de
duração o grupo já realizou:
- arrastão da solidariedade em favor dos Sem Terra e Sem
Teto, articulado com a Pastoral das favelas e da Terra;
- caminhada da Paz no bairro, frente ao crescimento da
violência;
- reuniões, assessoria e apoio aos moradores da favela Boa
Vista, ameaçados de despejo;
- caminhada em defesa do meio ambiente junto à comunidade de
Cuiá;
- luta pela legalização dos terrenos e construção de
casas desabadas com as chuvas, com articulação com a Pastoral das Favelas;
- campanhas de arrecadação de fundos para a reconstrução
de casas desabadas na Favela Nova República;
- caminhada contra a violência no campo, articulada pela
Pastoral da Terra e Arquidiocese;
- participação do Fórum Nacional contra a violência,
promovido pela OAB; e entidades de Direitos Humanos.
A necessidade e o empenho do grupo com as
ações de formação do grupo, é também um fato marcante. Foi a partir de um Curso de
Extensão em Direitos Humanos, promovido pela Comissão dos Direitos do Homem e do
Cidadão e do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, que os
participantes decidiram dar continuidade à capacitação e a formação de um Grupo de
Direitos Humanos no bairro, o que é um fato pioneiro na área e em João Pessoa.
Após a conclusão do Curso de Extensão
de Direitos Humanos, realizado no conjunto Ernesto Geisel, um grupo de moradores,
articulou-se para organizar a formação de um grupo que desenvolvesse ações práticas,
sob a assessoria da estagiária da CDHC/UFPB
Com o objetivo de obter uma legitimidade
junto ao bairro, o grupo estendeu o convite para algumas instituições do bairro, sendo
elas: o Centro Social Urbano Calula Leite; o Centro Espírita "O Consolador"; o
Centro Comunitário Presidente Ernesto Geisel e a Paróquia Santo Antônio.
A questão social que deu início a
atuação do grupo, foi a caminhada pela paz, realizada no Conjunto Geisel no sentido de
conscientizar e mobilizar a comunidade local, e adjacências, para o problema da
violência urbana. O processo de mobilização e organização da caminhada envolveu:
visitas às escolas e instituições; divulgação junto aos meios de comunicação,
distribuição, colagem de cartazes e panfletos. Durante o processo, foi levantado junto
as comunidades, soluções de enfrentamento da violência no bairro, o qual foi resumido
num documento a ser entregue as autoridades públicas no dia da caminhada.
A organização da caminhada ocorreu
durante três meses, envolvendo as comunidades circunvizinhas, como: Nova República,
Sítio Cuiá, Boa Vista, Jardim Laranjeiras, Conjunto José Américo, os grupos
organizados do bairro, as organizações religiosas e entidades de defesa dos direitos
humanos.
A caminhada foi realizada, partindo do
Estádio "O Almeidão", no Cristo Redentor, até a Praça do Conjunto Ernesto
Geisel. Estiveram presentes, grupos representando as comunidades locais já mencionados,
parlamentares e representantes de entidades de Direitos Humanos (Comissão dos Direitos do
Homem e do Cidadão da UFPB e Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa).
Nenhuma autoridade convidada participou do evento.
A caminhada contra a violência e a favor
da Paz, teve a cobertura da TV Tambaú.
O final da caminhada encerrou-se com um
ato público e com a entrega do documento ao deputado Luiz Couto, único representante
público presente.
Durante a caminhada, observou-se um
panfleto anônimo sendo distribuído; assim que se teve conhecimento do teor do texto do
panfleto, o mesmo foi apreendido, uma vez que fazia acusações anônimas contra o
Secretário de Segurança Pública, Pedro Adelson. A notícia foi divulgada no
noticiário, pela TV Tambaú, como se o panfleto fizesse parte da caminhada. Este fato
exigiu retratação por parte do grupo responsável que teve de esclarecer na TV a
questão do panfleto anônimo.
Apesar desse transtorno causado por grupos
desconhecidos, o grupo de Direitos Humanos do Conjunto Ernesto Geisel avaliou como sucesso
a participação da comunidade na caminhada, decidindo pela continuidade do grupo.
A Segunda grande ação do grupo de
Direitos Humanos do Conjunto Ernesto Geisel, foi o Arrastão da Solidariedade, realizado
no Conjunto José Américo, recolhendo alimentos, roupas e donativos para serem
distribuídos com 150 famílias acampadas no município de Jacumã, enfrentando processo
de luta pela posse da terra e 35 famílias assentadas em Marcos Moura, no município de
Santa Rita.
O grupo desenvolveu também atividades de
integração, através de uma atividade de lazer, sendo esta, uma confraternização
durante dois dias, na Praia de Tabatinga, envolvendo os membros do grupo e famílias.
A Comissão de Direitos do Homem e do
Cidadão da UFPB, através do Projeto: Universidade, Educação Popular e Direitos
Humanos, vem se destacando entre as entidades de Direitos Humanos que desenvolve ações
educativas com o grupo.
Junto ao grupo, o projeto vem
desenvolvendo:
- Curso de Extensão
- Oficinas Pedagógicas
- Palestras
- Pesquisas e Estágios Práticos.
Apesar do término de estágio, o grupo
continua sua atuação com apoio e assessoria do projeto de extensão e outras entidades
de direitos humanos, com quem se articula no seu trabalho em promoção e defesa do
Direitos Humanos. A demanda educativa e formativa apenas está começando a ser atendida;
muitos estudos ainda são necessários para qualificar o grupo para defesa dos Direitos
Humanos. O projeto, nesse sentido, está dando os primeiros passos, está realizando as
primeiras experiências.
Uma demanda freqüente que o grupo
apresenta para estagiários e professores é com relação a metodologia e a criação de
recursos pedagógicos para o trabalho em educação popular e Direitos Humanos. Nesse
ponto, o projeto vem iniciando o grupo para o trabalho com oficinas, teatro, dinâmicas de
grupos e outros recursos ricos em efeitos de sensibilização, expressão e comunicação.
O grupo reuni-se, semanalmente, na sede da
Paróquia Santo Antônio, no Geisel. É desafio do grupo capacitar-se para fundar e
formalizar uma ONG em Direitos Humanos no bairro, o que é um projeto salutar para a
continuação e legitimidade do grupo e dos Direitos Humanos. Porém, o grupo tem
consciência que é fundamental, para isso, a capacitação de todos os membros a fim de
nascer uma entidade forte e com sustentação e não ser apenas mais uma entidade.
" O grupo está tentando com a CEDHC
formar pessoa jurídica, porque através dela, o grupo cria mais expressividade, e com
essa expressividade acreditamos que terá possibilidade de enfrentar mais estas questões
e o grupo se ampliará".
Atividades do Grupo
Dentre os problemas enfrentados pelo
bairro, citados pelos membros do grupo como questões de Direitos Humanos, destacam-se:
falta de moradia; saneamento básico; falta de atendimento de saúde nas creches; falta de
empregos; drogas; miséria; fome; educação de base; abandono social; falta de educação
e saúde para os moradores das favelas e violência crescente contrai crianças e
mulheres.
"Na área de segurança pública vê-se claramente a
violência, fome nas comunidades mais carentes, falta de moradia, falta de saneamento
básico, iluminação pública, falta de atendimento de saúde nas creches, falta de
atividades para aquelas pessoas que estão sem emprego".
A partir desses problemas levantados,
observa-se que nessa conjuntura social os direitos sociais estão tendo mais evidência,
tendo em vista a negligência do Estado frente a fome, a saúde, a moradia e a segurança
pública.
Diante desse contexto de crise econômica
em que se amplia a exclusão social e a violência, esta passa a ameaçar a integridade
dos diversos setores sociais. Nesse momento, a violência não é uma questão que diz
respeito apenas ao indivíduo, mas a coletividade e as questões sociais.
"A violência contra a criança aqui
é constante, tanto aqui como em várias áreas, o direito da pessoa estar em casa e ser
incomodada com som dos vizinhos alto demais, aí por esses direitos é que estamos
lutando".
"Somos procurados para ajudar às
pessoas no sentido de reivindicar maior segurança nas favelas, saúde, a comunidade nos
convida, principalmente as favelas, na questão da assessoria".
A violência física que atinge a
integridade do indivíduo, por vezes até de forma fatal, motiva, de imediato, a
mobilização da coletividade e ação do grupo que conseguiu mobilizar o bairro através
de: caminhadas; abaixo-assinado; reivindicações junto a Secretaria de Segurança
Pública e palestras.
A ameaça produzida pela violência foi
capaz de articular diversos grupos religiosos e políticos, o que mostra sua força
mobilizadora frente as questões sociais no momento atual.
A segunda questão de grande preocupação
do grupo, trata-se do problema de moradia e dos riscos de vida que afetam os moradores das
favelas. Articulado com a Pastoral das Favelas, o grupo realizou ações essencialmente de
auto-ajuda e capacitou-se para discutir o plano diretor e a questão da gestão municipal.
Com relação a articulação do grupo com
outros grupos e entidades, destacam-se:
- com relação aos grupos religiosos (a Pastoral das
Favelas, o Centro Espírita Cadercista, igrejas protestantes e grupos católicos);
- com relação as entidades de direitos humanos (a Comissão
de Direitos do Homem e do Cidadão da UFPB, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do
Homem e do Cidadão, com a Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria
Alves, Sociedade de Assessoria aos Movimentos Populares e Sindicais e Anistia).
O modo como o grupo se ver diante da
comunidade, diferencia-se segundo a informação e o agente de informação. Segundo
estes, as pessoas que já conhecem o trabalho do grupo, demonstram uma certa segurança.
Por outro lado, os que não conhecem, ou tem uma postura de desconfiança ou preconceito,
face as visões distorcidas divulgadas pelos meios de comunicação acerca dos Direitos
Humanos.
Sobre a ação realizada pelo grupo em
relação ao bairro e suas áreas circunvizinhas, o grupo destaca:
- assistência às comunidades;
- a sensibilização através dos representantes de bases
sensibilizar sobre os problemas mais latentes;
- a educação política para ação reivindicatória frente
aos problemas emergentes nas comunidades (segurança, atendimento médico, assessoria na
luta pela moradia);
- ação de solidariedade e apoio político em relação (aos
Sem Teto e Sem Terra);
- caminhadas;
- a elaboração de documentos com reivindicações para os
dirigentes públicos;
- a formação e capacitação do grupo através de
palestras, oficinas pedagógicas, grupos de estudos, curso de extensão e outros;
- a preocupação com a produção de materiais informativos
e educativos;
- a importância da articulação política com a igreja, os
partidos e as entidades de Direitos Humanos;
- a questão da segurança pública, da moradia e da saúde;
- a importância na divulgação e implementação do Plano
Nacional de Direitos Humanos;
- ações de defesa do Meio Ambiente, junto a comunidade do
Cuiá.
As dificuldades postas pelos membros em
relação ao próprio grupo, diz respeito a: formação educacional; a distância entre os
locais de moradia; a falta de informações sobre Direitos Humanos; o preconceito
produzido pela mídia contra os Direitos Humanos; a falta de um local e de recursos para
desenvolver suas ações; a morosidade da justiça e do poder público diante das
reivindicações encaminhadas; a dificuldade em sensibilizar e aglutinar novos membros
para o grupo; a desinformação geral da população sobre os direitos e suas formas de
defesa; e a falta de acesso a imprensa para divulgar as ações do grupo e outras
entidades de Direitos Humanos.
A partir dessa dificuldades, é possível
levantar como demandas do grupo:
- ações de formação e capacitação do próprio grupo;
- ações culturais e informativas;
- condições materiais, físicas e recursos financeiros;
- cursos de formação política e pedagógica.
Os fatores motivadores levantados pelos
membros do grupo, que levaram a participação do grupo, foram:
- os problemas sociais da comunidade;
- a falta de informação da população frente aos direitos;
- a necessidade de combater a violência social constante
(roubos, assaltos, agressões, mortes, etc.);
- a necessidade de organização para enfrentar os problemas
relacionados a: o desrespeito, à dignidade das pessoas na questão física e moral;
- a vontade de contribuir com as idéias, tendo em vista a
experiência com comunidades;
- dar continuidade ao Curso de Extensão em Direitos Humanos.
A trajetória que os membros destacam de
como chegaram ao grupo, foram:
- através de Curso de Extensão, promovido no bairro, pela
Comissão de Direitos Humanos da UFPB;
- através de atuar como membro e estagiária da Comissão
dos Direitos do Homem e do Cidadão da UFPB e como agente pastoral, residir e atuar na
comunidade; através de divulgação sobre a atuação do grupo de Direitos Humanos
durante a missa, fazendo convite aos interessados em participar.
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