Este relato trata de uma
experiência vinculada ao Projeto de Capacitação dos Conselhos de Defesa e Tutelares da
Criança e Adolescentes em 47 municípios da região da Borborema, Curimataú e Cariri. O
projeto teve início em novembro/97 e foi concluído em setembro/98.
Introdução
Trazemos à consideração do leitor,
neste breve relato, uma simples análise das atividades desenvolvidas no Projeto de
Capacitação dos Conselhos de Defesa e Tutelares em 47 municípios paraibanos. Nesta
síntese, em forma de relato e análise do que desenvolvemos junto a estes municípios,
pretendemos incorporar aspectos analíticos frente a realidade dos municípios envolvidos
e sua complexidade, destacando os avanços e dificuldades do processo.
A Proposta
O projeto originou-se de um consórcio
formado pelos municípios da região do Cariri, Borborema e Curimataú, onde firmou-se um
acordo entre 35 prefeitos das referidas regiões e UFPB junto ao Fundo das Nações Unidas
para Infância/UNICEF, no sentido de prestar assessoria técnica na área de Direito, Meio
Ambiente, Saúde e Educação.
Coube a UFPB a capacitação dos recursos
humanos e o UNICEF, a cobertura com os recursos financeiros.
Foram priorizadas, entre outras ações, a
formação e a capacitação dos Conselhos de Defesa e Tutelares da Criança e do
Adolescente.
O projeto foi desenvolvido pelo Coletivo
Criança e Adolescente programa pertencente a Coordenadoria de Apoio à Programas
Comunitários/COPAC, com o apoio da COPREX.
Seus Objetivos
Qualificar dirigentes de órgãos públicos
e atores da sociedade civil dos municípios da região da Borborema, Curimataú e Cariri
para atuação nos Conselhos de Defesa e Tutelares da Criança e Adolescente.
Provocar o fortalecimento de parcerias
entre governo e sociedade civil;
Articulação entre órgãos públicos de
Defesa da Criança e Adolescente em níveis Estadual, Municipal e Sociedade Civil;
Oferecer os instrumentos disponíveis
através das capacitações, que a legislação oferece para consolidação da cidadania.
Sua Estratégia de Ação Inicial
No início do projeto, foram realizadas as
primeiras reuniões com prefeitos, onde se discutiu os principais pontos necessários para
garantir a execução dos projetos das quatro áreas. Ficou determinado que as ações
ocorreriam em municípios pólos que sediariam as atividades de capacitação e acolheriam
as equipes da UFPB. Quanto a escolha desses municípios, esta foi feita pelos próprios
presentes às reuniões.
Escolhemos trabalhar o primeiro momento no
processo de formação da equipe de coordenação do projeto, assim como estabelecermos
parcerias com outras instituições envolvidas com os municípios e com o segmento
criança e adolescente. Outro fator preponderante nessa face, foi buscarmos informações
junto aos municípios sobre a situação apresentada na área dos Conselhos de defesa da
Criança e Adolescente.
Metodologia
O Projeto se estruturou em 03 fases:
Onde trabalhamos as questões referentes a
política de atendimento à criança e adolescente no Brasil, participação x cidadania e
o papel do poder público nessa política. Esse foi um momento conceitual e o executamos
através de um Seminário com os municípios, em Campina Grande, durante dois dias
(nov/97)
Instrutores: Hermília Feitosa Junqueira
Ayres Profa. do Departamento de Direito Privado; Joaquim Pereira de Araújo
Economista/IDEME; Francisco Luiz da Silva Geógrafo/IDEME.
Identificação dos principais envolvidos nos
municípios. Nesta etapa trabalhamos os seguintes temas: Orçamento Municipal,
Participação Popular Níveis, Formas e Instrumentos e Diagnóstico Municipal;
Instrutores: Itamar Nunes Prof. do
Departamento de Ciências Sociais; Tarcísio Valério da Costa COPAC.
Identificação dos principais envolvidos nos
municípios. Nesta etapa trabalhamos os seguintes temas: Orçamento Municipal,
Participação Popular Níveis, Formas e Instrumentos e Diagnóstico Municipal.
Instrutores: Maria da Conceição Wanderley
Sec. Estadual da Cidadania João Pessoa; Maria Noalda Ramalho UFPB
Mestrado em Serviço Social; Cláudia Maria Costa Gomes UFPB Mestrado
em Serviço Social.
Operacionalização nos Municípios Pólos,
através das Oficinas e Encontros Avaliativos
No início foram escolhidos os municípios de
Boqueirão, Monteiro, Soledade e Esperança, para sediarem as atividades do projeto.
Posteriormente houve um rodízio proposto pelos participantes envolvendo outros
municípios situados em torno dos primeiros pólos. Tivemos na sua 3º fase, assim como
nos "Encontros Avaliativos", os seguintes municípios que sediaram os trabalhos:
Alagoa Nova, Sumé, Pedra Lavrada, Lagoa Seca, Serra Branca, Picuí, além de Fagundes e
Zebelê que promoveram "Encontros" para aprofundar e divulgar os trabalhos com
os Conselhos nos seus municípios, alargado a participação da sociedade nos assuntos
debatidos nas oficinas.
Esse processo de rodízio provocou, um maior
conhecimento entre esses municípios, assim como a ampliação da adesão ao projeto por
parte de novos elementos, o que foi bastante positiva, tendo nesses encontros, provocado
uma significativa representação municipal e, contribuindo para uma maior divulgação do
projeto.
Outro aspecto positivo foi a inclusão de
novos municípios, incluindo os recentemente emancipados.
As Oficinas
No processo de desenvolvimento das oficinas,
principalmente na primeira fase, foi um momento que propiciou a identificação das
equipes municipais, sua representação, e, seu envolvimento com os trabalhos na área da
infância e adolescência.
As oficinas propiciaram um encontro
privilegiado para os municípios, onde cada tema abordado, vinha a colaborar no melhor
entendimento e leitura da realidade dos oficineiros no âmbito dos municípios. Tal
procedimento permitiu se abrir um paralelo entre o real e o que seria ideal para cada
momento trabalhado nos temas. Os fatos subjacentes às questões trabalhadas traziam à
tona tanto, para a equipe de capacitadores como para os capacitandos, muito de cada
município.
Nos temas trabalhados, o ponto de partida e
de chegada foi o município.
Quem Participou dessas Oficinas
Representantes de Conselhos de Defesa e
Tutelares da Criança e Adolescente, Secretarias Municipais de Ação Social, Educação e
Saúde, representantes de Organizações não Governamentais, Igrejas, Movimento Pastoral,
Clubes de Serviço, Assessorias de Imprensas locais, alguns Prefeitos e Vice-Prefeitos, e
representantes das Câmaras de Vereadores, além de Associações de Bairro, de
Agricultores, e, em alguns pólos, representantes do Ministério Público.
Quadro Encontrado nos Municípios
Participação popular tímida, ou, em
muitos municípios quase inexistente;
Ausência de uma cultura participativa,
principalmente na área da criança e adolescente;
Existência de municípios, que tinham
apenas a lei que cria o Conselho de defesa da Criança e Adolescente, mas não existia de
fato esse Conselho;
Processo de criação dos Conselhos sem ser
precedido de participação e discussão mais ampla por parte da sociedade civil ou
representações de organizações não governamentais;
Desconhecimento do ECA na maioria dos
municípios, e de suas prerrogativas;
Não compreensão por parte dos
participantes dos Conselhos, de seu real papel na política de atendimento à criança e
adolescente;
Gestão municipal bastante centralizada com
relação às políticas públicas;
Descrédito no processo de participação;
Inexistência de grupos envolvidos com a
questão;
Representatividade dos Conselheiros não
compatível com o que é preconizado no ECA;
Distanciamento do Ministério Público.
Estratégias Alternativas
Diante do quadro apresentado, procuramos
trabalhar mais intensamente as formas viáveis que os municípios tinham a oferecer para o
êxito do projeto, assim como, agendamos "Encontros Avaliativos" nos intervalos
entre uma oficina e outra. Nessas ocasiões verificávamos os avanços dos trabalhos ou
problemas que se apresentavam impeditivos para encaminhar os trabalhos.
Ocasiões como essas tornou possível
aprofundar os assuntos pertinentes à formação dos grupos.
Com relação as temáticas trabalhadas,
optamos em discutir os assuntos que eram emergentes naquele momento para os municípios.
Entre estes temas destacamos o estudo de esboços de Projeto de Lei, Sistemas de Garantias
aos Direitos da Criança e Adolescente, Experiências Vivenciadas nos Conselhos de Defesa
e Tutelares, assim como subsídios para a elaboração de um Diagnóstico Municipal.
Com essa estratégia houve um significativo
avanço no processo de formação grupal no âmbito dos municípios.
As Parcerias
Para melhor fortalecer o projeto, procuramos
parcerias com outras instituições, movimentos sociais e o Conselho Municipal de Campina
Grande. Entre essas parcerias destacamos no primeiro momento a FUNDAC, IDEME, Forum de
defesa da Criança e Adolescente e o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua.
Foi formado um grupo interinstitucional
composto pela Curadoria da Infância e Adolescência, Conselho Municipal de Campina
Grande, (Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente) MNMMR, Tribunal de Justiça, além
da FUNDAC. O objetivo desse grupo que passou a se encontrar na PRAC, foi de reunir
órgãos e entidades ligados à capacitação dos Conselhos de Defesa e Tutelares, no
sentido de dar o suporte necessário aos municípios envolvidos, evitando-se a
superposição de ações e fortalecendo o processo de criação e implementação dos
Conselhos.
Repercussão do Projeto
Articulação melhorou bastante, entre os
municípios atendidos no projeto;
Ampliação do conhecimento de ECA
(Estatuto da Criança e Adolescente), a partir da mobilização dos grupos envolvidos no
processo;
Reavaliação do processo de criação dos
Conselhos e reformulação das leis, adaptando-as à realidade local;
Formação de Comissões Pró-Conselhos e
grupos de estudo para aprofundamento do que foi trabalhado nas oficinas e implementação
dos Conselhos;
Sensibilização da comunidade para sua
participação nos Conselhos;
Possibilitou, extra-oficina, novos
encontros em diversos municípios, contando com vários segmentos da sociedade;
Envolvimento de educadores, atualmente
trabalhando o ECA nas escolas;
Despertou a necessidade de divulgar o papel
dos Conselhos e o próprio Estatuto da Criança e Adolescente na sociedade;
Ampliação das equipes responsáveis pelo
processo de criação dos Conselhos;
Aumentou o número de municípios, de 35
para 47;
Alguns municípios passaram a agilizar os
trabalhos de aprovação da lei de criação dos Conselhos de Defesa e Tutelares, com o
cuidado do mesmo ser precedido de uma maior participação social neste processo.
Dificuldades
A cultura política predominante em alguns
municípios, vem interferindo no processo de legitimação dos Conselhos;
As dificuldades dos municípios em
superarem a fase de política partidária e partirem para um pacto pela infância;
O medo de participar por parte de muitos
elementos dos grupos, frente aos desafios que o trabalho oferece;
Situação bastante difícil que atravessam
os municípios, face a seca que vem ocorrendo, além do período eleitoral, que em muitos
desses municípios, vem impedindo o avanço dos trabalhos;
Carência de recursos humanos qualificados
para desenvolverem os trabalhos junto aos Conselhos;
Há dificuldade por parte de alguns
prefeitos em entenderem melhor o papel dos Conselhos;
O número elevado de Conselhos Setoriais,
previstos nas Leis Orgânicas, sem a devida discussão e mobilização da sociedade, além
da desarticulação entre estes.
Considerações Finais
Em uma ação dessa natureza, acreditamos
que, em primeiro lugar, investigar o processo de criação dos Conselhos é algo que
precisamos atentar. Pois como constatamos, os Conselhos em sua maioria surgem e vem
surgindo, condicionados sempre ao repasse de verbas, o que levam muitos municípios a não
recorrerem a nenhuma mobilização e, consequentemente, a escolha dos seus representantes
se fazerem por indicação dos prefeitos, como constata artigo na revista de Abong
(julho/96). Outro fator que consideramos agravante é a visão formalista de juízes e
promotores que vêm pressionando o executivo municipal para a agilização na criação
desses Conselhos. Esse fatores vêm contribuindo para que o processo participativo em
muitos municípios sejam tímidos ou ausentes.
No que se refere ao papel das organizações
sociais, esse papel vem sendo exercido com forte ambivalência, onde se verifica uma
participação tímida, vendo este espaço como dádiva e favor do executivo, ou é visto
como enfrentamento, sem nenhum avanço para o diálogo.
Nos municípios atendidos no projeto, na sua
grande maioria, há um certo medo de enfrentar o novo, além da falta de qualificação
por parte de muitos elementos ligados ao segmento da sociedade civil e representação
governamental.
Entendemos, também, que a autonomia dos
Conselhos com relação ao seu poder decisório, vai necessariamente depender da
correlação de forças, não apenas no âmbito desse Conselhos, mas na estrutura do
poder, de acordo com a organização e mobilização da sociedade.
Voltando ainda ao aspecto da
representatividade, alguns municípios hoje estão revendo suas leis e criando novos
dispositivos que venham a viabilizar uma boa representatividade e paridade, adequados às
necessidades dos mesmos.
Por outro lado, verificamos que a tendência
assistencialista e conservadora das instituições filantrópicas, levam a favorecer à
despotilização das questões relativas às políticas públicas. Necessário se faz
trabalhar com as mesmas no sentido de atentarem para aspectos que lhes são favoráveis na
composição de forças no processo de democratização das políticas ligadas à criança
e adolescentes.
Como outro desafio, após nossa experiência,
vemos, frente ao quadro político-social e econômico do país, os municípios bastantes
castigados com cortes de verbas, quase todos dependentes do FPM, e sempre voltados para as
emergências. Nesse campo os Conselhos, em lugar de se fortalecerem, eles se enfraquecem,
pois as ações demandadas, não são, necessariamente, examinadas ou participadas pelos
Conselheiros. Há ainda neste cenário uma descentralização centralizada, que não
respeita a autonomia dos municípios, as suas especificidades do poder local, e, o
princípio da participação da sociedade.
Entendemos que os problemas mencionados neste
trabalho, apresentam-se como desafios, que devemos enfrentar, junto com os principais
atores envolvidos no processo de capacitação, e sobretudo, abrangendo os setores da
sociedade que mais possam contribuir, para superar uma fase que se mostra mais propensa ao
imobilismo social frente a esses desafios.
A atuação das ONGs, nesse processo é de
vital importância, seja como componentes dos conselhos, seja no papel de assessoria,
através de capacitação e de troca de experiências nessa área.
Quanto a Universidade, esta exerceu o seu
papel, através da extensão, no fazer acontecer o processo de capacitação.