
O
Ensino de Direitos Humanos no Centro de Humanidades da UFPB
Fábio
F.B.Freitas(*)
A Educação deve ser encarada como uma ação que reforça
e completa a tarefa de defesa dos Direitos Humanos, ampliando sua
proteção e promoção em todo o espaço cultural da sociedade.
A educação em Direitos Humanos – profundamente igada
à educação para a Cidadania – já é uma realidade em vários
países da América Latina e da Europa, e tem se apresentado sob
diferentes formas se bem que, em termos de sistemas de ensino,
ainda seja pequeno o número de iniciativas no âmbito do ensino
superior no Brasil. Esta última constatação aliás foi o que
nos motivou inicialmente a oferecer a disciplina de forma regular.
Qual a relevância de um curso temático como este ? Vários
são os motivos, porém nosso foco principal diz respeito à
realidade brasileira
recente no período pós-regime militar.
Trata-se da persistente cultura política oligárquica
brasileira, além do que, durante o regime militar o Brasil viveu
um período de redução drástica dos direitos da Cidadania e de
minimização da atividade política. Isso correspondeu a uma
concepção produtivista/economicista da sociedade, na qual a única
função dos indivíduos é produzir, e consumir bens e serviços.
Com o movimento pela democratização do país e com o
reconhecimento universal de que não há desenvolvimento
exclusivamente no campo econômico, sem correspondente
desenvolvimento social e político, a questão da educação para
os direitos humanos e a cidadania se tornou de fundamental importância.
Hoje, podemos afirmar que uma cultura de respeito aos direitos
humanos e a cidadania são idéias em expansão; no entanto,
paradoxalmente, a ação política continua desvalorizada e o
cidadão pode ser visto apenas como o contribuinte, o consumidor,
o demandante de benefícios pessoais ou corporativos, e, apesar de
já estarmos de certa forma disseminando uma “gramática” dos
direitos humanos, as inúmeras e diversas ocorrências no sentido
da violação a esses direitos ainda são parte integrante do
cotidiano de milhões de brasileiros.
A violação sistemática dos Direitos Humanos em nosso país,
em todas as áreas, é incompatível com qualquer projeto de
desenvolvimento nacional e de cidadania democrática.
A discussão sobre os meios adequados para a defesa e a
promoção dos direitos humanos e da cidadania requer –
especialmente num país como o nosso – a consciência clara
sobre o papel da educação para a construção de uma sociedade
baseada na justiça social.
Entendemos como crucial a advertência de Norberto Bobbio,
para quem a apatia política dos cidadãos compromete o futuro da
democracia, inclusive no chamado primeiro mundo. Dentre as
“promessas não cumpridas” para a consolidação do ideal
democrático, aponta ele o relativo fracasso da educação para a
cidadania e para os direitos humanos. Bobbio reforça a
necessidade de uma educação que forme cidadãos ativos,
participantes – indispensáveis numa democracia, mas não
necessariamente desejados pôr aqueles governantes que preferem
confiar na tranqüilidade dos cidadãos passivos. (Bobbio,1986,Cap
I).
O regime democrático é essencial para o reconhecimento e
a garantia dos direitos humanos. A educação é entendida aqui,
basicamente, como a formação do ser humano para desenvolver suas
potencialidades de conhecimento, julgamento e escolha para viver
conscientemente em sociedade, o que inclui também a noção de
que o processo educacional, em si, contribui tanto para conservar
quanto para mudar valores, crenças, mentalidades, costumes e práticas.
A questão democrática
se coloca pois, no centro da discussão quando falamos de uma
educação para os direitos humanos; e isto vale em relação às
várias dimensões envolvidas no processo.
Quanto ao conteúdo, a
educação em direitos humanos e cidadania consiste no
desenvolvimento dos valores republicanos – respeito às
leis,legitimadas pela aprovação soberana do povo e acima de
interesses particulares; o respeito ao bem público, acima do
interesse privado; o sentido da responsabilidade no exercício do
poder – e dos valores democráticos – defesa da igualdade e a
conseqüente recusa de privilégios, aceitação da vontade da
maioria legitimamente formada e em conseqüência de tudo isso,
configura-se como conclusivo o respeito integral aos Direitos
Humanos.
A universidade brasileira, e as IFES em particular, têm
participado ativamente no processo de construção de uma cultura
de respeito aos direitos humanos e no exercício da cidadania
democrática, estando sempre ligadas á sua consolidação em
momentos democráticos, e à resistência em momentos de arbítrio.
A tarefa da universidade para com os direitos humanos e a
cidadania, é múltipla, multifacetada, complexa, cheia de
responsabilidade histórica inarredável. Seja no campo do avanço
científico que venha trazer descobertas para a melhoria da
qualidade de vida, seja no campo do aprimoramento democrático, a
universidade é o espaço próprio às discussões mais decisivas
e delicadas, fundamento daqueles que ousam pensar, de forma
responsável o novo e o diferente. É pôr isso que a universidade
fundamenta a própria cidadania democrática. Ela mesma é
dependente da liberdade e da justiça, para existir e ter condições
de produção do saber, pôr intermédio da pesquisa, do ensino e
da extensão.
A universidade reúne, também, complexidade, gestão de
conflitos, diálogo, respeito às diferenças. Trata-se do cultivo
do pluralismo, base da democracia, reconhecido como base da criação
científica. O mundo acadêmico, ao dirigir seus objetivos para o
avanço do saber universal e do bem público, deve pautar-se pela
ética. Pelo o que foi dito, a escola torna-se o lugar
privilegiado para o desenvolvimento de um processo de educação
em direitos humanos e cidadania, “porque é onde se dá a
transmissão cultural e a formação para a convivência social.
Ela se encarrega de transmitir e construir cultura frente às
novas gerações, por isso valores e hábitos” (Silva,1995).
Adotar o compromisso pedagógico com o desenvolvimento de
valores democráticos e republicanos na educação para os
direitos humanos significa trabalhar com a perspectiva de mudar
mentalidades, um trabalho permanente. Apesar de o educador em
direitos humanos não poder contar com retornos imediatos, o
trabalho sistemático na formação de potenciais multiplicadores
traz, sem dúvida, resultados qualitativamente significativos.
Neste sentido é que a
partir do semestre 95.2 passamos a oferecer, junto à Coordenação
do Curso de Ciências Sociais do Deptº de Sociologia e
Antropologia e da área de Ciência Política do Centro de
Humanidades da UFPB, com apoio da sua Comissão de Direitos
Humanos, de forma pioneira - pelo enfoque em termos de uma interdisciplinariedade em Ciências
Sociais apenas referenciada no âmbito jurídico – a disciplina
“Democracia e Direitos Humanos” , no formato de Seminários
Curriculares de Ciências Sociais, em caráter optativo, com 3 créditos,
para alunos de graduação do Centro de Humanidades.
Finalizando, apresentamos como complemento a proposta do
curso que temos ministrado regularmente junto ao CH/UFPB.
(*)
Fábio F.B. Freitas é professor na área de Ciência Política e
Filosofia Política do Dep.
De Sociologia e Antropologia do CH/UFPB; ex-presidente da Comissão
de Direitos Humanos da UFPB; membro da Rede Brasileira de Educação
em Direitos Humanos e membro colaborador da Anistia Internacional
Universidade
Federal da Paraíba
Centro
de Humanidades - DSA
Área
de Ciência Política
Disciplina
- Democracia e Direitos Humanos (Sem. Curriculares em Ciências
Sociais - S.C.C.S.)
Prof.
Fábio F.B. de Freitas
JUSTIFICATIVA:
Ao se comemorar os 50 anos da proclamação da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, o mundo (e o Brasil) vive um
paradoxo: em nenhum outro momento do séc. XX se falou tanto em
direitos humanos, quase a ponto desse tema se converter em uma
gramática.
Paradoxalmente, esta
ampla difusão do tema dos Direitos Humanos, não tem sido
acompanhada de uma prática de respeito a estes princípios; pelo
contrário, a cada ano aumentam em todo o mundo (e no Brasil) o número
de casos de violações – muitas graves – a esses direitos.
Também não temos a tradução deles em políticas públicas
efetivas que assegurem o seu cumprimento. No Brasil, devido ao nível
elevado de exclusão de enormes parcelas da população de condições
sócio-econômicas (parte indivisível dos direitos humanos) que
garantam uma existência com dignidade, esta questão adquire
contornos de dramaticidade.
A nossa sociedade, depois de longo passado autoritário vai
assumindo o governo de si mesma, vai discutindo de forma cada vez
mais ampla o que é justo e o que é necessário. Isso significa
que a lei vai deixando de ser uma imposição de cima para baixo,
para se tornar a construção de um espaço comum, no qual o
direito de um é o dever de outro, e as relações procuram ser
equilibradas.
Mas, pôr isso mesmo, os Direitos Humanos não são nada óbvios.
Há segmentos inteiros de nossa sociedade que resistem a eles, ou
pôr interesse na conservação das relações autoritárias, ou pôr
desconhecimento do que significam direitos de todos. É aí que
entra a nosso ver, a importância do curso que ora propomos:
introduzir/informar/sensibilizar o público – universitário ou
não, nas noções básicas, teóricas e instrumentais acerca
dos Direitos Humanos – tema fundamental na agenda dos
povos civilizados. Pré condições para inibir não apenas as
guerras, mas iniqüidades que, mesmo em tempo de paz, comprometem
as bases do convívio universal: a intolerância, o preconceito ,
a exclusão moral e social.
Se há uma contribuição que a Universidade pode dar à
sociedade, é esta: a partir da informação e da reflexão,
contribuir para a mudança social a partir da transformação de
valores e condutas.
CONTEÚDO
PROGRAMÁTICO:
I
- Fundamentação Histórica e Filosófica dos Direitos Humanos :
As Revoluções Burguesas
-
O Iluminismo
-
A Revolução Inglesa (1688)
-
A Revolução Americana (1776)
-
A Revolução Francesa (1789)
II - As
“Gerações” dos Direitos Humanos
-
Os Direitos Individuais
-
Os Direitos Coletivos
-
Os Direitos dos Povos ou Direitos de Solidariedade
-
Os Direitos a um Meio Ambiente Sadio, à Informação, os Direitos
de Reprodução
Humana, etc
III - A
Proteção Internacional dos Direitos Humanos
-
A Universalização do tema dos Direitos Humanos - O Significado
da Declaração Universal (1948)
-
Análise dos Principais Documentos da Legislação Internacional e
Estudo de Casos
-
A Proteção Internacional dos Direitos Humanos : Limites e
Perspectivas
-
As Organizações Não-Governamentais na Defesa dos Direitos
Humanos : Anistia Internacional, American Watch, etc.
-
A Proteção Internacional dos Direitos Humanos e a Legislação
Brasileira
IV
- Pensando os Direitos Humanos no Brasil : Consolidação Democrática,
Continuidade Autoritária
e Violação
dos Direitos Humanos
Direitos
Humanos como prática sócio-política e a Questão Democrática
no Brasil
A
questão da corrupção como “sistema” de Governo
A
Violência contra Crianças e Adolescentes
O
Sistema Policial e Carcerário no Brasil
O
Descompasso entre a lei, sua implementação e as Instituições
Direitos
Sociais e Econômicos em face da Globalização : violações
estruturais.
BIBLIOGRAFIA:
Livros
da Coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense:
·
O
Que São Direitos Humanos
- J.R.W. Dornelles, SP, 1989.
·
O
Que São Direitos da Pessoa
- Dalmo de A Dallari, SP, 10a Edição, 1994.
·
O
Que é Violência
Urbana
- Regis de Morais, 7a Ed., SP, 1985.
·
O
Que é Nazismo
- João Ribeiro Jr., 2a Ed.,SP,1987.
·
O
Que é Cidadania
– M.a de Lourdes Manzini-Couvre
BOBBIO,
Norberto. A Era dos Direitos, Rio e Janeiro,
Ed Campus 1992.
OLIVEIRA,
Luciano. Do Nunca Mais ao Eterno Retorno (Uma Reflexão
sobre a Tortura), São Paulo, Ed Brasiliense 1994.
SOUZA
Filho, Alípio de. Medos, Mitos e Castigos(Notas sobre a Pena
de Morte), São Paulo, Cortez Ed. 1995.
LINDGREN
Alves,J. A. Os
Direitos Humanos Como Tema Global.
São Paulo, Ed Perspectiva 1994.
LEVIN,Leah.
Direitos Humanos: Perguntas e Respostas. São Paulo,
Brasiliense, 1985.
BICUDO,
Hélio. Violência ( O Brasil Cruel e sem Maquiagem).
São Paulo, Ed Moderna 1994.
DIMENSTEIN,
Gilberto. Democracia em Pedaços (Direitos Humanos no Brasil),
São Paulo, Cia das Letras 1996.
__________________O
Cidadão de Papel( A Infância, A Adolescência e os Direitos
Humanos no Brasil) , São Paulo, Ed Ática,12a Ed 1996.
VVAA.
Direitos humanos e..., São Paulo, Ed Brasiliense 1989.
AZEVEDO
Marques,J.B (ORG) Reflexões Sobre a Pena de Morte. São
Paulo, Cortez Ed. 1993.
VVAA.
Direitos Humanos, um Debate Necessário. São Paulo,
Brasiliense 1989.
CANÇADO
Trindade,A A (ORG). A Incorporação das Normas Internacionais
de Proteção dosDireitos Humanos no Direito Brasileiro. Brasília,
IIDH, EU 1996.
SUTTON,Alison.
Trabalho Escravo. Edições Loyola, São Paulo
1994.
OBS:
Durante todo o curso serão indicados artigos e ensaios publicados
em revistas especializadas também
em jornais e periódicos.
Serão
indicados e discutidos Filmes e Documentários.
Os
documentos fundamentais da Legislação Internacional e Nacional
de Direitos Humanos serão fornecidos durante o curso.
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