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RN
Militantes Reprimidos no Rio Grande do Norte
Mailde Pinto Ferreira Galvão
Livros
e Publicações
1964.
Aconteceu em Abril
Mailde Pinto Galvão
Edições Clima
1994
Luta
nos tribunais
Os
requerimentos preparados naquela noite,
com tanta urgência, foram entregues
ao então deputado federal Joaquim
Inácio de Carvalho Neto que, atendendo
a um pedido da esposa de Djalma Maranhão,
assumiu a responsabilidade de apresenta-los
e defendê-los no Superior Tribunal
Militar.
Em entrevista concedida sobre o episódio
dos habeas-corpus o ex-deputado
Carvalho Neto esclareceu detalhes de sua
participação na libertação
de quarenta e dois presos políticos
do Rio Grande do Norte.
JOAQUIM INÁCIO DE CARVALHO NETO
(Advogado, ex-Prefeito do município
de Antônio Martins, ex-Deputado Estadual,
ex Deputado Federal, Empresário)
Procurado em sua residência pela Sra.
Dária Maranhão, esposa do
ex-prefeito, e sensibilizado pelo drama
dos presos políticos, indefesos há
vários meses nas celas dos quartéis,
o deputado advogado, que até então
estava afastado do sofrimento pessoal das
famílias atingidas pelo golpe militar,
assumiu a responsabilidade de lutar nos
tribunais militares pela liberdade dos presos
políticos de Natal.
Após inteirar-se do conteúdo
das acusações com o desembargador
João Maria Furtado, Carvalho Neto
recebeu os requerimentos e viajou ao Rio
de Janeiro.
O primeiro requerimento a dar entrada foi
o do ex-prefeito Djalma Maranhão,
que apresentava o maior peso de acusações,
embora não houvesse provas materiais
de crimes. Julgado, foi negado por unanimidade,
no Superior Tribunal Militar, apesar da
defesa apresentada na sessão de julgamento.
Carvalho Neto recorreu imediatamente ao
Supremo Tribunal Federal em Brasília,
teve o seu recurso acolhido por unanimidade,
sendo concedido o habeas-corpus.
Na ocasião, aquele tribunal era presidido
pelo ministro Ribeiro da Costa e, como relator
do processo atuou o ministro Emer Guimarães.
De posse do documento de habeas-corpus,
Carvalho Neto viajou ao Recife, apresentou-se
ao 14° RI, onde foi atendido pelo coronel
João Dutra de Castilho que o tratou
grosseiramente. Disse o coronel:
- “O sr. tão moço e
prestando um desserviço à
nossa revolução! O sr. fique
sabendo que a nossa revolução
é como um trator que não tem
marcha a ré!”
Carvalho Neto tentou dialogar e perguntou
onde se encontrava Djalma Maranhão.
O coronel respondeu, em tom de ameaça:
- “Ele está aqui mas eu não
cumpro a ordem.”
O deputado, sem condições
de argumentar com o coronel, voltou a Brasília
e solicitou audiência com o presidente
do Supremo Tribunal Federal.
Recebido pelo ministro Ribeiro da Costa,
Carvalho Neto informou:
- “Sr. ministro, lamentavelmente a
ordem de habeas-corpus concedida
pela unanimidade do Supremo não foi
cumprida; o comandante do 14° RI, coronel
João Dutra de Castilho, onde se encontra
o preso, disse que não cumpre a ordem.”
O ministro aconselhou, paternalmente:
- “Meu filho, você se resguarde
o máximo que vou me reunir com os
outros membros e vamos ao presidente da
república.”
A reunião aconteceu, os ministros
fecharam o Supremo e foram ao presidente
Castelo Branco entregar-lhe as chaves do
edifício.
O presidente da república, conforme
afirma o deputado, ouviu os ministros e
respondeu que voltassem que lhes daria todas
as garantias.
Nova ordem de habeas-corpus foi expedida
pelo Supremo para Djalma Maranhão
e entregue ao mesmo Carvalho Neto, que voltou
imediatamente ao Recife. Mais uma vez foi
recebido grosseiramente pelo coronel Castilho,
que não teve alternativa senão
cumprir a determinação de
soltura do preso.
Assim, foi concedida a liberdade a Djalma
Maranhão em novembro de 1964, oito
meses após a prisão.
Carvalho Neto acompanhou Djalma na viagem
ao Rio de Janeiro e, atendendo a seu pedido,
levou-o do aeroporto para a residência
do senador Dinarte de Medeiros Mariz.
O deputado ainda se emociona com as lembranças
de Djalma ao sair da; estava inseguro, traumatizado
e triste.
Quando tentaram embarcar do Recife para
o Rio, encontraram o aeroporto repleto de
militares que aguardavam a chegada do general
Costa e Silva. Somente no dia seguinte é
que puderam viajar.
O encontro com o senador Dinarte Mariz foi
espontâneo e afetuoso. O senador,
que era considerado um dos líderes
civis do golpe militar, abraçou Djalma
e disse:
- “Eu não disse, Djalma, que
isso não ia dar certo! Você
se envolve com essas coisas... Eu sei que
você não é comunista
mas você estava muito afoitão...”
Perguntou, então, em que poderia
ajudar. Djalma respondeu que queria asilar-se
na embaixada da Argélia, mas, antes,
gostaria de divulgar um manifesto através
de algum jornal. O manifesto, transcrito
em seguida, foi publicado pelo jornal "O
Correio da Manhã", do Rio de
Janeiro; nele declarava, entre outras coisas,
que não acreditava na validade do
habeas-corpus naquele momento da
vida nacional.
“PALAVRAS AO POVO
Depois de oito longos meses de cárcere,
nos presídios de Natal, Fernando
de Noronha e Recife, fui libertado por
habeas-corpus, concedido pelo Supremo
Tribunal Federal. Resolvi, no entanto,
procurar asilo político na embaixada
do Uruguai e, deste gesto, sinto-me
na obrigação de prestar
aos brasileiros, particularmente aos
nordestinos e aos meus conterrâneos
do Rio Grande do Norte, os seguintes
esclarecimentos:
I - Não creio na validade de
um habeas-corpus neste momento da vida
brasileira em que a ordem jurídica
é vilipendiada e destruída
diariamente; os casos Seixas Dória
e Astrogildo Pereira, para citar apenas
os mais recentes, comprovam, sobejamente,
essa interpretação.
II - Meu estado de saúde exige
tratamento imediato, sendo impossível
fazê-lo no clima de apreensão
em que vive o país. Duas vezes,
dado o clima de terror em que estamos
mergulhados, minha morte foi anunciada
pela imprensa. Perdi vinte e cinco quilos
de peso. Em Natal, fui internado no
Hospital da Polícia Militar e,
antes de concluir o tratamento, levado
para Fernando de Noronha, de onde, posteriormente,
fui mandado para o Hospital do Exército
no Recife, visto que receavam o escândalo
do meu falecimento na ilha. Ultimamente,
estava detido no Regimento Guararapes,
na capital pernambucana. Vou para o
exterior, também, na tentativa
de recuperar a saúde.
III - Além do mais, com os direitos
cassados, demitido do emprego e sem
condições de trabalho,
são mínimas as possibilidades
de tentar; aqui; o tratamento de que
necessito. Confio em que minha ausência
será de pouco tempo.
IV - O governo está totalmente
submetido ao imperialismo; agrava-se,
dia a dia, a crise econômico-
financeira; a inflação
toma proporções imprevisíveis
e já nos encontramos às
vésperas daquilo que Jânio
Quadros classificam como a "revolução
do orçamento doméstico".
O general fome está nas ruas,
nos campos, nas fábricas, nas
escolas, nas repartições
públicas e, muito em breve, nos
quartéis, absorvendo o aumento
de Vencimentos dado aos militares. Este
governo ilegal, arbitrária e
inimigo do povo, não terá
meios para travar a batalha decisiva.
Garanto, porém, que ante o espectro
da fome, nenhum povo permanece de braços
cruzados. A história demonstra.
Até breve, meus irmãos.
Djalma Maranhão
Rio de Janeiro, novembro de 1964"
Djalma permaneceu ainda três dias
no apartamento do senador Dinarte Mariz,
até conseguir entrar na embaixada
da Argélia, que não lhe concedeu
exílio, o que lhe foi concedido pelo
governo do Uruguai, após uma curta
permanência na embaixada do mesmo
país, para onde transferiu-se.
O lançamento do manifesto irritou
mais ainda os militares contra Djalma Maranhão
e, por extensão, o deputado Carvalho
Neto, que continuava apresentando requerimentos
ao Superior Tribunal Militar, onde os habeas-corpus
eram negados e recorridos ao Supremo Tribunal
Federal, no qual eram concedidos.
Já os quarenta e seis presos encontravam-se
em liberdade quando Carvalho Neto foi preso,
em sua residência, por militares do
Exército. Sua casa amanheceu cercada
por tropas militares, comandadas pelo coronel
João José Pinheiro da Veiga,
que apresentou uma intimação
para o deputado comparecer ao 16° RI.
A prisão efetuada com a apresentação
de um documento de intimação
pode ter sido uma exceção,
em face da imunidade parlamentar.
O deputado espantou-se com o aparato militar,
casa cercada e cinco jipes com soldados
armados e disse:
- “Coronel, sou um homem civilizado.
O sr. não está prendendo nenhum
Al Capone."
O coronel respondeu:
-"Estou apenas cumprindo ordens."
O deputado obteve permissão para
tomar café, conversou com a esposa
e recomendou que procurasse o advogado Joanilo
de Paula Rego para comunicar ao senador
Dinarte de Medeiros Mariz que estava sendo
levado pelos militares para o 16° RI.
Chegando ao quartel às oito horas,
Carvalho Neto foi obrigado a esperar na
sala dos interrogatórios até
o meio dia, quando chegou o capitão
Ênio Lacerda, acompanhado pelos capitães
Aroldo e Airton. Lacerda iniciou o interrogatório
insultando e ameaçando, exigindo
saber os motivos pelos quais o deputado
estava requerendo habeas-corpus,
que "atrapalhavam a revolução
e a vida da nação." Os
argumentos do deputado irritaram o capitão
que se preparou para mais um ato de violência,
exclamando:
- “Ah, é sabidinho? É
inteligentezinho? Pois então vai
apanhar!"
E partiu para consumar a agressão.
O capitão Aroldo Galvão interferiu
com determinação e disse:
- “Neste aqui você não
bate. Você tem batido em muita gente,
mas neste aqui não!”
Com
a discussão entre os dois militares
o interrogatório foi encerrado. Carvalho
Noto ficou detido até às vinte
e duas horas, sendo libertado por interferência
do Senador Dinarte Mariz.
Considerado um dos líderes civis
do golpe militar, o senador Dinarte de Medeiros
Mariz comportou-se de forma diferenciada
dos demais implantadores da ditadura. Enquanto
a cúpula do poder institucionalizava
os atos de exceção para perseguirem
e punirem os considerados subversivos, ele
assumia a defesa das vítimas e tentava
reparar as injustiças.
O advogado e atual presidente da Ordem dos
Advogados do Brasil no Rio Grande do Norte,
professor Hélio Xavier de Vasconcelos,
relatou detalhes da interferência
de Dinarte Mariz em dois momentos decisivos
para os perseguidos do Estado. Quando eram
negados aos presos do Rio Grande do Norte
os habeas-corpus requeridos ao
Superior Tribunal Militar, o senador procurou
o ministro Alcides Carneiro, do mesmo Tribunal
e fez-lhe a seguinte afirmação:
"Esses meninos do Rio Grande do Norte
não são comunistas; lá
só tem dois comunistas, Luís
Maranhão e Vulpiano Cavalcanti e
são dois homens de bem."
Para impedir a demissão de Hélio
de um emprego na Fundação
Nacional do Bem-Estar do Menor, no Rio de
Janeiro, o senador levou-o à presença
do Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid.
Este, informado de que Hélio havia
sido punido pelo Ato Institucional, observou:
"Os atos institucionais são
os dogmas da revolução."
Dinarte respondeu:
-"Mas, quem aplicou os dogmas da revolução
na sua terra, São Paulo, foi o governador
Ademar de Barros e, na minha terra, o Rio'
Grande do Norte, foi Aluízio Alves,
ambos depois cassados por corrupção,
pela própria revolução."
Hélio não foi demitido e,
a partir daquele encontro, não voltou
a ser molestado.
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