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Militantes Reprimidos no Rio Grande do Norte
Mailde Pinto Ferreira Galvão
Livros
e Publicações
1964.
Aconteceu em Abril
Mailde Pinto Galvão
Edições Clima
1994
Confinamento
dos presos
O
dia 15 de agosto foi mais um daqueles tantos
da insegurança da ditadura quando,
à noite, nasceu Leonzinho, uma criança
linda e saudável, filho de Conceição
e Moacyr de Góes, que chegou em plena
ditadura e já marcado por ela desde
antes de nascer. A alegria pelo parto normal
de Conceição chocava-se com
a tristeza pela prisão e ausência
do pai, encarcerado no 16° RI. Conceição,
emocionada e silenciosa, sem lágrimas
e sem sorrisos, abraçava o filho,
recebia os amigos e se fechava no mistério
da sua solidão. Não sendo
dia de visita, procurei ajuda do oficial
de dia para avisar a Moacyr. Fui atendida
ao telefone pelo capitão Aroldo
Galvão que, imediatamente, transmitiu
a notícia.
Poucos dias após o nascimento da
criança, a imprensa divulgou que
o capitão Lacerda havia retirado
alguns presos dos quartéis e levado
para o confinamento da ilha de Fernando
de Noronha. Os quartéis entraram
em prontidão e as visitas aos presos
estavam suspensas, fato que acontecia sempre
que surgia algo de novo ou eram editados
novos atos de exceção. A notícia
deixou-nos em grande aflição
principalmente diante da possibilidade de
terem levado Moacyr.
O meu irmão Leon e eu dividíamos
a preocupação por Conceição
que já programava, para a próxima
visita, levar a criança ao quartel.
Para protegê-la e evitar que lhe informassem
sobre a transferência dos presos,
os médicos que a assistiam proibiram
as visitas. Decidi, então, ir ao
quartel e procurar falar com o capitão
Lacerda mas não o encontrei. O oficial
de dia, tenente Jurema, atendeu-me e empenhou
a palavra que Moacyr continuava na mesma
prisão. Convidou-me a andar pelo
pátio interno do quartel, onde estive
na expectativa de ver Moacyr através
das grades.
Naquele dia as janelas estavam vazias, nenhum
rosto apareceu. Demorei o tempo possível,
mas tudo era silêncio e solidão.
Imaginei que os presos estariam nas camas,
temendo pelos companheiros e por si mesmos.
Pela minha experiência podia saber
que, naquele dia, estariam acuados e recolhidos
sobre os seus destinos. Agradeci ao oficial
e me retirei.
Informada da minha visita ao quartel, a
médica Aliete Roselli, cunhada do
preso Luís Maranhão, procurou-me,
chorando, pedindo ajuda para voltar ao quartel
e conseguir notícias dele, através
do mesmo capitão Lacerda. O nome
de Luís já constava das notícias
da transferência para a ilha mas ela
não conseguia aceitar. Foi muito
difícil para mim negar aquela ajuda
mas não consegui atendê-la;
havia esgotado minha reserva de coragem
na busca por Moacyr. Os quatro presos, Djalma
Maranhão, Luís Maranhão
Filho, Floriano Bezerra e Aldo Tinoco, foram
levados pelo capitão Lacerda, para
a ilha de Fernando de Noronha na madrugada
de uma sexta-feira. A transferência
era motivada pela concessão de um
habeas-corpus, requerido ao Superior
Tribunal Militar, em favor do preso Aldo
Tinoco, então suplente de deputado
federal, conforme informação
do capitão Lacerda a "O Poti",
de 23 de agosto, divulgada na seguinte notícia:
“DESTINO DOS QUATRO
PRESOS POLÍTICOS FOI FERNANDO
DE NORONHA.
Nenhuma
revelação foi feita à
imprensa pelas autoridades militares
em torno do ponto do território
brasileiro para onde foram levados,
na madrugada de anteontem, os quatro
presos políticos transferidos
de nossa capital.
Ontem à noite, em contato com
o capitão Ênio Lacerda,
presidente do IPM que apura a subversão
em nosso Estado, soubemos que chegara
à tarde a resposta do comando
do 4º Exército à
consulta formulada pelo comando da guarnição,
indagando sobre o informe aos jornalistas
ou não do destino dos presos.
A resposta foi negativa.
Adiantou, ainda, que a ordem partiu
do general Antônio Carlos da Silva
Muricy, que responde pelo comando do
4º Exército. Em resposta
a uma pergunta, admitiu que, apesar
de ser esperada a transferência,
a concessão de habeas-corpus
pelo Supremo Tribunal Militar pode ter
tido influência para a decisão
do assunto.
A TRANSFERÊNCIA
Os quatro presos políticos, ex-prefeito
Djalma Maranhão, ex-deputados
Luís Maranhão Filho e
Floriano Bezerra e o suplente de deputado
federal Aldo Tinoco saíram de
nossa capital na madrugada de sexta-feira.
Foram conduzidos em avião militar
da FAB, pelo próprio capitão
Lacerda e pelo tenente Roosevelt, do
16° RI. O local para onde foram
conduzidos estava em segredo. É
certo, porém, que continuam em
território do 4º Exército.
O
capitão Lacerda e o tenente Roosevelt
retornaram da missão na noite
do mesmo dia, adiantando que os presos
políticos não demonstraram,
durante a viagem, constrangimento com
a viagem.
Quanto ao habeas-corpus concedido pelo
Superior Tribunal Militar em favor do
Dr. Aldo Tinoco, afirmou o capitão
Ênio Lacerda que, até o
momento, nenhuma confirmação
oficial recebeu em torno do assunto.
– Tomou conhecimento da decisão
apenas por noticiário de jornal.
No entanto, respondendo a uma pergunta,
afirmou que não duvida que o
bacharel Aldo Tinoco será libertado
se chegar o habeas-corpus.
CONFIRMADO FERNANDO DE NORONHA
No entanto, já à noite,
tivemos informações que
o Sr. Venâncio Zacarias, pai do
ex-deputado Floriano Bezerra, vindo
hoje à nossa capital, como faz
todos os sábados, para visitar
o seu filho e não o encontrando,
procurei o coronel Mendonça Lima,
que responde pelo Comando da Guarnição.
Daquela autoridade militar era recebido
a informação de que o
seu filho, como também os outros
três presos políticos,
foram transferidos para a ilha de Fernando
de Noronha."
O ódio do general Muricy era tanto
que se sentiu com poderes para desafiar
uma decisão do Superior Tribunal
Militar, retirando os presos de Natal para
Fernando de Noronha e impedindo ou retardando
o cumprimento dos habeas-corpus.
Passamos, ainda, uma semana até a
próxima visita aos presos quando
ficamos convencidos de que Moacyr, realmente,
se encontrava no quartel. Acompanhei Conceição
quando levou o filho para ser visto pelo
pai, no dia seguinte ao que deixou a Maternidade
Januário Cicco, onde recebeu inteira
solidariedade da equipe médica e
paramédica que a manteve ali por
quase quinze dias, até que ficassem
tranqüilos quanto ao seu estado emocional.
A equipe era composta pelos professores
Leide Morais, Araken Pinto, Heriberto Bezerra,
Adelmaro Cunha, Edmilson Queiroz, Lavoisier
Maia, Socorro Santos, Edísio Pereira
e Aluízio Leite.
As visitas aos presos aconteciam ao ar livre,
no pátio ao lado das celas. Formavam-se
grupinhos em torno de cada preso. Os oficiais
e soldados vigiavam, circulando em torno,
inibindo gestos e conversas. Moacyr estava
visivelmente emocionado; beijou a esposa
e o filho mas não permitiu que a
excepcional visita fosse dramatizada por
maior tristeza.
Os dias que se seguiram à transferência
dos presos para Fernando de Noronha foram
tensos e repletos de boatos. Falaram que
outros presos somam levados e voltávamos
das visitas sem certeza da próxima.
Ainda no mês do agosto, os jornais
divulgaram que poderia haver trovas prisões
mas não esclareciam que, em cinco
meses de investigações não
haviam conseguido uma única prova
que confirmasse a preparação
do atos terroristas ou subversivos a serem
praticados pela equipe do prefeito Djalma
Maranhão ou do qualquer outro setor
da cidade. Continuávamos, no entanto,
a viver sob tensão e vigiados por
civis delatores e militares.
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