Comitê
Estadual pela Verdade, Memória e
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Repressores
RN
Militantes Reprimidos no Rio Grande do Norte
Mailde Pinto Ferreira Galvão
Livros
e Publicações
1964.
Aconteceu em Abril
Mailde Pinto Galvão
Edições Clima
1994
Continuam
as prisões
MOACYR
DE GÓES
(Advogado, Professor Aposentado da UFRN
e UFRJ, Procurador Aposentado da Prefeitura
Municipal de Natal, ex-Secretário
Municipal de Educação de Natal
e do Rio de Janeiro, Escritor)
De 2 de abril e por uns dez dias Moacyr
esteve na clandestinidade. Depois, foi a
fase da prisão domiciliar. O cárcere
mesmo começou no dia 26 de maio,
na Polícia Militar, e terminou no
dia 15 de novembro de 1964, no 16° Regimento
de Infantaria, por força de habeas-corpus
do Supremo Tribunal Federal. lsto está
contado no seu livro "Sem Paisagem
- Memórias da Prisão."
Não vale a pena repetir, A sua contribuição
para este relato afasta-se da narrativa
e propôs uma reflexão que se
segue:
“Aprendi em 1964, que o mundo
dos homens se divide em dois: o Reino
da Liberdade e o Reino da Opressão.
E ainda: poucos são os homens
que compartilham do Reino da Liberdade,
enquanto o Reino da Opressão
é densamente povoado. E mais:
que os homens que vivem subjugados no
Reino da Opressão, quando politizados,
organizam-se e lutam para destruir as
cadeias que os deixam submetidos.
Convivi com homens, em 1964, que tinham
os olhos postos no Reino da Liberdade,
não somente porque a prisão
política lhes tirara o direito
constitucional de ir e vir. Eles sabiam
- e com eles eu aprendi - que a questão
da liberdade é muito mais complexa.
Claro: no cotidiano de um tempo que
parece parado, as grades que nos roubam
a paisagem e a convivência dos
entes queridos são intoleráveis.
Claro: ali a tortura se conjuga com
o medo porque não podemos saber,
antecipadamente, quais são os
próprios limites - afinal somos
humanos. Claro: é inadmissível
aceitar a legitimidade do carcereiro.
Assim a prisão política
fascista é o ilógico,
o antinatural, as violências física
e mental instaladas, irredutíveis.
Mas, cuidado com as reflexões
apressadas e superficiais ou, como dizia
Gide: "não me entendam tão
depressa." Aqueles homens sabem
que não basta transpor aquelas
grades para colher o Reino da Liberdade.
A conquista do direito de ir e vir é
fundamental e importantíssima.
Todos lutam por ela, mas ela só
não significa a vitória
sobre o Reino da Opressão. Por
isso é que dizia, um pouco atrás,
que a liberdade é uma questão
complexa.
O que é humano não me
é estranho - esta lição
de Marx foi aprendida na carne. As calejadas
mãos dos trabalhadores do cais,
os pés gretados dos operários
das salinas, os ombros curvos dos camponeses,
os olhos perscrutadores dos intelectuais,
a palavra solta dos estudantes; e mais:
os silêncios, a espera, a solidão,
as noites indormidas, o medo, a saudade,
a solidariedade, o riso como arma de
defesa todo esse universo vivido com
meus companheiros no cárcere
me ensinou muitas coisas. Inclusive
que a Liberdade, como Javé, "tem
muitas moradas.”
Ultrapassadas as grades, restou um longo
caminho a percorrer caminho que tem
sido partilhado com outros homens subjugados
pelo Reino da Opressão e jamais
solitário. Peregrino em demanda
da Terra da Promissão, do Reino
da Liberdade; sei que a utopia está
ao alcance das mãos - desde que
elas coletiva e solidariamente - se
juntem.
Na América Latina, a chegada
do Reino da Liberdade (inclusive para
os egressos dos cárceres de 1964)
passará, simbolicamente, pela
travessia do Mar Vermelho e do Rio Jordão
e pela queda de Jericó, a cidade
fundada sobre a injustiça, isto
é, o Reino da Opressão.
Nestes tempos de travessia é
preciso abrir as cadeias que se chamam:
fome, miséria, doença
endêmica, analfabetismo, expropriação
do trabalho alheio, alienação,
injustiça, ressentimento, desamor,
desespero.
Aí chegaremos ao Reino da Liberdade,
também chamado Reino da Felicidade.
Então, construiremos a paz.
LEONARDO BEZERRA
(Jornalista, Geógrafo, ex-Professor
da então Faculdade de Filosofia,
ex-Presidente da Associação
Norte-Rio-Grandense de Imprensa)
Jornalista e intelectual de vasta cultura,
Leonardo escrevia diariamente uma coluna
política no jornal "O Diário
de Natal", onde comentava com inteligência
e fina ironia os acontecimentos locais e
nacionais.
Para fazê-lo calar, aproveitaram a
onda das prisões por “subversão”
e não respeitaram sequer a doença
que o atormentava diabetes crônica
e grave que o levou, tempos depois, à
morte. Preso pelos delegados da Comissão
Estadual de Investigações,
permaneceu no quartel da Polícia
Militar por mais de vinte dias, sendo liberado
em estado de quase coma.
A prisão de Leonardo foi o absurdo
dos absurdos, mesmo para um regime de exceção.
Seu nome sequer constou no relatório
dos delegados Veras e Domingos, apesar de
haver sido interrogado pelo Veras. Não
houve acusação A única
referência da sua passagem pelo cárcere
encontra-se na nota do jornal “A Tribuna
do Norte”, de 15 de maio:
"LEONARDO
O jornalista Leonardo Bezerra, preso
ante ontem, teve apreendido em sua residência
material literário que provoca
a atuação como elemento
do partido comunista brasileiro. Apesar
de estar incomunicável, recebeu
visita de familiares.”
Ah,
Leonardo! que grandeza você teve e
que belo exemplo nos legou, perdoando -
como o fez - os algozes, e rezando por eles!
JOSEMÁ AZEVEDO
(Engenheiro Civil e Sanitarista, ex-Presidente
da Companhia de Águas e Esgotos do
RN, ex-Secretário de Serviços
Urbanos da Prefeitura de Natal, Empresário)
Em 17 de junho o jornal “A Tribuna
do Norte” divulgou a prisão
do universitário Josemá Azevedo,
com a seguinte notícia:
“ESTUDANTE DE ENGENHARIA,
LIGADO AO EX-PREFEITO FOI PRESO ONTEM.
O estudante de engenharia Josemá
Azevedo, que fazia parte do staf do
ex-prefeito Djalma Maranhão.
na campanha De Pé no Chão
Também se Aprende a Ler, elemento
ligado aos meios sindicais e estudantis,
foi detido ontem, pela comissão
que assessora o inquérito da
subversão, ficando preso no quartel
da Policia Militar. Josemá Azevedo
é apontado como uma das peças-chave
do chamado movimento subversivo em Natal
pelas suas armações nos
setores de alfabetização
e conscientização, que
tinha a cobertura do prefeito Djalma
Maranhão.”
Na campanha "De Pé no Chão
Também se Aprende a Ler", Josemá
era o responsável pelos Círculos
de Cultura, como eram chamadas as classes
de alfabetização que aplicavam
o método de alfabetização
de adultos do professor Paulo Freire, em
Natal. Ele lembra um episódio que
testemunhou, em um dos Círculos de
Cultura, ocasião em que uma aluna,
de idade aproximada de 50 anos, empregada
doméstica do ex-governador Cortez
Pereira, com menos de quarenta horas-aula,
entregou-lhe um bilhete para o prefeito,
afirmando que, apesar de ser adversária
dele, mandava aquele bilhete de agradecimento
pela oportunidade que lhe era oferecida
para, enfim, aprender a ler. Assessorava,
ainda, o programa de interiorização
da campanha "De Pé No Chão
Também se Aprende a Ler", que
começava a ser levada a outros municípios,
através de convênios entre
as prefeituras de Natal e do interior do
Estado.
Josemá teve destacada atuação
na política estudantil. Como membro
do Diretório Estudantil da Faculdade
de Engenharia, participou de congressos
e representou o Estado na assembléia
nacional da União Nacional de Estudantes,
quando foi decidida a greve nacional na
luta pela representação de
um terço de estudantes nos conselhos
universitários, No dia 3l de março
de 1964, encontrava-se em Bem Horizonte
representando o Movimento de Ação
Popular do Estado (AP) em reunião
nacional naquele Estado. Voltou a Natal
onde ficou, sem ser molestado, até
o dia 17 de junho, quando foi retirado de
uma sala de aula pelos auxiliares do delegado
Veras e colocado em uma cela de segurança
máxima, que havia sido construída,
no quartel da Polícia Militar, destinada
a presos de alta periculosidade. A cela
possuía um metro e cinqüenta
centímetros de diâmetro e o
preso media um metro e setenta centímetros
de estatura. Naquela cela de castigo substituiu
o bancário Campelo, um dos prisioneiros
mais torturados do Estado. Não lembra
quantos dias passou ali. Recorda, apenas,
que os demais companheiros preocupavam-se
em conforta-lo. Ele os ouvia mas não
conseguia ver ninguém. Apesar de
muito jovem ou até por isso, Josemá
reagiu com irreverência à situação
e não lembra o medo e a solidão
por que passou. Do depoimento recorda apenas
que a sua atividade estudantil foi pouco
questionada, mas foi duramente interrogado
sobre as suas atividades na campanha “De
Pé no Chão Também se
Aprende a Ler”. Comenta que conseguia
reprimir na memória o sofrimento
e a insegurança por que passava,
transformando-os numa úlcera gástrica
que tratava no ambulatório do quartel
para onde era levado, algemado e escoltado,
quando necessitava de atendimento médico.
Afirma que reprimia tudo para poder viver
e, ainda hoje, passados muitos anos, sente
dificuldades para seqüenciar a sua
história. Da prisão prefere
o silêncio.
NEI LEANDRO DE CASTRO
(Advogado, Escritor, Poeta, Publicitário)
O poeta e escritor Nei Leandro de Castro
foi preso em fins de junho de 1964. À
hora do almoço, dois agentes da repressão
entraram em sua residência e convidaram-no
a prestar um depoimento no quartel da Polícia
Militar. Um dos agentes, ele já conhecia:
era lvan Benigno. informante infiltrado
nos meios universitários que dedurou
e ajudou a prender dezenas de estudantes.
No quartel colocaram-no numa solitária,
onde ficou incomunicável durante
dois dias. Na noite do primeiro dia recebeu
do carcereiro um maço de cigarros
fechado; dentro dele, para sua surpresa,
havia uma mensagem de apoio de outros companheiros
de prisão. No terceiro dia foi transferido
para um pavilhão do mesmo quartel,
onde conviveu com Vulpiano Cavalcanti. Djalma
Maranhão, Luiz Gonzaga de Souza,
Aldo Tinoco, Carlos Alberto Galvão,
Hélio Vasconcelos, Moacyr de Góes,
Paulo e Guaracy de Oliveira. Josemá
Azevedo e Geniberto Campos. Entre eles,
encontrava-se um velho camponês, cujo
nome não lembra, porém jamais
pôde esquecer as marcas de tortura
na parte interna de suas coxas.
Certa madrugada o delegado Veras e o capitão
Domingos mandaram buscá-lo para uma
sessão de interrogatório.
Nei ficou numa sala vazia e escura, sentado
num tamborete, uma luz muito forte contra
os olhos. Os dois circulavam em sua volta
fazendo ameaças e encenações.
Gritavam, crivavam de perguntas, exibiam
os livros “subversivos” que
havia escrito: “Voz Geral”,
poesia e “Revolução
e Contra-Revolução”,
peça de teatro. Quando lhe pediram
nomes de comunistas de Natal respondeu o
que haviam antes na prisão “os
comunistas são Vulpiano Cavalcanti
e Luiz Maranhão”. O capitão
Domingos baixou-lhe a mão com força
nas costas e gritou “Não queira
ser mais imbecil do que você já
é, porra!”
Os interrogatórios não tinham
subsídios nem informações
que pudessem incriminá-lo. Não
sabiam que ele era candidato a presidente
do Diretório Acadêmico “Amaro
Cavalcanti", da então Faculdade
de Direito da UFRN, com o apoio dos comunistas
e da esquerda católica. Não
sabiam que ele havia ingressado, às
vésperas do golpe, na Ação
Popular, formando a diretoria natalense,
com Moacyr de Góes, Geniberto Campos
e Josemá Azevedo. O livro de poemas
e a peça de teatro que permaneceu
inédita, dela não restando
uma só cópia, foram insuficientes
para o seu indiciamento, o que não
o livrou das três semanas de prisão
e demissão do cargo que exercia na
Secretaria de Estado das Finanças,
por ato do governador Aluízio Alves.
Em uma madrugada, o capitão Domingos
fez com Nei os costumeiros exercícios
de tortura psicológica; levou-o do
quartel onde se encontrava e simulou que
o estava transferindo para o 16° Regimento
de Infantaria. Chegando ao pátio
daquele quartel, alegou que as celas estavam
lotadas e ordenou ao motorista que tomasse
o caminho do aeroporto, dizendo que iria
levá-lo para Fernando de Noronha.
Perguntou, então, se Nei tinha algum
parente que residisse perto, de quem pudesse
se despedir. Respondeu que sim e dirigiram-se
para a casa do irmão Airton de Castro,
que morava numa rua transversal. Eram 4
horas da manhã quando bateram à
porta da casa de Airton; capitão,
na farsa de seu sadismo, assistiu ao encontro
emocionado dos irmãos e ao forte
abraço de despedida. De repente,
jogou a valise de Nei no chão e disse
para Airton: "Toma conta de meu irmão"
Retirou-se sem explicações.
Nei ficou em liberdade.
A notícia da prisão de Nei
foi publicada um "A Tribuna do Norte".
de 11 de julho:
“INQUÉRITO
DA UNIVERSIDADE CONCLUÍDO COM
PRISÃO DE POETA.
Com a prisão do acadêmico
e poeta Nei Leandro de Castro encerrou-se,
quarta-feira, o inquérito da
Universidade, instaurado para apurar
atividades subversivas
entre os professores e alunos das escolas
superiores de
Natal. A acusação feita
contra o poeta Nei Leandro de Castro
foi a de ter publicado um livro de poemas
“Voz Geral”, onde externa
sua ideologia através do combate
aos patrões, e de um canto de
louvor a empregados e ser autor de uma
peça teatral
considerada pela Comissão de
Inquérito altamente comunizante.”
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