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Relatório
sobre a luta no Araguaia
Este relatório foi escrito por Ângelo
Arroyo após o conflito e apresentado
para o Comitê Central do Partido Comunista
do Brasil
Primeira
campanha
Início
da luta
Nossa
Atuação
Segunda
campanha
Avanços
e perdas
Período
de Trégua
A
guerrilha e as massas
Ação
militar
Novas
tarefas e medidas da CM
Terceira
campanha
Primeira
campanha
Dia 12 de abril de 1972 iniciou-se a luta
guerrilheira no Araguaia. Cerca de 20 soldados
atacaram o "peazão" (principal
PA - Ponto de Apoio - do Destacamento A),
entrando por São Domingos. Dia 14,
uns 15 soldados atacaram o PA do Pau Preto
(do Destacamento C), entrando por São
Geraldo. Nos primeiros dias de abril, já
alguns policiais andaram pelas áreas
dos destacamentos A e C à procura
de informações sobre os "paulistas".
O exercito soube de nossa presença
no sul do Pará através da
denúncia do traidor Pedro Albuquerque
que, meses antes, havia fugido com sua mulher,
do Destacamento C. [NE: mais tarde, soube-se
que não foi Pedro Albuquerque o denunciante
dos guerrilheiros que se encontravam no
Araguaia]. Esse casal tinha concordado plenamente
com a tarefa que iria realizar e com as
condições difíceis
que iria enfrentar. No entanto, logo depois
de sua chegada ao Destacamento C, a mulher
de Pedro Albuquerque começou a dizer
que não condições para
permanecer na tarefa e acabou convencendo
seu marido a fugir. Com a fuga desses elementos,
foram tomadas medidas de segurança.
Em março de 1972, soube-se que Pedro
Albuquerque havia sido preso no Ceará
e, em seguida, começou a pesquisa
policial na zona. Devido a isso, reforçaram-se
as medidas de segurança. Construíram-se
alguns barracos na mata ou em capoeiras
e nosso pessoal passou a dormir fora dos
locais conhecidos. De dia, colocavam-se
guardas para manter a vigilância.
Os destacamentos ficaram de sobreaviso,
prontos para informar, uns aos outros, quaisquer
fatos que afetassem a segurança.
No dia 12 de abril foi atacado o Destacamento
A. O comando enviou um companheiro para
avisar o Destacamento B. Por sua vez, o
Destacamento C, que havia sido atacado dia
14, avisou a Comissão Militar (CM),
através de um dos seus membros que
lá se encontrava. A CM tomou medidas
para avisar o Destacamento B e também
o Destacamento A (pois não sabia
ainda do ataque àquele destacamento).
O Destacamento B, ao tomar conhecimento
do que havia ocorrido no A, tratou de enviar
um elemento, Geraldo (José Genoíno
Neto), para avisar o C. Acontece que o C
já havia se retirado. Geraldo, não
encontrando o pessoal no local combinado,
nem qualquer sinal informando que o inimigo
havia batido no C, retomou por estrada,
quando devia vir pela mata, conforme recomendação.
Em conseqüência, foi preso por
alguns soldados, dois batepaus e com a ajuda
do comerciante e fazendeiro Nemer. No A,
foi liberado um elemento, Nilo (Danilo Carneiro),
que, desde que chegara, disse não
ter condições para a tarefa.
Ficou, no entanto, trabalhando num PA e
concordou em permanecer ai até o
começo da luta, quando seria dispensado.
No dia 12, o Comando entregou-lhe uma certa
quantia para a viagem e mandou-o embora.
Ao chegar à Transamazônica,
Nilo foi preso.
Apesar de prevenidos, os destacamentos tiveram
alguns prejuízos materiais na retirada.
No "peazão" (A) ficaram
roupas, calçados, remédios,
livros, papel para impressão, o Manual
do Curso Militar, armas que estavam em conserto
e algumas em vias de fabricação.
Caiu também em poder do inimigo grande
parte da oficina de mecânica. No Destacamento
C caíram dez sacos de arroz, dez
hectolitros de castanha-do-pará,
um rádio e algumas panelas.
A primeira ofensiva do Exército se
verificou quando ainda não se tinha
terminado a preparação dos
três destacamentos para a luta. A
situação dos destacamentos
era a seguinte: no A havia 22 elementos,
comandante: Zé Carlos (André
Grabois), vice: Piauí (Antonio de
Pádua Costa); no B, 21, comandante:
Osvaldo (Osvaldo Orlando Costa); vice: Zeca
(José Huberto Bronca); no C, 20,
comandante: Paulo (Paulo Mendes Rodrigues);
vice: Vitor (José Toledo de Oliveira).
Na CM, além dos quatro membros, havia
dois elementos de guarda. Ao todo havia
69 elementos. Para completar os efetivos
faltavam 13 elementos. Todos os destacamentos
tinham reservas de alimentos, roupas, remédios
e munição. Faltavam, no entanto,
coisas indispensáveis. No A e no
C não havia reserva de farinha. As
armas com que se contava eram precárias.
O Destacamento A tinha quatro fuzis, quatro
rifles 44, uma metralhadora fabricada lá
mesmo, uma metralhadora INA, seis espingardas
20 e duas carabinas 22; o Destacamento B
tinha um fuzil, uma submetralhadora Royal,
seis rifles 44, uma metralhadora fabricada
lá mesmo, 16 de dois canos, uma espingarda
16 de um só cano, seis espingardas
20, uma espingarda 36 e duas carabinas 22;
no C havia quatro fuzis, alguns rifles 44,
espingardas 20 e carabinas 22; na CM, havia
duas espingardas 20. A maior parte dessas
armas era antiga e apresentava defeitos.
Todos os combatentes tinham revólveres
38, com mais de 40 balas cada. Embora todos
os elementos tivessem feito progresso no
conhecimento do terreno, as deficiências
ainda eram grandes. Muitos companheiros
tinham ainda dificuldades em se orientar
na mata e caçavam mal. Não
existia também uma rede de informações
e de comunicações. Não
existiam organizações do Partido
nas áreas periféricas, nem
mesmo nos Estados vizinhos. A CM e os destacamentos
A e B dispunham de pouco dinheiro.
A área de atuação dos
destacamentos ia desde São Domingos
das Latas até o rio Caiano (pouco
mais de 20 km de São Geraldo). Em
extensão, essa área tinha
cerca de 130 km de comprimento por uns 50
km de fundo. Um total de cerca de 6.500
km². A população da área
onde atuavam os destacamentos era de mais
ou menos 20 mil almas, sem incluir as zonas
próximas, como Marabá (18
mil habitantes), São João
(3.000 habitantes), Araguatins (5.000 habitantes),
Xambioá (5.000 habitantes). (No Norte
de Goiás e Oeste de Maranhão,
durante uns três anos, realizou-se
também amplo trabalho de ligação
com as massas). Os produtos principais da
área são: castanha-do-pará,
babaçu, arroz, mandioca e milho.
Quase toda a região é de mata
e há muita caça.
Ao iniciar-se a luta, a CM perdeu contato
com o Destacamento C. Somente em janeiro
de 1973, esse contato foi restabelecido.
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Início
da luta
O Exército atacou simultaneamente
os destacamentos A e C. Uns dez dias depois,
atacou o Destacamento B e também
o local da CM. As tropas ficaram na Transamazônica
e nas cidades de Xambioá, Marabá,
Araguatins, Araguanã e nos povoados
de Palestina, Brejo Grande, São Geraldo,
Santa Cruz e outros. Não foi muito
grande o número de soldados que entrou
na área onde se achavam os PAs. O
Exército ocupou algumas fazendas
e sedes dos castanhais (Mano Ferreira, Oito
Barracas, Castanhal da Viúva, Castanhal
do Alexandre, Fazenda do Nemer). Utilizou
aviões, helicópteros e, nos
rios e igarapés, barcos da Marinha.
As tropas não chegaram a entrar mata,
movimentaram-se pelas estradas. Ficavam
emboscadas nas Proximidades de casas de
moradores nas roças, capoeiras, grotas
e algumas estradas. O Exército procurou
apresentar os guerrilheiros com marginais,
terroristas, assaltantes bancos, maconheiros
etc. Depois passou a dizer que éramos
estrangeiros, russos, cubanos, alemães.
Prendeu muitos elementos de massa, que considerava
mais amigos nossos, tanto nas roças
como nas cidades vizinhas. Depois de alguns
dias, esses elementos foram soltos. Começaram
a se apoiar nos bate-paus da região
e recrutar muitos deles para pô-los
a seu serviço. Forçaram muitos
moradores a servir de guias. Todos os nossos
locais foram queimados pelo Exército,
inclusive os paióis de milho e arroz
e depósitos de castanha. Cortaram
todas as árvores frutíferas.
Também algumas roças e casas
de massa foram queimadas. As perseguições
estenderam-se aos padres. Alguns foram presos
e depois soltos. O Exército não
possuía informações
completas sobre nós. Alguns PAs só
foram queimados uns 15 dias depois do início
da luta. O Exército, além
da farda comum, usou também roupa
azul, roupa camuflada e trajes civis. Suas
patrulhas eram de dez elementos. Mas usava
também grupos menores, seis, ou maiores,
de 30. Recebia alimentação
de campanha, em latas sacos plásticos.
A primeira campanha se prolongou até
julho.
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Nossa
Atuação
Ao serem atacados, todos os componentes
dos destacamentos A e B retiraram-se, em
ordem, para as áreas de refúgio.
De imediato não e choques com o inimigo.
Em de abril, dois elementos do B defrontaram-se
com um grupo do exercito. Houve troca de
tiros. Um sargento e um soldado foram mortos
outros dispersaram. Os inimigos abandonaram
no local uma que conduziam. No entanto,
nesse encontro não foram apreendidas
nem armas, nem essa carga. A CM reuniu-se
em maio e tomou uma série de providências.
Publicou também o Comunicado nº
1. Entre as providências, indicou
como forma de luta a propaganda armada em
vista explicar às massas o motivo
da luta. Indicou medidas para melhorar o
abastecimento, a preparação
militar e o conhecimento do terreno. Ordenou
que se estudassem as possibilidades de realizar
ações de fustigamento e emboscadas.
E iniciou a preparação de
uma rede de informações. A
tática então empregada resumia-se
no seguinte: 1) recuar para as áreas
de refúgio; 2) buscar contato com
as massas; e 3) tentar realizar ações
de fustigamento e emboscadas do inimigo.
O Destacamento A permaneceu no refúgio
mais de um mês. Enfrentou dificuldades
de abastecimento. Em julho voltou-se para
a massa e foi bem recebido. No contato com
as massas resolveu o problema de alimento
e emboscada, mas não houve nenhuma
ação militar. O inimigo se
retirou da mata. Todos os componentes do
A mantiveram-se firmes, com exceção
do Paulo (João Carlos Campos Wisnesky),
que fingiu doença.
O Destacamento B permaneceu mais tempo do
que devia no refúgio. Somente em
fins de junho começou a voltar-se
para a massa, sendo também bem recebido.
Houve o choque militar já mencionado.
A atuação de massa foi principalmente
na área da Palestina.
O Destacamento C apresentou alguns problemas
mais sérios. Em abril, o destacamento
já havia abandanado a área
do rio Caiano, onde atuara, e se concentrara
numa área de mais mata, mas onde
o pessoal era recente, não conhecia
bem a região. Além disso,
entre os componentes do C havia dois elementos
incorporados há apenas uns três
meses, dois outros ingressaram no momento
mesmo em que a luta se iniciava. Logo no
início, alguns elementos mostraram
vacilação. Miguel e Josias.
Esse destacamento perdeu contato com a CM
até janeiro de 73. Ao contrário
do A e do B, que mantiveram os três
grupos de sua composição sob
controle direto do mando, no C o destacamento
se dispersou em três grupos, indo
um deles para a antiga região do
Caiano. Todos procuraram contato com a massa.
Houve vários choques militares. Em
maio, um grupo dirigido por Jorge (Bergson
Gurjao Farias) seguiu para um antigo PA
(Água Bonita). Aí acampou.
No dia seguinte, ouvindo um assobio perto
de onde estava, Jorge mandou Domingos (Dower
Morais Cavalcante) verificar o que era.
Era o Exército. Domingos foi preso.
Em seguida, houve troca de tiros, tendo
os nossos se dispersado. Um soldado foi
ferido no braço. Dois elementos [Baianinha
(Luzia Ribeiro) e Miguel], que não
conheciam a área, se perderam. Logo
depois foram presos em casas de moradores,
em pontos diferentes. Domingos se comportou
mal e levou o Exército a um depósito
do destacamento, onde havia remédios
e alimentos. Dias depois, Paulo (comandante
do destacamento) procurou um morador de
nome Cearense, seu conhecido, que já
havia prestado alguma ajuda, encomendando-lhe
um rolo de fumo, que seria apanhado dentro
de uns três dias. Cearense sempre
foi muito ajudado por Paulo. No entanto,
diante da recompensa oferecida pelo Exército
(mil cruzeiros) a cada guerrilheiro que
entregasse, Cearense foi a São Geraldo
e avisou o Exército do ponto marcado
por Paulo. No dia de apanhar o fumo, dirigiu-se
ao local um grupo constituído por
cinco elementos: Paulo, Jorge, Áurea
(Áurea Eliza Pereira Valadão),
Ari (Arildo Valadão) e Josias. Ao
se aproximarem do local, foram metralhados,
tendo morrido Jorge. Os demais se dispersaram.
No choque, perdeu-se, além da arma
de Jorge, uma pistola 45 que Paulo conduzia.
Em meados de junho, três companheiros,
dirigidos por Mundico (Rosalindo Souza),
procuraram um elemento de massa, João
Coioió, que já tinha ajudado
várias vezes os guerrilheiros com
comida e informação. Ficou
acertado o dia em que ele voltaria de São
Geraldo para entregar as encomendas. À
noitinha desse dia, aproximaram-se da casa
Mundico, Cazuza (Miguel Pereira dos Santos)
e Maria (Maria Lúcia Petit), mas
perceberam que não havia ninguém.
Cazuza afirmou que ouvira alguém
dizendo baixinho: "'pega, pega".
Mas os outros dois nada tinham ouvido. Acamparam
a uns 200 metros. Durante a noite, ouviram
barulho que parecia de tropa de burro chegando
na casa. De manhã cedo, ouviram barulho
de pilão batendo. Aproximaram-se
com cautela, protegendo-se nas árvores.
Maria ia na frente. A uns 50 metros da casa,
recebeu um tiro e caiu morta. Os outros
dois retiraram-se rapidamente. Dez minutos
depois, os helicópteros metralhavam
as áreas próximas da casa.
Alguns elementos de massa disseram, mais
tarde, que Maria fora morta com um tiro
de espingarda desfechado por Coioió.
Este, logo depois, desapareceu com a família.
Uns dias mais tarde, Lena (Regilena) entregou-se
ao Exército. Deixou no acampamento
a espingarda e a mochila. Em princípios
de julho, Vitor e Carlito (Kleber Lemos
da Silva) saíram para tentar um encontro
com a CM. Mas Carlito não pôde
prosseguir viagem, devido ao agravamento
de uma ferida (Ieishmaniose) na perna. Sem
poder caminhar, ficou num castanhal, próxima
à estrada, enquanto Vitor voltava
para avisar os companheiros. Nesse meio
tempo, passou pela estrada o bate-pau Pernambuco,
que ouviu o barulho de alguém quebrando
um ouriço de castanha. Levou, então,
o Exército ao local. Ao procurar
se defender, Carlito foi alvejado no ombro
e, em seguida, preso. Foi levado para um
local chamado Abóbora e lá
foi bastante torturado. Chegou a ser amarrado
num burro e por este arrastado. Elementos
de massa disseram que o viram praticamente
morto sobre o burro. Soube-se depois que
Carlito levou os soldados até um
velho depósito que nada continha.
Pode ser que o tenham matado, mas também
pode ser que ficou apenas preso. Um pequeno
grupo, chefiado por Ari, trocou tiros com
o inimigo, tendo matado um soldado da Polícia
Militar.
O destacamento fez também uma ação
contra um barracão, sede de castanhal,
tendo conseguido regular quantidade de comestíveis,
algumas pilhas e querosene. Mas pagaram
as mercadorias ao preço corrente
em São Geraldo. Também um
grupo de três, num encontro casual,
liquidou um bate-pau, filho de um tal José
Pereira. O bate-pau foi intimado a levantar
o braço. Mas apontou a arma contra
os companheiros, sendo alvejado. A morte
desse bate-pau causou pânico entre
os demais da zona. Dois outros pequenos
grupos caíram em emboscadas do Exército,
mas não tiveram baixas. Conseguiram
safar-se. A emboscada foi possível
por falta de vigilância. Os companheiros
iam caminhando por estradas e, apesar de
notarem o rastro dos soldados, não
se afastaram do caminho.
No curso da primeira campanha do inimigo,
a CM manteve contato regular com os destacamentos
A e B. A alimentação da CM
foi mantida pelo B. Em julho, a CM resolveu
enviar um grupo de companheiros, chefiados
pelo Juca (João Carlos Haas Sobrinho),
para conseguir relatar o contato com o C.
Faziam parte do grupo: Flávio (Ciro
Flávio de Oliveira Salazar), Gil
(Manoel José Nurchis), Aparício
(ldalisio Soares Aranha Filho) e Ferreira
(Antonio Guilherme Ribeiro Ribas), do B.
Esta medida se impunha, porque o C não
atendeu aos pontos previamente estabelecidos.
Este grupo caiu numa emboscada do Exército
na Grota Vermelha, a uns 50 metros da estrada.
Juca levou dois tiros, um na perna e outro
na coxa, mas conseguiu, juntamente com os
outros companheiros, embrenhar-se na mata.
Ficaram parados alguns dias, para que Juca
se restabelecesse. Durante esse período,
Aparício saiu para caçar e
se perdeu. Procurou a casa de um morador,
chamado Peri, por onde sabia que os demais
iam passar. Lá ficou à espera.
O dono da casa onde se refugiou levou-o
para um barraco no mato, próximo
à casa. Aí lhe serviam a comida.
Dias depois, apareceu o Exército
e travou tiroteio com Aparício. Este
descarregou todas as balas do revólver
que tinha e, quando tentava enchê-Io
de novo, recebeu um tiro e morreu. Não
se sabe se o Exército chegou por
acaso ou se foi denúncia. O Juca,
com os outros, foi até a casa de
morador conhecido que podia fazer o contato
com o C. Deixou aí um ponto para
o Paulo (todo dia 1° de cada mês,
a partir de setembro). Mas o ponto era uma
indicação que só Paulo
poderia saber. Juca retornou à CM
com os demais. A CM reforçou a sua
guarda com a vinda de Ari (Marcos José),
do A, e Zezinho, do B, e tentou fazer contato
com o CC.
Assim termina o período da primeira
campanha do inimigo.
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Segunda campanha
A segunda campanha se inicia setembro de
1972. Nesta campanha, as Forças Armadas
empregaram 8 mil a 10 mil soldados. As trapas
eram, em geral, de recrutas e de vários
Estados. Distribuíam-se por várias
bases implantadas na área. Estas
bases eram fazendas, sedes de castanhas
ou mesmo roças. Ocuparam as estradas
e abriram algumas picadas na mata. Chegaram
a entrar na mata, guiados por um morador
local (Osmar), na área do B. Havia
pouca tropa especializada. A moral dos soldados
era baixa. Todos estavam ansiosos para regressar.
Armaram muitas emboscadas em beiras de grotas,
estradas, casas de mora dores e em capoeiras.
Fizeram algumas armadilhas. Utilizaram helicópteros
e aviões. Soltaram três bombas
na mata, nas proximidades de um acampamento
do Destacamento B. Recrutaram bate-paus
locais e pagavam 25 cruzeiros por dia aos
moradores que quisessem servir de guias.
Durante a campanha, o Exército distribuiu
boletins na área, concitando os guerrilheiros
a se entregar. Distribuiu também
o fac-símile de uma carta do Geraldo,
dirigida ao Glênio (Glênio Sá),
do B, na qual afirmava que estava sendo
bem tratado, e com dignidade, pelo Exército
e pedindo a ele para se entregar. A carta
trazia o retrato de Geraldo e também
o de Miguel (que havia sido preso no C).
Elementos de massa dizem que viram também
uma carta da Baianinha e outra da Lena,
mas não temos confirmação.
O boletim, entre outras coisas, dizia que
"o povo não apoiava os guerrilheiros",
que “as fonte de suprimentos dos guerrilheiros
estavam bloqueadas", que “as
organizações do Partido nas
cidades haviam caído e onde não
caíram , estavam prestes a cair",
que "a luta do Araguaia não
teve a repercussão que os guerrilheiros
esperavam", que "as rotas de fuga
estavam bloqueadas", que "a guerrilha
urbana tinha fracassado e que era inútil
prosseguir no caminho que estávamos"
e que "não restava outro caminho
senão entregar-se". Ao mesmo
tempo que realizavam a segunda grande operação,
as Forças Armadas desenvolviam uma
ação paralela junto às
massas. Procederam à operação
Aciso (Ação Cívico
Social), distribuindo remédios, fazendo
consultas médicas e dentárias,
levando doentes de helicópteros e
aviões para as cidades maiores. Montaram
também uma operação
com o lncra. Este anunciava que iria distribuir
terras, legalizar as posses dos lavradores.
A campanha militar manteve-se até
fins de outubro.
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Avanços
e perdas
Ao iniciar-se a segunda campanha, os guerrilheiros
já possuíam maior experiência.
Tinham avançado no conhecimento da
mata, na ligação com as massas,
na preparação militar, e conseguido
organizar um pouco melhor o abastecimento.
As armas, no entanto, continuavam precárias.
Não havíamos conseguido tomá-Ias
do inimigo até esta data.
Antes de o inimigo entrar em ação,
a CM tinha decidido enviar um dos seus membros
para o Destacamento A e outro para o B,
a fim de lá ficar um mês. O
companheiro Juca foi enviado para o C, com
o fim de reatar o contato.
No Destacamento A, o inimigo não
conseguiu estabelecer contato com os guerrilheiros.
Movimentou-se na área, sem resultado.
O comando do destacamento tentou, também
sem resultado, realizar operações
de fustigamento. No dia 29 de setembro,
houve um choque que resultou na morte de
HeIenira Resende (Helenira Resende de Souza
Nazareth). Ela, juntamente com outro companheiro,
estava de guarda num ponto alto da mata,
para permitir a passagem, sem surpresa,
de grupos do destacamento. Nessa ocasião,
pela estrada, vinham tropas. Como estas
acharam a passagem perigosa, enviaram "batedores"
para explorar a margem da estrada, precisamente
onde se encontrava HeIenira e o outro companheiro.
Este, quando viu os soldados, acionou a
metralhadora, que não funcionou.
Ele correu e Helenira não se deu
conta do que estava sucedendo. Quando viu,
os soldados já estavam diante dela.
Helenira atirou com uma espingarda 16. Matou
um. O outro soldado deu uma rajada de metralhadora
que a atingiu. Ferida, sacou o revólver
e atirou no soldado, que deve ter sido atingido.
Foi presa e torturada até a morte.
Elementos da massa dizem que seu corpo foi
enterrado no local chamado Oito Barracas.
A morte de Helenira causou grande indignação.
Zé Carlos e Nunes (Divino Ferreira
de Souza) saíram para pesquisar um
local que permitisse fazer uma emboscada.
Na estrada, perceberam a vinda de gente
e trataram de se esconder. Eram muitos soldados.
Já tinham passado os quatro primeiros.
O quinto os viu e atirou. Houve forte tiroteio.
Nunes e Zé Carlos escaparam com muita
dificuldade. Ambos chegaram a sofrer arranhões
das balas.
No Destacamento B, um pouco antes do início
da segunda campanha, havia-se programado
uma ação de propaganda armada
no povoado de Santa Cruz. Quando os companheiros
se deslocaram para fazer essa operação,
o inimigo já estava penetrando na
área. Amauri (Paulo Roberto Pereira
Marques) e Mané (José Maurílio
Patricio) chegaram a ir até Santa
Cruz, enquanto os outros aguardavam num
acampamento à margem do Gameleira.
Quando Amauri chegou ao povoado, ainda não
havia soldados. Ao regressar para avisar
os demais, foi surpreendido por tropas que
já tinham chegado. Ele foi atacado
e respondeu ao fogo. Escondeu-se numa capoeira
e conseguiu escapar. Os soldados vinham
para atacar o acampamento. Na véspera,
passara ali um bate-pau, Mãozinha
de Paca, e viu o acampamento. Falou com
o Comprido (Simão Cilon Cunha Bruno)
e mostrou-se amigo. Em seguida, foi avisar
O Exército. No dia 15, os helicópteros
começaram a sobrevoar a área.
Desta forma, a ação programada
para Santa Cruz não poderia mais
ser realizada. O comando resolveu retirar
o grosso dos combatentes e mudar de área.
Foi para a Palestina. Antes de se retirar,
foi tentada uma emboscada que não
se realizou. Ficaram dois grupos de três,
com o objetivo de fazer fustigamento ao
inimigo. Deviam permanecer na área
por cinco dias e retomar depois para se
juntar ao destacamento. Um grupo ficou à
espera do inimigo na estrada que vai para
Couro d'Anta e outro na estrada que vai
para Duas Passagens. Passaram quatro soldados,
vestidos à paisana, pela estrada
onde estava o primeiro grupo.
Amauri ficou em dúvida se eram realmente
soldados, e quando chegou a essa conclusão,
já o último tinha passado.
Não houve ação. Pelo
segundo grupo também passaram vários
soldados. Os companheiros atiraram e mataram
um, retirando-se em seguida. Na marcha para
a Palestina, o destacamento tentou fa¬zer
uma ação contra os soldados
que estavam acantonados no Castanha. Mas
verificou que era grande o número
dos inimigos - mais de 80. Desistiu-se da
ação. Dividiu-se o destacamento
em dois grupos e seguiu-se para a nova área.
Aí resolveu-se fazer trabalho de
massa, apesar de o inimigo estar desenvolvendo
sua campanha. Visitaram-se umas dez famílias,
que se mostraram solidárias, ainda
que alguns demonstrassem medo do Exército.
Obteve-se certa quantidade de farinha e
batatas da terra. Logo que começamos
as visitas, soubemos que o Exército
estava se retirando. Pouco antes, era grande
o número de soldados na área.
Somente na roça do Osmar chegou a
haver 170 soldados e lá pousaram
quatro helicópteros. Surgiu um sério
atrito entre o vice-comandante Zeca e os
demais membros do destacamento. Zeca, irritado,
insultou muitos companheiros e acabou dizendo
que ia se demitir do cargo. Ele não
tinha nenhuma razão e, com isso,
perdeu a autoridade. Ocorreu também
o desaparecimento do combatente Glênio.
Este, em princípios de outubro, já
na área da Palestina, perdeu-se e
foi preso em dezembro, na casa de um pequeno
comerciante, perto de Santa Cruz. Um bate-pau,
Mãozinha-de-Paca, o viu lá
e foi buscar outro bate-pau, Alfredo Fogoió,
e o prenderam. Glênio havia sido procurado
pelo destacamento, sem resultado. Chegamos
a pensar que ele havia fugido, mas isto
não era certo, embora Glênio
tivesse mostrado passividade na ocasião
da prisão. Parece que estava doente.
No Destacamento C, perto do dia 20 de setembro,
dois companheiros, Vitor e Cazuza, deslocavam-se
para fazer um encontro com três companheiros.
Acamparam perto de onde devia ser o encontro.
À tardinha, ouviram barulho de gente
que ia passando perto. Cazuza achou que
eram os companheiros e quis ir ao encontro
deles, mas Vitor não permitiu. Disse
que só devia ir ao ponto no dia seguinte.
Pela manhã Cazuza convenceu Vitor
a permitir que ele fosse ao local onde,
na véspera, ouvira o barulho. Vitor
ainda insistiu que não se devia ir
ao ponto, mas acabou concordando. Ao se
aproximar do local do barulho, Cazuza foi
metralhado e morreu. Vitor encontrou os
três - Dina (Dinalva Oliveira Teixeira).
Antonio (Antonio Carlos Monteiro Teixeira)
e Zé Francisco (Francisco Chaves).
Como estavam sem alimento, Vitor resolveu
ir à roça de um tal de Rodrigues
apanhar mandioca. Os companheiros disseram
que lá não havia mais mandioca.
Vitor, porém, insistiu. Quando se
aproximaram da roça, viram rastros
de soldados. Então, Vitor decidiu
que os quatro deveriam esconder-se na capoeira,
próxima à estrada, certamente
para ver se os soldados passavam e depois
então ir apanhar mandioca. Acontece
que, no momento exato em que os soldados
passavam pelo local onde eles estavam, um
dos companheiros fez um ruído acidental.
Os soldados imediatamente metralharam os
quatro. Dois morreram logo: Vitor e Zé
Francisco. Antonio foi gravemente ferido
e levado para São Geraldo, onde foi
torturado e assassinado. Escapou a companheira
Dina, que sofreu um arranhão de bala
no pescoço. Depois destes fatos,
o comando do C decidiu recuar e procurar
por todos os meios o contato com a CM.
Na CM, foi decidido enviar o Juca, em companhia
de mais quatro companheiros: Flávio,
Gil, Raul (Antonio Teodoro de Castro) e
Valk (Valquíria Afonso Costa), do
B, para conseguir o contato com o C. Quando
Juca saiu, o Exército não
tinha ainda iniciado a segunda campanha.
Ele estava a caminho quando isso ocorreu.
No segundo dia de viagem, houve um choque
na área do Franco. Os cinco estavam
numa capoeira "'a quando receberam
ordem de prisão um soldado que apontava
a arma. Mas Flávio, que estava um
pouco afastado, atirou e acertou, ferindo
gravemente o soldado. Em seguida, se afastaram
do local. No dia seguinte, ocorreu outro
choque. Juca vira um cartaz do Exército
pregado numa árvore ao longo de uma
estrada. Mandou ver o que o cartaz dizia.
Quando o companheiro se aproximava do mesmo,
deparou com um soldado. Atirou e errou.
O soldado correu. Ao chegar, a 30 de setembro,
nas proximidades do local do encontro com
o C (Paulo), Juca observou que havia muitos
soldados nas redondezas. Em todas as casas
de moradores havia soldados. Juca resolveu,
porém, aproximar-se de uma das casas,
para se orientar melhor. Viu que lá
também havia tropa. Retrocedeu e
se juntou ao grupo. No momento em que iam
saindo, Gil perguntou, talvez um pouco alto,
se poderia amarrar a botina. Imediatamente
ouviu-se uma rajada. Juca e Flávio
caíram mortos. Raul foi ferido no
braço, escapando juntamente com Valk.
Gil ainda se aproximou de Juca tentando
reanimá-lo. Ocorreram novos disparos.
Depois não se soube mais de Gil.
Deve ter morrido. Raul e VaIk, que não
conheciam bem a região, vagaram durante
dois meses pela mata, até que se
encontraram novamente com os companheiros
do destacamento B. A CM decidiu também
enviar uma companheira para o Sul. A CM
discutiu a situação criada
pelo vice-comandante do B e decidiu retirá-lo
do cargo e incorporá-lo à
guarda da CM (como vice-comandante). Indicou
Simão para o lugar do Zeca no B.
Ao final da segunda campanha do Exército,
as forças guerrilheiras haviam perdido
os seguintes companheiros: no Destacamento
A, Helenira; no B, Flávio e Gil;
no C, Cazuza, Vitor, Antonio e Zé
Francisco; na CM, Juca. Além destes,
houve o desaparecimento de Glênio.
Desde que começou a luta, em 12 de
abril, até o final de outubro, as
baixas foram 18 (entre mortos e aprisionados).
O total de combatentes era então
de 50 (com a saída da companheira
para o Sul). O destacamento A estava com
19 elementos; o B, com 14; o C, com 9; a
CM, com 8.
^
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Período
de Trégua
Em novembro de 1972, iniciou-se um período
de trégua. O grosso das tropas se
retirou da área. Ficaram algumas
tropas na periferia e a PM manteve-se nos
postos de fiscalização e controle.
Multiplicaram-se também os agentes
da Policia Federal (disfarçados).
Não tendo conseguido esmagar os guerrilheiros
na segunda campanha, o Exército se
preparava para realizar uma nova operação.
Começou a construir quartéis
em Marabá, Imperatriz, Itaituba,
Altamira e Humaitá. Procurava recrutar
mateiros em vários lugares. Construiu
estradas na área e alargou as existentes.
Entre estas, a de São Domingos a
São Geraldo; Transamazônica
- Brejo Grande; da Fazenda do Mano Ferreira,
passando pelo Garimpo e a Viúva e
indo até o Araguaia; a estrada que
ia da Viúva (próximo de Santa
Isabel), passando pelo castanhal do Ferreira
e indo até Santa Cruz; a estrada
da Transamazônica - Tabocão.
A serviço do Exército (ao
que tudo indica), começaram a aparecer
indivíduos estranhos na área,
comprando terra, abrindo serviço
de roça, instalando-se em fazendas.
Eram pessoas de outros Estados, inclusive
de São Paulo.
A CM orientou os destacamentos no sentido
de melhor aproveitar a trégua para
se preparar. Previa a nova ofensiva para
o começo do verão, lá
para maio. Entre as tarefas mais importantes,
destacava: ligação maior com
as massas, tanto em extensão como
em profundidade; preparação
de locais para ações de fustigamento
e emboscada, preparação de
bons locais de refúgio; conhecimento
maior do terreno e melhoramento dos croquis;
intensificação do preparo
militar; procurar melhorar o armamento através
das massas (compra, troca etc) e montar
a oficina de consertos, organização
de depósitos que garantissem a alimentação
para seis meses (sobretudo farinha, milho,
arroz). Os depósitos deviam ser pequenos,
descentralizados, e a maior parte dos alimentos
guardados devia ir para as zonas de refúgio.
A CM orientou também para que os
destacamentos limpassem a área, eliminando
os bate-paus, para que mantivessem vigilância
a respeito de todas as pessoas estranhas
que aparecessem na área. O principio
estratégico fundamental era a sobrevivência
das forças guerrilheiras. De acordo
com esse principio, era necessário
preservar as forças, não fazer
ações que redundassem em baixas.
A CM insistiu também na necessidade
de se criar núcleos da ULDP (União
pela Liberdade e pelos Direitos do Povo).
Em janeiro de 1973, o Destacamento C conseguiu
estabelecer contato com a CM. Paulo, com
outros companheiros, foi até a área
da Palestina e lá encontrou os elementos
do B e um membro da CM. Logo depois, a CM
reuniu-se e tomou as seguintes decisões:
colocar Paulo como membro da CM e fundir
os destacamentos B e C. O destacamento B
deslocou-se para fazer a fusão. A
CM, porém, logo depois mudou de opinião
e decidiu manter os dois destacamentos separados,
procedendo à reorganização
do C. Vieram para o C os companheiros Luis
(Guilherme Gomes Lund) e Lauro (Custódio
Saraiva Nela), do A; Raul e Valk, do B e
Ivo (José Lima Piauí Dourado),
do destacamento de guarda da CM. Foi designado
para comandante do C o companheiro Pedro
(Gilberto Maria Olimpio), da CM; ficando
Dina como vice-comandante. A CM decidiu
que o destacamento C concentrasse sua atividade
na área próxima da estrada
de São Geraldo, abandonando temporariamente
as zonas da Grata Vermelha e do Caiano.
Nesse período da trégua, a
CM editou vários materiais de propaganda,
uns mimeografados (em reco-reco) e outros
escritos à mão. Foram os seguintes:
I) Carta ao Povo de Porto Franco e Tocantinópolis,
assinada pelo médico João
Haas; 2) Carta de Osvaldão aos Seus
Amigos; 3) Comunicado sobre a Morte de Helenira
Resende; 4) Comunicado sobre a morte do
Juca; 5) Manifesto do 1º Ano de Luta;
6) Manifesto ao Soldado. Foram mimeografados
mais de cem exemplares do documento Em Defesa
do Povo Pobre e pelo Progresso do Interior
(programa da ULPD). Também foi mimeografado
o Romance da Libertação (de
autoria de Mundico, do C). Editou-se, igualmente,
um manifesto contra o Incra.
A CM elaborou os seguintes materiais: I)
Normas sobre Segurança no Trabalho
de Massa; 2) Normas sobre Acampamento; 3)
Normas sobre Recrutamento para a Guerrilha;
4) Adendo às Normas de Marcha; 5)
Indicações para a Organização
de Núcleos da ULDP.
As normas de segurança no trabalho
de massa foram elaboradas tendo em conta
a experiência e os ensinamentos decorrentes
das condições em que morreram
alguns combatentes, como Jorge, Maria e
outros. Aí se dizia que qualquer
visita às casas de moradores devia
ser encarada como uma operação
militar. Antes de entrar nas casas, era
necessário observá-Ias de
longe, para se certificar de que nelas não
havia soldados ou pessoas estranhas. Durante
a visita, devia-se manter guardas em todas
as vias de acesso às casas. Não
se devia permitir a saída de nenhuma
pessoa da casa enquanto durasse a visita.
Se alguém se aproximasse da casa,
deixar passar se fosse amigo, ou deter se
não fosse gente conhecida ou amiga.
Não largar a arma e explicar o motivo
aos moradores, pedindo inclusive desculpas.
Nas visitas de massa, os guerrilheiros não
deviam conduzir nenhum documento pessoal
ou que comprometesse a guerrilha. Antes
de ingressar nas casas, os companheiros
deviam combinar uma referência para
encontro, no caso de terem de se dispersar
repentinamente (uma referência próxima
e outra mais longe). Quando se tivesse que
marcar encontros com elementos de massa,
não se devia dizer à massa
o dia exato em que se voltaria a sua casa.
Ao sair da visita, os visitantes não
deveriam dar a entender o rumo que iriam
tomar. Também não se devia
dormir nas casas de massa.
Quanto às normas de acampamento,
dizia-se que, antes de acampar, era preciso
pesquisar em torno, para ver se não
havia estrada, pique etc. Ao acampar, devia-se
fazer o plano de defesa e retirada. Evitar
ruídos. O fogo só devia ser
aceso quando escurecer. Não se devia
dar tiros próximo ao acampamento.
A mochila de cada combatente devia estar
sempre arrumada, pronta para ser levada
no caso de retirada. Reclamava-se o cumprimento
das normas de higiene (quando o acampamento
era por um prazo mais longo, devia-se abrir
pequenas fossas). As armas deviam estar
à mão ou bem próximas
do combatente. Era necessário evitar
cortes na vegetação que deixassem
marcas à vista. Os acampamentos não
deviam ser conhecidos pelas massas. Quando
levantassem acampamento, exigia-se que o
mesmo fosse camuflado.
Sobre as normas de recrutamento para a guerrilha,
exigia-se que, antes de trazer qualquer
elemento de massa para as fileiras dos combatentes,
era preciso conhecer bem a pessoa, saber
a opinião das massas sobre ela, se
se tratava de morador antigo ou novo e se
era estimada ou não. Antes do ingresso
nas fileiras, se possível, era necessário,
durante algum tempo, experimentar os elementos
na realização de determinadas
tarefas. Convinha ajudar o elemento novo
a elevar seu nível político
e ideológico e ensinar os analfabetos
a ler e escrever. Os recrutados não
deviam conhecer os depósitos, áreas
de refúgio e locais de encontro com
outros destacamentos.
No que se refere à marcha, recomendava-se
que, quando se fosse atender a um encontro,
era preciso seguir o caminho conhecido,
evitando-se fazer pesquisa de novos roteiros,
para evitar atrasos prejudiciais. Se ocorresse
um engano no caminho, devia-se voltar ao
ponto conhecido, para melhor reorientar-se.
Os mantimentos para a viagem deviam ser
para mais uns dois dias do tempo previsto.
A respeito da criação dos
núcleos da ULDP, dizia-se que: a)
deviam ter de três a cinco membros,
com um responsável; b) os componentes
de um núcleo não deviam conhecer
a organização de outros núcleos;
c) as tarefas dos núcleos deviam
ser: colher informação, fazer
propaganda da guerrilha entre os moradores,
ajudar a guerrilha com alimentação,
defender os interesses do povo da região.
^
Subir
A
guerrilha e as massas
O êxito maior da nossa atuação,
nesse período da trégua, foi
a ligação com as massas. Estendeu-se
nossa influência entre o povo. Ganhamos
muitos amigos, e não era só
apoio moral. A massa fornecia comida e mesmo
redes, calçados, roupas etc. E informação.
Contávamos com o apoio de mais de
90% da população. A fraca
presença do inimigo na área
e a nossa politica correta no trabalho de
massa proporcionaram esses exitos. Os guerrilheiros,
todos eles, eram bastante estimados pela
massa. Os de maior prestígio eram
Osvaldo e Dina. Logo depois vinham: Sonia
(Lúcia Maria da Silva), Piauí
(Nelson Lima Piauí Dourado), Nelito,
Zé Carlos (do A); Amauri, Mariadina
(Dinaelza Santana Coqueiro) (do B); Mundico
(do C); Joca (Giancarlo Castiglia) (do CM)
e Paulo. Os guerrilheiros ajudavam as massas
no trabalho de roça. O Romance da
Libertação era recitado pela
massa. Os hinos da guerrilha, elaborados
lá mesmo, eram cantados pela massa.
Nas sessões de terecô (candomblé)
se faziam cantorias de elogio à guerrilha.
O primeiro aniversário da luta guerrilheira
foi comemorado com a participação
de elementos de massa. Na área do
Destacamento A, fez-se reunião com
a massa (mais de 50 moradores) para discutir
medidas contra o Incra. A massa achava que
o Incra era nova forma de cativeiro. Criaram-se,
em toda a região, 13 núcleos
da ULDP. Antes da terceira ofensiva do inimigo,
o trabalho junto a outras forças
havia se estendido. Ampliaram-se os contatos
com comerciantes, religiosos etc. Na propaganda,
alcançou também êxito
o folheto A vida de um lavrador, literatura
de cordel da autoria de Beto (Lúcio
Petit da Silva). Uma composição
musical em ritmo de toada local (Iindô),
da autoria de Osvaldo Peri (Pedro Alexandrino
de Oliveira), alcançou êxito.
A Rádio Tirana era ouvida por muitos
elementos do povo e seus comentários
eram bem recebidos. Aderiram à guerrilha,
como combatentes, vários elementos
da massa: em dezembro de 1972, entrou um;
em abril de 1973, um; de junho em diante
entraram mais cinco no A; dois no B; e dois
no C. Uma boa parte da massa realizou tarefas
ligadas à atividade guerrilheira.
^
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Ação
militar
No período da trégua, realizaram-se
algumas ações militares. Em
março, o Destacamento B fez uma operação
contra um antigo pistoleiro a serviço
da Capingo, chamado Pedro Mineiro. Sua casa
foi cercada e ele foi preso. Em seguida,
foi julgado e executado. No local, foram
apreendidas duas espingardas calibre 16
de dois canos; uma espingarda 16; dois revólveres
38; um revólver 32; uma garrucha;
e uma carabina calibre 32-20. Foram apreendidos
também roupas, comestíveis
e remédios. Em poder de Pedro Mineiro
havia mapas aerofotogramétricos da
área do Gameleira, vários
títulos de posse ilegal de terra
e cartas de militares recomendando-o a outros
militares. O Destacamento B executou também
um morador da área da Palestina,
chamado Osmar. Este elemento era o melhor
mateiro da zona e se dizia amigo de Osvaldo.
Mas foi engajado pelo Exército e
se dispunha a perseguir os guerrilheiros.
O Destacamento C, em agosto, realizou uma
operação contra a fazenda
e a casa de comércio de Nemer Kouri.
Este fazendeiro ajudou o Exército
a prender Geraldo, no início da luta,
e tinha se apossado de um burro que pertencia
aos guerrilheiros. A operação
foi feita à noite. Sua fazenda foi
cercada. Encontravam-se lá Nemer
e sua mulher e mais 13 trabalhadores. Nemer
foi preso. Aos 13 peões, os guerrilheiros
explicaram o motivo da ação
e os objetivos da luta. Nada se fez contra
eles. Os guerrilheiros confiscaram 400 cruzeiros,
um revólver 38, roupas, alimentos,
remédios.
O Destacamento A, na segunda quinzena de
setembro, realizou uma operação
contra um posto da Polícia Militar
do Pará, na Transamazônica
(entroncamento com São Domingos).
O posto foi cercado pelos guerrilheiros,
que intimaram os soldados a se entregarem.
Não cedendo à intimação,
foi incendiado o telhado de palha. Os soldados
se entregaram. Na ação foram
apreendidos seis fuzis, um revólver
32, roupas e alguma munição.
Os soldados foram interrogados e depois
libertados, sendo advertidos de que seriam
justiçados se voltassem a cometer
violências contra as massas.
Todas estas ações contaram
com a ampla simpatia da população.
Foram emitidos comunicados militares, pelos
destacamentos de cada uma dessas ações.
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Novas
tarefas e medidas da CM
Em agosto, a CM realizou uma reunião
com os comandantes dos destacamentos A,
B e C e os vice-comandantes do A e do C.
Fez-se um balanço da atividade guerrilheira.
Constatou-se que se havia obtido êxitos
importantes, principalmente no trabalho
de massa, que se avançou no conhecimento
do terreno e no suprimento de alimentos.
Constataram-se também deficiências,
entre as quais, que as nossas armas eram
ainda precárias e débil nosso
serviço de informação,
tornava-se necessário consolidar
e estender o trabalho de massa e estar atento
para o inimigo, que podia entrar a qualquer
momento. Examinaram-se várias hipóteses
quanto à tática que o inimigo
poderia usar.
Na reunião, adotaram-se as seguintes
recomendações. Ao começar
a ofensiva do inimigo, os destacamentos
deviam concentrar todos os seus componentes
e, diante das informações
concretas, ver como agir. Era preciso ter
sempre presente o nosso objetivo estratégico
principal nesta primeira fase da luta guerrilheira:
conservar as forças, sobreviver.
Por isso, evitar ações que
redundassem baixas. Dependendo da envergadura
da ação do inimigo, poderia
se recuar para as áreas de refúgio
ou continuar realizando pequeno trabalho
de massas e ações militares
de fustigamento ou mesmo de emboscadas.
Predominava na CM a opinião de que,
se o inimigo não entrasse até
outubro, possivelmente não entraria
no período seguinte, devido às
chuvas. E que ele não poderia fazer
uma campanha demorada, devido a problemas
de logística. Acreditava-se que não
entraria na mata, pois não tinha
bastantes tropas especializadas para isso.
Ficaria nas estradas e batendo as grotas.
Achava-se improvável um cerco total
da área. Considerava que o inimigo
atacaria mais seriamente as massas e, por
isso, se devia estudar a possibilidade de
a massa proteger. Havia condições
para recrutar muitos elementos de massa
a guerrilha. Era grande já o número
dos que se tinham comprometido ingressar
na luta, caso O Exército ocupasse
as roças.
A CM decidiu estender a área destacamento
B até além da estrada de São
Geraldo. O B passaria centrar sua atividade
na nova área q lhe foi atribuída
pela CM. A anti-área da Palestina
seria percorrida dois ou três meses.
O Destacamento C deveria deslocar-se para
as áreas Grota Vermelha e do Caiano,
entretanto, o C ainda continuaria uns dois
ou três meses atuando o vinha fazendo,
isto é, na área que seria
atribuída ao B a fim de os contatos
e ajudar o B a conhecer melhor essa zona.
Desde a segunda campanha do inimigo, os
destacamentos já não conservaram
a antiga estrutura grupos de sete permanentes.
Mantiveram-se os chefes de grupos, estes
grupos variavam, em sua composição
e número, segundo as necessidades
das tarefas. Terminada a tarefa, o grupo
desaparecia. Os Destacamentos jogavam com
o conjunto dos combatentes.
Em setembro, a companheira Tuca (Maria Luiza
Garlipe) foi transferida do destacamento
B para a CM, na função de
responsável pelo setor de saúde.
Dois acontecimentos negativos ocorreram
também em setembro: a morte de Mundico,
do C, por acidente com a arma que portava;
e a fuga de Paulo, do A. Este elemento,
desde o início da luta, se mostrara
vacilante e criava toda sorte de problemas.
Aproveitou a saída dos elementos
do A que foram realizar o ato contra o posto
policial e desapareceu. Mostrou-se indigno
de participar da guerrilha.
^
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Terceira
campanha
A terceira campanha do inimigo iniciou-se
a 7 de outubro. Neste momento, a situação
das forças guerrilheiras era a seguinte:
o destacamento A contava com 22 elementos;o
B com 12; o C com 14; a CM com 8. Ao todo,
56 guerrilheiros. O destacamento A tinha
oito fuzis e um no conserto, cinco rifles
44, uma metralhadora INA, oito espingardas,
22 revólveres 38 e um revólver
31. O destacamento B tinha um fuzil, uma
submetralhadora Royal, três rifles
44, duas espingardas 16 de dois anos, uma
espingarda 16, uma carabina 32-20 duas espingardas
20, una carabina 22, 12 revólveres
38. O Destacamento C tinha dois fuzis, sete
rifles 44, cinco espingardas 20 e 14 revólveres
38. Em conserto, havia mais de dez armas
longas. Havia,em média, 40 balas
para cada revolver 38. Eram insuficientes
os cartuchos para as espingardas 20 e não
havia mais balas de calibre 22. As reservas
de alimentos garantiam um abastecimento
para cerca de quatro meses. Os remédios
também existiam em quantidades suficientes.
A maioria dos combatentes estava com pouca
roupa e já não havia calçados.
Uma parte usava lambreta de sola de pneu
e alguns companheiros andavam mesmo descalços.
Eram insuficientes as quantidades de bússolas,
isqueiros, facas, querosene e pilhas. Muitos
companheiros não possuíam
plásticos para abrigar-se da chuva.
Também faltavam sacos plásticos
para guardar comidas e roupas. Todo o dinheiro
existente eram 400 cruzeiros. A maioria
dos companheiros, 80%, orientava-se bastante
bem na mata. No fundamental, toda área
era conhecida. O moral dos companheiros
era muito bom. Todos mostravam-se confiantes
e entusiasmados.
As tropas inimigas entraram por diferentes
pontos. Transamazônica, São
Domingos, Metade, Brejo-Grande, São
Geraldo e, possivelmente, pela Palestina
e Santa Cruz. Iniciaram a operação
desencadeando intensa re¬pressão
contra as massas. Prenderam quase todos
os homens válidos das áreas
em que atuávamos. Deixaram nas roças
só as mulheres e as crianças.
Algumas mulheres também foram presas.
O Exército procurou implantar o terror
entre as massas. Espancou muita gente. Houve
elementos que enlouqueceram de tanta pancada.
Queimaram casas e paióis onde não
encontravam os moradores. Dezenas de pequenos
e médios comerciantes foram também
presos. As tropas obrigavam elementos da
massa a servir de guias. Gradualmente, foi
aumentando o número de soldados na
zona. Ocuparam fazendas, sedes de castanha,
roças, estradas, grotas etc. Na periferia
havia também grande número
de soldados. Fizeram bases de operação
no meio do mato, utilizando fazendas, roças
e sedes de castanhas. Estavam apoiados por
helicópteros e aviões. A maior
parte da tropa era especializada em combate
na selva. Traziam bons mateiros.
No dia 7 de outubro, quando as tropas entraram
na área, o Destacamento A estava
ainda disperso em três grupos. Um
dirigido por Zé Carlos, que estava
atuando nas proximidades do rio Fortaleza,
outro, dirigido pelo Piauí, estava
no Tabocão e o terceiro, comandado
pelo Nunes, estava na roça do Alfredo,
ajudando no trabalho de broqui. Sabedores
da presença do Exército, os
três grupos se retiraram. No dia 7,
o Exército bateu na roça do
Alfredo, elemento de massa que integrava
a guerrilha. No dia 12, o grupo do Zé
Carlos comunicou que o destacamento ficaria
na zona em que se encontrava até
a data do encontro com a CM, que seria dia
20. Alfredo, na ocasião, insistiu
com Zé Carlos para que fossem apanhar
dois porcos deles, que se encontravam numa
roça próxima. Os porcos ajudariam
a alimentação dos guerrilheiros.
Zé Carlos considerou temerário
o projeto de Alfredo. Chegou a dizer: "Não
vamos morrer pela boca", Sabia que
o Exército provavelmente estaria
emboscado na roça onde se encontravam
os porcos. No dia seguinte, saíram
cinco companheiros para apanhar farinha
num depósito e, se nada de anormal
notassem, poderiam ir apanhar os porcos.
Mas, no caminho, decidiram ir, primeiramente,
apanhar os porcos. Lá chegaram cerca
de 9 horas. Mataram os porcos com quatro
tiros e os levaram para um lugar limpo a
fim de retalhá-los. Fizeram fogo
de palha para pelar os porcos. Uma hora
depois estava terminado o serviço.
Mas quando foram carregar a carne, as alças
das mochilas se quebraram. Alfredo resolveu,
então, improvisar um cipó
(vira mundo) para carregar nas costas. Quando
terminou o último atado, eram já
12 horas. Estavam presentes os guerrilheiros
Zé Carlos, Nunes, Alfredo, Zebão
(João Gualberto) e João (Demerval
da Silva Pereira). Preparavam-se para sair,
quando Alfredo ouviu um barulho esquisito.
Chamou a atenção de João.
Este, porém, achou que era uma palha
de coqueiro que tinha caído. Ato
contínuo, apareceram os soldados,
apontando suas armas. Atiraram sobre o grupo.
João conseguiu escapar, os outros
foram mortos. Não tiveram tempo nem
de pegar as armas. Perderam-se, além
da vida dos companheiros, quatro fuzis,
um rifle 44 e cinco revólveres 38.
No dia 20, houve o contato com um companheiro
da CM. Este decidiu nomear o companheiro
Piauí para comandante do destacamento
e Beta para vice. Como o local onde se encontravam
era conhecido de elementos de massa, foi
decidido mudar-se para outro ponto. Chegou
a informação, dia 22, de que
os elementos da massa que queriam entrar
na guerrilha não haviam aparecido
no ponto. Dia 22 foram enviados dois companheiros
para o Tabocão, a fim de trazer o
grupo chefiado por Nelito. E no dia 23,
pela manhã, dois outros companheiros
foram levar, até a estrada que vai
para São Domingos, um rapazinho que,
por acaso, se encontrava com os nossos.
Nesse mesmo dia, os demais, em número
de 11, inclusive o membro da CM, deslocaram-se
para a margem esquerda do Fortaleza. Dois
helicópteros e um avião começavam
a sobrevoar a área. No dia 24, Sônia
e Manuel (Rodolfo de Carvalho Troiano) foram
ao encontro dos dois que haviam levado o
rapazinho. Não encontraram. À
tarde, novamente Sonia e Wilson (elemento
de massa) voltaram ao local de encontro.
Recomendou-se que não fossem por
um piseiro antigo, pois ali poderia haver
soldados emboscados. Acontece que Sônia
acabou indo pelo piseiro e, como decidisse
caminhar descalça, deixou a botina
no caminho. Quando voltou, não encontrou
a botina. Pensou que fosse brincadeira de
gente de massa. Chamou por um nome conhecido.
Apareceu uma patrulha do Exército
que atirou nela, ficando ferida. Os soldados,
- segundo relatou gente de massa -, perguntaram-lhe
o nome. E ela respondeu que era guerrilheira
que lutava pela liberdade. Então,
o que comandava a patrulha, respondeu: "Tu
queres liberdade. Então, toma..."
- desfechou vários tiros e a matou.
Wilson conseguiu escapar. No momento em
que o Exército atirava vinham chegando
os dois companheiros a quem Sônia
ia buscar. Ouvindo os tiros, retiraram-se
e, três dias depois, retornaram ao
destacamento. O destacamento deslocou-se
para nova área. No dia 27 chegavam
Duda (Luiz René Silveira e Silva)
e Rib., que informaram que o grupo do Nelito
já havia se deslocado quando eles
lá chegaram. Dois elementos de massa,
bastante jovens, Ribamar e Wilson, mostrando
medo, pediram para sair da guerrilha. Diziam
que eles não iam agüentar as
dificuldades. O comando os dispensou.
Dia 2 de novembro, chegaram Nelito e seu
grupo. Assim, o destacamento ficou completo.
Nelito informou que tentou realizar uma
emboscada com nove elementos de massa, mas
os soldados não passaram. Depois,
com os mesmos elementos, tentou destruir
uma ponte na Transamazônica. Também
não conseguiram. Chegaram a tocar
fogo na ponte, mas esta não queimou.
Os elementos de massa voltaram para suas
casas, pois tinham dito que ficariam fora
apenas uns poucos dias. Com Nelito, além
dos nossos, ficou apenas um jovem de massa,
que pediu ingresso na guerrilha. O destacamento
decidiu embrenhar-se na área de refúgio.
Passemos, agora, ao que sucedeu com a CM
e os destacamentos B e C. Com o início
da ofensiva do Exército, a CM decidiu
juntar os dois destacamentos e colocá-los
sob o comando do Pedro. Então pensava-se
em permanecer na mesma área em que
se encontravam. A informação
inicial era de que o número de soldados
não passava de uns 50. Pedro designou
um grupo de dez companheiros, sob a direção
de Osvaldo, para fazer uma emboscada, em
lugar apropriado, contra o inimigo. Outro
grupo, de seis companheiros dirigidos por
Ari, do C, foi mandado ao Franco para realizar
uma operação de fustigamento.
Depois de dez dias, Osvaldo retornou. Permaneceu
emboscado, mas as tropas não apareceram.
O grupo de Ari atacou alguns soldados, mas
não liquidou nenhum. Foi recrutado
um elemento de massa, Jonas, para a guerrilha.
Este elemento já havia sido preso
na segunda campanha e seu pai, atualmente,
estava preso. No começo de novembro,
uma patrulha do Exército passou a
uns 30 metros do acampamento onde estavam
os dois destacamentos. A patrulha caminhava
pela mata, sem fazer ruído. Não
foi observada pela guarda. Foi vista por
dois companheiros que vinham chegando ao
acampamento e se esconderam.
Em meados de novembro, reuniu-se a CM. Fez-se
um balanço da situação
à base dos informes e se afirmava
que a ofensiva do inimigo não era
tão grande, aparecia com pouca força.
A CM resolveu juntar os três destacamentos,
que ficariam sob o seu comando. Esta força
não teria mais áreas fixas
determinadas, poderia movimentar-se segundo
as necessidades. A justificativa apresentada
para a fusão dos três destacamentos
era a de que, com isso, se teria uma força
maior e com maior potência de fogo,
podendo-se realizar ações
de certa envergadura. Afirmou-se que, com
os destacamentos separados, era difícil
ter em mãos força suficiente
para certos tipos de ação.
Quando se discutiram as medidas práticas
para levar a cabo essa decisão, chegou-se
à conclusão de que o princípio
da fusão era justo, mas que apresentava
dificuldades quanto à execução,
pois surgiam problemas, como o do abastecimento
para um grande número de pessoas.
Decidiu-se, assim, adiar as medidas práticas
para uma próxima reunião da
CM. A CM designou o companheiro J. (Ângelo
Arroyo) para assumir o comando do destacamento
A e manter este concentrado, em condições
de poder se reunir aos outros dois logo
que a CM tomasse decisão a esse respeito.
Nova reunião da CM foi marcada para
20 de dezembro.
No dia 19 de novembro, o membro da CM que
voltava para o A, em companhia de dois elementos
de guarda da CM, encontrou grande quantidade
de rastros de soldados dentro da mata, tanto
na área da CM como do destacamento
BC e também do A. Os soldados palmilhavam
a mata, não só onde existiam
moradores, mas também onde não
os havia - portanto, em áreas de
refúgio. Os soldados, apoiados por
helicópteros e aviões, percorriam
o Gameleira, o Ezequiel, o Cunha, o Caracol
e o Saranzal - todos eles dentro da nossa
área.
O destacamento A se mantinha na área
de refúgio. Não foi atacado,
nem via rastros de soldados nas proximidades.
Os helicópteros continuavam voando
na área onde foram mortos Zé
Carlos e outros. Em fins novembro, Nélito
e Carretel foram enviados à Metade
para colher informações com
a massa. Voltaram mais tarde e disseram
que a massa formara que há 15 dias
os soldados não passavam por lá.
Mas, no momento em que saíam, chegavam
soldados no lugar onde eles estivem. A massa
informou ainda que os soldados estavam pensando
que os guerrilheiros estavam no castanhal
do Carlos Holanda e, por isso, faziam muitas
batidas. Os helicópteros sobrevoavam
aquele castanhal. Landin (Orlando Momente)
e outro companheiro foram até Cruzeiro
obter informações e ver se
conseguiam sal. Voltaram dizendo que todas
as casas estavam vazias e que os amigos
tinham sido presos. Em dezembro, foi enviado
um grupo, chefiado por João, à
área do Tabocão, para colher
informações e ver se conseguia
comprar alguns objetos e se obtinha farinha
e sal. Souberam que há 15 dias o
Exército não passava lá.
Elementos de massa compraram um pouco do
que se precisava, inclusive quatro pilhas.
Lá disseram que os elementos que
atuaram junto com Nelito na tentativa de
destruir o ponto da Transamazônica
tinham sido presos. Dois desses elementos
estariam sendo obrigados a servir de guia.
Disseram ainda que o pai de um companheiro
de lá, que estava na guerrilha, havia
sido barbaramente espancado, tendo sido
levado para o hospital. No Tabocão
haviam prendido todos os ho¬mens, num
total de 17.
No dia 20 de dezembro, J., Piauí
e Antonio foram atender ao ponto com a CM.
No caminho, encontraram rastros de soldado.
No dia seguinte, encontraram-se com Ari
e Mané, que tinham sido enviados
pela CM para conduzir J. à reunião.
No ponto apareceram também os companheiros
Zezim, Raul e Lourival (Elmo Correia). Piauí
e Antonio retornaram ao A. À tardinha,
chegavam, também enviados pela CM,
os companheiros Jaca e Chica (Sueli Yomiko
Kanaiama). A presença de todos esses
elementos no ponto foi explicada da seguinte
maneira: depois que haviam saído
Mané e Ari, ocorreu um ataque aos
três outros (Zezim, Raul e Lourival)
por tropas do Exército. Sabendo que
Ari e Mané tinham ido buscar J. para
levá-lo à CM, os três
que sabiam o lugar do ponto decidiram ir
avisar o que havia ocorrido, para evitar
que J. fosse surpreendido pelo inimigo.
Mas os companheiros da CM já tinham
tomado as providências para esse aviso,
enviando o Joca e a Chica. J. decidiu enviar
Ari e Mané para apanhar farinha num
depósito próximo. Mané
ficou aguardando Ari a uma certa distância.
Como Ari demorasse, Joca, que havia chegado,
foi até o depósito e lá
não encontrou o Ari. No local do
depósito estava apenas o saco plástico
que Ari havia levado para trazer a farinha.
A impressão que se teve é
de que ele fugiu, pois não apareceu
nem no acampamento, nem nas referências.
Joca informou o que havia ocorrido com o
BC e a CM a partir de 20 de novembro. Contou
o seguinte: dias 21 e 22 de novembro, um
grupo de três companheiros - Lauro,
Jaime (Jaime Petit da Silva) e Mané
- fustigou uma patrulha na estrada e matou
um soldado. No dia 24, quando voltavam de
um contato com a massa, os companheiros
Ari, Raul e Jonas passaram próximo
de uma grota. Ari e Raul se aproximaram
da grota para melhor se orientar. Jonas
ficou de guarda, perto das mochilas. Ouviu-se
um tiro e Ari caiu. Em seguida, ouviram-se
mais dois tiros. Raul correu. O Comando
do destacamento BC, que também ouvira
os tiros, enviou quatro companheiros para
pesquisar o que teria havido. Logo adiante,
esses companheiros encontraram o corpo de
Ari sem a cabeça. Sua arma, um rifle
44, seu bornal e sua bússola tinham
sido levados. As mochilas de Ari, Jonas
e Raul estavam lá. Raul voltou pela
manhã ao acampamento e Jonas desapareceu.
(Houve suspeitas de que o assassino de Ari
fosse o próprio Jonas). Depois disso,
houve a junção dos dois destacamentos
com a CM, formando uma única força.
Devido a Jonas conhecer bem a área
onde os companheiros se encontravam e inclusive
alguns planos do comando, resolveu-se sair
da área e transferir-se para a área
da Palestina. Ai havia alguns depósitos
e o destacamento B há alguns meses
ali não estivera. Dividiram a força
em / três grupos para se deslocar.
Ao todo eram 32 elementos.
Dias 28 e 29 de novembro o grupo dirigido
pelo Simão (oito companheiros) acampou
nas cabeceiras da grota do Nascimento. Neste
mesmo local, o destacamento B já
havia acampado meses atrás. Ferreira
ficou na guarda, Jaime foi catar babaçu.
Chico (Adriano Fonseca) e Toninho foram
procurar jabuti numa gameleira próxima.
Chico recebeu um tiro, caindo morto. Eram
17 horas. Em seguida, ouviu-se mais seis
tiros. O grupo levantou acampamento imediatamente,
deixando, no entanto, as mochilas, as panelas,
os bornais. O Doca (Daniel Calado) deixou
o revólver, que estava consertando
no momento da saída. Jaime e Ferreira
ficaram desligados do grupo. O Simão
não foi à referência
procurá-los. Não se sabe o
que ocorreu com eles. Durante cinco dias,
os demais companheiros, em número
de cinco, caminharam pela mata sem ter o
que comer e sequer um isqueiro para acender
fogo. Ao se encontrarem com o resto da força,
apresentavam o corpo inchado de picadas
de tatuquira e estavam famintos. Dia 13,
fugiu Toninho (elemento de massa). Ele conhecia
a área. Dia 14, toda a força
se juntou novamente. Eram 28, caminharam
mais dois dias e acamparam num local onde
se pretendia fazer a reunião da CM.
Os 28 companheiros tinham feito o deslocamento
numa só coluna, tendo deixado fortes
rastros. No dia seguinte saíram Mané
e Ari para ir buscar o J. Os demais afastaram-se
uns 200 metros de onde se encontravam e
mandaram Zezim, Lourival e Raul apagar os
rastros. Quando os três realizavam
essa tarefa, foram surpreendidos pelo inimigo.
Sem poder voltar de imediato ao acampamento,
temerosos de que J. viesse ao ponto sem
saber do ocorrido, os três se dirigiram
para o local onde J. seria encontrado por
Mané e Ari. O resto da força,
então 23 pessoas, em face do que
sucedera, decidiu abandonar a área
em que estava e ir para a área do
A. Seguiram em coluna, deixando rastro.
Entre 17 e 18 de dezembro, Josias fugiu
perto de uma base do inimigo. O comando
enviou Joca e Chica para avisar o J. e marcar
um novo local e dia para o encontro, que
seria já na área de refúgio
do A. Joca informou que o grosso da força
chegaria depois do dia 24 e que estavam
sem comida. Pediam para que J. arranjasse
comida com o destacamento A.
Os cinco companheiros - Jaca, Mané,
Chica, Lourival e Raul - retornaram e foram
esperar o grosso da força em área
próxima. J. e Zezim também
retornaram para o acampamento do destacamento
A.
Dia 25 de dezembro, J. veio ao ponto acompanhado
de Zezim, João e Antonio, trazendo
umas quatro latas de farinha. No ponto encontraram
Mané e Chica. Mané informou
que o grosso da força estava acampado
a umas duas ou três horas de caminhada.
Disse que no caminho encontrou rastros de
soldados (papel higiênico servido).
Em seguida, os seis dirigiram-se com o máximo
de cautela para o acampamento da força.
Um helicóptero sobrevoava a área
próxima ao acampamento da força.
Quando já estavam a mais ou menos
a um quilômetro do acampamento, às
11h25 da manhã, ouviram cerrado tiroteio.
Encontraram-se logo depois com Áurea
e Peri, que vinham apanhá-los para
o acampamento.
Os dois afirmaram que o tiroteio tinha sido
no rumo do acampamento. Cinco minutos depois
do tiroteio, dois helicópteros e
um avião começaram a sobrevoar
a área onde houvera o tiroteio, e
continuaram durante todo o dia nessa operação.
Dois helicópteros grandes fizeram
duas viagens - da base do Mano Ferreira,
a uns cinco ou seis quilômetros, até
o local do tiroteio. Tinha-se a impressão
de que estavam levando mais tropas ou retirando
mortos e feridos do local, e seus companheiros
(eram oito) - afastaram-se do local mais
ou menos um quilômetro. No dia seguinte,
26, foram a uma referência para encontro,
num local próximo. Aí encontraram
os companheiros OsvaIdo, Lia (Teima Regina
Cordeiro Correa), Batista e Lauro.
Osvaldo informou o seguinte: o grosso da
força havia acampado dia 24, mas
percebeu que estava perto da estrada. Dia
25, pela manhã, afastaram-se uns
cem metros de onde se achavam, designando
alguns companheiros para limpar (camuflar)
o locaI em que estiveram. Os membros CM
e sua guarda ficaram num ponto mais alto
do terreno e os demais ficaram na parte
de baixo. Na hora do tiroteio, havia 15
companheiros no acampamento: Mário
(Mauricio Grabois), Paulo, Pedro, Joca,
Tuca, Dina (com febre), Luis (com febre),
na parte alta; embaixo: Zeca, Lourival,
Doca e Raul (estava ralando coco babaçu
para comer). Lia e Lauro faziam guarda.
Osvaldo e Batista realizavam a camuflagem.
Fora do acampamento estavam Áurea
e Peri, que haviam se deslocado para trazer
J., João (Wandick Reidner Pereira
Coqueiro), Mariadina, que tinham ficado,
proximidades do local onde houvera o tiroteio
de 17 de novembro sobre Zezim, Raul e Lourival,
a de apanhá-los; Amauri e Valk, tinham
sido enviados pelo comando para trazer de
volta João, Mariadina e possivelmente
os outros três; Simão e Ivo,
que tinham ido a uma referência ver
se conseguiam pegar o Ferreira e o Jaime;
Amauri, Valk, João e Mariadina deviam
chegar num ponto a uns cem metros de onde
houve o tiroteio, a partir do dia 28 de
dezembro. Osvaldo achava que os tiros haviam
sido sobre o pessoal da CM, e que ele se
retirara quando os tiros já o alcançavam.
No dia 27, observava-se crescente pressão
do inimigo. Na manhã do dia seguinte,
decidiu-se enviar Mané e Chica para
apanhar Simão e Ivo (talvez também
Jaime e Ferreira) numa referência
na área do B, dia 30. Eles não
deviam retornar à área do
A, mas permanecer com os demais numa área
do B. Aí poderiam juntar-se a outros
companheiros, os que procurassem na referência
conhecida. Ficou combinado que Mané
viria a 1º e 15 de fevereiro a um encontro
na área do A (com J.), mas isso somente
se a barra estivesse limpa. Foi dito que
poderiam ficar desligados muitos meses.
A partir de março, havia referência
no B. Ainda dia 27, os dez companheiros,
então juntos, decidiram se transferir
para a área de refúgio do
A. Caminharam em dois grupos. Chegaram dia
28 à tarde. O acampamento estava
em estado de alerta. Tinham ouvido os tiros
e a movimentação de helicópteros
e aviões. Dia 29, dois companheiros
tinham a informação de que,
para os lados do Fortaleza, não havia
movimento de tropas. Reuniu-se o comando
que tomou as seguintes decisões:
devia-se abandonar aquele local; os companheiros
recentes - em número de 25 - deviam
se dividir em pequenos grupos e ir atuar
na área que mais conhecessem que
a experiência das campanhas anteriores
mostrara que os pequenos grupos têm
mais mobilidade, mais facilidade de abastecer
e deixam menos rastros, que os grupos não
deviam dar sinal de presença nos
locais onde estivessem e, se fossem notados
pelo inimigo, deviam afastar-se da zona
e ligar se apenas a uma pessoa da massa,
de confiança, para obter informações;
devia-se ter o máximo de cuidado
com os rastros, pois fora pelos rastros
que o inimigo nos atacara. Os grupos eram
cinco. Um chefiado por Osvaldo (que retomou
à sua área); outro por J.;
outro pelo João; outro, pelo Nelito;
e outro pelo Landim. Foi marcado um ponto
para os dias 1º e 15 de fevereiro.
À noite do dia 29, fez-se uma reunião
com todos os presentes. Mostrou-se a gravidade
da situação e destacou-se
que este era o periíodo mais critico
que atravessava a guerrilha. Acentuou-se
que outros povos também tinham passado
por momentos muito difíceis e venceram
porque persistiram na luta, não se
deixaram abater. Mantendo-se uni dos e decididos,
poder-se-iam superar as dificuldades. O
comando indagou se algum dos combatentes
queria abandonar a luta. Caso alguém
se sentisse abalado e não mais quisesse
continuar, poderia dizer. O comando autorizaria
a saída. Mas ninguém manifestou
desejo de sair. Afirmou-se também
que não se conhecia a sorte dos demais
membros da CM. Não se podia dizer
que tivessem sido mortos, apesar do que
ocorrera. Que se ia tentar um contato e
procurar agrupar todos os elementos dispersos.
Dia 30, pela manhã, os cinco grupos
tomaram seus destinos. As 15 horas ouviu-se
ruído de metralhadora no rumo em
que havia seguido Osvaldo ou Landim. Não
se sabe o que houve. No dia 2 de janeiro,
ouviu-se ruído de metralhadora para
o rumo em que seguia Nelito. Dia 4, o grupo
de J. aproximou-se da casa de um morador
para obter informações e alimentos.
As pessoas da casa estavam bastante atemorizadas.
Não sabiam informar sobre os tiros
e disseram que os soldados estavam por perto.
Que se tomasse muito cuidado, porque com
eles haviam um rastreador, Bigode, carioca,
que era bom piseiro. Dia 14, acamparam próximo
a uma capoeira. Foram ver se conseguiam
alguma mandioca. Iam com a recomendação
de ir pela estrada e voltar pela mata, mas
voltaram pela estrada. Trouxeram um pouco
de mandioca e não camuflaram o local
de que arrancaram as mandiocas. Às
9h30, quando estavam preparando a refeição,
ouviram um barulho estranho na mata. Ficaram
de sobreaviso, com as armas na mão.
Viram então os soldados que vinham
seguindo o rastro e passavam a uns dez metros
de onde os companheiros se encontravam.
Os soldados atiraram, ouviu-se várias
rajadas. J., Zezim e Edinho (Helio Luiz
Navarro) escaparam por um lado. Não
se sabe se os outros três - Piauí,
Beta e Edinho encontraram Duda, do grupo
do Nelito. Ele contou que os tiros do dia
2 tinham sido sobre o grupo em que ele estava.
Disse que, depois do almoço desse
dia, Nelito e Duda estavam juntos e que
Cristina (Jana Morone Barroso) e Rosa (Maria
Célia Correa) haviam se afastado
por um momento. Carretel estava na guarda.
Na véspera, Duda e Carretel tinham
ido à casa de um morador. A casa
estava vazia. Quando se retiraram, viram
que vinham chegando os soldados. Avisaram
Nelito. Imediatamente, afastaram-se do local.
Mas caminharam em trechos de estrada, deixando
rastros. Dia 2, Nelito tinha ido a uma capoeira
apanhar alguma coisa para comer. Trouxe
pepino e abóbora numa lata grande
que lá encontrara. A lata fez muito
barulho na marcha de volta. Às 13h30,
ouviu-se rajadas. Os tiros foram dados sobre
Carretel, que saiu correndo. Nelito não
quis sair logo. Entrincheirou-se, talvez
pensando nas duas companheiras. Mas os soldados
se aproximavam. Então, ele correu,
junto com Duda, mas foi atingido. Assim
mesmo, ainda se levantou e correu mais uns
20 metros. Foi novamente atingido e caiu
morto. Duda conseguiu escapar. Não
se sabe o que houve com as duas companheiras,
nem com Carretel.
No dia 19 de janeiro, J. decidiu tentar
aproximar-se do local de referência
com a CM, na esperança de que algum
companheiro aparecesse por lá. Foi
junto com Zezim, deixando Edinho e Duda
juntos. A estes recomendou que, se encontrassem
Piauí, avisassem de um encontro para
os dias 1° e 15, a partir de março.
O local de referência com a CM distava
uns quatro a cinco dias. Era na antiga área
da CM, de cinco em cinco dias. Quando J.
e Zezim se aproximavam do local onde houve
os tiroteios de 25 de dezembro, notou-se
fortes rastros do inimigo, não só
antigos como recentes. E os helicópteros
sobrevoavam o local. Decidiram voltar porque
não havia condições
para prosseguir. A mata estava esquadrinhada
pelo inimigo.
Em poder do camarada Mário, responsável
pela CM, havia uma espécie de diário,
onde ele anotou os principais fatos e as
medidas adotadas pela guerrilha, desde o
seu inicio. Essas anotações
são da maior importância, refletem
as opiniões do comando em diferentes
ocasiões. Com Mário encontravam-se
também cópias de todos os
materiais editados, assim como os hinos,
poesias etc.
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