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Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 101 – 04/12/04

ENTREVISTA

Alain Touraine - Sociólogo, professor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, França

Nascido na França em 1925, Alain Touraine é autor de textos considerados fundamentais para o debate sobre as questões da democracia e a cidadania como Crítica à Modernidade e Que é Democracia. Neles, elaborou a concepção da democracia não apenas como "um conjunto de garantias institucionais, mas uma luta da cidadania em liberdade contra a lógica dos sistemas", um processo que - na sua visão - segue dois caminhos: a criação de espaços para a participação popular e o respeito às diferenças individuais. Alain Touraine participou da Conferência Internacional Democracia, Participação Cidadã e Federalismo, que teve lugar nos dias 2 e 3 de dezembro em Brasília, onde esteve entre os palestrantes do último painel do evento, intitulado Uma Agenda para a Democracia e para a Redução das Desigualdades Sociais. Depois do painel, concedeu este breve entrevista a Tecido Social.

Por Antonino Condorelli

Na sua opinião, este sistema que temos na América Latina, que não foi capaz de reduzir as desigualdades e garantir os direitos fundamentais da população, pode se definir mesmo assim “democracia”?

A resposta é simples: há que perguntar às pessoas. O PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, n. d. r.) elaborou um relatório e este mostra que as pessoas não estão convencidas disso. Elas dizem: se uma ditadura me der mais, para mim está ótima, não preciso de democracia. Então, a que há hoje na América Latina é evidentemente uma democracia muito limitada e que conta com um apoio frágil e superficial. Temos que lembrar que neste continente nenhuma ditadura foi derrubada por um movimento popular: nem no Brasil, nem na Argentina, no Uruguai, no Chile, etc. O que eu vejo é uma atitude passiva perante a democracia e uma falta de participação efetiva nela. As pessoas têm a percepção de que seus direitos sociais, seus direitos culturais, suas condições materiais não dependem da democracia. Em todos os países da América Latina, a população de dá conta de que a ela é basicamente formal. Essa minha visão é pessimista porque comparo esta situação com a de outros países, como os da Europa e os Estados Unidos, e em todos eles eu só vejo retrocessos e nenhum avance. Existe uma enorme concentração de poder econômico e político a nível mundial e é muito difícil se defender deste mecanismo; além do mais, a liberdade de pensamento da opinião pública é seriamente ameaçada pela concentração dos meios de comunicação. Eu conheço bem os Estados Unidos, estive lá no começo da guerra e vi com clareza que naquele país se produziu um esvaziamento do sentido da democracia: esta foi suplantada por uma visão religiosa fundamentalista. Qualquer sistema de poder que se funde numa religião é estruturalmente anti-democrático: Deus é absoluto, sua verdade é “A verdade”, portanto não se discute. O que eu vejo é um movimento para atrás, as pessoas se preocupam cada vez menos com as liberdades públicas e isso é terrível, porque sem elas não pode haver direitos sociais, econômicos e culturais.

Qual é a ESSÊNCIA da democracia, a que gostaria de ver e viver?

A essência da democracia está no nome dela: “poder do povo”, um sistema onde as decisões vêm de baixo, através de mecanismos participativos nas instituições representativas, e se traduzem em orientações da ação dos poderes públicos. A democracia é um processo, e um processo precisa de atores. Se todo o mundo fica na sua casa assistindo televisão, não há democracia porque não há participação, não é o povo quem toma as decisões. O primeiro passo e o mais decisivo da democracia é formar as reivindicações, depois cobrá-las sei que não é simples mas o mais importante é que a sociedade tenha consciência do que quer, que formule suas demandas. Hoje ela é extremamente fragmentada: a prioridade, nos dias atuais, é a formação de atores democráticos, como no século XVIII surgiu a burguesia para se contrapor à aristocracia. Aqui no Brasil se fala muito nos movimentos rurais, mas e o problema urbano, a falta de direitos nas grandes metrópoles? Lá, praticamente, não há atores que levem adiante estas demandas. Então a democracia, para ser efetiva, precisa disso: de participação, ou seja, de atores sociais que formulem reivindicações e exijam respostas.

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