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Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 017 – 20/12/03

DIREITOS HUMANOS NO BRASIL 2003

Resumo dos dados e as principais questões tratadas no relatório Direitos Humanos no Brasil 2003 da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

DIREITOS HUMANOS NO MEIO RURAL

Violência e Povos Indígenas

O ano de 2003 assustou pelo expressivo aumento do número de assassinatos de indígenas em todo o país. Só no mês de janeiro, primeiro mês de Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cinco homicídios já haviam sido contabilizados. No fim de fevereiro, este número já chegava a nove. Até o dia 29 de março, 12 indígenas haviam sido assassinados. Em dez meses, até o fechamento do relatório Direitos Humanos no Brasil 2003, já eram 23 indígenas assassinatos e três desaparecidos, contra 7 em todo o ano anterior. Trata-se de um dos maiores índices de homicídio dos últimos dez anos, os quais, assomados, apontam para 276 vítimas.

Crimes do Latifúndio

A Comissão Pastoral da Terra registrou 61 assassinatos de trabalhadores rurais no período de janeiro a outubro de 2003. Entre 1985 e 2002, foram registrados 1.280 assassinatos de trabalhadores rurais, advogados, técnicos, lideranças religiosas e sindicais ligados à luta pela terra. Deste total, somente 121 foram levados a julgamento. Entre os mandantes de crimes, apenas 14 foram julgados, sendo sete condenados. Foram levados a julgamento quatro intermediários, sendo dois condenados. Entre os 96 executores julgados, 58 foram condenados.

Reforma Agrária: os dilemas de sempre

A agricultura brasileira sofreu um radical processo de concentração da riqueza no período FHC. A concentração da produção em mãos dessas poucas empresas foi correlata de uma concentração incrementada da propriedade fundiária, subindo de 112 para 124 milhões a área titulada pelas propriedades com mais de 2 mil hectares. Na banda mais pobre e desfavorecida, contabilizaram-se dois milhões de trabalhadores agrícolas desempregados e a extinção de 960 mil estabelecimentos com área inferior a 100 hectares. Viu-se no Governo Lula o Ministério do Desenvolvimento Agrário praticamente ineficiente no que se referiu à efetivação do programa de reforma agrária apresentado historicamente pelo partido do Presidente.

Judiciário e Latifúndio

Embora há um ano não tenha ocorrido nenhuma ocupação de terras na região do Pontal, de 2002 até setembro de 2003, o juíz Átis de Araújo Oliveira expediu 12 decretos de presão contra 46 ativistas do MST. Todas as suas decisões foram declaradas ilegais pelas superiores instâncias. O Tribunal de Justiça de São Paulo garantiu a liberdade de 20 agricultores, o Tribunal de Alçada Criminal concedeu a liberdade a 4 lavradores sem terra e o Superior Tribunal de Justiça anulou ordem de prisão contra 22 integrantes do MST.

Relator da ONU conclui relatório sobre Direito à Alimentação no Brasil

O Relator Especial da ONU sobre o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, concluiu que uma das pirncipais causas da fome no Brasil é a enorme área de terras não cultivadas que, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), chega a 100 milhões de hectares. Outro problema é a enorme concentração da propriedade das terras: 2% dos fazendeiros detêm 56% das propriedades e 80% dos pequenos produtores detêm somente 12% das terras utilizáveis para a agricultura. Ao mesmo tempo, existem 4,8 milhões de famílias sem terra no país.

Trabalho Escravo

O número de denúncias de trabalho escravo continuou crescendo: nos primeiros 7,5 meses do ano, as denúncias recebidas pelas equipes integrantes da Campanha da Comissão Pastoral da Terra contra o trabalho escravo nos Estados de Pará, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão já somaram 229 casos envolvendo 7.623 trabalhadores, contra 127 casos envolvendo 5.089 trabalhadores no mesmo período do ano passado. Os resgates realizados até o final de setembro (4.256 trabalhadores libertados) representam quase o dobro do total do ano inteiro de 2002 (2.152), embora continuem ainda aquém do necessário, se comparado ao total de denúncias.

Os Estados de onde saíu o maior número de pessoas como mão-de-obra escrava, segundo uma pesquisa da OIT, são Piauí (22% dos casos), Tocantins (15,5%), Maranhão (9,2%), Pará (8,5%), Gioás (4,2%) e Ceará (3,8%). Estes dados mostram que, no Brasil, os bolsões de miséria com mão-de-obra ociosa, faminta e mais suscetível de ser aliciada se encontram dispersos pelo Nordeste e o Centro-Oeste, atingindo também outras regiões como o Vale de Jequitinhonha, em Minhas Gerais. O escravo é, em geral, um estranho ao local onde é utilizado. Estando longe da moradia habitual tem menor capacidade de se defender. No caso da Amazônia, as pessoas, longe de seu local de origem, da rede de parentesco e amizade, sãõo mais vulneráveis aos contrangimentos, sentem medo dos pistoleiros, dos empreiteiros, das doenças, da distância, dos animais e reagem, dentro de um espaço limitado. Alguns fogem, outros - além de fugirem - denunciam às autoridades ou à sociedade civil organizada.

O perfil do trabalhador escravo no Brasil

Apesar de muitos trabalhadores não saberem sequer a sua idade, é possível observar que estes são jovens. Em geral, não têm mais de 40 anos. Grande parte deles tem histórico de trabalho infantil, alguns junto com pais que também foram escravos. Muitos não têm documento. Aqueles que possuem carteira de trabalho, geralmente, tiveram o documento retirado pelo proprietário. Os trabalhadores escravos, muitas vezes, não sabem sequer aonde irão ficar. Em vários depoimentos é possível observar que, ao serem contatados pelos gatos, são informados que trabalharão em um Estado e acabam sendo levados para outro. Isso faz com que o contato com as famílias se perca. A presença de vigilantes armados nas fazendas, em grande parte dos casos, é outra característica do regime de escravidão. Pouquíssimos são os escravos que se arriscam a fugir, até porque são vários os casos de pessoas assassinadas ou gravemente feridas em tentativas de fugas das fazendas.

Novas sombras sobre Alcântara

Atualmente, o Congresso Nacional analisa um acordo entre o Brasil e a Ucrânia para a utilização da base de Alcântara. Na atual proposta, não existe nenhum mecanismopara garantir que o Governo brasileiro tenha acesso à tecnologia, a áreas restritas e à inspeção dos materiais na base. Portanto, se o Governo aceitar as condições do acordo com a Ucrânia, não terá argumentos para recusar uma proposta semelhante dos Estados Unidos.


VIOLÊNCIA E EXCLUSÃO NO MEIO URBANO

Bolivianos escravizados em São Paulo

Os bolivianos costumam trabalhar das 6h às 23h ou das 7h às 24h e ganham entre 200 e 400 reais por mês. Moram em um cubículo, no próprio local de trabalho. São quartinhos de 2x1,5 metros que abrigam o trabalhador, sua família, a máquina de costura e mais um espaço para colocar a roupa que é produzida (em alguns, o quarto e a oficina ficam em ambientes diferentes). Os colchões são enrolados durante o dia e à noite, quando vão dormir, se transformam em cama. As roupas prontas, normalmente, são entregues a coreanos que têm lojas de roupas baratas.

Os grupos de extermínio e a debilidade institucional da proteção à vida

De janeiro a maio de 2003, a Polícia Militar de São Paulo assassinou sumariamente 435 pessoas - uma média de quase três homicídios por dia. Esses dados revelam um aumento de 51% em relação ao mesmo período do ano passado. O Ouvidor da Polícia, Fermino Fecchio, que vinha denunciando estes episódios como fruto de uma "política de matança", foi recentemente afastado do cargo por pressão do Secretário de Segurança, o promotor Saulo de Castro Abreu Filho.

As deficiências salariais e a grande crise econômica do país, fizeram proliferar brutalmente o uso de policiais como mão-de-obra em serviços de vigilância privada não fiscalizada. Daí à utilização destas forças como equipes de repressão armada o passo é curto, e tem feito proliferar as denúncias quanto ao uso destes servidores públicos para serviços privados de eliminação física de criminosos ou suspeitos de sê-lo, em troca de remuneração.


DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

O acesso à educação ainda não é universal no Brasil

O país tem mais de 42 milhões de pessoas acima dos 10 anos que não podem fazer uso da leitura e escrita em seu cotidiano, o que representa 31,4% da população desta faixa etária. Em 2001, 49,8% dos professores do ensino fundamental não tinham concluído o ensino superior. Destes, 31% tinham como escolaridade o próprio curso fundamental, completo ou incompleto. Na região Norte se encontra o pior índice: 78,2% dos profissionais da educação não têm curso superior e 8,3% não têm o ensino fundamental. Os docentes do Nordeste ganham cerca de 44% menos que a média salarial da categoria em âmbito nacional. Em relação às populações indígenas, a exclusão pode ser observada nos recursos destinados à educação nas comunidades para 2003: 0,001% do Orçamento Federal.

O direito das mulheres a emprego e salário justo

A Pesquisa de Emprego e Desemprego do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socio-Econômicos) aponta um maior desemprego entre as mulheres. Em agosto de 2003, a taxa de desemprego total na Região Metropolitana de São Paulo foi de 23,6% para as mulheres e de 16,5% para os homens. Entre 1995 e 1998, estima-se que quase 150 mil mulheres economicamente ativas foram estimuladas a deixar o mercado de trabalho para se dedicar integralmente ao cuidado dos filhos. Desde o início de 2003, os cálculos são de que quase 300 mil mulheres saíram do mercado de trabalho. As mulheres com até três anos de estudo recebem o equivalente a 61,5% do rendimento dos homens, enquanto as com onze anos ou mais de estudo recebem 57,1% dos rendimentos dos homens.

Tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial no Maranhão

No Maranhão, foram encontradas as seguintes situações: a) crianças e adolescentes de cidades do interior do Estado que vão para a capital trabalhar como domésticas e acabam sendo abusadas sexualmente pelo patrão ou pelo filho do patrão e da patroa; b) crianças e adolescentes que vêm do interior com promessas de trabalho em casas de famílias, mas são levadas a casas de prostituição; c) tráfico de garotas para Holanda, Alemanha, Suíça e Áustria, através do Porto de Itaqui; d) garotas que viajam com estrangeiros, algumas casadas e, uma vez fora do país, são vendidas pelos agenciadores e/ou maridos.

O trabalho nos primeiros meses do Governo Lula

De acordo com o relatório de 2003 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil encerrou o século XX com a sexta pior distribuição de renda do mundo, perdendo apenas para Namíbia, Botsuana, Serra Leoa, República Centro Africana e Suazilândia. O desemprego na Grande São Paulo atualmente se encontra na casa do 20% da população, ou seja, de um de cada cinco trabaljadores. Esse índice é maior ainda em Salvador, na Bahia, onde o desemprego alcança a marca dos 30%: isto é, um de cada três trabalhadores.


POLÍTICA INTERNACIONAL E DIREITOS HUMANOS

Dívida Externa e Interna e Direitos Humanos em 2003

Entre janeiro e agosto de 2003, os gastos com juros da dívida pública atingiram 102,4 bilhões de reais, 68% a mais do que no mesmo período de 2002. Estes gastos equivalem a três vezes o orçamento do Governo Federal para a saúde, a 334 vezes o orçamento para a habitação, a 10,2% do PIB e cerca de 30% da receita fiscal dos três níveis de Governo.

Responsabilidade internacional do Estado e decisões do Sistema Interamericano em 2003

A Corte Interamericana afirmou por unanimidade que os Direitos Humanos reconhecidos pela organização são extendidos a todas as pessoas, inclusive aos imigrantes irregulares, que devem ter assegurado, entre outros, o direito ao devido processo legal e os direitos laborais. Cabe ao Governo impedir que os empregadores privados violem na prática os direitos garantidos internacionalmente aos trabalhadores.

Fonte: Relatório Direitos Humanos no Brasil 2003 da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos

Veja também:
- Lançado no Rio Grande do Norte o relatório Direitos Humanos no Brasil 2003
- ENTREVISTA. Evanize Sydow (Jornalista da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos). "Em 2003, a situação dos Direitos Humanos no Brasil piorou em muitas áreas"

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