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Vitórias e Limites na Luta pelos Direitos Humanos no Brasil

Romeu Olmar Klich
Valéria Getúlio de Brito

MNDH nasceu como uma resposta às violações cometidas a partir do golpe de estado de 31 de março de 1964, quando, com apoio norte americano, os militares, aliados aos grandes industriais e aos grandes proprietários rurais, tendo também o apoio ostensivo da hierarquia das igrejas, instalaram uma ditadura militar no Brasil. Durante este período o governo aplicou um sistema de repressão que pode ser caracterizado como um verdadeiro terrorismo de Estado. Segundo Hannah Arendt “um Estado se converte em terrorista quando de forma deliberada e como decisão política utiliza os meios de que dispõe de forma clandestina para ameaçar, seqüestrar, torturar, assassinar, colocar bombas, realizar estragos e incêndios, etc., com a cumplicidade dos órgãos oficiais e colocando os habitantes numa situação de absoluta indefesa” (Los orígenes del totalitarismo, Madrid, Allianza, 1932, pág. 592). Todos nós sabemos que o principal instrumento consistituiu-se na detenção seletiva de civis nos seus locais de trabalho e nas vias públicas por membros das forças armadas e policiais; naquilo que podemos chamar de “campos de concentração” de pessoas aprisionadas em lugares secretos, onde eram selvagem e sistemáticamente torturadas e assassinadas; no ocultamen?nto de cadáveres, enterrados de forma clandestina; e na tenaz negativa oficial quanto a responsabilidade. A utilização desta metodologia encontra-se ratificada no decreto AI5. (???) Os artigos da Constituição que proclamavam os direitos fundamentais do indivíduo e suas garantias foram suspensos e começou uma fase de perseguição aos políticos e militantes de esquerda. Muitos parlamentares e outras autoridades perderam o cargo e tiveram suspensos seus direitos políticos por decisão arbitrária do governo militar. Foi organizada uma polícia política, que atuava juntamente com voluntários, geralmente militantes de extrema direita, efetuando prisões arbitrárias, invadindo residências e escritórios, confiscando documentos e livros, desrespeitando todos os direitos, para aniquilar qualquer possibilidade de oposição. Líderes religiosos considerados aliados da esquerda foram presos, o mesmo acontecendo com líderes sindicais, estudantes e professores universitários, os advogados sofreram sérias restrições no exercício de sua profissão, ficando extremamente difícil a defesa dos presos políticos.

Nesse quadro político e social surgiram na clandestinidade, como reação a esta gravíssima violação de direitos humanos, os grupos, organizações, sociedades, centros de Defesa dos Direitos Humanos. Servindo-se do espaço institucional das Igrejas, que por influência da Teologia da Libertação começa a discutir os problemas sociais, discriminação, grande distância entre pobres e ricos, necessidade de reforma agrária, justiça no mundo do trabalho e outras questões dessa natureza. A preocupação com estas questões é vista com muita restrição por diversos segmentos, que consideram manifestação de comunistas. A busca da justiça social, o estímulo à solidariedade e a defesa da dignidade humana ganharam o primeiro plano, sobrepondo-se à supervalorização dos ritos e das son?lenidades que era o aspecto mais marcante das práticas eclesiais até então. Entre os conservadores essa nova atitude, que proclamava o alto valor moral dos Direitos Humanos, foi considerada subversiva.

Na década de oitenta, quando já se começava a falar em anistia para os presos políticos, os exilados e os que tinham sofrido restrições graves em seus direitos por motivos políticos constitui-se em um período de reconstrução e criação de novas organizações sociais, que passaram a reforçar e avançar a compreensão da luta pelos direitos humanos. Neste período, as organizações já percebiam que a luta pelos direitos humanos extrapolava a luta pela anistia política aos presos e exilados. Entendem que também existiam presos comuns de um sistema sócio-político-econômico e exilados sociais que exigiam a atenção daqueles que atuavam na defesa dos direitos humanos e portanto, o avanço da compreensão dos direitos humanos.

Assim o MNDH é forjado dentro de uma perspectiva que estrapola a intervenção direcionada unicamente aos direitos denominados civis, ou de primeira geração. A realidade estrutural aliada as exigências conjunturais alinhavaram desde o primeiro momento a luta pelos direitos humanos, por segurança, moradia, terra saúde, educação, liberdade, organização e participação popular para todos independentemente da religião ou credo que professam, da etnia, e principalmente da condição social e econômica que dispõe.

A constituição de uma organização de direitos humanos de caráter nacional teve início em 1982, neste momento, o que se pretendia era o estabelecin?mento de uma rede nacional para o intercâmbio de informações, denúncias e a realização de pressões junto as autoridades públicas municipais, estaduais e federais. Paulatinamente a rede nacional ganhou corpo, das 33 entidades que deram início ao processo de contrução do MNDH, que conta com quase 300 hoje espalhadas em todo o território nacional, tornando-se a maior rede de organizações de direitos humanos da América Latina. Portanto a primeira conquista do MNDH constitui-se na sua própria existência tendo em vista a extensão territorial brasileira, as diversidades estruturais, econômicas, culturais regionais e as dificuldades financeiras de suas entidades filiadas e dele enquanto estrutura nacional.

Já no ano de 1991, com o intuito de obter uma maior visualização das principais questões tratadas pelas entidades filiadas, portanto das especificidades que norteavam as ações de cada qual e por conseguinte num crescente, constituem o perfil de intervenção local, estadual, regional e nacional da luta pelos direitos humanos no país, o MNDH promoveu uma grande pesquisa nacional. Essa pesquisa trouxe a luz, dados significativos acerca das prioridades e do desrespeito aos direitos humanos que são objeto da intervenção do conjunto do Movimento. Com essa pesquisa ficou claro a diversidade de inserção da luta pelos direitos humanos no Brasil, as prioridades assumidas pelas entidades e o perfil local, regional e nacional do MNDH, enquanto ator nacional que traz como eixo de atuação a luta pela vida, contra a violência.

A caracterização das prioridades locais, estaduais e regionais das entidades integrantes do MNDH, expressavn?am uma certa uniformidade das violações aos direitos humanos no Brasil, comprovada, por intermédio dos resultados obtidos com a pesquisa nacional realizada junto as entidades filiadas ao MNDH que traz a luz, o eixo unificador da violência institucionalizada em nosso país. Aqui, entendemos violência institucionalizada como aquela oriunda do aparelho estatal e da própria sociedade. Inexistência de políticas públicas, omissão, má utilização dos recursos públicos na formulação e aplicação destas políticas, como também oriunda da própria sociedade caracterizada sobretudo pela omissão, medo, conivência e incentivo a práticas estatais coercitivas e opressivas contra os cidadãos de baixa renda.

Outro fator que reputamos importante, para uma melhor compreensão das origens do MNDH1 no Brasil relaciona-se a origem de suas entidades filiadas. Na pesquisa publica em 1991, restou comprovado que 61,54% tiveram origem nas Igrejas, e destas em especial a Igreja Católica, 32.97% nos movimentos populares, 9.89% no movimento sindical e, por fim, 13.19% em outros movimentos sociais. Portanto, o MNDH foi e é constituído por pessoas/militantes com formação básica deversificada, mas com um eixo unificador a luta contra a opressão, o desejo de uma sociedade democrática solidificada dos princípios da cidadania para todos, na igualdade, solidariedade, participação popular, paz social, autonomia das organizações sociais, segurança e desenvolvimento para todos.

Destaca-se que, conforme dados levantados, a atuação do conjunto das entidades que integram o MNDH é bem maior no meio urbano, do que no meio rural. Isto deve-se ao fato da existência da concentração populacional nas áreas urbanas, gerada pelo êxodo rural on?corrido no país, nas últimas décadas e conseqüentemente pelos altos graus de miséria e insegurança a que foram submetidas as populações urbanas. Esta realidade é determinante para a definição das prioridades de atuação do conjunto de entidades integrantes do MNDH dentro do enfoque da violência, portanto, é definidora do perfil histórico e das ações de caráter nacional. O meio rural não é menos conflituoso, historicamente as intervenções são pautadas pela organização dos  trabalhadores rurais em sindicatos, associações de pequenos produtores, grupos de mulheres, entre outros. A temática da violência policial, ganha uma sobrecarga na medida em que nas áreas rurais brasileiras as práticas violentas: homicídios, linchamentos, despejos, etc são geralmente realizados em parceira por jagunços2  e policiais civis ou militares.

Vale ressaltar que apoós a realização da referida pesquisa descritiva, ingressaram no MNDH diversas entidades que atuam especialmente em questões como mulher, negros, criança e adolescente, com a questão carcerária, além das que atuam em outras áreas específicas, tais como: organização comunitária e sindical, saúde, educação etc. Portanto, a apresentação dos dados aqui registrados concernentes as prioridades trabalhadas pelo MNDH no Brasil, buscam oferecer uma visualização das demandas, uma vez que, em decorrência da conjuntura e/ou necessidades locais, essas podem  ser reformadas.

A estruturação local, estadual e nacional da luta pelos direitos humanos no Brasil reflete as especificidades e necessidades estruturais e conjunturais brasileiran?s. Portanto, para entendermos as conquistas e limites da luta pelos direitos humanos no Brasil, torna-se necessário, apreender a diversidade cultural, condições sociais, econômicas e políticas a que está submetida a maioria da população brasileira. País de dimensões continentais, é o maior da América Latina e o quinto do mundo. Segundo dados do IBGE3, o Brasil possui uma extensão territorial de 8.511.996,3 Km2 e uma população de 155,8 milhões de brasileiros. Possui o maior PIB4 da América Latina e o nono do mundo, encontrando-se, portanto, no roll das nações mais desenvolvidas, segundo relatório do Banco Mundial de 1993.

Apesar de figurar no roll das nações mais ricas do mundo, internamente caracteriza-se como o país dos exilados das condições básicas de sobrevivência humana, ao deter 44% dos pobres da América Latina. São 60 milhões de pobres com 32 milhões vivendo na completa indigência. Segundo o censo de 1991, 18,4 de sua população, ou seja 28.667 milhões de brasileiros são analfabetos, ocupando o quinto lugar entre os países da América Latina, segundo dados do Banco Mundial; 15 milhões de crianças e adolescentes vivem em estado de miséria; 14 milhões de crianças e adolescentes vivem em estado de miséria; 14 milhões de famílias não têm casa própria, 44% da população urbana vive em péssimas condições; existem 3.221 favelas no país; atualmente 75% da população brasileira vive nas áreas urbanas e somente 25% permanece no campo. Segundo a ONU, o Brasil possui 38 milhões de pessoas no campo e detém o título de sexta população mais miserável do mundo; existem aproximadamente, 12 milhões de trabalhadores rurais sem terra para cultivar, segundo o IBGE 55% dos brasileiros não recorrerem aos tribunais e 68% não acreditam na polícia.

Em decorrência destes fatos, as entidades integrantes do MNDH têm priorizado as questões acima mencionadas, com especial destaque a luta contra a violência, entendida não apenas como aquela violência física sofrida por intermédio das ações repressivas estatais ou de outrem, mas todos os atos que coíbam o exercício e avanço dos direitos humanos.

As vitórias da luta pelos direitos humanos no Brasil, portanto, consistem num primeiro momento no processo de construção das organizações sociais numa visão ampla da temática afeita aos direitos políticos, sociais, econômicos e culturais. Isto, reflete o melhor grau por parcela da sociedade brasileira no que tange a consciência de seus direitos, da necessidade da organização e autonomia popular.

O contraponto destas mesma realidade, consiste nos limites impostos pelos setores político-social-econômicos que determinam, em grande medida, os rumos do país. A luta pela hegemonia do processo decisório brasileiro e sua real implementação em grande medida tem sido aos setores mais atrasados e conservadores de nossa sociedade. As decisões nacionais, em sua grande maioria, tem sido realizadas hegemonicamente pelas velhas e novas oligarquias (grandes latifundiários, empresários, banqueiros...)

As organizações sociais brasileiras tem conseguido formular, apresentar e assegurar campo normativo uma série de uma avanços, a exemplo do próprio texto constitucional de 1988, e o Estatuto da criança e do adolescente. No entanto, estas conquista no formal por si só não conseguen?m responder de imediato as nessidades nacionais, um vez que, quando se consegue assegurar uma lei que seja fruto da organização popular e que visa superar as grandes dessigualdades nacionais, geralmente as elites nacionais, também no campo formal impedis sua implementanção. Falta vontade política, falta determinação por parte dos dirigentes dos órgão públicos para a real garantia e vivência dos direitos assegurados legalmente.

Os quadros acima apresentados, buscam ofecer uma visão panorâmica dos principais fatos ocorridos, realidade vivenciada e desafios lançados  ás entidades que atuam na área dos direitos humanos, em especial ao Movimento Nacional de Direitos Humanos,  no período histórico de 1964 a  1996.

Frente a isto, torna-se preponderante tecermos algumas condições acerca das principais mudanças ocorridas no campo no país, e em que medida  as entidades têm  conseguindo dar respostas  não só no campo institucional, como também nos aspectos organizativos internos e gerais.

O Brasil nos últimos 32 anos viveu mazelas do Regime Militar, as expectativas do restabelecimento  do Regime Democrácitico e por fim vivencia a chamada democracia terceiromundista, reventida com os ares da modernidade econômica neoliberal.

A retomada do Estado de Direito ou Estado Democrático no Brasil, não representou o fim das barbáries praticadas pelos órgãos estatais, por ação ou omissão, contra a população. No período de 1964 a 1978, o país vivenciou o assassinato e perseguição a diversos cidadãos, especialmente da classe média e lideranças operárias, que ousaram discordar do sistema imposto, outro segmento social, composto pelos marginalizados sociais foi e continua sendo alvo preferencial do sistema coercitivo estatal. A violência impregnada na sociedade e no aparelho de segurança pública continuaram a ser, desde então, aperfeiçoados e ampliados. Segundo dados do MNDH5, em 16 Estados da Federação brasileira6 - Acre, Alagoas, Amazonas, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima, Rio Grande do Sul e Sergipe - entre o período de 1994 a 1995, foram assassinadas 10.073 pessoas no país. A situação carcerária por conseguinte vem se agravando a cada dia que passa, com o sucateamento dos estabelecimentos prisionais. De acordo com o Ministério da Justiça7 existem no país 511 estabelecimentos prisionais, com 59.954 vagas e uma média de 1,44 presos por vaga; destes 511 estabelecimentos prisionais, 188 encontram-se em precárias condições; 86.215 presos cumprindo pena  nos estabelecimentos penitenciários 129.169; 42.954 cumprindo pena irregularmente; a população carcerária é composta por 44,60% de brancos, 16,86% de negros, 25,65% de mulatos; 6,03% de outros e 6,86% de não tiveram sua cor identificada.  95% da população carcerária é composta de presos pobres, somente 250 estabelecimentos penitenciários desenvolvem atividades educativas, culturais e esportivas e 258 não. Portanto aqui torna-se explicito a violação do direito a ???•?a???n?vida, segurança, proteção e reinserção social, tão caros a um sistema verdadeiramente democrático.

A luta dos direitos humanos, especialmente a partir da década de 80, além da já destacada reorganização e resistência, conseguiu assegurar no campo normativo nacional uma série de conquistas, especialmente, quando da Campanha Nacional pela participação popular constituinte, que resultou na aprovação de 122 emendas populares ao projeto original da nova Constituição, que reivindicavam novos direitos, com mais de doze milhões de assinaturas. Mostrando assim,  um grande potencial propositivo de pressão e organização.

Ressalta como uma das grandes conquistas obtidas na luta pelos direitos humanos, o próprio texto da Constituição Federativa Brasileira, fruto do processo propositivo e de pressão da sociedade civil organizada brasileira. Foram assegurados novos direitos e ocorreu a reformulação de outros para as mulheres, os operários, crianças e adolescentes. Para os idosos, educação, saúde, previdência; ouve o reconhecimento do pluralismo étnico, a necessidade de punir o racismo como crime inafiançável e assegurar uma ampla noção de direitos humanos. Foram criados mecanismo de participação popular, expressos especialmente na possibilidade de por intermédio de emendas de iniciativa popular, propor emendas a Constituição Federal, além de poder participar das decisões do poder público e fiscalizá-las através do referendo e o plebiscito.

Outro elemento da maior importância para a luta dos direitos humanos no Brasil, repo???•?a???n?rta-se ao reconhecimento de que um dos princípios que regerão as relações internacionais do país, é o da prevalência dos direitos humanos (artigo 4o, item II), e que o Estado brasileiro tem como fundamento a dignidade da pessoa (artigo 1o, item III). A Constituição estabelece ainda que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja Parte (artigo 5o, parágrafo 2o, CF). Além disso, o par. 1o do art. 5o determina que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".

Por força do citado art. 5o, par. 2o, são adicionados ao elenco dos direitos constitucionalmente consagrados, os direitos e garantias expressos em tratados internacionais sobre a proteção internacional dos direitos humanos em que o Brasil é partee. A especificidade e o caráter especial dos tratados de proteção internacional dos direitos humanos ficam assim sancionados pela Constituição. Para os tratados internacionais em geral, tem-se exigido a intermediação de ato com força de lei para outorgar às suas disposições obrigatoriedade no plano interno. Os direitos garantidos nos tratados de proteção aos direitos humanos em que o Brasil é parte, deste modo, passam a integrar o elenco dos direitos direta e imediatamente exigíveis no plano do ordenamento jurídico interno".8

As conquistas obtidas pela sociedade civil organizada brasileira, no que tange ao "assegurar normativo" de direitos, conforme o exposto acima são extremamente significativas. No entanto, os limites impostos a vivência por toda a população guardam igual medida.

O Estado de Direito no Brasil, entendido como aquele onde as instituições do Estado Legislativo, Executivo e Judiciário funcionam dentro da normalidade, garantindo a aplicabilidade da lei, assegurando neste contexto, que os princípios democráticos sejam universalizados, atingindo todos os brasileiros. No entanto, a participação popular, assegurada no texto constitucional, não pode ser vivenciada por todos os segmentos sociais até hoje. Ressalta-se que, a maioria dos dispositivos constitucionais que expressam as conquistas populares, estão sem possibilidade de vigência imediata em decorrência da falta de regulamentação. As elites brasileiras, conseguiram eleger em 1989 e 1994, Presidentes da República e a maioria de Congressistas comprometidos com seus interesses, e com isso barrar, até certa medida, o avanço das conquistas populares.

Temos também, a clara opção governamental pelo estabelecimento no país das políticas afeitas ao neoliberalismo, todo um processo de desmonte institucional das garantias constitucionais trabalhistas, de saúde e educação, realizadas por intermédio das denominadas: reforma da Previdência, Lei de Diretrizes e Bases da Educação e Sistema de Saúde.

No campo da Reforma da Previdência Social, segundo propostas do Peder Executivo e Deputados conservadores que atualmente tramitam no Congresso Nacional, o trabalhador passará a ter direito a aposentadoria não por tempo de serviço, mas por tempo de contribuição, ou seja deverão trabalhar de 40 a 45 anos para poder se aposentar, sendo que, a média de vida do brasileiro é de 60 anos, o que nos leva a crer que pn?ouquíssimos serão beneficiados. Outras garantias trabalhistas também são alvo desta política de desmonte, é a instituição do contrato temporário de trabalho, que retirada do calculo dos salários dos trabalhadores os benefícios alcançados como auxílios moradia e alimentação, desvinculando-os das indenizações trabalhistas, redução do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, entre outros.

Na área da educação como pressuposto básico para o desenvolvimento sustentado de um país, as autoridades públicas tem dado mostra do descaso com que efetivamente é tratada. Em estudo apresentado pelo Instituto de Pesquisa e Econômica Aplicada - IPEA9, entre os anos de 1981 a 1990, o analfabetismo no país, entre as pessoas de 10 anos ou mais por grandes regiões está assim distriuída;

As prerrogativas normativas ao Estado de Direito, a democracia formal, em grande medida estão sendo conquistas pelo povo brasileiro. No entanto, existe uma dura realidade social que coloca em questão a legitimidade do discurso de direitos estabelecidos e sua aplicação concreta. Vivemos em nosso país, neste sentido, num grande desnível entre os direitos estabelecidos e os vivenciados pela população. Os dados apresentados por si só já comprovam que a luta pelos direitos humanos continuam a mesma. A população apesar das normas protetoras existentes e o discurso oficial do governo brasileiro, continua convivendo com o arbítrio, opressão, omissão do Estado em seus direitos básicos.

Além disso, o Programa Nacional de Direitos Humanos do Governo Federal, levando ao conhecimento da populaçn?ão brasileira, no dia 13 de maio de 1996, em grande medida atende, no campo formal, aos anseios das organizações de direitos humanos existentes no país. No entanto, o mesmo dá maior ênfase aos direitos civis, ou seja aqueles concernentes a integridade física e ao espaço de cidadania individual, deixando para outro momento, portanto o entendimento consagrado mundialmente da integridade e indissociabilidade dos direitos humanos, onde ficam os direitos sociais e culturais.

Ao nosso ver, não basta que o Governo Federal assuma e expresse que compreende que a maioria das violações aos direitos humanos no país são oriundos de uma estrutura social injusta, com graves desigualdades de renda, com desemprego, fome, dificuldades de acesso a terra, a saúde, a educação, concentração de renda, sem a tomada de medidas concretas que venham a resolver este quadro nacional. Um Plano Nacional de Direitos Humanos que se quer seja eficaz, não pode prescindir dos enfoques sociais, econômicos e culturais.

Os itens constantes do Programa Nacional de Direitos Humanos relativos ao direito a vida e a integridade física; o direito a liberdade; o direito  a igualdade perante a lei, em grande medida já estão assegurados no texto constitucional, outros são alvo de discussões e projetos de lei que tramitam no Congresso nacional, outros no entanto, são de fundamental importância a exemplo da Federalização dos Crimes contra Direitos Humanos Transferir da competência para julgar os crimes cometidos por policiais militares da Justiça Militar para a Justiça Comum, trabalhos forçados; como a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos a discriminação racial, tortura e trabalho n?da mulher.

O Programa Nacional de Direitos Humanos, coordenado pelo Ministério da Justiça, em seu texto faz clara alusão ao envolvimento dos Ministérios da Educação, do Trabalho, Cultura e Desportos, Relações Exteriores e estabelece perspectivas de ações a curto, médio e longo prazo para atender as seguintes grupos sociais: mulheres, crianças e adolescentes, negros, idosos, refugiados e migrantes brasileiros, deficientes físicos. A participação e articulação do governo com as organizações da sociedade civil constitui-se em um forte enfoque deste Programa, pretende-se no mesmo que essas realizem o trabalho de conscientização e apoio ao desenvolvimento do mesmo.

Apesar do significativo avanço para a luta pelos direitos humanos em nosso país que o Programa representa, acreditamos que, para que o mesmo possa ser realmente implementado, o governo federal deverá promover uma série de medidas de sua exclusiva competência, a exemplo de definir recursos no orçamento geral da União que atualmente não existem, adotar medidas de monitoramento objetivando assegurar que os ítens do Programa Nacional que necessitam da aprovação do Congresso Nacional possam ser aprovados, especialmente porque o governo possui a maioria no Congresso Nacional, mas no entanto, é uma maioria que geralmente aprovam os Projetos de interesse dos grandes grupos financeiros, empresários e de latifundiários. portanto, é necessário que o Governo Federal além de apresentar a sociedade nacional e internacional um Plano Nacional de Direitos Humanos, demonstre concretamente que está disposto a implementá-lo.

Entendemos ainda, que alguns dos interesses grandes problemas que afligem a população brasileira não são objetos deste Programa, em decorrência do forte poder que exercem os banqueiros, latifundiários, grandes empresários e multinacionais a exemplo da Reforma Agrária, Reforma Urbana, desmilitarização das polícias, política de emprego, garantias trabalhistas, entre outros. Portanto, ao nosso ver, existe hoje em nosso país um discurso expresso em uma carta de intenções que é o Programa Nacional de Direitos Humanos, e, até o momento uma prática de desmonte das obrigações do Estado para com o cidadão expresso nas ações concretas que visam extorquir dos trabalhadores as conquistas sociais trabalhistas...

O discurso de modernidade do Governo Federal, expressa, na verdade, uma clara opção pelo projeto neoliberal, busca esconder os privilégios assegurados a classe dominante com o plano de estabilização nacional, expresso no Plano Real. Plano este, guardião da propalada economia moderna, de primeiro mundo, que o país tem necessidade para "superar" as desigualdades existentes em todo o território nacional. Consubstancia-se em um discurso, apresenta ao mundo, de direitos próprios, aos limites de um Estado de Direito dentro da perspectiva neoliberal. O quadro de miserabilidade da população brasileira, a corrupção da máquina estatal, a falta de políticas públicas condizentes com as necessidades de educação, saúde, moradia, reforma agrária, segurança pública etc., a descrença da população empobrecida e marginalizada, portanto, é o contraponto factual deste mesmo discurso.

Os limites impostos a luta pelos direitos humanos em nosso país, portanto, não poderia ser outros do que aqueles concernentes a um pan?ís terceiromundista, que convive com dicotomia expressa pelas extremas desigualdades sociais e a existência de um arcabouço normativo de primeiro mundo, que teoricamente assegura a todos os brasileiros acesso aos direitos humanos. Um país rico em recursos hídricos, fluviais, extrativista, ambientais, com pesquisas e tecnologia de ponta, com grandes industrias nacionais e multinacionais, que possui uma das legislações mais atualizadas do mundo no que tange aos direitos  de cidadania - sociais/coletivos, trabalhistas, individuais - que convive, já no final do século XX, com casos de escravidão, massacres urbanos e rurais, com uma discriminação étnica surpreendente, com uma estrutura de estado corrupta e a serviço das oligarquias urbanas e rurais de ontem e hoje.

Os desafios para a luta dos direitos humanos, portanto, continuam vinculadas as questões básicas propaladas nas Declarações de Direitos Humanos de homens, mulheres e crianças de todas as raças. O direito a vida, o direito a segurança, o direito a moradia, o direito a terra, o direito a liberdade, o direito a participação qualificada, o direito a saúde, o direito a educação.

Temos uma história ao longo da qual tem sido trágico o desrespeito aos Direitos Humanos. Uma história marcada por profundas desigualdades, que nos constitui como um dos países com maiores diferenciações internas em relação à renda, ao acesso aos benefícios do desenvolvimento, a oportunidades de vida, à justiça, ao poder, enfim à cidadania plena.

Num contexto global de crescimento dos problemas sociais e da diferenciação entre ricos e pobres, chegamos ao século XXI com altos índices de pobreza e marginalidade social que evidenciam as deficiências e as limitações da democracia brasileira.

Ao relacionarmos a luta pelos Direitos Humanos no Brasil aos princípios da cidadania, democracia, justiça, liberdade e igualdade, conclui-se que estes valores não fazem parte da realidade da maioria da população em nossa sociedade. Dentre estes, há ainda setores mais atingidos: mulheres, negros, portadores de deficiência, crianças e adolescentes, homossexuais, idosos, índios, etc. Enfim, a maioria da população que é discriminada por suas características específicas, sendo ainda mais vulneráveis às violações de direitos. Somos uma sociedade na qual as diferenças são transformadas em desigualdades.

_______________________________

Notas

1 O MNDH à época da mencionada pesquisa descritiva, contava  com 223 entidades filiadas, responderam a pesquisa 91. Estas entidades organizam-se no país por intermédio de 8 Regionais, que compõem o MNDH. A saber: Regional Norte I, integra os Estados do Amazonas, Roraima, Rondônia e Acre, Regional Norte II, integra dos Estados do Pará, Maran?nhão o Amapá; Regional Nordeste, os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Piauí; Regional Leste I, os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo; Regional Leste II, o Estado de Minas Gerais; Regional Centro-Oeste, composto pelos Estados de Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Tocantins; Regional Sul I, o Estado de São Paulo; Regional Sul II, composto pelos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

2 Jagunços são matadores de aluguel contratados por fazendeiros para assassinar trabalhadores rurais, líderes sindicais, religiosos, advogados.

3Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

4Produto Interno Bruto

5 Movimento Nacional de Direitos Humanos realiza desde 1992 uma pesquisa nacional sobre a violência criminalizada, por intermédio de seu Banco Nacional de Dados sobre a violência criminalizada, por intermédio de seu Banco Nacional de Dados sobre Homicídios.

6 Os dados registrados pelo Banco de Dados Nacional sobre a Violêncian? Criminalizada - Movimento Nacional de Direitos Humanos - são a somatória dos homicídios ocorridos em cada Estado, nos seguintes períodos:Acre, de janeiro/94 a abril/95; Alagoas, de julho/94 a abril/95; Amazonas, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul de janeiro/94 a junho/95; Espírito Santo de janeiro a novembro/94; Piaui de maio a junho/95; Rio de Janeiro de julho/94 a junho/95; Roraima de agosto/94 a junho/95 e Sergipe de agosto/92 a junho/94.

7 Censo Penitenciário Nacional 1994, Ministério da Justiça, Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

8 Relatório Inicial Brasileiro Relativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 - Coleção Relações Internacional no 24, Brasília, 1994, pg.7 e 8.

9 DEMO, Pedro. OLIVEIRA, Liliane Lúcia N. A de. CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS, SOB O OLHAR DAS POLÍTICAS PÚBLICAS. IPEA, 1994, Brasília, p 14.

Bibliografia

AZEVEDO, Dermi. Direitos Humanos e Ordem Internacional: Questões abertas neste fim de século. in: Revista Direitos Humanos. CEDDPH.SP. 1995, p.30-36.

BOBBIO, Norberto. Liberdade e Democracia. 6ª edição. Ed. Brasiliense. SP. 1994.

 

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