DEPOIMENTO
Aos 21
dias do mês de fevereiro do ano de mil novecentos e noventa,
perante os membros da Comissão Pontifícia e Memória Popular, do
Secretário-Executivo do Movimento Nacional de Direitos Humanos,
Sr. Augustino Viet e outras personalidades que assinam o presente
termo, em testemunho da verdade, compareceu o Sr. BENEDITO JUSTINO
DOS SANTOS, brasileiro, casado, Auxiliar de Portaria da
Petrobrás, residente e domiciliado em Natal, e, espontaneamente,
prestou depoimento que abaixo se transcreve, comprometendo-se em
dizer somente a verdade e ciente de que tais declarações serão
levadas a conhecimento público da sociedade brasileira:
Que se chama
Benedito Justino dos Santos, trabalhando como Auxiliar de Portaria
da Petrobrás, desde antes de sua prisão, em 1970, fato esse
ocorrido por volta das 10 horas da noite, quando se encontrava em
sua residência, em Irajá. Tendo sido preso, foi levado de sua
residência até a Polícia do Exército, que ficava na Barão de
Mesquita, no Rio de Janeiro, onde foi recebido com espancamentos
num “CORREDOR POLONÊS”.
Que, ao chegar na
prisão, percebeu que não estava sozinho, que ali estavam muitos
companheiro; que logo após terem chegado à Polícia do
Exército, pouco tempo depois, foram levados à sala de torturas,
onde permaneceram sempre com as mãos algemadas; que foram
entrevistados e ouviu quando um dos entrevistadores que o
interrogaram dizer para um tenente, que o depoente era amigo de
Lamarca e Marighela; que existia muito sangue no chão, quando foi
torturado e que, nessas horas, eles ligaram o som de uma
motocicleta, com muita gritaria, para que ninguém ouvisse o
barulho; que os nomes de seus torturadores eram “Barbedo” e
“Évola”; que ninguém sabia se eles estavam embriagados; que
eles chegavam e iniciavam as torturas; que chegaram a lascar a
cabeça do depoente em uma das seções, digo sessões de
torturas; que a marca ainda pode ser vista; que sofria chutes e um
sargento lhe batia com uma borracha, feita de uma espécie de
pneu, ocasião em que chegou a desmaiar.
Chega a se
lembrar que esse sargento dizia: “Não sei quem é você. Só
sei lhe dizer uma coisa, não estou batendo em você porque eu
queira bater. Eu sou mandado”. Eu nada respondi. Que ele
continuou a bater à vontade; que o depoente desmaiou, não
sabendo de mais nada, tendo só tornado no outro dia; que
continuava a notar sangue no chão; que lhe deram um copo de leite
para beber, e que foi dado também para o pessoal que ali se
encontrava; foram também mandados para tomar banho; que estava
bastante machucado, tendo, inclusive, vindo um sargento e lhe
aplicado uma injeção; que dali, recolheram ao depoente e ao
pessoal para as celas; que lá na PE, a situação é essa:
torturam e torturam, e não achando nada, aplicam uma injeção
para você ficar melhor. Depois, volta para a tortura de novo. Foi
assim que aconteceu com ele depoente e com todos que por ali
passaram.
Que, depois, veio
um cidadão, após 10 a 12 dias de prisão, para reconhecer o
pessoal que passava pela Polícia do Exército. Foi onde o
depoente se lembra ter visto o Brigadeiro, hoje escolhido Ministro
do Governo Collor de Melo, Sr. Sócrates Monteiro. Que era de dia
e estava bem iluminado; que ficou distante do Brigadeiro, mais ou
menos, uns três metros; que tinha a visão perfeita; que não
sofria de problemas de visão naquela época, e que hoje sofre um
pouco devido às torturas pelas quais passou. Que, na sua
opinião, quando o elemento chega na PE, em sua maioria, faz tudo
para guardar a fisionomia que ver, digo de quem ver; porque sempre
se lembra de um dia denunciar as torturas que via e sofria; que de
maneira nenhuma, ele depoente poderia perder essa fisionomia; que
soube que ele era Brigadeiro quando viu a denúncia pelo jornal;
que nem sabia o nome dele, mas que, quando olhou, disse: eu
conheço esse cidadão.
Afirmou ainda o
depoente que respondeu a processo, tendo pegado 12 anos de
prisão; lembra-se que, nos interrogatórios, foi levado à
presença de um coronel que dizia que já sabiam de tudo, e que
não precisava dizer mais nada; que sabiam quem ele depoente era;
diziam que só queriam saber onde estavam os comunistas da
Petrobrás; que respondeu não ter nada a dizer, já que eles
sabiam de tudo; que, nessa ocasião, lascaram novamente a sua
cabeça e lhe levaram para uma banheira, tiraram-lhe a roupa e lhe
aplicaram choques elétricos; que, com esses choques, passou 8
dias sem se dar conta de si, sem saber quem era; que saiu da PE,
não sabendo especificar a data, e foi conduzido para a Polícia
Civil, em Niterói, ainda em 1970; que se lembra de ter recebido a
visita de Fleury e de outros delegados famosos de São Paulo; que
não sofreu qualquer tortura de Fleury; que não recebeu visitas
de pessoas ligadas aos Direitos Humanos porque não adiantava; era
época cruel e quem se apresentasse era preso também.
Que, já depois,
compareceu uma comissão de direitos humanos presidida por Sobral
Pinto; que houve abertura de processos na Marinha, mas foram
rasgados esses processos; tudo isso na Polícia Civil, porque, na
Polícia do Exército, ninguém se atrevia de ir lá, que eles
prendiam; que tem uma marca na perna, originada por torturas de
Évola, quando estavam, digo na ocasião em que o companheiro
Mário Alves ia sendo carregado, morto; ele ordenou que todos
ficassem em pé e de costas, de frente para a parede; que se virou
para ver e recebeu a agressão de um chute de coturno; que
conhecia Mário Alves; que sabia que Mário Alves estava preso mas
não sabia onde, não sabia que era lá; que eles mataram Mário
Alves de “caldo” porque ele era muito mais velho que eu e já
estava bastante abatido; que eu era mais forte e mais novo, na
faixa de trinta e sete anos.
Que não conhecia
Rubens Lemos até a data em que o Presidente do Sindicato dos
Petroleiros, Sr. Olegário Passos, em conversa com ele depoente,
disse que tinha um companheiro que havia sido preso também e
torturado em Recife; que foi perguntado se desejava conhecer o
companheiro e respondeu afirmativamente, porque tinha conhecido um
companheiro na PE, que era de Recife, e tinha prometido para ele
que, se vivesse, denunciava os fatos; que o nome desse companheiro
era Roberto; que queria saber se Rubens Lemos era o Roberto; que
essa conversa com o Presidente do Sindicato dos Petroleiros foi
antes de conhecer Rubens Lemos; que, depois disso, conheceu Rubens
Lemos.
Que relembra um
fato importante como prova de que aquele que sofre não esquece
jamais; que quando chegou na Polícia Civil, foi botado numa
espécie de cofre; que era um espaço em que você tem que entrar
encurvado. Na porta do cofre, tinha escrito assim: “Esta porta,
que se fecha para ti, esta mesma porta se abrirá”; que o
depoente gravou a frase e que aquilo lhe deu uma força muito
grande, porque já estava vendo os filhos, e a esposa, e aquelas
palavras lhe deram muita força, e ele disse: A porta vai se
abrir. Aquilo tinha sido escrito por alguém que já tinha estado
lá dentro.
Para finalizar,
disse que assim foi sua vida e que está pronto, a qualquer hora
que for chamado, para dar seu testemunho. Faz questão de deixar
bem claro que é para que esses fatos não aconteçam mais com
nossa juventude, nem com ninguém. Porque se ficarmos parados,
não denunciar esse tipo de tortura, por ser para nossos filhos ou
nossos netos. E ele depoente não quer que isso aconteça.
Nada mais sendo
dito nem perguntado, foi lavrado o presente termo que vai assinado
pelos presentes, pelo depoente para remessa ao Movimento Nacional
de Direitos Humanos, tudo na melhor forma.
(Assinaturas).
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