O
MNDH ORGANIZA-SE PARA UMA NOVA ETAPA DE LUTAS
Depois do painel
com as Secretarias, os participantes do Encontro dividiram-se em
oito grupos para complementar a avaliação do ultimo decênio e
para fazer propostas com vistas ao biênio 92/93, assim como para
definir o estabelecimento ou não de um eixo referencial para o
conjunto do Movimento.
A seguir,
as conclusões dos grupos sobre cada um destes itens:
- Há necessidade
de um eixo unificador para o Movimento, complementado por uma
palavra/frase que o represente. Basicamente o grupo propõe como
eixo a luta por uma vida digna para todos, pela democracia e em
oposição à violência. (grupo 1)
- É necessário
discutir uma terminologia que apresente os aspectos positivos
da luta, O MNDH deve posicionar-se contra a violência,
definindo seus vários tipos com base numa pesquisa junto aos
Centros sobre o conceito de violência a partir da prática; os
trabalhos desenvolvidos para combatê-la e as dificuldades
enfrentadas. (grupo 2)
- O eixo do MNDH
deve ser a violência dentro de uma perspectiva positiva — a
defesa da vida. A cidadania e a democracia são fundamentos
filosóficos do Movimento. Devem ser considerados o respeito à
diversidade dos Centros; a necessária capacitação para o
trabalho com a questão da violência; a passagem da mera denúncia
para a proposição de políticas públicas, inclusive de caráter
preventivo; a consciência de que o sujeito da luta é o povo.
(grupo 3)
- A construção
da cidadania, com o combate à violência nesse processo, assim
como a luta contra à violência institucional, de modo mais específico,
são eixos propostos para o Movimento. (grupo 4)
- O grupo incluiu
diferentes posições sobre o eixo do MNDH: 1. o eixo deve
continuar como o serviço à vida e à dignidade humana, através
da realização dos direitos humanos; 2. ainda não é clara a
necessidade de um eixo; 3. é necessário um eixo, mas é
prematura a sua definição; 4. é necessário definir um eixo
nesse Encontro.
O grupo tentou
justificar suas preocupações quanto aos vários
posicionamentos sobre o eixo do MNDH: muitas decisões do
Movimento não assumidas pelos grupos locais (a pesquisa indicou
que cerca de 40% dos CDHs não se organizam segundo os programas
por não verem essas linhas de ação como produto das reflexões
dos grupos locais). Neste sentido, convém atentar para o não
direcionamento vertical.
É importante
considerar uma metodologia adequada para que os grupos locais
avancem na reflexão sobre a necessidade de definir um eixo para o
Movimento. Neste sentido, convém perguntar se o MNDH é um meio
para promover a libertação dos oprimidos ou se é um fim em si
mesmo.
A violência está
presente na prática da maioria dos CDHs. Mas falta ainda uma
maior compreensão do que deve ser um eixo. Neste sentido a
estrutura do Movimento e as bandeiras de luta devem ajudar para
que se aprofunde e se generalize esta compreensão. (grupo 5)
-
O eixo deve ser a violência em suas diversas manifestações,
respeitando-se as características regionais e locais. Este eixo
deve ser colocado com clareza. E preciso ir além da denúncia. Os
CDHs devem planejar seu trabalho a partir desse eixo e das
especificidades locais, com ênfase na qualidade do trabalho em
favor de uma intervenção mais eficiente. (grupo 6)
- O eixo deve
identificar o Movimento como referencia] para a sociedade. O grupo
sugere a não violência e/ou a violência institucional.
Entende também que a defesa da vida é um eixo positivo por ser
um elemento unificador, amplo e também um fim último do
Movimento. (grupo 7)
- O eixo de luta
deve ser a violência institucional, com ênfase para a ação e
a omissão do Estado. Na sua concretização, o MNDH deve destacar
as mudanças verificadas no Estado brasileiro a partir das
intervenções da sociedade civil. (grupo 8)
2. BANDEIRAS DE
LUTA
- As bandeiras
devem ser definidas pela plenária. O grupo optou nesse sentido,
inclusive por falta de tempo. (grupo 1)
- Luta contra o
extermínio de crianças e adolescentes. (grupo 2)
- Sem priorizar
uma delas em especial, são sugeridas como bandeiras para o biênio
92/93: Reforma Agrária, política agrícola para os trabalhadores;
política de emprego; defesa da vida (física e moral) contra a
pena de morte; revisão constitucional com participação
popular; moralização do Poder Público; políticas públicas
participativas; política educacional democrática e popular;
contra o pagamento da divida externa; solidariedade aos povos
latino-americanos; luta contra a recessão; democratização da
sociedade brasileira. (grupo 3)
- Violência como
bandeira prioritária do eixo construção da cidadania”.
(grupo 4)
- As bandeiras
nacionais de luta devem ser definidas a partir de um limite que
possibilite a sua realização. O grupo sugere varias bandeiras
que devem ser priorizadas: questões regionais de violência a
partir da realidade e de suas diferentes formas; nova ética;
Direito alternativo; democracia e cidadania; saúde popular; educação;
nova compreensão da relação do ser humano com o meio ambiente (ecologia);
formação política diante das eleições; resgate da
credibilidade e do valor dos direitos humanos, projetando para
fora do Movimento uma imagem mais clara e positiva; prioridade
ao trabalho com crianças e adolescentes marginalizados. (grupo
5)
- O grupo 6 não
explicitou bandeiras de luta em seu relatório.
- É necessário
manter as mesmas bandeiras: democracia, luta contra a impunidade,
campanha em defesa da vida. Entre as prioridades, deve ser
definido um projeto alternativo contra a violência. Convém
discutir também a questão do aborto. (grupo 7)
- As bandeiras de
luta não foram aprofundadas nos CDH e nos Regionais,
dificultando o trabalho do Movimento. O MNDH deve aprofundar a
questão especifica da cidadania e da democracia, indo além da dimensão
do voto e das liberdades de expressão individual e coletiva. É
necessário também aprofundar a questão das políticas públicas.
(grupo 8)
3.
ORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO
3.1.
Conselho Nacional
-
É necessário reforçar o papel político do Conselho Nacional,
aprofundando a reflexão sobre o papel dos conselheiros dentro e
fora dos Regionais. O grupo sugere para aprofundamento e
deliberação em plenário a criação de um pequeno colegiado
(dois ou três conselheiros) dentro do Conselho — eleito pelos
próprios conselheiros — para gerir esta instância de decisão,
independentemente da Secretaria Executiva. Deve também ser bem
definido o papel dos conselheiros nos Regionais. (grupo 1)
-
Valorização do papel dos conselheiros, reforçando seu
trabalho com a formação de equipes regionais. Melhor definição
da concepção de trabalho do Conselho. (grupo 2)
-
O Conselho deve ser formado por três representantes regionais
(dois conselheiros regionais mais um representante das
Secretarias Executivas Regionais). (grupo 3)
-
O Conselho é excessivamente formal: não cumpre seu papel político.
Neste sentido é necessário redefinir a relação
Conselho/Secretaria Executiva Nacional. Além disso, o Conselho
tem que ser efetivamente representativo dos Regionais. (grupo 4)
-
A estrutura do Movimento (Conselho, Secretarias e estruturas
regionais) deve dar apoio aos Centros, das mais diversas formas.
(grupo 5)
-
O Conselho deve ser mais ativo e ter mais participação no
Movimento. (grupo 6)
-
O Conselho deve ser formado por quatro conselheiros por Regional (cada
um responsável por um programa). (grupo 7)
-
O grupo 8 não fez referência explícita ao Conselho Nacional.
3.2.
Secretaria Executiva Nacional
-
Deve ser garantida a isonomia orçamentária entre as Secretarias
do MNDH, com o encaminhamento de um projeto global do Movimento às
agências financiadoras, de modo a garantir que cada Programa
tenha as suas verbas especificas.
Uma
outra indicação do grupo é a criação de assessorias para os
programas.
Há
consenso de que a equipe da Secretaria Executiva Nacional trabalhe
de forma colegiada, com base em funções objetivamente definidas.
(grupo 1)
-
A proposta da OAB/SP deve ser considerada: a criação de grupos
de trabalho de acordo com as áreas específicas. (grupo 2)
-
O grupo colocou duas propostas:
1.
a liberação de duas ou três pessoas para trabalhar o eixo da
violência — inclusive com o apoio dos Programas de Formação e
Comunicação, com a necessária competência política e administrativa;
2. compor a secretaria com dois representantes liberados (para
representação política e execução do programa de trabalho em
torno do eixo), mais duas pessoas nos Estados para apoiar os
outros dois residentes em Brasília. (grupo 3)
-
A Secretaria deve incluir — no mínimo — dois secretários
(as) liberados (as). A Executiva não pode centralizar as
decisões da Assembléia. (grupo 4)
-
A organização atual deve ser mantida, aperfeiçoando-se e
tornando eficaz sua atuação. Deve ser discutida a possibilidade
de liberação dos três Secretários, mais um liberado em Brasília
com função mais administrativa.
Os
Secretários devem ter um grupo de apoio e assessoria permanente.
Devem trabalhar sempre em conjunto. A estrutura do MNDH em Brasília
deve ser reforçada para aprofundar a formação da militância
e a realização de ações preventivas. (grupo 5)
-
Devem ser definidos critérios com base nos objetivos do Movimento
para a escolha da Secretaria Executiva em seus vários programas,
somando esforços para ampliar a sua intervenção.
A
Secretaria deve continuar formada como está atualmente (Secretários
Executivo, de Formação, de Comunicação e de Violência/Cidadania).
(grupo 6)
-
O grupo 7 não fez referências explícitas, no relatório, sobre
a Secretaria Executiva Nacional.
-
O grupo propôs quatro formas de atuação: 1.duas pessoas na
Secretaria Executiva mais uma pessoa especializada no eixo
central; 2. duas ou mais pessoas que definiriam suas funções
entre elas; 3. duas ou três pessoas que formariam um corpo político,
voltado para a formação, violência e comunicação; 4. uma
pessoa para a Secretaria Executiva, mais uma pessoa para a
Secretaria de Ação Política e Estratégia.
O
próximo encontro da Secretaria deve definir um cronograma de
atividades a ser enviado aos Regionais. (grupo 8)
-
As alianças devem incluir os mais diversos segmentos da
sociedade, incluindo também a América Latina. (grupo 1)
-
O grupo 2 nada incluiu no relatório sobre a política de alianças.
-
É preciso distinguir as alianças das articulações. As alianças
devem ser feitas com os grupos, entidades e movimentos afinados
com as propostas do MNDH. As articulações devem ser as mais
amplas possíveis para fortalecer a luta. (grupo 3)
-
O MNDH deve fortalecer os movimentos sociais e participar de campanhas
nacionais unitárias. Os aliados orgânicos do Movimento são as
entidades com princípios afins aos do MNDH. Pode haver aliados
conjunturais em determinadas campanhas. Convém priorizar o intercâmbio
internacional. (grupo 4)
-
O relatório do grupo 5 nada colocou sobre este item.
-
É necessário ampliar as alianças e solidificar as existentes.
Nas alianças priorizar a CUT, a Pró-Central dos Movimentos
Populares, as ONGs, as Igrejas e os Movimentos (negro, mulher,
crianças e adolescentes e índios). Convém dialogar com a OAB
Federal e seções estaduais. Aprofundar as alianças na América
Latina e noutras regiões. (grupo 6)
-
O grupo 7 nada colocou a esse respeito.
-
O grupo 8 também não se posicionou sobre esse tema.
5.
ARTICULAÇÃO
-
Apenas o grupo 6 tratou do assunto, defendendo uma ampla articulação,
sem medo, com interlocutores em nível de Estado e de ONGs que
compartilhem os nossos objetivos.
PERSPECTIVAS
E PROPOSTAS PARA O MNDH
O
penúltimo dia dos trabalhos do Encontro foi dedicado às discussões
e deliberações ligadas às perspectivas de atuação do
Movimento no próximo biênio.
São
estas as principais decisões do 72 Encontro do Movimento Nacional
de Direitos Humanos (MNDH), adotadas no dia 30 de janeiro de
1992:
1.
O eixo de atuação do Movimento será o seguinte: “Pela vida,
contra a violência”.
2.
Bandeiras de luta: as bandeiras históricas do MNDH (luta pela
Reforma Agrária, contra a dívida externa, entre outras)
permanecem vigentes. Devem ser acrescentadas a elas outras
bandeiras de caráter conjuntural, de acordo com a realidade
local, regional, nacional e internacional.
3.
Organização do MNDH:
3.1.
Conselho
3.1.1.
Papel político: é necessário reforçar o papel político
do Conselho, remetendo-lhe a tarefa de resolver sua forma própria
e específica de coordenação.
3.1.2.
Composição: será mantida a atual composição do
Conselho Nacional, com dois representantes por Regional.
3.2.
Secretariado nacional
3.2.1.
Deve ser garantida a isonomia orçamentária entre as
Secretarias do MNDH, com o encaminhamento de um projeto global do
Movimento às agências financiadoras, de modo a garantir que
cada Programa tenha as suas verbas específicas.
3.2.2.
O Encontro aprova como indicação que sejam organizadas
assessorias para os Programas (Formação, Violência e
Cidadania e Comunicação).
3.2.3.
O Secretariado Nacional trabalhará de forma colegiada,
com base em funções objetivamente definidas.
3.2.4.
O Encontro acolhe como indicação a sugestão da OAB/SP
de que sejam organizadas subcomissões nos Regionais por áreas
afins de atuação no campo dos direitos humanos.
3.2.5.
A estrutura organizativa do Secretariado Nacional continuará
sendo a atual (Secretário Executivo, Secretário do Programa
de Violência e Cidadania, Secretário de Formação e Secretário
de Comunicação).
3.2.6.
Serão liberados para trabalharem em Brasília dois dos
quatro integrantes do Secretariado Nacional.
4.
Política de alianças
As
alianças devem incluir os mais diversos segmentos da sociedade,
priorizando também o intercâmbio em nível latino-americano e
com outros continentes. É preciso distinguir as alianças das
articulações. As alianças devem ser feitas com os grupos, entidades
e movimentos afinados com as propostas do MNDH. As articulações
devem ser as mais amplas possíveis para fortalecer a luta.
O
Movimento deve fortalecer o conjunto dos movimentos sociais e
participar de campanhas nacionais unitárias. Os aliados orgânicos
do Movimento são as entidades com princípios afins aos do MNDH.
Pode haver aliados conjunturais em determinadas campanhas. E
necessário ampliar as alianças e solidificar as existentes.
Nas
alianças, priorizar a CUT, a Pró-Central dos Movimentos Populares,
as ONGs, as Igrejas e os movimentos (negro, mulher, crianças e
adolescentes, índios e outros). Convém dialogar com a OAB
Federal e suas seções estaduais.
5.
Articulação
É
aprovada uma ampla articulação com organismos e interlocutores
tanto no Estado, quanto entre as ONGs, desde que compartilhem os
objetivos do MNDH. Deve ser realizado oportunamente um seminário
ou encontro para aprofundar o relacionamento entre sociedade
civil e governo.
6.
Propostas que exigem deliberação preliminar em nível regional
para posterior decisão do conselho.
6.1.
Modificar a forma de representatividade para os encontros, eliminando
o critério de um delegado por Centro e estabelecendo a
proporcionalidade de acordo com o número de filiados.
6.2.
As Secretarias Regionais sejam assumidas por um mesmo Centro
devidamente votado, com revezamento a cada dois anos.
6.3.
O papel dos Conselhos Regionais deve ser redimensionado, com
apoio financeiro para que os conselheiros possam ser mais
eficazes nos seus trabalhos. O apoio deve ser dado também às
Secretarias Regionais.
7.
Perfil indicado pela plenária para a escolha de integrantes para
o secretariado nacional.
-
Ter uma visão do trabalho no MNDH;
-
Ter jogo de cintura para fazer alianças;
-
Aberto para a dimensão da diversidade e do pluralismo;
-
Confiável;
-
Experiência acumulada nos movimentos sociais e populares;
-
Com uma caminhada histórica no Movimento;
-
Facilidade de comunicação;
-
Conhecimento da realidade dos CDHs, da região em que vive e do país;
-
Capacidade de trabalhar em grupo;
-
Sociabilidade;
-
Disponibilidade mínima de tempo para o MNDH;
-
Criatividade;
-
Responsabilidade;
-
Disposição para assumir a sua tarefa;
-
Saber ouvir;
-
Saber decidir;
-
Disposição para socializar informações;
-
Competente;
-
Ágil nos encaminhamentos;
-
Conhecimento teórico e prático da área em que atua;
-
Sensibilidade, paixão, emoção;
-
Gostar e acreditar no que faz;
-
Inserção em um projeto de trabalho;
-
Bom trânsito nos movimentos sociais.
Deve
ser reforçada, no Conselho e no Secretariado Nacional, a participação
feminina. Deve ser considerada uma distribuição geograficamente
equitativa das Secretarias.
O
Secretariado Nacional deve traçar linhas condutoras e produzir
subsídios para colaborar com as Secretarias Regionais. Os
secretários devem ser animadores dos Regionais.
A
Secretaria de Violência/Cidadania deverá buscar dados da
realidade nesse campo. Organizar, nesse sentido, um banco de
dados. Produzir subsídios sobre as raízes da violência em suas
diversas manifestações.
A
Secretaria de Formação deverá promover estudos para subsidiar
os militantes na luta pela vida.
NO
ÚLTIMO DIA AVALIAÇÃO, ELEIÇÃO E POSSE DO SECRETARIADO
A
avaliação do 72 Encontro, aprovação de moções, eleição e
posse do Secretariado Nacional foram as principais atividades no
último dia dos trabalhos, na sede da CONTAG.
Para
avaliar o encontro, a secretaria de Formação, Marisa Formolo
Dalla Vecchia, preparou um roteiro, acrescido por um questionário
sobre as atividades de cada entidade presente. A resposta foi
feita individualmente no início da manhã. Logo depois, um representante
por regional verbalizou os debates de avaliação.
Foram
aprovadas, em seguida, várias moções (transcritas neste relatório).
Começou então o processo eleitoral, coordenado por uma comissão
formada por Pedro Wilson Guimarães, Roque Grazziotin e José
Heder Benatti. Depois da apresentação dos candidatos, dizendo
se aceitariam ou não a indicação de seus nomes, foi feita uma
breve apresentação. Os primeiros escolhidos, em votação
aberta, foram os secretários do Programa de Violência e
Cidadania, Augustino Veit, de Formação, Roque Grazziotin e a
Secretária Executiva, Valéna Getúlio Brito e Silva. O
processo foi um pouco mais demorado por terem-se apresentado dois
candidatos à Secretaria de Comunicação: Dermi Azevedo, de São
Paulo e Francisco de Assis, de Belo Horizonte. Uma proposta para
refazer votação anterior, modificando a estrutura do
Secretariado para permitir a eventual escolha de dois nomes para
esta Secretaria, foi rejeitada. Mantida a estrutura e feita a votação,
Dermi Azevedo foi eleito.
Seguiu-se
a posse dos eleitos e uma breve cerimônia de encerramento do
Encontro com a palavra de Leonardo Boff. Ele homenageou com um
livro de sua autoria os participantes do 1º Encontro Nacional de
Direitos Humanos, realizado em Petrópolis, em 1982. Augustino
Veit e Marisa Formolo falaram, no final, em nome da nova equipe
do Secretariado Nacional. A recitação do Pai Nosso —com todos
os participantes de mãos dadas — marcou a conclusão do histórico
Encontro dos 10 anos do Movimento, na luta pela vida, contra a
violência.
Promoção
da Vida e da Liberdade em destaque
na
entrega do Prêmio de Direitos Humanos a Leonardo Boff
A
promoção da vida em todas as suas dimensões e a defesa da
liberdade, diante do obscurantismo, marcaram todas as
manifestações culturais, artísticas e políticas na solenidade
de entrega do Prêmio Nacional de Direitos Humanos/1991 ao teólogo
franciscano Leonardo Boff, dia 29 de janeiro último, às 20 h,
no Teatro Dulcina, em Brasília. Participaram do ato público
aproximadamente mil pessoas, entre convidados, representantes de
embaixadas e entidades da sociedade civil, religiosas e
diplomatas. Entre os integrantes da mesa estiveram o padre
Francisco Cavazutti, de Sancrerlândia (GO), cego após atentado
que sofreu por parte de latifundiários em 1987, o presidente do
Partido dos Trabalhadores (PT), Luis Inácio Lula da Silva, o
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do
Campo e Diadema, Vicente Paulo da Silva (Vicentinho), além do
bispo Almir dos Santos, representando o Conselho Nacional de
Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) e o bispo de Rui Barbosa (BA),
dom Matthias Schmidt.
A
solenidade foi iniciada com a apresentação do vídeo sobre os 10
anos do MNDH, produzido pelo Centro de Documentação e Memória
Popular de Natal (RN), com a participação do Secretariado
Nacional do Movimento. Em seguida, o mestre de cerimônias,
jornalista Delmi Azevedo, convidou os integrantes da mesa.
Apresentou
o padre Cavazutti, afirmando que “ele ousou desafiar o latifúndio
em nome do direito à vida dos trabalhadores rurais do interior
goiano” e que “balas criminosas tiram-lhe a vista física”.
Acrescentou que “os olhos de seu espírito multiplicaram, porém,
a acuidade de seu coração evangelicamente revolucionário e
solidário” e que “todos os deserdados da terra brasileira
com ele compartilharam essa visão feita comunidade” e que
Cavazutti é “um testemunho de resistência”.
Protocolarmente,
os primeiros convidados para a mesa foram os representantes
diplomáticos: os embaixadores da Noruega, Sigurd Endressen e da
Suécia, Staffan Tiliander, da República Russa, além do
encarregado de negócios do Haiti, Jean-Enard e diplomatas da Líbia
e da OLP. Seguiram-se os representantes do CONIC, bispo Almir
dos Santos, da CNBB, padre Virgílio Leite Uchoa e o bispo de Rui
Barbosa (BA), dom Matthias Schmidt, e os dirigentes dos partidos E
políticos (PPS — Osvaldo Russo, PC do B, Messias de Souza e
Lula, do PT).
Lula
foi apresentado como o líder “que simboliza a vontade de milhões
de brasileiros de transformar as estruturas de poder neste país
em estruturas a serviço das maiorias” e como “operário, pulmão
do povo e peão da sociedade civil”. Foram chamados em seguida o
senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e os representantes do MINDH
(Pedro Wilson Guimarães, coordenador do CN, Augustino Veit,
Secretário Executivo, Marisa Formolo Dalla Vecchia, Secretária
de Formação, José Heder Benatti, Secretário de Violência e
Cidadania e Demi Azevedo, Secretário de Comunicação). Em
seguida, o sindicalista Vicentinho (“uma das personalidades
mais marcantes do novo sindicalismo brasileiro e
latino-americano”) e o próprio Boff. O teólogo foi apresentado
como “um homem simples, como o pai de sua comunidade fraterna de
religiosos”. As forças do obscurantismo, dentro e fora das
Igrejas, vêm tentando — há pelo menos 21 anos — silenciá-lo
e marginalizá-lo. Com ele, parece repetir-se a manobra maquiavélica
que a história atribui a Mussolini, referindo-se a Antônio
Gramsci: “Precisamos destruir este cérebro”.
A
apresentação destacou que “no entanto, como sinal de esperança
para as CEBs das quais é um dos principais animadores, ele
resiste com as armas da verdade e da união entre coração e razão,
entre a mente e as mãos de quem escreve, de forma sempre mais
inspirada”. Enfatizou que “a história da libertação das
maiorias empobrecidas no Brasil e na América Latina registrará
sempre em seus anais o nome deste franciscano”.
Antes
dos discursos, o lavrador catarinense Vilmar Lopes entregou a
Boff um livro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
sobre a luta dos camponeses catarinenses.
Mártires
- Em nome do MNDH, o advogado Pedro Wilson Guimarães, coordenador
do Conselho Nacional, discursou em seguida. Situou a escolha de
Boff para receber o Prêmio como urna homenagem a todos os lutadores
e mártires pela democracia e justiça social no Brasil. Citou
nominalmente mártires como Margarida Maria, Santo Dias, Vladimir
Herzog, Sebastião Rosa da Paz, Marçal Tupã-Y e tantos outros
vitimados pelo sistema capitalista, excludente, elitista e
explorador.
Os
representantes dos partidos políticos discursaram logo depois,
destacando a contribuição de Boff à causa da democratização
do país. Em seu discurso, Lula disse que a entrega do Prêmio a
Boff não era um ato comum, por ser Leonardo uma figura superior,
a sua vida, na luta por uma nova ética. Referiu-se às perseguições
que setores da Cúria Romana fazem a Boff, dizendo que “só
falta mesmo o Vaticano divulgar cartazes com a imagem deste teólogo,
com a frase “Procura-se”, oferecendo uma recompensa”. No
final, Lula disse que “a luta pelos direitos humanos vai exigir
de nós um sacrifício cada vez maior” e que “nenhum de nós
deve dormir tranquilo enquanto não for garantido o direito à
cidadania para todas as pessoas.
Igrejas
— Depois de Lula, o bispo Almir dos Santos, em nome do CONIC,
agradeceu a Boff a sua contribuição como teólogo da libertação
para sistematizar uma Teologia a partir da vida e da prática
dos empobrecidos. Mensagem idêntica foi transmitida depois pelo
representante da CN13B, padre Virgílio Uchoa e pelo bispo dom
Matthias. Este chamou Boff de “mestre”.
Logo
depois, Vicentinho discursou, antes de entregar o Prêmio a Leonardo.
Contou sua história pessoal e as transformações em sua consciência,
desde quando vivia em Acari (RN) — no contexto de uma cultura
religiosa tradicionalista — até sua chegada em São Bernardo,
em 1976. A partir da entrada na Pastoral Operária, passou a
descobrir outro significado para a vida e para a religião. Disse
ter descoberto, na união fé e militância, o sentido do reino de
Deus.
Sob
muitos aplausos, Vicentinho entregou então a Boff a estatueta confeccionada
pelo artista plástico paulista Elifas Andreatto, simbolizando
uma pessoa vitima de opressão. Em agradecimento, Boff fez em
seguida seu
discurso
(transcrito na Integra neste relatório).
A
sessão foi concluída com uma apresentação especial do cantor
mineiro Rubinho do Vale, com sua música de raiz, alma do povo.
Leonardo
Boff — Agradeço ao Movimento Nacional de Direitos Humanos,
particularmente na pessoa de seu Secretário Executivo, Augustino
Veit, a concessão do 42 Prêmio Nacional de Direitos Humanos. Momentos
como estes me fazem viver o sentimento tão bem expresso por Pablo
Neruda: “é gratificante e ao mesmo tempo dilacerador
representar, por um momento, a causa dos oprimidos”. Estou aqui
no lugar de muitos e, seguramente, de outros que mais e melhor
do que eu se empenharam pela dignidade humana a partir dos milhões
de ofendidos e negados. Recebo o Prêmio como reconhecimento pela
justeza desta causa. Durante anos envidei meus melhores esforços
em resgatar em prol dos oprimidos e marginalizados e de sua
libertação o capital subversivo e revolucionário da tradição
judaico-cristã e de outros caminhos espirituais. Esforcei-me em
cobrar de cada saber, de cada poder, de cada instituição e de
cada segmento histórico-social sua colaboração especifica
para esta obra planetária e messiânica da libertação das
maiorias humilhadas de nossa sociedade. Hoje compreendo que esta
demanda não é suficiente. O crescimento mundial da opressão me
convenceu de que não apenas os marginalizados e não-garantidos
necessitam de libertação senão que todos carecemos de vida
e de liberdade. Devo combater não somente com minha teologia e
com o meu saber acumulado. Devo combater com todo o meu ser.
Este desafio deixo-o a todos aqui presentes. Tenhamos a coragem de
ser livres! Ousemos aceitar a singularidade, valorizar a diferença,
reconhecer a reciprocidade, acolher a complementariedade e assumir
uma visão holística.
Quero
enfatizar alguns acentos do Movimento Nacional de Direitos Humanos
que me parecem de desconcertante atualidade.
1.
Manter acesa a experiência fundante: a perspectiva das vítimas.
A Carta de Princípios reza que “os direitos humanos são,
fundamentalmente, os direitos das maiorias exploradas e das
minorias espoliadas, social e economicamente, a partir da visão
mesma destas categorias”. Onde encontramos uma perspectiva mais
alternativa e revolucionária que esta? É a carteira de
identidade do MNDH. Todos falam hoje dos direitos humanos. Falam
os Estados, falam as instituições financeiras internacionais,
falam as Igrejas, falam os organismos de classe, fala a mídia.
Mas de que perspectiva falam? Consultemos a literatura mundial
sobre o tema. Que ótica privilegia? A imensa maioria, com raríssimas
exceções, fala do lugar de quem tem seu direito assegurado, fala
a partir do poder, da ordem vigente, fala a partir de quem pode
falar. Quem fala a partir dos silenciados? Quem assume a
perspectiva das vítimas? Quem escuta o direito de seu grito?
Aqui
está a originalidade do MNDH. Ousou de forma consequente
colocar-se no lugar do outro. E esse outro são as maiorias
nacionais e mundiais. A partir dos humilhados e ofendidos
descobrimos a lógica da exclusão e iniquidade de nosso sistema
social. Detectamos a hierarquia dos direitos. Antes da liberdade
de ir e vir, antes do direito de expressão, antes da
espontaneidade da consciência e da garantia da propriedade está
o direito à vida e aos meios que sustentam a vida. Por isso, o
lema axial do MNDH: “servir à vida”. A vida é garantida
quando o trabalho é assegurado, quando a alimentação básica
é acessível, quando a saúde é propiciada, quando a moradia
é possibilitada, quando a educação que nos abre ao mundo do
outro nos é permitida, quando o lazer mínimo pode ser desfrutado.
Um cadáver não faia, não vai e vem, não pratica religião.
Para exercer direitos, a pessoa tem que estar viva. O direito à
vida e aos instrumentos geradores de vida constitui o direito-matriz
de todos os demais direitos.
Ora,
esse direito é o mais ameaçado; é diuturnamente violado de
todas as formas possíveis. Como falar de cidadania quando 70% são
excluídos de nossa sociedade e 40% condenados ao lumpesinato? Que
dignidade humana pode haver na exploração sistemática e na miséria
implacável? Não aceitemos o farisaismo do discurso. Vivemos
a negação quotidiana e permanente dos direitos da pessoa
humana.
Esta
negação nos confere o direito de dizer não à história dos últimos
500 anos; nos dá o direito ao protesto, à resistência e à
rebelião. Temos direito ao processo de libertação e de humanização.
Cabe-nos o direito ao sonho, à imaginação criadora, à promessa
da terra prometida e sempre negada, ao resgate de nossa humanidade
aviltada, fragmentada, esfacelada. Reivindicamos o direito de
sermos filhos e filhas da solidariedade, da colaboração e da
amizade. Não aceitamos sermos vítimas da voracidade do lobo
social. Na ótica da moderna ecologia, na natureza não triunfa
o mais forte, mas o mais aberto, o mais sensível, o mais
relacionado e o mais apto a dar, a receber e a retribuir.
Companheiros
e companheiras de caminhada destes 10 anos de MNDH: guardemos o
sonho inicial, alimentemos a mística da solidariedade e da
comunhão com os oprimidos e marginalizados, saibamos defender a
dignidade do ponto de vista das vítimas. E o ponto de vista da
vida e das transformações necessárias.
Este
ponto de vista é incompreendido por todos aqueles que caluniam
os empobrecidos, dizendo que eles nada têm e nada são; por isso
devem o Estado, as instituições e as Igrejas fazer para eles;
assisti-los; tratá-los como crianças indefesas. Com esse paternalismo
e assistencialismo, cheio de boa-vontade, negamos os oprimidos e
marginalizados como sujeitos históricos; mantemo-los como
dependentes e meros beneficiários de um processo do qual não
participam. Há aqui a negação fundamental da subjetividade
pessoal e coletiva das grandes maiorias.
O
ponto de vista das vítimas é incompreendido, também, por um
segundo grupo, por aqueles que acreditam no potencial de
trabalho dos pobres. Mas querem absorvê-los na ordem vigente,
sem prévia crítica desta ordem que só os insere de forma
subalterna, e na medida em que assumem o projeto do capital que
atrela o trabalho à sua lógica. O pobre somente entre como mão-de-obra
e não como um cidadão com capacidade de participar na elaboração
e construção do projeto de sociedade que queremos com menos
exclusões e desigualdades. Esta integração comporta uma forma
sutil de negação dos marginalizados como sujeitos históricos.
Mas
há outro grupo entre o que nós nos inscrevemos que acreditamos
na pessoa humana. Sim. Deixem-me dizê-lo: temos a coragem de
acreditar no homem e na mulher, como pessoas que amamos e
admiramos para além de suas determinações étnicas, de cultura
ou de classe. Quero repetir aqui o que me disse certa feita um líder
negro da África do Sul: “No nosso sistema, não se ama e não
se crê na pessoa humana. Apenas se crê e se aceita seus músculos,
seu saber técnico, numa palavra, sua força de trabalho que
fortalece principalmente os detentores do capital. Nós negros somos
combustível nesta máquina”.
Nós
cremos na força histórica dos pobres, em sua capacidade de desenhar
um projeto de vida e de conviviabilidade, de se organizar, de
criar e de moldar o social.
Assumir,
na luta pelos direitos humanos, a perspectiva dos pobres nos
ajuda a entender duas coisas. Em primeiro lugar, que esta luta
é de natureza política. Ela visa transformar as atuais relações
sociais, pois nelas reside a causa principal, embora não única,
da violação dos direitos fundamentais. Ela visa uma nova
sociedade, uma democracia social. Ela afirma que o principal
sujeito gestador desta democracia são os atuais excluídos de
nossas democracias. Ela pretende propiciar a emergência de um
novo tipo de cidadão, participativo, solidário, integrado e
aberto a novas criações. Em segundo lugar assumir a ótica das
vitimas dificulta a manipulação do discurso dos direitos
humanos. Os mantenedores da ordem vigente que tantos excluídos
produz não podem falar em direitos humanos como direitos das
maiorias aviltadas sem entrarem em contradição consigo mesmos,
sem terem de negar seus próprios interesses que tem na exploração
dos outros sua realização e reprodução. Eles então se
descobrem como a causa primordial da permanente violação dos
direitos humanos.
Assumir
a perspectiva das vítimas nos faz sonhar com eles do mesmo sonho
por uma sociedade inclusiva de todos os homens e de todos os elementos
de nosso entorno ecológico.
Queremos,
e como queremos, entre realizações e dificuldades, realizar com
eles, em seus movimentos e nos nossos, em todas as brechas da
ordem vigente, o novo que queremos para todos. Queremos ser já
agora as sementes da árvore do amanhã. Estamos convencidos de
que isso representa o que deve ser. E o que deve ser, possui uma
inarredável força intrínseca.
2.
Alimentar a mística, manter os sonhos
Os
eventos dos últimos anos com a derrocada do socialismo no leste
europeu e o avanço do mercado total tornaram ainda mais
imperativa nossa opção fundacional pelos oprimidos e por sua ótica.
Sem as limitações que o socialismo real impunha, a ordem capitalista
não conhece mais limites à sua vontade expansionista. Ela
toma-se mais violenta do que foi até os dias de hoje. Não sou eu
quem o diz. Afirma-o o coordenador do programa de pesquisa e
tecnologia das comunidades européias, Ricardo Petrella, num
estudo recente. O número de excluídos e vítimas, segundo ele,
vai crescer exponencialmente em nível planetário. A mundialização
da produção, dos capitais e dos serviços se faz num contexto
de uma feroz competição pela liderança mundial entre as
grandes regiões opulentas do mundo (o mercado comum europeu, os
USA, o Japão e a Rússia). Tal corrida coloca ainda mais à
margem o Terceiro Mundo e todo o grande Sul. Nos próprios países
centrais, o capitalismo mundial integrado faz mais vitimas. O número
de pobres aumentou na década de 80 tanto na Europa, quanto nos
USA. Na Europa são 50 milhões e nos USA 30 milhões. No Terceiro
Mundo, os ajustes impostos às economias nacionais para se
adequarem à lógica da mundialização, torna dramática a situação
social. Nos próximos 10 anos, dever-se-á, sem podê-lo, criar 1
bilhão de novos empregos apenas para estabilizar o nível atual
de desemprego que é da ordem de 800 milhões. Petrelia prevê
um imenso muro de excursões mediante controles e coerções
impostas pelo Norte aos mercados dos países pobres do Sul. E
conclui prevendo um crescente desrespeito da dignidade humana
como consequência de uma mesma lógica de desigualdade imposta a
todo o planeta (cf. R. Petrella, Une même logique inégalitaire
sur toute la planete, em Le Monde Diplatique,jan 1991, 6-7).
Para
a maioria da humanidade o sistema do capital não é um sonho feliz
mas um pesadelo. Dentro dele não há salvação para ela. Ele é
mais que um modo de produção. E mais que uma relação social
desigual. É um modo de pensar, de sentir, de sonhar, de viver a
amizade, de experimentar o amor, de se exercer a sexualidade e de
se organizar a família. Ele penetra por todas as formas e por
todos os poros. Ele se sustenta porque consegue produzir uma
subjetividade coletiva adequada a ele. Por esta subjetividade,
ele nos faz consumidores de seus produtos e dos valores que são
colocados neles, nos insere na dinâmica da concorrência, nos
faz divididos por dentro, nos impele a aceitar como inevitáveis
as desigualdades, quando apenas havia diferenças legítimas e nos
impõe o tipo de desenvolvimento econômico ilimitado mesmo quando
quebra os ecossistemas.
Face
a esta situação, que alternativa se reserva às vítimas? Não
será, certamente, o próprio sistema capitalista educado, ou
como alguns querem, o sistema da empresa privada com o mercado.
Amolar os dentes do lobo não lhe diminui a voracidade. Pode a
raposa, deixada dentro do galinheiro, renunciar de devorar as
galinhas? Quem cria a vitima não pode ser seu aliado e
salvador.
Não
seria, porventura, o socialismo? O socialismo como sinônimo de
democracia, a democracia social (e não apenas liberal e
representativa), a democracia participativa, eis o projeto político
que habita as mentes dos oprimidos. Esta democracia constitui o
ideal político mais antigo e mais completo da reflexão social do
Ocidente. Somente em parte foi realizada pelos socialismos históricos.
Eles tiveram o mérito de terem feito a revolução da forma.
Mas deixaram incompleta a revolução da liberdade, da beleza
e da cordialidade. Essa democracia porque é exatamente
democracia, se assenta sobre as quatro pilastras como as de uma
mesa: a participação que cria crescente igualdade que convive
com as diferenças e que se abre à comunhão das subjetividades e
a uma dialogação fraterna com os elementos todos da natureza.
Este
sonho de uma alternativa democrática à lógica excludente do
capital não morreu. Estamos, importa reconhecê-lo, na noite
escura para os nossos sonhos. Mas nos comportamos como a coruja
dos filósofos. Mesmo de noite ela vigia. Consegue ver na
penumbra, porque tem um olhar penetrante, mais forte que a
escuridão. Este olhar devemos conservar e melhorar. Ele nos
recria continuamente o horizonte da esperança. Bem dizia o poeta:
apesar da noite, temos ainda o sol, porque o nosso coração está
iluminado e arde. Não deixemos, companheiros e companheiras,
que o nosso coração cesse de arder. Senão, muitos lá fora,
por nossa culpa, vão morrer de frio. Não precisamos de 1 voz;
sabemos cantar também em silêncio”.
Para
manter vivos nossos sonhos, carecemos de mística. Mística é
aquela força interior que nos faz amar o invisível, que nos
permite colocar o tijolo para a catedral que ainda não apareceu,
mas que sabemos vai emergir do chão. É esta mística que nos r
guarda na fidelidade à causa dos oprimidos. É ela que nos
confere t aquela discreta alegria de termos optado pelo caminho
mais difícil, mas também o mais genuinamente prazeroso e
humanamente mais fecundo.
Estimo
que a nova conjuntura mundial mudada tenha uma lição sábia a
nos dar. A salvação e o resgate da dignidade humana não derivam
de uma visão só, de um saber só, de um grupo só, de uma fonte
só. Todas as culturas, toda experiência humana válida, toda
arte, toda religião, toda pronúncia séria do mundo, todo saber,
todo sonho, toda pessoa humana tem algo a contribuir para a
realização de objetivos mais altos e mais dignos do que aqueles
que hoje nos são apresentados. Ao lado da macropolítica que
visa a vida e a salvaguarda do criado, devemos exercer a micropolítica
e valorizar os atores pessoais e comunitários. A grande
transformação será fruto de transformações moleculares, de
um processo que vai acumulando novidades e singularidades a
ponto de criar uma nova lógica das relações sociais. Devemos
nos negar de repetir as mesmas idéias, de reproduzir as mesmas
atitudes; antes importa sermos revolucionários no sentido de, em
nossos próprios seres, nos movimentos nos quais militamos,
ensaiarmos o ainda não ensaiado, vivermos já aqui e agora aquilo
pelo qual lutamos para todos, sempre abertos ao evento que abre o
novo e marca o passo irreversível que rompe a fatalidade da
ordem imperante.
Opomo-nos
tenazmente ao paradigma redutor do mercado total. Nele tudo é
homogeneizado e injustamente igualizado e mercantilizado, do sexo
à mística, da religião ao aparelho doméstico. Numa perspectiva
integradora, resgatemos o valor de cada coisa, sua relativa
autonomia, sua gratuidade. Queremos alargar as frentes de nossa
luta: dos direitos da pessoa, direitos sociais, políticos e econômicos;
destes aos direitos dos povos, das minorias, das etnias; destes
aos direitos ecológicos. Cada ser que existe tem direito a
existir e ao futuro. Na nossa democracia não há somente cidadãos
humanos, mas também cósmicos; as águas, as plantas, os animais,
as montanhas, o ar e as estrelas convivem conosco como cidadãos,
irmãs e irmãos. Esta visão holística ativará potencialidades
escondidas do mistério humano; podemos sentir mais, ver mais a
fundo, pensar mais claramente, querer mais globalmente,
experimentar mais integralmente. Teremos chance de sermos mais
humanos e por isso mais aptos a vivenciar nossa dignidade e nossos
direitos.
Não
queremos partir daquilo que não temos: menos capital, menos renda
per capita, menos tecnologia, menos escolas, menos automóveis.
Queremos arrancar daquilo que temos: imensa capacidade de
conviver, de nos alegrar, de acolher, de cantar, de sentir o
sagrado, de integrar o corpo, de dar sempre “um jeitinho” como
forma de navegar socialmente evitando a dureza das leis e a
rigidez da hierarquização social e fazendo valer o direito à
singularidade e às idíossíncracias das pessoas.
Economicamente somos pobres, mas antropologicamente somos ricos.
Em termos de ternura, calor humano, tolerância, convivência dos
contrários podemos ser, como diz o poeta, “a mesa posta para as
fomes do mundo inteiro”.
Companheiros
e companheiras, amigos: esse é o espírito que nos habita, este
é o calor que nos anima, esta é a estrela que nos guia. Andamos
já 10 anos. Temos toda uma vida para crer, esperar, labutar junto
com condenados da terra, aprendendo deles lições que os mostram
não como condenados, mas como bem-aventurados, sonhando o mesmo
sonho, construindo aquela cidade na qual não haverá mais
necessidade de centros de defesa e promoção dos direitos
humanos, porque estes serão a substancia das relações sociais.
Ao
terminar quero lembrar meus companheiros e companheiras do Centro
onde eu mesmo me enraízo, em Petrópolis. De lá partiu a idéia,
há 10 anos atrás, do MNDH. Gustavo Friaça, Irmã Dulce, Dona
Hélida, Márcia Miranda, Fernando Gonçalves, Dra. Goia, Fachini,
José Américo e outros tantos constróem no mesmo canteiro que
eu. Mas particularmente quem lembrar os testemunhos maiores,
aqueles, como Cavazutti, que por amor à dignidade dos
empobrecidos realizaram em suas vidas as palavras sagradas das
Escrituras: “sofreram a provação do escárnio, experimentaram
o açoite, as correntes e as prisões; foram lapidados, foram
serrados, morreram assassinados; levaram vida errante,
oprimidos, maltratados, sofrendo privações de toda sorte. O
mundo não era digno deles” (Hbr 11, 36-38). Eles são dignos de
nossa memória, os aliados dos pobres, os amigos oprimidos. Eles
vivem e estão suscitados. Em nome deles todos, recebo o Prêmio,
eu, teólogo menor e irmão de todos.
Síntese
das avaliações do VII Encontro
Os
trabalhos do 7º Encontro foram avaliados pelos participantes na
manhã do dia 31 de janeiro. Foram recolhidas 85 respostas em
um total de 156 participantes. A destacar que vários delegados
já haviam viajado em função das distâncias e da disponibilidade
de transporte para suas localidades. A seguir, urna síntese
desta avaliação:
1.
Como você se sentiu enquanto participante do 72 Encontro?
A
maioria dos participantes manifestou um sentimento positivo
diante do Encontro. Foram ressaltados os aspectos da boa integração,
solidariedade, produtividade e descontração. Alguns
participantes sentiram, o Encontro como “cansativo” e “confuso”,
particularmente até o terceiro dia. Manifestaram dificuldades de
maior compreensão e entrosamento.
2.
Diga brevemente sua opinião sobre os seguintes aspectos do 7º
Encontro:
Metodologia:
a metodologia implementada foi entendida pela maioria dos
presentes como boa. Atendeu às expectativas. Alguns destacaram o
pouco tempo de trabalho de grupo, o que dificultou a maior troca
de experiências. Foi citada também a pouca utilização de dinâmicas
que facilitassem uma maior participação em plenária.
Algumas palestras foram consideradas excessivamente teóricas e
acadêmicas, distantes das práticas vivenciadas pelos centros e
comissões. O esforço de propiciar uma participação democrática
de todos nos diferentes momentos do Encontro foi entendido
como um dos pontos relevantes do Encontro.
Conteúdos:
A avaliação dos participantes pautou-se nas exposições dos
assessores via painéis. Neste sentido, os conteúdos apresentados
em grande maioria foram entendidos como adequados às
necessidades, deixando, contudo, a desejar na forma da exposição.
Isto nos seguintes aspectos: pouco aprofundamento, forma acadêmica,
pouca relação das exposições de alguns assessores com as temáticas.
A falta de uma análise mais ampliada da conjuntura, com ~o envio
de mais subsídios e de maior preparação anterior frente à temática,
aliou-se aos diversos níveis de compreensão ocasionados pela
formação diferenciada e tempo de caminhada no Movimento.
Sugeriu-se que os assessores sejam próximos do Movimento, ou
seja, tenham maior conhecimento de sua história, lutas,
caminhadas.
Coordenação:
A maioria dos participantes considerou a coordenação
competente e democrática. Ressaltou o processo de rodízio nas
mesas, o que possibilitou um maior envolvimento dos conselheiros
e dos secretários. Como aspectos que dificultaram um maior
envolvimento do plenário, foram ressaltados os seguintes elementos:
falta de animação, pressa na condução dos trabalhos,
democratismo. Para alguns, faltou um trabalho maior de divulgação
do Encontro à opinião pública. Ressaltou-se ainda a importância
das reuniões do conselho no decorrer do Encontro, o que contribuiu
para o bom andamento dos trabalhos.
Infra-estrutura:
Este item foi considerado bom quanto ao lazer e ao trabalho de
secretaria. Quanto à alimentação, destacou-se a não variação
do cardápio. Outro aspecto criticado foi o da falta de limpeza
nos quartos.
Outros
itens: Os participantes ressaltaram dois outros elementos na avaliação,
quais sejam: 1. A entrega do Prêmio Nacional de Direitos Humanos
e 2. 0 período de realização do Encontro. Quanto ao primeiro
ponto, avaliaram-no como um ato expressivo, bonito e marcante.
Faltou, contudo, maior participação dos setores fora do campo da
CUT e do PI, como também a ausência de algumas entidades na
composição da mesa, como por exemplo a OAB Federal e o Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua. O período de realização
do Encontro foi visto, por alguns participantes, como algo que
deve ser de no máximo cinco dias. Outra sugestão e que Mansa
F. Dalla Vecchia e José Benatti continuem como assessores do
secretariado e conselho.
Desafios
colocados ao MNDH a partir deste 7º Encontro?
-
Trabalhar o eixo em termos de uma política de formação e comunicação;
-
Trabalhar a questão das alianças e concepção;
-
Aprofundar teoricamente a questão da violência/cidadania;
-
Trabalhar o eixo com a sua diversidade;
-
Ampliar/melhor qualificar a organização, formação e
enfrentamento das questões inerentes ao eixo definido;
-
Ampliar a articulação com os Regionais;
-
Produzir mais subsídios sobre a violência, democracia e
cidadania, entre outros;
-
Profissionalizar e favorecer a formação dos militantes;
-
Fortalecer a unidade do Movimento, fortalecer os Regionais;
-
Buscar mais infra-estrutura para os Regionais;
-
Estimular os CDHs e os Regionais para que trabalhem eficazmente
em torno do eixo central;
-
Aprofundar o perfil da sociedade que o Movimento propõe-se a construir,
em conjunto com outras articulações sociais;
-
Explicitar a visão do MNDH sobre a relação capital/trabalho,
função do Estado e da sociedade civil;
-
Aprofundar a ação e o trabalho colegiado do Secretariado
Nacional do Movimento;
-
Apresentar projetos e não ficar apenas nas críticas e denúncias;
-
Manter viva a chama da esperança;
-
Transformar o Movimento em referência de direitos humanos junto
à opinião pública;
-
Preparar pessoas para assumirem a estrutura do Movimento;
-
Interferir nas instâncias de decisão governamental;
-
Fortalecer e estimular o papel dos conselheiros como ponto entre
os âmbitos nacional, regional e local;
-
Reencontrar a mística do Movimento e aprofundar a questão da
subjetividade e da afetividade da militância.
MOÇÕES
Os
participantes do 7º Encontro aprovaram, dia 31, uma série de moções
ligadas a questões de abrangência nacional e internacional.
Foram estes os temas das moções:
Internacionais:
-
Em apoio ao acordo de paz em El Salvador;
-
Em apoio ao presidente constitucional do Haiti, padre
Jean-Bertrand Aristide;
-
Em solidariedade ao brasileiro Sebastião Hoyos, preso na Suíça;
-
De repúdio à violência praticada pelo governo paraguaio contra
os brasiguaios;
-
De repúdio à atuação do cônsul do Brasil em Ciudad del Leste,
no Paraguai, pela falta de atenção a brasileiros presos
nesta localidade;
-
De repúdio ao cruel bloqueio econômico, cultural e político dos
Estados Unidos contra Cuba, desrespeitando o direito
internacional e a autodeterminação dos povos.
Nacionais
-
De solidariedade às populações atingidas pela poluição do Rio
Tapajós, no Pará, pelo mercúrio;
-
De repúdio à punição imposta pelo secretário de Policia
Civil, de Justiça e vice-governador do Rio, Nilo Batista, ao
delegado Hélio Luz que exercia a função de diretor geral do
Departamento de Polícia da Baixada Fluminense;
-
De repúdio à ação violenta da PM de Santa Catarina contra o
aposentado Quintino Cechenel;
-
De apoio à abertura completa dos arquivos da polícia política e
demais órgãos de repressão da ditadura militar para o acesso
da sociedade civil, em todo o país, permitindo o livre acesso aos
familiares de presos políticos, desaparecidos e pessoas atingidas;
-
De apoio e solidariedade aos familiares de Sérgio Antônio de
Oliveira, entregador de gás da empresa Querogás, de São Paulo,
por ter sido agredido e assassinado em dependências da 98~
delegacia da capital paulista;
-
De congratulações à iniciativa do secretário de Segurança
da Paraíba de
tentar
quebrar a impunidade dos mandantes e autores de crimes organizados
nesse Estado;
-
De repúdio ao prefeito de Itumbiara, Goiás, por
dificultar a luta pela sobrevivência de trabalhadores rurais do
município quando da comercialização de seus produtos;
-
De solidariedade aos posseiros do Rio das Rãs, em Bom
Jesus da Lapa (BA), na sua luta pela posse da terra e sua manutenção;
-
De repúdio à presença ostensiva da PM da Bahia na área
da Bahia Sul Celulose em Mucuri (BA) com várias violências
contra os trabalhadores;
-
De solidariedade ao padre Luis Fachini e aos lavradores
sem-terra acampados em Garuba (SC) no contexto do processo
judicial movido pelo latifúndio;
-
De apoio à Procuradoria Geral da República na sua atuação
pela defesa dos direitos humanos;
-
De repúdio ao processo de privatização das empresas
estatais, feito à revelia da participação popular;
-
De repúdio ao atentado cometido contra um vereador do PT
em Macapá;
-
De apoio ao padre Francisco CaVazutti, símbolo de resistência
na luta contra o latifúndio;
-
De solidariedade aos lavradores sem-terra gaúchos que serão
julgados
proximamente.
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