Considerações
Gerais
(Síntese)
O universo
pesquisado está representado por uma amostra resultante dos
centros que se dispuseram ou puderam responder, na sua
totalidade ou em parte, o questionário enviado pela Secretaria
Nacional, dos CDHs do país.
A representação
do universo, através dos que responderam, foi validada e,
consideramos tecnicamente representada a heterogeneidade do
universo dos CDHs do Brasil.
O CDH tem sua
origem em seu maior número, isto é, 48,35% com menos de 5 anos
de fundação, e, antes da existência da articulação nacional
do MNDH já existiam 20,87% do total dos CDHs.
A maioria dos
CDHs, representando 60,50% do total, estão vinculados ao MNI)H
há menos de 5 anos.
A personalidade
jurídica dos CDHs e Entidades de DII está assegurada através de
58,247c do total dos CDHs.
A origem dos CDHs
que estão vinculados ao MNDH tiveram sua proveniência das
Igrejas com um percentual de 61,54% do total dos CDHs.
A predominância,
52,75% dos CDHs que compõem o MNDH se definem enquanto forma
organizativa como assessoria, e 28,57% como movimento popular.
A área de atuação
do MNDH acontece tanto no meio urbano como no meio rural,
havendo uma atuação mais envolvente no meio urbano com destaque
para a violência policial com 65,93%~ 49,4504 no setor de moradia
e 48,35% na educação. No meio rural o destaque está com 30,76%
para o movimento sindical, 27,4704 com o meio ambiente e 24,1804
para a violência policial.
Foram analisadas
as áreas de atuação da violência policial, saúde, meio
afl1biente, movimento sindical, moradia, mulher, negro, educação,
transporte, índios e outros, tanto no setor rural como no setor
urbano e a forma de atuação, se eventual ou permanente, de
cada regional nas áreas mencionadas.
Cada regional foi
analisado com os dados e percentuais nas diversas áreas de atuação
em que estão envolvidos.
Em todos os
regionais existe apoio de alguma entidade, sendo 57,30% dos CDHs
do total que recebem, e 42,70% os que não recebem apoio de
nenhuma entidade.
Os recursos
financeiros para a manutenção dos CDHs provêm dos militantes
em 37,6704, os que têm renda própria são 26,71%, e os que têm
convênios são 11,64%. Enquanto que 23,9704 subsistem com outros
recursos.
A infra-estrutura
das entidades, enquanto sede, é na maioria dos casos, 62,35%
cedida; os que têm sede alugada são 23,53% e 14,1204 têm sede
própria.
O espaço físico
para o funcionamento dos CDHs abrange uma área de até 50m2
em 55,42% dos casos; 21,69% têm espaço de 50m2 a
100m2 e 22,89% utilizam mais de 100m2.
O uso de
equipamentos para o trabalho das equipes têm uma descrição
geral de todos os CDHs que compõem o Movimento e uma análise de
cada regional.
Quanto à
organização dos CDHs segundo os programas do MNDH de Comunicação,
Formação e Violência, percebemos que 58,02% responderam
afirmativamente; 40,74% dizem que não, e 1,23% em parte.
Para a formação
de militância, os meios mais utilizados de modo permanente são
as reuniões e de forma ocasional são os cursos.
Na origem da
militância que atua nos diversos CDHs, 51,10% participam ou
participaram de movimentos ligados à Igreja; 12,82% a partidos
políticos; 11,85% aos movimentos sindicais e 23,83% a outros
movimentos sociais e entidades. Os homens perfazem 53,01% e as
mulheres, 46,9804 dos militantes.
A escolaridade
dos membros dos CDHs caracteriza-se por 47,05% possuírem o 3º
grau; 32,59% o 22 grau; e 20,36% o 12 grau.
A faixa etária
de maior representação está entre os 21 aos 30 anos de idade
com 37,37% dos militantes, sendo 45,0% de mulheres e 54,95% de
homens. A segunda faixa etária ~ a dos 31 a 40 anos com 26,15%,
sendo 58,36% de homens e 41,64% de mulheres. A terceira faixa etária
é dos 41 a 50 anos com 14,02%, sendo 51,20% de mulheres e 48,80%
de homens. A faixa de 15 a 20 anos é de 10,77%, sendo 60,40% de
mulheres e 39,60% de homens. De 51 a 60 anos são 6,96% sendo
59,60% de mulheres e 40,40% de homens. Com mais de 60 anos temos
4,71%, sendo 69,04% mulheres e 30,95% de homens.
Foi realizada uma
análise detalhada de cada regional tanto da escolaridade como da
faixa etária dos militantes.
Dos 841
militantes que responderam a questão sobre a profissão 51,84%
são do sexo masculino e 48,51% são do sexo feminino. Foram
registradas as mais variadas profissões, havendo uma predominância
de 19,50% de professores; 12,60% de advogados; 9,04% de operários;
8,20% de agentes de pastoral.
A remuneração
dos militantes dos CDHs, apresenta o seguinte quadro: até 1 salário
mínimo, 3,01%; de 01 a 3 salários mínimos, 45,11%; de 03 a 05
salários mínimos, 3 1,58%; de 05 a 10 salários mínimos,
13,53%; com mais de 10 salários mínimos. 6,77%.
A maioria dos
militantes que compõe as equipes dos CDHs são de voluntários
representando 71,80% e os que são pagos pelas entidades são
28,20% do total de militantes.
As dificuldades
apresentadas nos CDHs foram agrupadas em dez questões
fundamentais assim distribuídas: — dos militantes 27,60%; das
verbas 23,74%; da infra-estrutura 14,07; da formação/militantes
8,32%’; de articulação/participação 6,24%, de assessoria jurídica
5,73%; de métodos do poder dominantes 5,72% de falta de apoio do
movimento popular 3,64%; de comunicação 3,12%; de ação com
outras entidades 2,12%.
As prioridades
assinaladas pelos CDHs para serem levadas em frente foram: formação
26,70%; assessoria 25,64%; violência 17,52%; comunicação
8,98%; moradia/solo urbano 9,40; sem-terra/trabalhadores rurais
2,99%; meio ambiente/ecologia 2,99%; articulação/entidades
2,14%; e ainda a indicação de outras questões representando
4,27% do total.
A pesquisa será
publicada na íntegra e enviada às entidades ligadas ao
MNDH.
Pesquisa — O
segundo momento principal do encontro, na manhã do dia 27, foi a
apresentação da pesquisa sobre as “Características Fundamentais
do Movimento Nacional de Direitos Humanos no Brasil/1991 “,
desenvolvida no ano passado pela Secretaria Nacional de Formação,
regional Sul II do MNDH e pelo Centro de Direitos Humanos de
Caxias do Sul (RS).
Prática —
Depois da apresentação da pesquisa, os participantes do Encontro
foram divididos em oito grupos para debater a pergunta: “De que
maneira a nossa concepção de direitos humanos — desenvolvida
nos 10 anos do MNDH — tem sido concretizada na prática, em
termos de nossa organização, do conteúdo e da metodologia?”
O caráter
abrangente da pergunta resultou evidentemente numa grande
diversidade de respostas, tanto sobre a identidade do MNDH, quanto
sobre as prioridades de sua atuação, os programas de trabalho
e a metodologia da práxis, adotada há dois anos. A diversidade
do Movimento foi vista majoritariamente como uma riqueza. Os grupos
apontaram, contudo, o desafio de conciliar essa diversidade com
uma ação articulada e não diretiva, em nível nacional.
Outro elemento
destacado na contribuição dos grupos foi a necessidade de uma
atuação planejada estrategicamente por parte do Movimento, a
partir deste ano. Sem isto, destacaram vários relatórios, o MNDH
corre o risco de atuar dentro de um ativismo, com poucas consequências
e pequena eficácia com vistas ao estabelecimento de políticas públicas
e privadas que contemplem a dimensão dos direitos humanos.
Uma outra
constatação dos grupos — já assinalada no relatório inicial
de Augustino Veit — foi a de que, progressivamente, no conjunto
do país, as entidades completam a atuação reativa e emergencial
com um trabalho preventivo e educativo, de caráter transformador.
Nesta tarefa, destacam-se como referenciais o trabalho conscientizador
sobre os direitos da cidadania e contra a violência estrutural e
institucionalizada. Na prática, têm sido estes os eixos da
atuação do Movimento em toda a sua história, mais particularmente
depois da conquista da democracia formal no país, no contexto
de amplas lutas da sociedade.
Foi também
apontado como desafio para o Movimento a necessidade de ampliar o
leque de alianças, permitindo que a bandeira dos direitos humanos
— na visão diferenciada e alternativa do MNDH — possa
chegar a um público cada vez mais amplo, no conjunto da
sociedade civil. Neste sentido, foi também assinalada a importância
de apresentar à opinião pública os avanços e as conquistas
desta luta. Para isto, foi sugerida a realização de campanhas
publicitárias, com apelo ao universo simbólico da população.
Os relatórios
assinalaram também o desafio da superação do amadorismo na luta
pelos direitos humanos, considerando-se, neste sentido, a campanha
que a direita faz para caracterizar esse trabalho como “defesa
de bandidos”.
Um outro desafio
apontado nos grupos é o de ligar a luta pela vida e pelos
direitos humanos com a luta pelo socialismo. Trata-se, neste
sentido, de superar o impacto da crise do socialismo nominal do
leste europeu e de construir um projeto de sociedade justa e
fraterna baseado fundamentalmente no fortalecimento da sociedade
civil e na redefinição do papel do Estado.
As referências
aos aspectos organizativos do Movimento incluíram propostas de
reformulação da estrutura do MNDH (definição mais clara do
papel do Conselho Nacional, Secretaria Executiva, Conselhos e
Secretarias Regionais). Em consequência — a partir da definição
das referências temáticas do trabalho — deveria ser reformulada
a Secretaria Executiva Nacional, com a liberação de mais um
secretário.
Por outra parte,
foi também apresentada como um dos desafios para o MNDH a questão
dos aspectos afetivos e subjetivos da militância. Trata-se de
um aspecto essencial para viabilizar o projeto da luta pela vida
e de construção da nova sociedade.
Partir das
maiorias — A última atividade do dia 27 foi a intervenção
do economista. Marcos Arruda e do teólogo Leonardo Boff,
problematizando alguns aspectos dos relatórios apresentados.
Arruda destacou a falta de um maior aprofundamento sobre o
conceito alternativo de direitos humanos desenvolvido pelo MNDH
na última década. Em sua opinião, trata-se de definir
preliminarmente o próprio conceito de ser humano, a partir de uma
visão dialética. O ser humano — disse — realiza-se dentro de
um processo de permanente construção.
Apontou, em
seguida, o desafio de conciliar a diversidade do Movimento — sua
principal riqueza — com uma ação política eficaz e
transformadora. Neste contexto, colocou também a necessidade de
aperfeiçoar a metodologia da atuação do Movimento, combinando-a
com um planejamento estratégico.
Já Leonardo Boff
enfatizou, como ponto de partida de todo o trabalho do Movimento,
a visão dos direitos humanos a partir das grandes maiorias,
vitimas da opressão e sujeitos de sua própria libertação.
Neste universo dos condenados da terra, Boff chamou a atenção
dos militantes do MNDH, de modo especial, para a realidade dos
mais marginalizados entre os marginalizados. Chamados de lúmpens
por Marx, esses milhões de crianças e jovens, adultos e
idosos, homens e mulheres subsistem inteiramente à margem da
escala de produção e consumo do sistema capitalista.
Como pensar a
construção de uma democracia sócio-ecológica, se pelo menos
40% da população é formado por esses não seres humanos que sequer
integram o exército de reserva da sociedade de mercado?
Boff refletiu,
por último, sobre a importância da mística na luta pela construção
de uma nova sociedade e colocou como desafio, neste contexto, o
desenvolvimento de uma pedagogia das massas, que inclua o trabalho
junto ao universo simbólico da sociedade.
Direitos
Humanos como sistema de valores:
tema
do 2º dia no Encontro do MNDH
A questão dos
direitos humanos como sistema de valores diante da relação
vida/violência foi o tema central do segundo dia de trabalhos no
79 Encontro Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).
Foram debatidos, na manhã do dia 28, os principais desafios que a
realidade social e do próprio Movimento coloca para os
militantes, assim como aspectos teóricos ligados ao tema.
A síntese dos
trabalhos grupais realizados dia 27 apontou um universo com 15
desafios, assim elencados:
1. Conciliação
entre a diversidade do Movimento — reconhecida consensualmente
como a sua maior riqueza — e a necessidade de uma ação
articulada, não diretiva e participativa, em nível nacional;
2. A necessidade
de uma atuação planejada de modo estratégico para obter maior
eficácia política nesse trabalho;
3. Conciliação
entre o trabalho de caráter emergencial e uma luta mais
abrangente contra a violência estrutural e institucional, no contexto
do fortalecimento da cidadania;
4. A ampliação
do leque de alianças do Movimento, abrindo a possibilidade de
inserção das bandeiras de luta do MNDH, mais além do campo
especifico das esquerdas;
5. A importância
de valorizar e divulgar os avanços dessa luta, reforçando a
auto-confiança dos setores populares;
6. A superação
do amadorismo nas atividades do Movimento, tanto para qualificar
ainda mais as próprias lutas, quanto para responder mais
eficazmente as campanhas de difamação promovidas pelas elites
direitistas;
7. A inserção
dessa luta na construção do socialismo, com base no
fortalecimento da sociedade civil e na sua hegemonia sobre o aparelho
de Estado;
8. A valorização,
nessa luta da afetividade e da subjetividade da militância;
9. O
aprofundamento do conceito alternativo de direitos humanos, a
partir de uma nova compreensão do próprio conceito de ser humano,
criador e recriador, sempre em constante mutação;
10. A reflexão e
o exercício cotidiano de uma mística que fundamente todo o
trabalho, de modo a garantir a vigência permanente da esperança
na Utopia;
11. O
aprofundamento do debate sobre o conceito e a práxis da cidadania,
no contexto de uma sociedade democrática, baseada —até mesmo
por uma motivação semântica — nos direitos e aspirações
da maioria;
12. A presença
constante, na luta, do referencial histórico, permitindo uma
compreensão mais adequada dos acúmulos realizados pelos setores
empobrecidos da população, em meio aos erros e acertos;
13. O aperfeiçoamento
dos métodos de atuação do MNDH, dentro da visão do
planejamento estratégico;
14. A implementação
de uma “pedagogia das massas” (expressão de L. Boff) que
inclua a conquista de espaços conscientizadores no significativo
universo de marginalizados na sociedade capitalista;
15. Em função
de respostas eficazes a esses desafios, coloca-se a necessidade
de aperfeiçoar a estrutura de funcionamento do MNDH.
Após a apresentação
desta síntese, houve varias intervenções em plenária,
complementando aspectos desses desafios. Entre outras contribuições,
destacaram-se a necessidade de aprofundar a compreensão do
sistema capitalista e de seus mecanismos, incluindo a violência
privada e a introjeção, em cada um dos militantes, dos seus
antivalores; a importância de conhecer e atuar no campo da comunicação
social, como condição sine qua non para implementar a pedagogia
de massas; o aprofundamento sobre a questão do gênero em todos
os espaços de luta; a compreensão de que a luta organizada e
articulada pelos direitos humanos alimenta os esforços dos
movimentos populares para que o povo empobrecido torne-se sujeito
de sua própria história.
Registraram-se
também algumas intervenções sobre o desafio representado
pela violência — em todas as suas dimensões — que ocupa, por
força da realidade, o primeiro lugar nas prioridades de 62% das
entidades filiadas ao MNDH nas cidades e de 20% delas no campo.
DH e cidadania
— Seguiu-se a esta síntese o primeiro painel do dia 28 sobre
o tema dos direitos humanos como sistema de valores. Com a participação
do antropólogo Luiz Roberto de Oliveira, professor de Antropologia
Jurídica na UnB e do teólogo Leonardo Boff.
Em sua intervenção
— uma abordagem antropológica da questão dos direitos
humanos e da cidadania no Brasil —, Luiz Roberto destacou elementos
da cultura brasileira que interferem necessariamente na questão
da cidadania, a começar pelo famoso “jeitinho”. Citou o
antropólogo Roberto da Matta, segundo o qual, no Brasil, é o
conjunto das relações pessoais que tende a englobar o mundo público
e não o contrario.
Entre outras práticas
usuais no Brasil que vão na contramão de uma plena cidadania,
destacou, por exemplo, o hábito de furar filas, o recurso a
parentes no serviço público fora das normas oficiais, o
nepotismo, a corrupção nas concorrências públicas, o
clientelismo, o corporativismo sindical e a cartorialização da
economia.
Descobertas — Já
Leonardo Boff apresentou em primeira mão, nesse painel, unia síntese
das reflexões que vem fazendo sobre a convergência entre a
caminhada das ciências e das religiões, com vistas a um maior
conhecimento da vida de todos os seres. Boff vem refletindo, em
particular, sobre a contribuição da Física Quântica nesse
sentido. Antes, destacou os pontos de encontro das religiões que
permitem uma conjunção de esforços a favor do resgate da
dignidade humana.
Estes pontos de
encontro das religiões são basicamente a valorização, promoção
e defesa da vida; compartilhar do sofrimento humano (compaixão)
e o entendimento de que todos os seres humanos são filhos e
filhas de Deus. No aspecto filosófico destacou a compreensão
do ser humano como um ser de relações, absolutamente singular.
Este ser é, ao mesmo tempo, responsável pelo seu destino e pela
sorte de seus companheiros de caminhada.
A condição
humana integra também, como um de seus elementos
essenciais, a
dimensão política. Neste aspecto, Boff enfatizou que o poder
“não pode ser satanizado, nem exorcizado”, mas que deve ser
construído coletivamente, de forma participativa.
De acordo com o
teólogo, a Física Quântica faz afirmações sobre o ser, o
movimento e a relação que oferecem contribuições
significativas para o aperfeiçoamento do ser humano. Quanto ao
ser, diz a Física que a realidade é, antes de tudo, energia e,
tendencialmente, matéria. O movimento aponta para a transição
das virtualidades dos seres e, ao pesquisar o relacionamento
dos seres, afirma que tudo se relaciona com tudo e que nada existe
fora dessa relação.
Esta ciência não
chega evidentemente a abordar a questão da consciência.
Neste sentido, destacou, uma importante contribuição provém do
teólogo e cientista Teilhard de Chardin ao falar do
infinitamente pequeno (microcosmo), do infinitamente grande
(macrocosmo) e do infinitamente complexo (a riqueza ainda tão
pouco conhecida da mente humana).
Boff ressaltou
ainda a identidade do ser humano como imagem e semelhança de
Deus, como um ser criado - criador. Por último, deixou como desafio
para a reflexão dos militantes, a pergunta: “Quais as condições
políticas, sociais, econômicas, culturais e religiosas que
propiciam ou impedem o desenvolvimento desta identidade
relacional? Que lutas precisamos travar neste sentido?”.
Violência — O
segundo painel do dia 28 analisou a questão dos direitos humanos
como sistema de valores na perspectiva jurídica e antropológica
O primeiro aspecto foi analisado pelo jurista José Geraldo de
Souza Junior, professor da UnB e ligado ao projeto “Direito
achado na rua”, O segundo foi abordado pela antropóloga Alba
Zaluar, da UNICAMP.
José Geraldo
afirmou inicialmente que — ao tratar dos direitos humanos e de
outros valores — a tendência é uni. versalizar a abordagem.
Citou, a propósito, o filósofo Merleau-Ponty que diz, numa de
suas obras, que todos defendem os mesmos valores, separando-se
porém pela qualidade dos homens que se associam nos projetos sócio-políticos.
“Liberdade e justiça para o senhor é uma coisa e para o escravo
é outra”. Refletiu depois sobre as ideologias jurídicas que
tratam dos direitos humanos, algumas delas marcadas pelo
jusnaturalismo (“é justo porque é ordenado”/ “é ordenado
porque é justo”, axiomas estes que servem, muitas vezes, para
justificar as ditaduras) e pelo juspositivismo.
Alba Zaluar
tratou dos aspectos antropológicos da violência a partir de
sua experiência nesse campo. Referiu-se particularmente ao
trabalho desenvolvido durante 10 anos na Cidade de Deus,
periferia do Rio de Janeiro, onde, desde 1979, foram assassinados
722 jovens entre 12 e 25 anos de idade, na guerra de quadrilhas
ligada ao dinheiro, ao narcotráfico e a outros motivos fúteis.
Falando como
cientista social, ressaltou “uma certa confusão no uso do
modelo revolucionário da violência para explicar e pensar a violência
dos assaltos e do narcotráfico”. Disse que não se pode
confundir, por exemplo, a violência utilizada pelos camponeses
sem terra na conquista de espaço para viver e produzir e a outra
violência usada pelos traficantes de drogas para garantir os seus
negócios e os seus lucros.
Negou procedência
à tese de que os grupos marginalizados desse setor estariam
fora do circuito capitalista. Em sua opinião, o narcotráfico é
uma das formas mais violentas e mais lucrativas já criadas
dentro do capitalismo. Vincula-se inclusive com setores do poder público
e com empresários que querem ficar ricos a qualquer custo. Alba
contestou ainda a posição daqueles que defendem uma total
omissão do Estado diante da criminalidade e daqueles que querem a
manutenção da ordem a qualquer preço.
Denunciou, no
final de sua intervenção, o caráter discriminatório do
sistema policial e jurídico que vê sempre o pobre como
criminoso, “livrando o criminoso de colarinho branco de tal
pecha”.
Debates — No
momento dos debates, Zaluar analisou o relacionamento entre o
crime organizado nas periferias urbanas e instituições como as
igrejas e associações comunitárias. Comentou também a tese de
alguns setores de esquerda de que o narcotráfico constituiria
um elemento de contestação à política do complexo industrial-militar
dos Estados Unidos na América Latina.
Quanto à
primeira questão, disse que os crentes são mais respeitados
pelos narcotraficantes do que os católicos e que os padres são
vistos de forma personalizada. As associações comunitárias têm
tido sérios problemas diante da tática aparelhista dos grupos
de narcotraficantes.
Sobre o segundo
tema, afirmou que os dados demonstram que o narcotráfico é um
pretexto utilizado pelo complexo industrial-militar
norte-americano para justificar uma nova forma de subjugação da
América Latina. Destacou, no entanto, que o narcotráfico não
vem melhorando as condições de vida dos lavradores das áreas de
plantação e cultivo, já que a parte do leão não fica com
eles. Observou que são os pobres que mais morrem nessa guerra e
que o consumo de drogas leva “à perda da condição de
sujeito e à destruição da capacidade de luta das pessoas
Sobre a legalização
das drogas disse que a proibição do uso da cocaína “serve
como pretexto para legalizar, de certa forma, a utilização de
outras drogas”. Afirmou também que “não se trata de
legalizar pura e simplesmente o uso de drogas”, lembrando que,
na Holanda e na Suíça, a permissão total desse consumo
provoca uma degeneração e uma autodestruição de muitos jovens,
levando-os à morte. Zaluar defendeu, paralelamente, uma
reformulação completa do aparelho judiciário e policial no
Brasil e na América Latina.
Sobre o tema da
legalização das drogas, José Gemido disse que se trata,
preliminarmente, de verificar o nível dessa medida, já que há
muitas drogas legalizadas. “Na produção da lógica de classe,
a produção da violência de uma classe é chamada de direito e
de outra classe é chamada de violência”, afirmou. Manifestou
também sua preocupação com a lógica dos Estados paralelos
“no contexto de uma sociedade que transformou a violência em
Direito”.
José Geraldo fez
essa referência a partir de uma intervenção de Humberto
Cunha, da Sociedade Paraense de Direitos Humanos, sobre a atuação
do narcotráfico no interior do Pará, criando uma espécie de
Estado paralelo no município de Itaituba. Respondendo a uma
outra pergunta, Geraldo manifestou sua preocupação com a
generalização dos linchamentos em todo o país, “uma prática
extremamente perversa, baseada no egoísmo, na vingança e na
descrença no Poder Judiciário”.
Por sua vez,
Leonardo Boff interveio no debate para afirmar que “as formações
históricas que conhecemos, em quase todo o mundo, são caracterizadas
pelas desigualdades e pela exclusão das maiorias”. Neste
sentido, declarou que “é necessário, a partir dos excluídos,
criar um novo estilo de convivência, acentuando o relacionamento
entre os seres humanos e criando uma verdadeira democracia sócio-cósmica”.
Brasil
1992: Painel destaca vários aspectos da crise
Os vários
aspectos da crise sócio-econômica e política do Brasil, da América
Latina e do mundo que interferem nas práticas sociais
transformadoras foram debatidos no painel do último dia 28,
às 20 h, no segundo dia dos trabalhos do 72 Encontro Nacional do
MNDH. Os painelistas foram o economista Marcos Arruda, do
PACS/Cone Sul e o advogado e filósofo Roberto Aguiar, da UnB.
Arruda partiu, em
sua intervenção, da hipótese de que a grande crise nacional e
internacional “é a crise da democracia”, acrescentando que
“não é possível pensar o Brasil de modo desvinculado do que
acontece nas outras partes do mundo”. Analisou depois o
processo de rápidas transformações econômicas, representado
pela configuração de um grande mercado global, O principal símbolo
dessa nova realidade é a organização de grandes
mega-conglomerados mercantis, de alcance mundial.
Nesse processo de
alta concentração tecnológica e de capitais, o sistema devora
as empresas de menor porte e continentaliza a economia, O mundo
— explicou — passa a ser hegemonizado, de acordo com uma divisão,
repleta de contradições, entre os Estados Unidos, a Europa
Ocidental (principalmente a Alemanha) e o Japão, na região asiática.
A consolidação
do modelo liberal (aqui e ali pontilhado por uma maquilagem
social) modifica o papel do Estado, dentro de uma política
generalizada de privatizações. Esta nova divisão
internacional do trabalho está ligada à emergência de uma grave
crise que se traduz, por exemplo, no crescimento da violência,
na destruição do meio ambiente e sobretudo na degradação da
condição humana (suicídios, consumo de drogas e outras formas
de fuga e alienação).
Aumenta —
destacou Arruda — o fosso Norte-Sul, em termos de renda,
consumo, tecnologia e bem-estar. Em função disso, projeta-se um
cenário nacional e internacional cada vez mais apocalíptico,
revelado em um maior empobrecimento, na dizimação das populações
marginalizadas, no desenvolvimento de novos instrumentos de
cooptação e no crescimento visível da violência, em todas as
suas manifestações.
Sobre a
conjuntura econômica brasileira, Arruda afirmou que o governo
federal renunciou ao crescimento econômico, ao aperfeiçoamento
do parque produtivo e, principalmente, aos investimentos no campo
social. Em função disso privilegia uma política econômica
subordinada ao FMI, com consequências desastrosas.
Entre 1980 e
1990, o Brasil pagou 163,2 bilhões de dólares pelo serviço de
sua dívida externa. Enquanto isto, a divida externa brasileira
era de 64,2 bilhões de dólares em 1980, quantia esta que passou
para 121 bilhões de dólares em 1990. “Quanto mais pagamos,
mais devemos”, destacou o economista.
Marcos Arruda
situou o problema da dívida no contexto latino-americano, O
montante do endividamento externo da América Latina é de 430
bilhões de dólares. Ligou também essa realidade à formação
do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), que está sendo
implantado sem qualquer consulta à sociedade civil dos países
envolvidos.
Nesse sentido,
informou sobre a incipiente articulação de movimentos
sindicais e populares do Cone Sul para a formação de uni
movimento de integração dos povos dessa região. Trata-se de
uma salda para enfrentar o projeto intregracionista planejado pelas
elites.
Revisão — Em
sua intervenção no painel, Roberto Aguiar fez, numa espécie de
terapia grupal, uma ampla revisão do papel dos militantes progressistas
e de suas organizações, à luz das recentes mudanças nos sistemas
políticos, culturais e ideológicos. Foram estas, em síntese, as
suas principais reflexões:
1. As forças
reacionárias aperfeiçoam os seus métodos de atuação, baseados
em formulações estratégicas, profissionalmente elaboradas. Enquanto
isto, as forças progressistas agem de forma amadorística e insistem
nas divergências em tomo de pontos secundários;
2. Os movimentos
sociais e populares — em urna conjuntura adversa — ainda se
mantêm apegados a uma atuação defensiva;
3. Falta ainda,
nesse campo, uma maior capacidade de abertura para o novo e de
previsão de cenários (planejamento estratégico);
4. O campo
progressista rende-se muito facilmente à propaganda do sistema
capitalista que proclama o fim da história com base na crise do
socialismo nominal. Há mesmo quem afirme que a dialética morreu
e que a luta de classes acabou;
5. Ú necessário
recuperar a visão da liberdade como um processo, como uma
conquista cotidiana;
6. O corpo não
pode ser esquecido. O prazer precisa ser reintroduzido na luta,
retomando-se a alegria. “Somos profundamente sentimentais e
muito pouco amorosos”, afirmou;
7. O
revigoramento da dimensão ética é outro desafio fundamental. Segundo
Aguiar, às vezes é difícil distinguir entre a “ética” da
direita e da esquerda.
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