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Considerações Gerais

(Síntese)

 

O universo pesquisado está repre­sentado por uma amostra resultante dos centros que se dispuseram ou pu­deram responder, na sua totalidade ou em parte, o questionário enviado pela Secretaria Nacional, dos CDHs do país.

A representação do universo, através dos que responderam, foi vali­dada e, consideramos tecnicamente representada a heterogeneidade do universo dos CDHs do Brasil.

O CDH tem sua origem em seu maior número, isto é, 48,35% com menos de 5 anos de fundação, e, antes da existência da articulação nacional do MNDH já existiam 20,87% do to­tal dos CDHs.

A maioria dos CDHs, representan­do 60,50% do total, estão vinculados ao MNI)H há menos de 5 anos.

A personalidade jurídica dos CDHs e Entidades de DII está assegurada através de 58,247c do total dos CDHs.

A origem dos CDHs que estão vin­culados ao MNDH tiveram sua prove­niência das Igrejas com um percentual de 61,54% do total dos CDHs.

A predominância, 52,75% dos CDHs que compõem o MNDH se de­finem enquanto forma organizativa como assessoria, e 28,57% como movimento popular.

A área de atuação do MNDH acon­tece tanto no meio urbano como no meio rural, havendo uma atuação mais envolvente no meio urbano com des­taque para a violência policial com 65,93%~ 49,4504 no setor de moradia e 48,35% na educação. No meio rural o destaque está com 30,76% para o movimento sindical, 27,4704 com o meio ambiente e 24,1804 para a violência policial.

Foram analisadas as áreas de atuação da violência policial, saúde, meio afl1biente, movimento sindical, moradia, mulher, negro, educação, transporte, índios e outros, tanto no setor rural como no setor urbano e a forma de atuação, se eventual ou per­manente, de cada regional nas áreas mencionadas.

Cada regional foi analisado com os dados e percentuais nas diversas áreas de atuação em que estão envolvidos.

Em todos os regionais existe apoio de alguma entidade, sendo 57,30% dos CDHs do total que recebem, e 42,70% os que não recebem apoio de nenhuma entidade.

Os recursos financeiros para a ma­nutenção dos CDHs provêm dos mili­tantes em 37,6704, os que têm renda própria são 26,71%, e os que têm convênios são 11,64%. Enquanto que 23,9704 subsistem com outros recursos.

A infra-estrutura das entidades, en­quanto sede, é na maioria dos casos, 62,35% cedida; os que têm sede alu­gada são 23,53% e 14,1204 têm sede própria.

O espaço físico para o funciona­mento dos CDHs abrange uma área de até 50m2 em 55,42% dos casos; 21,69% têm espaço de 50m2 a 100m2 e 22,89% utilizam mais de 100m2.

O uso de equipamentos para o tra­balho das equipes têm uma descrição geral de todos os CDHs que compõem o Movimento e uma análise de cada regional.

Quanto à organização dos CDHs segundo os programas do MNDH de Comunicação, Formação e Violência, percebemos que 58,02% responderam afirmativamente; 40,74% dizem que não, e 1,23% em parte.

Para a formação de militância, os meios mais utilizados de modo perma­nente são as reuniões e de forma oca­sional são os cursos.

Na origem da militância que atua nos diversos CDHs, 51,10% partici­pam ou participaram de movimentos ligados à Igreja; 12,82% a partidos políticos; 11,85% aos movimentos sindicais e 23,83% a outros movimen­tos sociais e entidades. Os homens perfazem 53,01% e as mulheres, 46,9804 dos militantes.

A escolaridade dos membros dos CDHs caracteriza-se por 47,05% possuírem o 3º grau; 32,59% o 22 grau; e 20,36% o 12 grau.

A faixa etária de maior representação está entre os 21 aos 30 anos de idade com 37,37% dos militantes, sendo 45,0% de mulheres e 54,95% de homens. A segunda faixa etária ~ a dos 31 a 40 anos com 26,15%, sendo 58,36% de homens e 41,64% de mu­lheres. A terceira faixa etária é dos 41 a 50 anos com 14,02%, sendo 51,20% de mulheres e 48,80% de homens. A faixa de 15 a 20 anos é de 10,77%, sendo 60,40% de mulheres e 39,60% de homens. De 51 a 60 anos são 6,96% sendo 59,60% de mulheres e 40,40% de homens. Com mais de 60 anos temos 4,71%, sendo 69,04% mu­lheres e 30,95% de homens.

Foi realizada uma análise detalhada de cada regional tanto da escolaridade como da faixa etária dos militantes.

Dos 841 militantes que responde­ram a questão sobre a profissão 51,84% são do sexo masculino e 48,51% são do sexo feminino. Foram registradas as mais variadas profissões, havendo uma predominância de 19,50% de professores; 12,60% de advogados; 9,04% de operários; 8,20% de agentes de pastoral.

A remuneração dos militantes dos CDHs, apresenta o seguinte quadro: até 1 salário mínimo, 3,01%; de 01 a 3 salários mínimos, 45,11%; de 03 a 05 salários mínimos, 3 1,58%; de 05 a 10 salários mínimos, 13,53%; com mais de 10 salários mínimos. 6,77%.

A maioria dos militantes que compõe as equipes dos CDHs são de voluntários representando 71,80% e os que são pagos pelas entidades são 28,20% do total de militantes.

As dificuldades apresentadas nos CDHs foram agrupadas em dez questões fundamentais assim distri­buídas: — dos militantes 27,60%; das verbas 23,74%; da infra-estrutura 14,07; da formação/militantes 8,32%’; de articulação/participação 6,24%, de assessoria jurídica 5,73%; de métodos do poder dominantes 5,72% de falta de apoio do movimento popular 3,64%; de comunicação 3,12%; de ação com outras entidades 2,12%.

As prioridades assinaladas pelos CDHs para serem levadas em frente foram: formação 26,70%; assessoria 25,64%; violência 17,52%; comuni­cação 8,98%; moradia/solo urbano 9,40; sem-terra/trabalhadores rurais 2,99%; meio ambiente/ecologia 2,99%; articulação/entidades 2,14%; e ainda a indicação de outras questões representando 4,27% do total.

A pesquisa será publicada na ínte­gra e enviada às entidades ligadas ao

MNDH.

 

Pesquisa — O segundo momento principal do encontro, na manhã do dia 27, foi a apresentação da pesquisa sobre as “Características Fundamen­tais do Movimento Nacional de Direi­tos Humanos no Brasil/1991 “, desen­volvida no ano passado pela Secreta­ria Nacional de Formação, regional Sul II do MNDH e pelo Centro de Di­reitos Humanos de Caxias do Sul (RS).

Prática — Depois da apresentação da pesquisa, os participantes do Encontro foram divididos em oito grupos para debater a pergunta: “De que maneira a nossa concepção de di­reitos humanos — desenvolvida nos 10 anos do MNDH — tem sido concreti­zada na prática, em termos de nossa organização, do conteúdo e da meto­dologia?”

O caráter abrangente da pergunta resultou evidentemente numa grande diversidade de respostas, tanto sobre a identidade do MNDH, quanto sobre as prioridades de sua atuação, os pro­gramas de trabalho e a metodologia da práxis, adotada há dois anos. A diver­sidade do Movimento foi vista majori­tariamente como uma riqueza. Os gru­pos apontaram, contudo, o desafio de conciliar essa diversidade com uma ação articulada e não diretiva, em ní­vel nacional.

Outro elemento destacado na contribuição dos grupos foi a necessidade de uma atuação planejada estrategi­camente por parte do Movimento, a partir deste ano. Sem isto, destacaram vários relatórios, o MNDH corre o risco de atuar dentro de um ativismo, com poucas consequências e pequena eficácia com vistas ao estabelecimento de políticas públicas e privadas que contemplem a dimensão dos direitos humanos.

Uma outra constatação dos grupos — já assinalada no relatório inicial de Augustino Veit — foi a de que, progressivamente, no conjunto do país, as entidades completam a atuação reativa e emergencial com um trabalho pre­ventivo e educativo, de caráter trans­formador. Nesta tarefa, destacam-se como referenciais o trabalho conscien­tizador sobre os direitos da cidadania e contra a violência estrutural e insti­tucionalizada. Na prática, têm sido es­tes os eixos da atuação do Movimento em toda a sua história, mais particu­larmente depois da conquista da de­mocracia formal no país, no contexto de amplas lutas da sociedade.

Foi também apontado como desafio para o Movimento a necessidade de ampliar o leque de alianças, permitin­do que a bandeira dos direitos huma­nos — na visão diferenciada e alterna­tiva do MNDH — possa chegar a um público cada vez mais amplo, no con­junto da sociedade civil. Neste senti­do, foi também assinalada a importân­cia de apresentar à opinião pública os avanços e as conquistas desta luta. Pa­ra isto, foi sugerida a realização de campanhas publicitárias, com apelo ao universo simbólico da população.

Os relatórios assinalaram também o desafio da superação do amadorismo na luta pelos direitos humanos, considerando-se, neste sentido, a campanha que a direita faz para caracterizar esse trabalho como “defesa de bandidos”.

Um outro desafio apontado nos grupos é o de ligar a luta pela vida e pelos direitos humanos com a luta pe­lo socialismo. Trata-se, neste sentido, de superar o impacto da crise do so­cialismo nominal do leste europeu e de construir um projeto de sociedade justa e fraterna baseado fundamental­mente no fortalecimento da sociedade civil e na redefinição do papel do Es­tado.

As referências aos aspectos organizativos do Movimento incluíram pro­postas de reformulação da estrutura do MNDH (definição mais clara do papel do Conselho Nacional, Secretaria Executiva, Conselhos e Secretarias Regionais). Em consequência — a par­tir da definição das referências temáti­cas do trabalho — deveria ser reformu­lada a Secretaria Executiva Nacional, com a liberação de mais um secretário.

Por outra parte, foi também apre­sentada como um dos desafios para o MNDH a questão dos aspectos afeti­vos e subjetivos da militância. Trata-se de um aspecto essencial para viabi­lizar o projeto da luta pela vida e de construção da nova sociedade.

Partir das maiorias — A última ati­vidade do dia 27 foi a intervenção do economista. Marcos Arruda e do teó­logo Leonardo Boff, problematizando alguns aspectos dos relatórios apre­sentados. Arruda destacou a falta de um maior aprofundamento sobre o conceito alternativo de direitos huma­nos desenvolvido pelo MNDH na úl­tima década. Em sua opinião, trata-se de definir preliminarmente o próprio conceito de ser humano, a partir de uma visão dialética. O ser humano — disse — realiza-se dentro de um pro­cesso de permanente construção.

Apontou, em seguida, o desafio de conciliar a diversidade do Movimento — sua principal riqueza — com uma ação política eficaz e transformadora. Neste contexto, colocou também a ne­cessidade de aperfeiçoar a metodolo­gia da atuação do Movimento, combi­nando-a com um planejamento es­tratégico.

Já Leonardo Boff enfatizou, como ponto de partida de todo o trabalho do Movimento, a visão dos direitos hu­manos a partir das grandes maiorias, vitimas da opressão e sujeitos de sua própria libertação. Neste universo dos condenados da terra, Boff chamou a atenção dos militantes do MNDH, de modo especial, para a realidade dos mais marginalizados entre os margina­lizados. Chamados de lúmpens por Marx, esses milhões de crianças e jo­vens, adultos e idosos, homens e mu­lheres subsistem inteiramente à mar­gem da escala de produção e consumo do sistema capitalista.

Como pensar a construção de uma democracia sócio-ecológica, se pelo menos 40% da população é formado por esses não seres humanos que se­quer integram o exército de reserva da sociedade de mercado?

Boff refletiu, por último, sobre a importância da mística na luta pela construção de uma nova sociedade e colocou como desafio, neste contexto, o desenvolvimento de uma pedagogia das massas, que inclua o trabalho jun­to ao universo simbólico da sociedade.

 

Direitos Humanos como sistema de valores:

tema do 2º dia no Encontro do MNDH

 

A questão dos direitos humanos como sistema de valores diante da re­lação vida/violência foi o tema central do segundo dia de trabalhos no 79 Encontro Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH). Foram debatidos, na manhã do dia 28, os principais desafios que a realidade social e do próprio Movimento coloca para os militantes, assim como aspectos teóricos ligados ao tema.

A síntese dos trabalhos grupais rea­lizados dia 27 apontou um universo com 15 desafios, assim elencados:

1. Conciliação entre a diversidade do Movimento — reconhecida consensualmente como a sua maior riqueza — e a necessidade de uma ação articulada, não diretiva e par­ticipativa, em nível nacional;

2. A necessidade de uma atuação planejada de modo estratégico pa­ra obter maior eficácia política nesse trabalho;

3. Conciliação entre o trabalho de caráter emergencial e uma luta mais abrangente contra a violência estrutural e institucional, no con­texto do fortalecimento da cidada­nia;

4. A ampliação do leque de alianças do Movimento, abrindo a possibi­lidade de inserção das bandeiras de luta do MNDH, mais além do campo especifico das esquerdas;

5. A importância de valorizar e di­vulgar os avanços dessa luta, re­forçando a auto-confiança dos se­tores populares;

6. A superação do amadorismo nas atividades do Movimento, tanto para qualificar ainda mais as pró­prias lutas, quanto para responder mais eficazmente as campanhas de difamação promovidas pelas elites direitistas;

7. A inserção dessa luta na cons­trução do socialismo, com base no fortalecimento da sociedade civil e na sua hegemonia sobre o apare­lho de Estado;

8. A valorização, nessa luta da afeti­vidade e da subjetividade da mi­litância;

9. O aprofundamento do conceito al­ternativo de direitos humanos, a partir de uma nova compreensão do próprio conceito de ser huma­no, criador e recriador, sempre em constante mutação;

10. A reflexão e o exercício cotidiano de uma mística que fundamente todo o trabalho, de modo a garan­tir a vigência permanente da espe­rança na Utopia;

11. O aprofundamento do debate so­bre o conceito e a práxis da cida­dania, no contexto de uma sociedade democrática, baseada —até mesmo por uma motivação semântica — nos direitos e aspi­rações da maioria;

12. A presença constante, na luta, do referencial histórico, permitindo uma compreensão mais adequada dos acúmulos realizados pelos se­tores empobrecidos da população, em meio aos erros e acertos;

13. O aperfeiçoamento dos métodos de atuação do MNDH, dentro da visão do planejamento estratégico;

14. A implementação de uma “peda­gogia das massas” (expressão de L. Boff) que inclua a conquista de espaços conscientizadores no sig­nificativo universo de marginali­zados na sociedade capitalista;

15. Em função de respostas eficazes a esses desafios, coloca-se a neces­sidade de aperfeiçoar a estrutura de funcionamento do MNDH.

Após a apresentação desta síntese, houve varias intervenções em plená­ria, complementando aspectos desses desafios. Entre outras contribuições, destacaram-se a necessidade de apro­fundar a compreensão do sistema ca­pitalista e de seus mecanismos, in­cluindo a violência privada e a intro­jeção, em cada um dos militantes, dos seus antivalores; a importância de conhecer e atuar no campo da comu­nicação social, como condição sine qua non para implementar a pedagogia de massas; o aprofundamento sobre a questão do gênero em todos os espa­ços de luta; a compreensão de que a luta organizada e articulada pelos di­reitos humanos alimenta os esforços dos movimentos populares para que o povo empobrecido torne-se sujeito de sua própria história.

Registraram-se também algumas in­tervenções sobre o desafio representa­do pela violência — em todas as suas dimensões — que ocupa, por força da realidade, o primeiro lugar nas priori­dades de 62% das entidades filiadas ao MNDH nas cidades e de 20% delas no campo.

 

DH e cidadania — Seguiu-se a es­ta síntese o primeiro painel do dia 28 sobre o tema dos direitos humanos como sistema de valores. Com a parti­cipação do antropólogo Luiz Roberto de Oliveira, professor de Antropolo­gia Jurídica na UnB e do teólogo Leonardo Boff.

Em sua intervenção — uma aborda­gem antropológica da questão dos di­reitos humanos e da cidadania no Brasil —, Luiz Roberto destacou ele­mentos da cultura brasileira que inter­ferem necessariamente na questão da cidadania, a começar pelo famoso “jeitinho”. Citou o antropólogo Ro­berto da Matta, segundo o qual, no Brasil, é o conjunto das relações pes­soais que tende a englobar o mundo público e não o contrario.

Entre outras práticas usuais no Brasil que vão na contramão de uma plena cidadania, destacou, por exem­plo, o hábito de furar filas, o recurso a parentes no serviço público fora das normas oficiais, o nepotismo, a cor­rupção nas concorrências públicas, o clientelismo, o corporativismo sindical e a cartorialização da economia.

 

Descobertas — Já Leonardo Boff apresentou em primeira mão, nesse painel, unia síntese das reflexões que vem fazendo sobre a convergência en­tre a caminhada das ciências e das re­ligiões, com vistas a um maior conhe­cimento da vida de todos os seres. Boff vem refletindo, em particular, sobre a contribuição da Física Quânti­ca nesse sentido. Antes, destacou os pontos de encontro das religiões que permitem uma conjunção de esforços a favor do resgate da dignidade hu­mana.

Estes pontos de encontro das reli­giões são basicamente a valorização, promoção e defesa da vida; compartilhar do sofrimento humano (com­paixão) e o entendimento de que todos os seres humanos são filhos e filhas de Deus. No aspecto filosófico desta­cou a compreensão do ser humano como um ser de relações, absoluta­mente singular. Este ser é, ao mesmo tempo, responsável pelo seu destino e pela sorte de seus companheiros de caminhada.

A condição humana integra também, como um de seus elementos

essenciais, a dimensão política. Neste aspecto, Boff enfatizou que o poder “não pode ser satanizado, nem exor­cizado”, mas que deve ser construído coletivamente, de forma participativa.

De acordo com o teólogo, a Física Quântica faz afirmações sobre o ser, o movimento e a relação que oferecem contribuições significativas para o aperfeiçoamento do ser humano. Quanto ao ser, diz a Física que a rea­lidade é, antes de tudo, energia e, tendencialmente, matéria. O movimento aponta para a transição das virtualida­des dos seres e, ao pesquisar o rela­cionamento dos seres, afirma que tudo se relaciona com tudo e que nada existe fora dessa relação.

Esta ciência não chega evidente­mente a abordar a questão da cons­ciência. Neste sentido, destacou, uma importante contribuição provém do teólogo e cientista Teilhard de Char­din ao falar do infinitamente pequeno (microcosmo), do infinitamente gran­de (macrocosmo) e do infinitamente complexo (a riqueza ainda tão pouco conhecida da mente humana).

Boff ressaltou ainda a identidade do ser humano como imagem e semelhança de Deus, como um ser criado - criador. Por último, deixou como de­safio para a reflexão dos militantes, a pergunta: “Quais as condições políti­cas, sociais, econômicas, culturais e religiosas que propiciam ou impedem o desenvolvimento desta identidade relacional? Que lutas precisamos tra­var neste sentido?”.

 

Violência — O segundo painel do dia 28 analisou a questão dos direitos humanos como sistema de valores na perspectiva jurídica e antropológica O primeiro aspecto foi analisado pelo jurista José Geraldo de Souza Junior, professor da UnB e ligado ao projeto “Direito achado na rua”, O segundo foi abordado pela antropóloga Alba Zaluar, da UNICAMP.

José Geraldo afirmou inicialmente que — ao tratar dos direitos humanos e de outros valores — a tendência é uni. versalizar a abordagem. Citou, a propósito, o filósofo Merleau-Ponty que diz, numa de suas obras, que to­dos defendem os mesmos valores, se­parando-se porém pela qualidade dos homens que se associam nos projetos sócio-políticos. “Liberdade e justiça para o senhor é uma coisa e para o es­cravo é outra”. Refletiu depois sobre as ideologias jurídicas que tratam dos direitos humanos, algumas delas mar­cadas pelo jusnaturalismo (“é justo porque é ordenado”/ “é ordenado porque é justo”, axiomas estes que servem, muitas vezes, para justificar as ditaduras) e pelo juspositivismo.

Alba Zaluar tratou dos aspectos an­tropológicos da violência a partir de sua experiência nesse campo. Refe­riu-se particularmente ao trabalho de­senvolvido durante 10 anos na Cidade de Deus, periferia do Rio de Janeiro, onde, desde 1979, foram assassinados 722 jovens entre 12 e 25 anos de ida­de, na guerra de quadrilhas ligada ao dinheiro, ao narcotráfico e a outros motivos fúteis.

Falando como cientista social, res­saltou “uma certa confusão no uso do modelo revolucionário da violência para explicar e pensar a violência dos assaltos e do narcotráfico”. Disse que não se pode confundir, por exemplo, a violência utilizada pelos camponeses sem terra na conquista de espaço para viver e produzir e a outra violência usada pelos traficantes de drogas para garantir os seus negócios e os seus lu­cros.

Negou procedência à tese de que os grupos marginalizados desse setor es­tariam fora do circuito capitalista. Em sua opinião, o narcotráfico é uma das formas mais violentas e mais lucrati­vas já criadas dentro do capitalismo. Vincula-se inclusive com setores do poder público e com empresários que querem ficar ricos a qualquer custo. Alba contestou ainda a posição daque­les que defendem uma total omissão do Estado diante da criminalidade e daqueles que querem a manutenção da ordem a qualquer preço.

Denunciou, no final de sua inter­venção, o caráter discriminatório do sistema policial e jurídico que vê sempre o pobre como criminoso, “li­vrando o criminoso de colarinho bran­co de tal pecha”.

 

Debates — No momento dos deba­tes, Zaluar analisou o relacionamento entre o crime organizado nas perife­rias urbanas e instituições como as igrejas e associações comunitárias. Comentou também a tese de alguns setores de esquerda de que o narcotrá­fico constituiria um elemento de con­testação à política do complexo indus­trial-militar dos Estados Unidos na América Latina.

Quanto à primeira questão, disse que os crentes são mais respeitados pelos narcotraficantes do que os católicos e que os padres são vistos de forma personalizada. As associações comunitárias têm tido sérios proble­mas diante da tática aparelhista dos grupos de narcotraficantes.

Sobre o segundo tema, afirmou que os dados demonstram que o narcotrá­fico é um pretexto utilizado pelo com­plexo industrial-militar norte-americano para justificar uma nova forma de subjugação da América Latina. Desta­cou, no entanto, que o narcotráfico não vem melhorando as condições de vida dos lavradores das áreas de plan­tação e cultivo, já que a parte do leão não fica com eles. Observou que são os pobres que mais morrem nessa guerra e que o consumo de drogas le­va “à perda da condição de sujeito e à destruição da capacidade de luta das pessoas

Sobre a legalização das drogas dis­se que a proibição do uso da cocaína “serve como pretexto para legalizar, de certa forma, a utilização de outras drogas”. Afirmou também que “não se trata de legalizar pura e simples­mente o uso de drogas”, lembrando que, na Holanda e na Suíça, a per­missão total desse consumo provoca uma degeneração e uma autodestruição de muitos jovens, levando-os à morte. Zaluar defendeu, paralelamen­te, uma reformulação completa do aparelho judiciário e policial no Brasil e na América Latina.

Sobre o tema da legalização das drogas, José Gemido disse que se tra­ta, preliminarmente, de verificar o ní­vel dessa medida, já que há muitas drogas legalizadas. “Na produção da lógica de classe, a produção da violência de uma classe é chamada de direito e de outra classe é chamada de violência”, afirmou. Manifestou também sua preocupação com a lógica dos Estados paralelos “no contexto de uma sociedade que transformou a violência em Direito”.

José Geraldo fez essa referência a partir de uma intervenção de Humber­to Cunha, da Sociedade Paraense de Direitos Humanos, sobre a atuação do narcotráfico no interior do Pará, criando uma espécie de Estado parale­lo no município de Itaituba. Respon­dendo a uma outra pergunta, Geraldo manifestou sua preocupação com a generalização dos linchamentos em todo o país, “uma prática extrema­mente perversa, baseada no egoísmo, na vingança e na descrença no Poder Judiciário”.

Por sua vez, Leonardo Boff inter­veio no debate para afirmar que “as formações históricas que conhecemos, em quase todo o mundo, são caracte­rizadas pelas desigualdades e pela ex­clusão das maiorias”. Neste sentido, declarou que “é necessário, a partir dos excluídos, criar um novo estilo de convivência, acentuando o relaciona­mento entre os seres humanos e crian­do uma verdadeira democracia só­cio-cósmica”.

 

Brasil 1992: Painel destaca vários aspectos da crise

 

Os vários aspectos da crise sócio-econômica e política do Brasil, da América Latina e do mundo que inter­ferem nas práticas sociais transforma­doras foram debatidos no painel do úl­timo dia 28, às 20 h, no segundo dia dos trabalhos do 72 Encontro Nacional do MNDH. Os painelistas foram o economista Marcos Arruda, do PACS/Cone Sul e o advogado e filósofo Roberto Aguiar, da UnB.

Arruda partiu, em sua intervenção, da hipótese de que a grande crise nacional e internacional “é a crise da democracia”, acrescentando que “não é possível pensar o Brasil de modo desvinculado do que acontece nas ou­tras partes do mundo”. Analisou de­pois o processo de rápidas transfor­mações econômicas, representado pela configuração de um grande mercado global, O principal símbolo dessa nova realidade é a organização de gran­des mega-conglomerados mercantis, de alcance mundial.

Nesse processo de alta concen­tração tecnológica e de capitais, o sistema devora as empresas de menor porte e continentaliza a economia, O mundo — explicou — passa a ser hegemonizado, de acordo com uma di­visão, repleta de contradições, entre os Estados Unidos, a Europa Ociden­tal (principalmente a Alemanha) e o Japão, na região asiática.

A consolidação do modelo liberal (aqui e ali pontilhado por uma maqui­lagem social) modifica o papel do Es­tado, dentro de uma política generali­zada de privatizações. Esta nova di­visão internacional do trabalho está ligada à emergência de uma grave cri­se que se traduz, por exemplo, no crescimento da violência, na des­truição do meio ambiente e sobretudo na degradação da condição humana (suicídios, consumo de drogas e ou­tras formas de fuga e alienação).

Aumenta — destacou Arruda — o fosso Norte-Sul, em termos de renda, consumo, tecnologia e bem-estar. Em função disso, projeta-se um cenário nacional e internacional cada vez mais apocalíptico, revelado em um maior empobrecimento, na dizimação das populações marginalizadas, no desen­volvimento de novos instrumentos de cooptação e no crescimento visível da violência, em todas as suas manifes­tações.

Sobre a conjuntura econômica bra­sileira, Arruda afirmou que o governo federal renunciou ao crescimento econômico, ao aperfeiçoamento do parque produtivo e, principalmente, aos investimentos no campo social. Em função disso privilegia uma políti­ca econômica subordinada ao FMI, com consequências desastrosas.

Entre 1980 e 1990, o Brasil pagou 163,2 bilhões de dólares pelo serviço de sua dívida externa. Enquanto isto, a divida externa brasileira era de 64,2 bilhões de dólares em 1980, quantia esta que passou para 121 bilhões de dólares em 1990. “Quanto mais pa­gamos, mais devemos”, destacou o economista.

Marcos Arruda situou o problema da dívida no contexto latino-america­no, O montante do endividamento ex­terno da América Latina é de 430 bi­lhões de dólares. Ligou também essa realidade à formação do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), que está sendo implantado sem qualquer consulta à sociedade civil dos países envolvidos.

Nesse sentido, informou sobre a in­cipiente articulação de movimentos sindicais e populares do Cone Sul pa­ra a formação de uni movimento de in­tegração dos povos dessa região. Tra­ta-se de uma salda para enfrentar o projeto intregracionista planejado pe­las elites.

Revisão — Em sua intervenção no painel, Roberto Aguiar fez, numa espécie de terapia grupal, uma ampla revisão do papel dos militantes pro­gressistas e de suas organizações, à luz das recentes mudanças nos siste­mas políticos, culturais e ideológicos. Foram estas, em síntese, as suas prin­cipais reflexões:

1. As forças reacionárias aperfeiçoam os seus métodos de atuação, basea­dos em formulações estratégicas, profissionalmente elaboradas. En­quanto isto, as forças progressistas agem de forma amadorística e insis­tem nas divergências em tomo de pontos secundários;

2. Os movimentos sociais e populares — em urna conjuntura adversa — ainda se mantêm apegados a uma atuação defensiva;

3. Falta ainda, nesse campo, uma maior capacidade de abertura para o novo e de previsão de cenários (planejamento estratégico);

4. O campo progressista rende-se mui­to facilmente à propaganda do sistema capitalista que proclama o fim da história com base na crise do socialismo nominal. Há mesmo quem afirme que a dialética morreu e que a luta de classes acabou;

5. Ú necessário recuperar a visão da liberdade como um processo, como uma conquista cotidiana;

6. O corpo não pode ser esquecido. O prazer precisa ser reintroduzido na luta, retomando-se a alegria. “So­mos profundamente sentimentais e muito pouco amorosos”, afirmou;

7. O revigoramento da dimensão ética é outro desafio fundamental. Se­gundo Aguiar, às vezes é difícil distinguir entre a “ética” da direita e da esquerda.

 

 

 
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