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Insurreição Comunista de 1935
em Natal e Rio Grande do Norte

Rômulo Wanderley
Pesquisador(a)

ABC Pesquisadores Insurreição Comunista de 1935

 

 

 

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História do Batalhão de Segurança
Rômulo Wanderley, 1969


Origens da Intentona Vermelha
A políca enfrenta os Comunistas
A MALOGRADA REBELIÃO EXTREMISTA NO ESTADO
PREDIÇÕES DE UM VISIONÁRIO FATALMENTE CONFIRMADAS
O ATAQUE À CASA DE DETENÇÃO
O SERIDÓ ORGANIZA A SUA DEFESA
A NOVEMBRADA VERMELHA NA PALAVRA DO COM. DA P.M.

 

 

ORIGENS DA INTENTONA VERMELHA

“MARISTAS” E “CAFEÍSTAS” MISTURAM-SE AOS COMUNISTAS – UMA VITÓRIA EFÊMERA – FRACASSO AO MOVIMENTO NO PAÍS E EM NATAL – COMUNISTAS E HERÓIS DE ÚLTIMA HORA

          A nossa Polícia Militar, que já era provas exuberantes do modo como sabia defender as instituições constitucionais, os poderes legalmente instalados e a ordem pública em geral, escreveu, em novembro de 1935, uma página das mais honrosas para a sua história.
          Naquele mês, o Estado ia-se normalizando. Acabara de sair de uma agitadíssima luta política, em que duas facções se bateram pela eleição do primeiro governador constitucional, após a Revolução de 30. Foi vencido, apesar dos recursos totais que lançara mão, o govêrno estadual, tendo a frente o Dr. Mário Câmara, que, nessa época, contava com um forte aliado, o Sr. Café Filho, chefe de uma poderosa corrente política, com profundas origens populares, vindas de campanhas desfechadas contra os quatro últimos governadores da 1.ª República.
          Da eleição indireta, realizada pela Assembléia Legislativa, saíra governador o ex-Deputado Federal Rafael Fernandes, candidato do Partido Popular. Eleição difícil, levada a efeito num clima pesado, em que os 14 deputados da corrente populista, que o elegeram, tiveram, antes, que passear pela Paraíba, temendo qualquer atentado inclusive seqüestro, pois a eleição do Dr. Rafael Fernandes estava por poucos votos.
          No dia 29 de outubro houve a posse do nôvo govêrno (na mesma tarde da sua eleição, que teve a garanti-la a Justiça Eleitoral, presidida pelo Desembargador Antônio Soares, exemplo de integridade e de desassombro no cumprimento do dever.
          Assumindo o Poder, o ex-deputado mossoroense precisava, antes de tudo, pacificar o Estado. Mas, tinha que governar com o seu partido, ou melhor, de acôrdo, rigorosamente, com o seu partido, que apresentava uma série de reivindicações. Uma delas era a dissolução da Guarda Civil, corporação de cerca de 300 homens, quase todos (alguns até exaltados) filiados a corrente política chefiada por Mário Câmara e Café Filho.
          E, fiel aos compromissos assumidos, e a cuja realização não podia fugir, o Dr. Rafael Fernandes dissolveu a Guarda Civil.
          Foi uma bomba o efeito dêsse ato. Uns o encaravam como vingança política. Outros, como pura perseguição aos adversários derrotados. Alguns, como ato desumano, que deixava sem pão trezentas famílias!
          Os conspiradores comunistas, filiados à Aliança Nacional Libertadora, exultaram com a crise. E se já pensavam num levante, prontamente cuidaram dele.
          Na noite 23 de novembro, 25 dias apenas instalado o govêrno Rafael Fernandes, aproveitando-se da presença do Governador, do Comandante do 21.º B.C., do Comandante da Polícia e outras autoridades no Teatro Carlos Gomes, deram o grito de revolução. Sargentos e cabos do Exercito prenderam os oficiais que estavam ou apareceram no Quartel da Praça Tomaz de Araújo. O Dr. João Medeiros Filho, chefe da Polícia, que foi até lá informar-se do que havia, foi imediatamente detido também, e sòmente por felicidade não caiu diante de um pelotão de fuzilamento, segundo conta êle próprio em seu livro Meu depoimento. (imprensa Oficial, Natal, 1936).  
          Colhidas as autoridades de surprêsa, fácil se tornou a vitória (embora efêmera) dos insurretos. Como se verá adiante, dominado o quartel do Exército, viram de um momento para outro, multiplicado o número de combatentes, porque apareceram civis de todos os lados, armando-se com o fardo material bélico de dispunha o 21.º quartel dêste partiram para o quartel da Polícia Militar, para o Esquadrão de Cavalaria, e para a Detenção, atacando e sendo repelidos bravamente, mas, vencendo por fim, em virtude da superioridade de armas e de homens, com que contaram.
          Os maristas-cafeístas, muitos dêles sem saber que se tratava de um movimento de fundo comunista, entraram em cheio no movimento. O que visavam era derrubar o govêrno de Rafael Fernandes, a que devotavam justificado ódio. E muitos, para vencer o adversário inexorável, eram capazes mesmo de aderir a qualquer revolução, até mesmo pensando sempre que os fins justificam os meios.
          A vitória rápida os empolgou. Por três dias julgaram liquidada a situação que o Partido Popular conquistara nas urnas. O governador e seus auxiliares refugiados num navio estrangeiro. Um govêrno revolucionário logo constituído e instalado na Vila Cincinato, antiga residência oficial dos governadores “do tempo da burguesia capitalista...”
          Um jornal oficial, composto e impresso nas oficinas da Imprensa Oficial do Estado, com proclamações, um ato destituindo do cargo de governador o Dr. Rafael Fernandes. E assim por diante.
          Depois, viria a extradição dêste, e dos membros do seu govêrno. O fuzilamento ou enforcamento na Praça 7 de Setembro, seguindo-se o confisco dos seus bens em favor dos cofres da Revolução.
***
          Porém, a extensão do movimento, por todo o país, não se verificou como pensavam os chefes da Praça Pedro Velho.
          Na Paraíba não houve levante, como escreveram os redatores de A Liberdade. A revolução no Recife não passou de Jaboatão. No Rio, o levante do 3.º R.I., embora tenha custado o sacrifício de alguns brasileiros, foi abafado, para tranqüilidade da família brasileira. Não houvera sincronização entre os conspiradores, diziam êles mais tarde. Para outros, houve uma patriótica sabotage da política do Distrito Federal, que, sabendo qual a data certa que os comunistas haviam marcado para o levante em todo o território nacional, telegrafou para os chefes de Natal, dando-lhes o dia 23 de novembro. E assim, houve confusão e, conseqüentemente, o fracasso do movimento.
          Da terça-feira à noite para o amanhecer da quarta-feira, 27, começou a debandada. Todo mundo queria desfazer-se de armas e fardamento. Os que nele ingressaram, sem convicção comunista, e sòmente por oposição ao govêrno estadual, puxavam os cabelos, arrependidos, como aquêles covardes da Inconfidência Mineira ou da Revolução Pernambucana de 1817.
          Poucos foram os Tiradentes e os Miguelinhos! E muitos os Silvérios dos Reis...
          As autoridades, encarregadas de apurar as responsabilidades, por sua vez, não tiveram mãos a medir. Não acreditavam nas declarações dos acusados. Fazendeiros e comerciantes, modestos funcionários públicos, sem nenhuma simpatia pelas doutrinas de Marx e Lenine, foram presos, processados, condenados e deportados. Poucos foram os que voltaram aos seus lares, tendo pago um alto preço pela leviandade com que se precipitaram na quartelada.
          Por sua vez, apareceram muitos “heróis” depois daquela data. Heróis que seriam desmascarados se alguém pretendesse escrever a História Secreta da Revolução de 35 no Rio Grande do Norte!  
          Sem querer imitar o panfletário Marat, da Revolução Francesa, vamos tentar, com sobriedade e imparcialidade, descrever o que foi o sangrento levante. Para tanto, recorremos à documentação existente e aos depoimentos dos participantes da Resistência, (que merece ser escrita com letra maiúscula).

 

A POLÍCIA ENFRENTA OS COMUNISTAS

A RESISTÊNCIA NO QUARTEL DA PRAÇA CEL. LINS CALDAS – UMA LUTA DE 19 HORAS – A MORTE DE LUIZ GONZAGA – DE QUEM FOI A MÃO DE SANGUE – O QUE ESCREVEU JOÃO MEDEIROS FILHO, CHEFE DE POLÍCIA

          No capítulo anterior, traçamos, em linhas ligeiras, fases do levante comunista de novembro de 1935. Agora, procuramos, em pinceladas mais largas, descrever o que foi a heróica resistência da Política aos ataques dos adeptos do credo vermelho, no quartel da Praça C.el Lins Caldas, no Esquadrão de Cavalaria, na Detenção de Natal e no Seridó.
          A eclosão do movimento, a cujas origens nos referimos linhas atrás, verificou-se pouco depois das 19 horas, do dia 23 de novembro daquêle ano.
           No Teatro Carlos Gomes (hoje Alberto Maranhão), realizava-se uma solenidade de diplomação de alunos do Colégio Santo Antônio, dirigido pelo irmãos maristas. Lá estavam o Governador Rafael Fernandes e outras autoridades, e grande parte da sociedade natalense. Em meio ao silêncio, ouviram-se tiros pelas ruas. O Tenente Francisco Bilac de Fria, que representava o comando da Polícia na festividade, disse ao Capitão José Bezerra de Andrade, ajudante-de-obras do Governador, que aquêles tiros eram de armas automáticas e que, lògicamente, indicavam início de revolução.
          Sem perda de tempo, Bilac (que era “oficial de dia”) toma um carro e se dirige ao quartel da Polícia. Porém, já não pôde nêle penetrar. Os rebeldes o atacavam entrincheirados nas casas da rua fronteiriça (Leste) e pelos lados sul e norte. Municiado como estava, pois à porta do Teatro recebera 50 cartuchos de revólver, que encomendara a um amigo, e tendo à cinta uma cartucheira completa, começou a atirar, respondendo ao fogo cerrado dos atacantes. Nisso, chega ao local o Coronel Otaviano Pinto Soares, comandante do 21.º B.C., que, assumindo o comando das operações, ordenou-lhe que fosse tomar a usina da Força e Luz, em cujas oficinas Bilac não conseguiu introduzir-se.
           Voltando ao seu quartel, Bilac nele penetrou e uniu-se aos seus companheiros. Ali já estavam também o Ten.-C.el Luís Júlio, comandante da Polícia Militar e outros oficiais e inferiores. E a odisséia se arrastou por tôda a noite. Eram 49 homens dentro do velho casarão da Rua da Salgadeira, todos lutando bravamente, para evitar fôsse êle tomado pelos rebeldes. Antes de entrar no quartel, Bilac de Faria desalojou os comunistas de 4 casas residenciais, posição que êles retomaram, em virtude da superioridade de homens de que dispunham.
          Mas era impossível resistir por muito tempo. As munições iam-se esgotando dentro da improvisada praça de guerra, enquanto os comunistas tinham armas e munições à vontade, trazidas do quartel do 21.º. pelas 2 horas da tarde de domingo, os nossos heróis reuniram-se para tomar uma deliberação gravíssima. A munição estava terminada. E não deviam entregar-se inertes e vencidos ao cruel inimigo. Resolveram, então, por unanimidade, abandonar o quartel pelos fundos, deflagrando, na retirada os derradeiros cartuchos. Foi aí, ou melhor, foi depois de ter abandonado o quartel, quando já estavam à margem do rio, preparando-se para atravessá-lo, que o soldado Luís Gonzaga foi ferido mortalmente. Portanto, a mão de sangue que ficou impressa, numa parede do quartel, não foi sua e sim de outro herói, Antônio Gervásio Pinheiro que também foi ferido, e gravou-a na parede, na hora de tentar abrir uma porta de emergência.
          Atravessando o Potengi, os defensores do quartel e do bom nome da Polícia Militar tomaram rumos diferentes. Uns foram para a Redinha, outros para os mangues, onde procuraram ocultar-se da perseguição dos comunistas, os quais acabavam de apodera-se de uma praça de guerra sem gente e sem munição.
          João Medeiros Filho (ob. cit.) dá os nomes dos oficiais e subalternos, inclusive cinco civis, dentre os quais o poeta Damasceno Bezerra, que garantiram a defesa do quartel, defendendo-o dentro de suas paredes, durante 19 horas:

“Coronel do Exército José Otaviano Pinto Soares; Major Luís Júlio; Capitão Joaquim Teixeira de Moura; 1.º Ten. José Paulino de Medeiros (ferido); 2.os Ten. Francisco Bilac de Faria e Pedro Sílvio de Morais; 1.os sargentos Celso Anselmo Pinheiro (ferido), Gastão Andrade dos Santos, Luís Gonzaga César de Paiva, Júlio César Pinheiro, Euclides Moreira e Silva; 2.os  sargentos, José Ferreira Marinho, Pedro Vicente de Lima, Sebastião de Sousa Revoredo; 3.os sargentos, Carlos Fernandes da Costa, Artur Paulo da Silva, Geraldo Ribeiro Machado, Celso Dantas Neto, José Antônio da Silva, Antônio Balbino, José Pastel da Silva; cabos Antônio Mineiro, Manuel Augusto dos Santos, José Firmino da Silva, Severino Carneiro, Bento Pacífico de Medeiros, Jorge Felinto Rodrigues, Montano Francisco de Barros, Cirineu Umbelino de Medeiros, Guilherme Filgueira de Mendonça, Francisco Ribeiro, João Tiago Ferreira, José Ferreira de Lima; soldados João Nepomuceno Sobral, Francisco Teodoro de Freitas, José Rodrigues de Aguiar (ferido), João Ranulfo de Carvalho, Estêvão Carlos Galvão, Nilo Correia de Medeiros, José Leão de Paiva, Leonel de Sousa Cabral, Noel Francisco da Costa, Luís Gonzaga, Manuel Inácio de Sousa, Manuel Soares da Silva, José Duda de Lima, João Fernandes Bezerra, Francisco José da Rocha, Genésio Carneiro Bezerra, José da Costa, Luís Medeiros, Antônio Gonçalves de Araújo Neto, Abel Alves de Oliveira, José Paulo da Silva, José Paulino da Silva, Firmino Francisco de Melo, José Fernandes Sobrinho, Severino Baraúna da Silva, Francisco Saraiva Dantas, Manuel Félix Ribeiro, Anísio Dantas de Vasconcelos, Joaquim Policarpo Galhardo, Antônio Ananias Pereira, Antônio Rosendo Pires, João Baptista do Nascimento, José Ananias Pereira, Antônio Gomes de Araújo, Antônio Gervásio De Medeiros (ferido), Joaquim Barbosa (ferido) e Severino Mendes (ferido); civis Lucrécio Pegado Cortez, João Batista de Andrade, Vicente de Medeiros, Washington Capistrano e Damasceno Bezerra.
Dêsses, apenas quarenta e poucos homens tomaram parte na refrega.
Conquanto tenham todos pelejado bravamente, é de justiça reconhecer o valor da atuação do Coronel Pinto Soares, Major Luís Júlio, Cap. Joaquim de Moura, Ten. Bilac de Faria e José Paulino de Medeiros, sargentos Pedro Vicente, Gastão de Andrade, Guilherme Filgueira e Geraldo Machado. O segundo, sexto e sétimo foram promovidos a tenentes-coronéis e 2.os tenentes, respectivamente.   
Em relação ao Ten. José Paulino de Medeiros, (Zuza Paulino), logo após o início das hostilidades, o seu aparecimento no quartel causou estranheza, por ser elemento contrário ao seu gôverno, tendo o Cap. Joaquim de Moura escalado dois sargentos, um dos quais o Sr. Gastão de Andrade, para o vigiarem, com ordens severíssimas. No decorrer da luta, porém, o Ten. Zuza demonstrou muita coragem cumprindo o seu dever de soldado.
O Ten. Pedro Vicente, o homem da metralhadora, merece a admiração de quantos se impressionam ante os atos de bravura.
Bilac de Faria, em companhia de Geraldo Machado e outros, praticou verdadeiras loucuras. Saiu muitas vêzes do quartel, em pleno tiroteio, para acometer o inimigo pela retaguarda, conseguindo enfraquecer-lhe o ataque.   
A energia que revelaram o Coronel Pinto Soares e o Tenente Coronel Luís Júlio, transpondo, como transpuseram, as linhas rebeldes para dirigir a resistência, é digna do nosso respeito.
Por fim, sobressai o bravo Cap. Moura, a figura central de tão extraordinário feito de armas.”

A MALOGRADA REBELIÃO EXTREMISTA NO ESTADO

 A EPOPÉIA DO QUARTEL DA POLÍCIA MILITAR – CINQÜENTA HOMENS, CERCADOS, COMBATERAM DEZENOVE HORAS

(“A República” de 5-12-35)

          Uma descrição do C.el Pinto Soares, comandante do 21.º B.C., para o “Correio da Manhã”.
          Natal, 1 (Do nosso enviado especial) – o Coronel Otaviano Pinto Soares, comandante do 21.º Batalhão de Caçadores, descreveu para o “correio da Manhã”, o levante de sua unidade da seguinte forma:

 “Encontrava-me apenas dezenove dias no comando. Havia recebido do General Manoel Rabelo informes sôbre a disciplina da tropa. Aqui chegando cientifiquei-me disso com todos os oficiais, os quais foram unânimes em assegurar que a tropa merecia absoluta confiança. Às sete e meia da noite de 23, em minha residência, fui surpreendido com o tiroteio em todos os pontos da cidade. Corri ao quartel, onde fui recebido com vivo fogo de metralhadoras. Resolvi então procurar o quartel da Polícia, embora já cercado pelos rebeldes. A muito custo consegui penetrar nesse quartel, sendo recebido pelo Comandante Major Luís Júlio, que, dispondo apenas de cinqüenta homens e cêrca de cem tiros, oferecia heròicamente resistência aos atacantes.
Sustentamos então dezenove horas de fogo, poupando a escassa munição com que contávamos. Os atacantes usaram e abusaram das metralhadoras pesadas e bombas de dinamite, além de granadas de mão. Diante da desordem, verifiquei que os rebeldes estavam claramente sem comando, gastando a esmo a munição. Resolvi assim esperar apenas o momento azado para abandonar o quartel, que está situado em um socavão, ponto da cidade que facilita qualquer ataque.
Reputo digna dos maiores louvores a ação dos cinqüenta homens da polícia potiguar. Foram sem favor heróicos; não desanimaram um só instante. A retirada foi efetuada pelos fundos do quartel, com extrema dificuldade, pois tivemos de descer, valendo-nos de cordas, uma barranca a pique. Quando procurávamos, sem munição, atingir a Escola Aprendizes Marinheiros, fomos cercados por cêrca de trezentos extremistas a fogo de metralhadoras. Tive de usar da máxima energia para não ver sacrificados os heróicos soldados potiguares. Os rebeldes fizeram trégua, efetuando o aprisionamento sem condições. Fomos então levados para o quartel do 21.º Batalhão de Caçadores, que encontrei em franca desordem. Os sargentos e demais rebeldes diziam ter sido ludibriados pelos comunistas, que só visavam saquear a cidade. Procurei debalde chamá-los à ordem. Sabedores do fracasso do movimento em Pernambuco, como da marcha de colunas do govêrno, da Paraíba e do Ceará, sobre Natal, deliberaram marchar para o Sul.
Como velho soldado, afeito a lutas renhidas, não tenho palavras capazes, para louvar com justiça o heroísmo da polícia rio-grandense-do-norte: um punhado de soldados que honram a terra potiguar. Jamais poderei esquecer êsses heróis que lutaram ao meu lado e do Major Luís Júlio, sem alimentação, sob um fogo terrível de dezenove horas, sem demonstrar um só instante o menor desânimo. Bem dizia Euclides da Cunha, que no nordeste do Brasil está a rocha viva da nacionalidade.”

 

PREDIÇÕES DE UM VISIONÁRIO FATALMENTE CONFIRMADAS

A LUTA DO ESQUADRÃO DE CAVALARIA – UMA DERROTA POR FALTA DE MUNIÇÃO – O HEROÍSMO DO SARGENTO JOSÉ BRAZ – JOSÉ VARELA INICIA O NÔVO QUARTEL DA POLÍCIA MILITAR DA AVENIDA RODRIGUES ALVES

          Na primeira parte da sua carta, transcrita no capítulo anterior, o C.el Gadelha fêz um relato retrospectivo da Polícia Militar para mostrar-nos em que condições ela se achava ao deflagrar o movimento sedicioso de novembro de 1935. Agora, nesta segunda parte, êle fala como comandante do Esquadrão da Cavalaria, naquela noite memorável em que se jogava uma cartada decisiva para os destinos do Brasil. E cujo estopim era Natal, que já figura na História como a única cidade brasileira a ter sido governada, durante três dias, por um comitê tipicamente comunista.

- “Esta a situação em que a P.M. teve que lutar contra a revolução comunista, em 1935”, escreveu aquêle autorizado depoente que foi mais do que testemunha, porque foi personagem da luta comunista versus Esquadrão. E prosseguindo: “Fomos forçados a adotar uma defensiva mais ou menos humilhante para, depois de 19 horas de luta, ter que abandonar os quartéis por falta absoluta de munição, como de outros materiais inclusive alimentação. Aí então o Estado passou pelo vexame de um governo comunista, instalado em Natal, mas querendo ter jurisdição em todo o território nacional, como prova a nomeação do seu ministério.
Embora a nossa tropa que estava no interior (e que no momento era melhor porque dispunha de coesão), tivesse encontrado condições para marchar sôbre a Capital e derrotar o inimigo na Serra do Doutor, não podemos deixar de focalizar com o maior ênfase a causa da derrota dos nossos elementos de Natal, aquêle processo de aniquilamento contra o seu material, a sua instrução e a sua desorganização, enquanto humilhações eram impostas aos seus melhores elementos de um modo geral.
Examinemos, agora, os sombrios acontecimentos da noite de 23 de novembro de 1935.
De início convém esclarecer que a revolução aqui em Natal, na noite de 23 não foi uma precipitação dos acontecimentos, como parece estar sendo entendido, mas um ardil da Polícia do Distrito Federal, que, de posse de todos os planos rebeldes, telegrafou para Natal, em nome dos revolucionários do Rio, para que se levantassem a 23 e não a 27, como estava combinado. O pessoal de Natal caiu na cilada – fêz o levante a 23, enquanto que os do Rio e Recife se levantaram a 27, mas aí já desarticulados.
É preciso esclarecer também que a Polícia do Distrito Federal fazia isto sem o menor entendimento com a de Natal. Só meses depois foi que viemos a saber dêsse pormenor, por uma revelação de uma alta autoridade.
Quando ao desenrolar da luta nos quartéis, na noite do dia 23 de novembro, é preciso começar analisando o comportamento de uns dos oficiais mais discutidos, que conheci naquela época – o Cap. Joaquim Teixeira de Moura. Êste oficial, o mais acusado de todos e por isto mesmo o que mais sofreu naquela época, a que já me referi, criou uma espécie de psicose contra êle, de maneira que mantinha na rua o que chamamos um corpo de secretas. Eram pessoas humildes, algumas até de sua família, a quem êle incumbia de colhêr informações do que se passava com êle. Essa mania levou-o quase ao ridículo, porque ninguém queria acreditar no que ele dizia e assim ia perdendo a confiança e até a amizade de velhos companheiros. Então, no dia da posse do Governador Rafael Fernandes, enquanto nós, que havíamos sido convocados, no mesmo dia procurávamos por todos os meios recolocar as coisas no seu devido lugar, Joaquim de Moura não perdia tempo em colocar na rua o seu corpo de secretas, de maneira que dentro de 8 dias começou a informar ao comandante que entre as praças do 21.º B.C. havia uma conspiração contra o gôverno. Luís Júlio recebia estas informações, mas tinha receio de expor-se a uma informação infundada perante o comandante do 21.º. Como ninguém quisesse acreditar nas suas informações, Joaquim passou quase a residir no Quartel, com o pretexto de pôr em dia o serviço de sua secretária. Mais ou menos às 11 horas do dia 23, quando eu ia saindo para o Esquadrão, êle me chamou em reserva, dizendo: Já informei ao comandante que hoje vamos ter bagunça. Êle não acredita no que estou dizendo, mas não deixe de tomar precauções lá no seu Esquadrão.
Mesmo não havendo fundamento no aviso, não custava as precauções que êle pedia. Assim foi que eu, ao chegar ao Esquadrão, não só fiz recomendações precisas, como previni que depois do almôço voltaria para o quartel (era uma sábado). Às 14 horas estava de volta e fiquei até as 17 horas. Quando saí para o jantar, preveni também que ainda voltaria. E no momento em que estava jantando, escutei os primeiros tiros na cidade. Antes de terminar saí às pressas e ao passar pela casa do Capitão Jacinto Tavares encontrei-o também já saindo para o Quartel do Comando-Geral, enquanto eu ia para o Esquadrão. No percurso, do Baldo, para o Tirol, fui acompanhado pelo soldado Antônio Honorato e um funcionário da Central, Robério Silva. Ao chegarmos ao Esquadrão já a guarda havia atirado num grupo que tentava aproximar-se do Quartel. E daí por diante, armado o pessoal em que eu confiava, tive que fazer um esfôrço tremendo para responder aos sucessivos ataques durante toda a noite até às 12 horas do dia seguinte, quando, esgotada a munição e sem alimentação para o pessoal, tivemos que abandonar o Quartel, enterrando o armamento, para depois cada um procurar o seu refúgio.
Em todos os momentos, senti eu a lealdade e a bravura dos companheiros que comigo lutavam, a começar pelos sargentos Manuel Alves Freire e Salatiel Rufino, como o ferroviário Robério Silva. Como já foi dito, tendo que nos limitar àquela defensiva humilhante por falta de confiança na tropa, tivemos que abandonar os nossos quartéis num drama verdadeiramente pungente de coração e de lágrimas para todos, porque não se tratava de ceder o terreno ao inimigo, mas era o próprio Quartel, onde o soldado te a sua casa – o seu amor-próprio, os seus brios, a sua honra. Espero ter comprovado a causa da nossa derrota. Mas não fomos nós apenas os traídos. O Brasil tem que procurar também um lugarzinho dentro da sua História, para colocar os 4 dias de govêrno comunista no Rio Grande do Norte, como conseqüência do extermínio que sofremos. Êsse fato que não pôde ter passado despercebido a nenhum homem de responsabilidade, nos leva a seguinte conclusão: se os comunistas chegaram a instalar um gôverno no Brasil, não é absurdo admitir a sua vitória. Com ela os nossos algozes estariam nas alturas do prestígio. E os que defenderam as instituições, onde estariam? Certamente enfileirados ao lado daqueles oficiais do exército assassinados no Rio, quando dormiam. Porque ninguém tenha dúvida, esta teria sido a nossa sorte aqui em Natal, se não tivesse havido aquela idiotice de Joaquim de Moura, em quem ninguém queria acreditar.
Quando a luta no Quartel do Comando-Geral, abstendo-me de comentar porque lá eu não poderia estar presente. Sei, entretanto, que em todo o desenrolar do combate de proporções naturalmente muito maiores do que a da minha tropa, êle sentia, como problema número um, a mesma coisa que eu sentia – falta de confiança na tropa. E isto tirava qualquer possibilidade de sequer pensar numa ofensiva.
Lá no Esquadrão escutávamos a fuzilaria tremenda contra a guarda da Detenção, comandada pela bravura do sargento José Braz, sem que nada pudéssemos fazer para ajudá-lo. Com relação ainda à luta no Esquadrão, ia-me esquecendo de dizer que no dia 24, pela manhã, ainda em pleno combate, entrou no Quartel o meu irmão Orlando Gadelha, rapaz de 19 anos naquela época, e que ficou conosco até o fim da luta, entretanto os mesmos perigos que tôda a tropa, assistindo aos momentos mais dramáticos, até que tivemos que abandonar as nossas posições. Reempossado no gôverno o Dr. Rafael Fernandes, não era sem dificuldade que êle conseguia manter o Estado acima das paixões partidárias, respeitando o adversário, como era do seu feitio de homem polido e nobre. Mas tínhamos que entrar na fase das punições dos rebeldes orientadas por determinações emanadas do govêrno federal, em conseqüência da época convulsionada que viveu o país até 1945, como comprova o golpe de Estado de 1937. Assim, sentia-se o govêrno do Estado limitado às contingências do momento. Por outro lado, os altos sentimentos de nobreza, com a sua responsabilidade, não lhe permitia afastar-se da condição de adversário do govêrno federal. Êste, entretanto, não só o respeitava como confiava que êle continuasse no govêrno após o golpe de 1937.
Embora essa situação não permitisse à Polícia Militar reorganizar-se, como desejávamos, tudo fazíamos para ajudá-lo durante os 8 anos do seu ponderado govêrno. Tive a honra de receber dele uma confiança limitada, como provam as importantes missões que me eram confiadas.
Em 1943, afastando-se do govêrno, por motivos imperiosos na sua vida particular, iniciarem-se no Estado os primeiros ensaios para nova disputa eleitoral, desta vez entre os Srs. Floriano Cavalcante e José Varela. Embora agitada a campanha política, a moderação do Inventor Ubaldo Bezerra não permitiu que ela chegasse a extremos. A P.M. parecia simpatizar com a candidatura Floriano Cavalcanti. Isto, no entanto, não impediu que lhe fosse confiada a garantia da normalidade do pleito em Mossoró, como em todo o oeste, a mais agitada região do Estado. Nos últimos dias da campanha, entregue o govêrno ao General Orestes da Rocha Lima, comandante da Guarnição Federal, ao terminar a eleição recebi felicitações dêste ilustre chefe pelo cumprimento da minha missão.
Eleito o Dr. José Varela, considerado nosso adversário, por sorte nossa continuou no comando da Guarnição Federal o mesmo General Orestes. E os costumeiros intrigantes da política local, dentro de pouco tempo tinham criado desconfianças recíprocas entre o govêrno e a P.M. E por isto perdemos uma parte do nosso patrimônio – as terras pertencentes ao antigo Esquadrão de Cavalaria, inclusive as melhores instalações da nossa linha de tiro ao alvo. Desaparecia assim qualquer possibilidade de construímos o nosso quartel, o que era indispensável para a vida da corporação. Tornou-se agudo o descontentamento. O Dr. José Varela, embora um homem impulsivo, ninguém lhe nega as características de cavalheirismo.
Certa manhã, recebemos a visita inesperada do General Orestes, que cercado das atenções que nos merecia, em virtude de seu elevado cargo, percorreu todas as dependências do velho quartel, sentindo o nosso desapontamento pela situação criada. Depois do clássico café e um ligeiro papo, despediu-se e saiu. A partir dêsse dia, as hostilidades foram diminuindo, os entendimentos foram mais freqüentes e até que uma tarde fomos surpreendidos com um convite do Sr. Governador para comparecermos ao Palácio, a fim de assistir à sua decisão de mandar atacar no dia seguinte as obras do novo quartel, em um terreno que nos havia sido doado ao lado da Lagoa Manoel Felipe.
Comparecemos ao Palácio e assistimos a S. Ex.a mandar que fôsse posta a disposição do Comando a verba inicial de . . . . . . Cr$ 400.000,00, (importância considerável naquela época), para o início da construção, que começou, realmente, no dia seguinte com os operários da própria Corporação, dirigidos por um grupo de oficiais. Não é necessário dizer que a decisão governamental eletrizou a P.M. Daí por diante todos os obstáculos eram removidos, as divergências sanadas, de maneira que a corporação integrou-se perfeitamente no govêrno, com a mais sólida disposição de ajudá-lo.
Embora as condições do Estado não lhe permitissem terminar o Quartel como desejava, deixou as suas obras num ponto tal que os seus adversários, mais tarde vitoriosos, viram-se numa contingência de continuá-las até como êle está hoje, naturalmente confortando os camaradas que, na atividade, desconhecem tudo quanto estou relatando. É oportuno dizer que o Dr. José Varela, antes de deixar o govêrno, recebeu do nôvo Quartel, ainda em construção, uma das maiores homenagens que a P.M. já havia prestado a qualquer dos seus chefes. Como parte dessa grande homenagem aí está o nome do seu venerando pai – o General João Varela, herói da Guerra do Paraguai – na entrada da Vila dos Oficiais. Então, se esta foi a nossa gratidão, com ela está a prova de que não só acusações nos interessam, também sabemos reconhecer o mérito.
Mais tarde, com a vitória dos adversários do Dr. José Varela, em janeiro de 1951, senti bem que mais uma onda de incompreensões, marchava contra a Corporação. Aí eu já tinha sintomas positivos de cansaço físico, cansado também de tantas iniqüidades. Vali-me, então, de um dispositivo de lei, que me permitia passar para a reserva, e em junho do mesmo ano surpreendi a todos com o meu requerimento neste sentido. De maneira que, deixando aqui os esclarecimentos que me é possível prestar, faço votos para que outro companheiro, em melhores condições, possa completar a grande história da nossa P.M.”
***

      Depois dessa exposição de fatos que interessam a história da Polícia Militar, o C.el Gadelha faz, em sua carta, que se incorpora à nossa tentativa de reconstituição de um passado de 134 ano, ainda esta cadente e incisiva observação, que julgamos imprescindível transcrever:

“Infelizmente não sei se todos os norte-rio-grandenses irão sentir-se bem com os fatos que acabo de relatar. A mim, porém, não interessa ofender, nem mesmo aos que procuram ofender-me. Porém, não me é possível fugir dos fatos, que amanhã poderiam pôr em dúvida a honra de uma Corporação como a nossa, cheia dos maiores sacrifícios e que mesmo à custa do seu sangue jamais se afastou dos seus deveres.”

          E, categórico, conclui o C.el Severino Raul Gadelha:

-“A luta de 23 de novembro de 1935 constitui a única derrota da sua história. Por isso, as suas causas precisam ficar bem esclarecidas.”

 

O ATAQUE À CASA DE DETENÇÃO

A PALAVRA DO COM. DA GUARDA DA RESISTÊNCIA – A CONSCIÊNCIA DO DEVER CUMPRIDO

          Deflagrada a revolução, atacados o quartel da Rua Presidente Passos e o Esquadrão de Cavalaria, os comunistas marcharam contra a Casa de Detenção. Lá, havia um pequeno grupo de soldados da Polícia, que era preciso dominar ou eliminar, e algumas dezenas de detentos, que se impunha pôr em fuga, para aumentar a anarquia na cidade.
          A Detenção ficava no Monte, no alto do bairro de Petrópolis, numa bela evasão topográfica, de onde se divisa magnìficamente a cidade de Natal. Ótimo para a situação de um castelo, desgraçadamente utilizada na construção de uma cadeia, que recolhe infelizes sem condições de sensibilidade para sentir o encanto da paisagem. Também magnífico alvo para um ataque armado, mesmo quando os atacantes não dispõem de armas aéreas.
          Naquela noite, ou melhor, na noite de 23 de novembro de 1935, estava no comando da “guarda” o sargento José Francisco Braz então com 40 anos de idade, 2 de exército e 20 da Polícia. Hoje, passadas mais de três décadas, já na casa dos setenta e três, êle recorda a noite trágica, desejoso de atender às perguntas do Autor, que o visita em sua casinha da Rua Henrique Câmara, no bairro da Quintas, da capital potiguar.
          Conta que, entre sete e meia e oito horas, começou a fuzilaria para os lados do quartel da 21.º. logo depois, bateram no teto da Detenção os primeiros projéteis, enviados pelos fuzis e metralhadoras de um grupo de atacantes, soldados e civis, que haviam aderido ao movimento.
          As armas de que dispunha a guarda eram uns fuzis velhos e pouco mais de duzentos cartuchos, que também não mereciam confiança. Mesmo assim, êle e seus comandados não esmoreceram. Responderam ativamente ao fogo que lhes era dirigido. E essa resistência, que nós chamamos de heróica e quase suicida, prolongou-se até uma e meia da madrugada, quando, esgotada a munição, o sargento chamou o cabo e os soldados deu-lhes ordem de retirada. Esta se fez pelos lados do Hospital Miguel Couto (que é vizinho), e por uma janela que uma mão providencial abriu na hora H.
          Diz José Braz que, quando olhou para o Hospital, o chão estava preto de soldados. Mesmo assim, protegido por Deus, pularam embaixo, e saíram escondendo-se pelo matagal então existente naquelas imediações, indo acoitar-se numa moita, mesmo em frente a “uma casa de cumieira pontuda” (a residência do comerciante João Galvão Filho, que mais parece uma daquelas casas dos Alpes, construídas com teto em forma de ângulo agudo, para descida da neve).
          Pela manhã, mandou que os soldados tomassem o seu destino, porque a situação era grave. Por tôda parte andavam comunistas, fardados ou não, armados, à procura de soldados da Polícia.
          De Petrópolis, conseguiu José Braz e um Companheiro sair disfarçados de cabeceiros (saco de estopa ao ombro, calças velhas de brim comum, pés descalços, etc.). e assim conseguiram chegar em casa. E foram refugiar-se mais tarde em Igapó. Se tivessem ficado em suas residências, acrescenta hoje o subtenente José Braz, teriam sido detidos, pois até lá foram soldados procurá-los.
          Quando o movimento fracassou e a ordem foi restabelecida, êle se apresentou ao seu quartel, devidamente fardado, graças a outra farda que possuía para os dias de grande gala.
          E agora, com 73 anos de idade, reformado depois de 38 anos de serviço, o cabelo inteiramente branco e a memória ainda moça, êle evoca para o Autor o que foram as horas difíceis que viveu, a serviço da Legalidade, naquele modesto comando que lhe foi confiado, e que êle e uma dúzia de companheiros defenderam bravamente, até gastar o último cartucho.
          Depois dessa madrugada inesquecível, em que se verificou a inversão da ordem constitucional, José Braz perdeu qualquer contacto com a Detenção que lhe fora confiada. Porém soube que os detentos passaram, durante os três dias da dominação vermelha, de réus a algozes. O Tenente Rangel, por exemplo, condenado por crime de homicídio, saiu com alguns companheiros da Detenção, de fuzil, em punho, à procura de autoridades militares do P.M., para aplicação dos castigos que faziam parte do programa da revolução.     

 

O SERIDÓ ORGANIZA A SUA DEFESA

SOLDADOS E CIVIS UNEM-SE NUMA SÓ BANDEIRA – O FOGO DE PANELAS E O DA SERRA DO DOUTOR – DERROTA DOS REBELDES – DA NOITE PARA O DIA INVERTEM-SE OS PAPÉIS

          Numa noite, apenas, foi dominada a cidade do Natal. O governador e seus auxiliares asilados num consulado e depois, num navio estrangeiro. O quartel da Polícia, a Detenção e o Esquadrão de Cavalaria, esgotada a munição e diante da superioridade do inimigo, tiveram que se dar por vencidos.
          O govêrno revolucionário estava instalado na Vila Cincinato, residência oficial do Governo do Estado. O saque entrou em ação. Assassinos foram perpetrados, por motivos fúteis. Na Imprensa Oficial, comunistas e aliados fizeram um jornal anunciando a vitória do movimento destituindo o govêrno Rafael Fernandes e cantando hosanas aos vencedores. Nas oficinas d’A Ordem, jornal católico, imprimiam-se boletins ditados pelo Comitê Revolucionário.
          Agora, a meta era o interior do Estado. Deviam sair, imediatamente, contingentes bem armados para tomar as cidades interioranas.
          Mas os amigos do governados e, enfim, todos os que temiam a consolidação da vitória dos comunistas, não ficaram de braços cruzados. Daí ter viajado para Caicó, a fim de alertar aquela brava gente a preparar a defesa da sua região, o Dr. Enock Garcia, que, no domingo, 24, bem cedo, chegou àquela cidade, como um inquieto mensageiro à procura de Dinarte Mariz, líder político no Seridó e futuro líder político no Estado, do qual seria, vinte anos depois, numa sucessão initerrupta, senador, governador, e senador novamente.
          Dinarte, que fôra revolucionário em 30, e sempre têve gôsto pelas conspirações políticas e movimentos armados, procurou, na mesma manhã, o Tenente Antônio de Castro Bezerra que estava Servindo na 2.ª Companhia da Polícia Militar, com sede em Caicó e jurisdição em tôda a região seridoense.
          Castro – conta êle ao Autor, 33 anos mais tarde – achava-se na igreja de N. S. Santana, assistindo a missa dominical, quando recebeu o aviso de Dinarte Mariz. Imediatamente, comunicou-se com o Capitão Severino Elias, que era o comandante da Companhia. E saiu a convocar os soldados, sargentos, cabos ao seu alcance, e todos os civis que quisessem defender o Govêrno, a Família e as instituições democráticas, inclusive a religião católica, a qual temia se repetissem aqui os acontecimentos da Revolução russa de 1917.
          Os delegados das cidades vizinhas, e o C.el Castro recordam os nomes dos sargentos Antônio Mozart da Silva e Rafael Afonso de Oliveira (hoje capitão e coronel, respectivamente), que revelaram destemor e senso de responsabilidade, naquela hora em que cada um era preciso saber cumprir o dever. De Caicó saíram cêrca de 600 homens, entre militares e paisanos e rumaram para a povoação de Panelas (hoje cidade de Bom Jesus). Os que assumiram o comando da resistência, trataram de mandar cavar trincheiras e preparar o terreno e o ânimo de todos para enfrentar os rebeldes, que deviam, segundo se noticiava, marchar de Natal rumo ao Seridó.
          Em Panelas, efetivamente, feriu-se um encontro violento e sangrento. Os comunistas, ao anoitecer de segunda-feira, 25, aproximaram-se do povo e abriram fogo contra os seus defensores. Estes, embora em número menor, responderam ao ataque, com a violência que se impunha. O tiroteio entrou pela noite, e pela madrugada ambas as partes ainda mantinham o fogo. Mas, ao aproximar-se o amanhecer, os legalistas, sentindo o peso do ataque adversário, foram-se retirando estratègicamente, para irem enfrentar os vermelhos na Serra do Doutor, que, como se sabe, ficava então, no município de Santa Cruz, que, posteriormente, foi dividido em vários municípios, ávidos da quota federal do Imposto de Renda.
              A êsse tempo, circulavam entre os legalistas a notícia de que Dinarte Mariz fôra à Paraíba, em busca de reforços. E menos nessa esperança do que no desejo incontido de desbaratar os insurretos, formou-se naquela Serra, num local altamente estratégico, uma inexpugnável trincheira, capaz de deter o mais feroz e arrojado avanço. E assim aconteceu.
          Na noite de terça-feira, dezenas de caminhões rumavam para o Seridó. Porém, desconfiando da cilada, os seus dirigentes pararam a determinada altura e mandarem que um veículo avançasse, para tomar conhecimento do terreno... Foi aí que os defensores do Seridó e da legalidade desfecharam o golpe mortal. Uma descarga cerrada e fulminante deflagrou-se sôbre êsse caminhão, que, desgovernado, perdeu o contrôle, desceu do atêrro abaixo, espatifando-se no abismo. Foi grande o número de mortos e feridos.
          Estava detido o avanço dos comunistas, e que, vencidos nessa empreitada, trataram de abandonar Natal, em face do fracasso do movimento no resto do país. De nada lhes valeram as notícias mentirosas espalhadas pelo rádio e pelo telégrafo para outras capitais, anunciando a vitória do movimento no Rio e em todo o Rio Grande do Norte. O jornal A Liberdade, que devia circular no dia 27, (na manhã dêsse dia eles fugiram de Natal par o interior enquanto as tropas legais passaram a caçá-los por tôda parte), publicava em negrito boatos como êste:

“Notícia de última hora, ontem captada no rádio, dá-nos a certeza de haver SÃO PAULO aderido ao movimento. São Paulo em pêso com todo o seu elemento militar e popular, desenraizou nas ruas, ao retumbar da metralhada, um dos mais temíveis bastiões do absolutismo capitalista, representado por Armando de Sales e sua comitiva.
Viva a Revolução Popular Brasileira!”

          E ainda esta:

“PARAÍBA, FIRME!

Podemos assegurar a todos os camaradas dêsse Estado, que a Paraíba já se encontra sob o govêrno revolucionário do intrépido companheiro Major João Costa.” 

          No entanto, ambos os Estados continuavam na mais santa calma.

***
          O Capitão Antônio Mozart, ouvido pelo Autor sôbre os acontecimentos de Panelas e Serra do Doutor, informou que, depois do fogo desta Serra, o segundo e o último tiroteio, vendo-se sem transporte, saiu com alguns companheiros e terminaram sendo presos por um grupo de comunistas e levados para Macaíba. Mas, aí, isto já na quarta-feira souberam que o movimento havia fracassado em Natal. Então, inverteram-se os papéis. De prisioneiros passaram a dominadores. Prenderam os seus detentores, tomaram-lhes as armas e os entregaram às autoridades.
          Acrescentou êle que as cidades e vilas situadas no percurso Nata-Caicó ficaram quase desertas. As famílias fugiram para os sítios e fazendas. Sòmente ficaram alguns cafeistas e maristas, que sabiam ser o movimento contra o govêrno Rafael Fernandes, do qual eram adversários.
          Em outras direções do interior do Estado, saíram também caminhões pesados de rebeldes, de lenço vermelho ao pescoço, gritando o nome de Luís Carlos Prestes e outros chefes comunistas. Em Baixa Verde, houve saque aos estabelecimentos comerciais da firma João Câmara. Porém, mal chegaram a essa cidade, chegou também a notícia do malogro do movimento. Então, a debandada foi geral.

 

A NOVEMBRADA VERMELHA NA PALAVRA DO COM. DA P.M.

O QUE DISSE O BOLETIM N.º 23 DE 29 DE NOVEMBRO – O QUE MORREU, OS QUE FICARAM FERIDOS E OS QUE LUTARAM DENTRO DO QUARTEL

          O C.el Luís Júlio, Com. Da Polícia Militar, desde os primeiros dias do govêrno Rafael Fernandes, estêve dentro do Quartel, lutando ao lado dos seus soldados, juntamente com o comandante do 21.º B.C., C.el José Otaviano Pinto Soares.
          Luís Júlio era servidor do antigo Batalhão de Segurança, com larga folha de serviços no interior do Estado, combatendo cangaceiros e defendendo sempre a ordem legal.
          Mesmo estando no Teatro, assistindo à solenidade que lá se realizava, correu para a Rua Presidente Passos e conseguiu penetrar no quartel, para lutar até o fim da munição.
          No dia 27, restaurado o Poder, êle reorganizou o Batalhão para retomar o seu ritmo normal de trabalho. No dia 29, fêz publicar o Boletim n.º 23, o primeiro depois da restauração do govêrno e a debandada dos rebeldes da noite de 23.
          O Boletim tem o título de SURTO COMUNISTA e está assim redigido:

“Às 19 horas mais ou menos do dia 23 do corrente mês foram as autoridades surpreendidas por um levante armado de caráter comunista, que teve início entre praças do 21.º B.C., aquartelado nesta Capital.
Aos primeiros tiroteios dos insurretos que levaram para a rua armas automáticas e granadas, êste comando ocorreu a êste quartel vindo acompanhado do Tenente-Coronel José Otaviano Pinto Soares, Comandante do 21.º B.C. que não pôde se aproximar do seu quartel, onde a fuzilaria era intensa e aqui foi verificada a inteligente e eficaz atividade do Capitão Joaquim Teixeira de Moura, tomando as primeiras medidas para a resistência e defesa das instituições, autoridades e enfim da ordem e tranqüilidade pública.
Ao toque de reunir não se conseguiu para o suprimento da nossa alta missão mais do que poucas dezenas de praças e os Capitães Joaquim Teixeira de Moura, 1.º Tenente José Paulino de Medeiros e 2.os Tenentes Francisco Bilac de Faria (êste oficial de dia) e Pedro Sílvio de Morais.
Os insurretos procuraram dominar a Capital e nesse intuito dispersaram grupos armados em todas as direções, atacando não sòmente êste quartel, como a Casa de Detenção e o Pelotão Montado, onde o 1.º Tenente Severino Raul Gadelha com reduzido número de praças resistiu até quando se ia esgotar a munição e notou que o inimigo executava um movimento envolvente. Eram 12 horas do dia 24. Daí por diante fêz o inimigo recair sôbre êste quartel tôda a intensidade de seus fogos, utilizando além de F.O., os F.M. e metralhadoras pesadas, as bombas explosivas e granadas de mão.
Aproximando-se às 15 horas do dia 24 se esgotava a munição e assim ia terminar, após quase 19 horas de combate, uma luta de que se podem orgulhar os que nela se empenharam, em defesa da legalidade.
Na nossa ausência o quartel foi submetido ao saque e nem o arquivo escapou à senha devastadora e ladravaz dos maus brasileiros que tomaram parte nessa criminosa e covarde insurreição.
Tomaram parte na defesa dêste quartel, além dos oficiais já mencionados, as praças abaixo:
1.os sarg.s Celso Anselmo Pinheiro, Gastão Andrade do Santos, Luís Gonzaga César de Paiva, Júlio César Pinheiro e Euclides Moreira Silva; 2.os ditos, José Ferreira Marinho, Pedro Vicente de Lima e Sebastião de Sousa Revoredo; 3.os ditos, Carlos Fernandes da Costa, Artur Paulo Martins, Geraldo Ribeiro Machado, Celso Dantas Neto, José Antônio da Silva, Antônio Balbino e José Pastel da Silva; cabos, Antônio Mineiro, Manuel Augusto do Santos, José Firmino de Carvalho, Severino Carneiro, Bento Pacífico de Medeiros, Jorge Felinto Rodrigues Montano, Francisco de Barros, Cirineu Umbelino de Medeiros, Guilherme Filgueira de Mendonça, Francisco Ribeiro, João Tiago Ferreira e José Pereira de Lima; soldados, João Nepomuceno Sobral, Francisco Teodoro Freitas, José Rodrigues de Aguiar, João Ranulfo de Carvalho, Estêvão Carlos Galvão, Nilo Correia de Medeiros, José Leão de Paiva, Leonel de Sousa Cabral, Noel Francisco da Costa, Luís Gonzaga, Manuel Inácio de Sousa, Manuel Soares da Silva, José Duda de Lima, João Fernandes Bezerra, Francisco José da Rocha, Genésio Carneiro Bezerra, José da Costa, Luís Medeiros, Antônio Gonçalves de Araújo Neto, Abel Alves de Oliveira, José Paulino de Oliveira, José Paulo da Silva, Firmino Francisco de Melo, José Fernandes Sobrinho, Severino Baraúna da Silva, Francisco Saraiva Neto, Manuel Félix Ribeiro, Anísio Dantas de Vasconcelos, Joaquim Policarpo Galhardo, Antônio Ananias Pereira, Antônio Rosendo Pires, João Batista do Nascimento, João Ananias Pereira, Antônio Gomes de Araújo e Enock Cavalcante de Morais.

FALECIMENTO

Faleceu quando, depois de esgotada a munição, saía dêste quartel o bravo soldado da Companhia de Metralhadoras, 1.076, Luís Gonzaga, vítima de certeiros tiros do inimigo.

FERIDOS

Dentre os defensores dêste quartel foram feridos o 1.º Ten. José paulino de Medeiros, que sofreu amputação do braço esquerdo e 1.º sarg. Celso Anselmo Pinheiro e 3.º dito Celso Dantas Neto, soldados Antônio Josino, Antônio Gervásio, Joaquim Barbosa, Manuel Inácio de Sousa, Manuel Soares da Silva e o cabo Severino Mendes. 
ELOGIO

CAMARADAS: - Se a luta nos magoou o coração por têrmos perdido um bravo soldado, se outros companheiros foram feridos e seu sangue emoldurará o painel luminoso de vossa bravura, há, não há dúvida, cintilações de sóis na vossa heróica resistência e foi por isto que o Estado inteiro exultou com a vossa intemerata coragem, com o denôdo com que reafirmastes que aqui vivemos modestamente mas, cultivando com ardor o amor da Pátria, velando pela segurança das instituições do Estado quiçá do País.
Assim, tem êste Comando muita satisfação em elogiar-vos pela bravura e dedicação como vos houvestes no prolongado combate em defesa da legalidade, e manda que se averbe êste elogio no histórico militar de cada um dos camaradas oficiais e praças que fizeram a defesa dêste quartel, tornando êsse elogio extensivo aos que se bateram no pelotão montado sob o comando do 1.º Tenente Severino Raul Gadelha e na guarda da Detenção sob o comando do 3.º sargento José Braz, pelo mesmo ideal que nos irmana, sob o Pálio Bendito da Bandeira Nacional.


               - José Francisco Braz nasceu em macaíba, no ano de 1895. Seu pai, Francisco Pereira da Silva (1868 – 1951), também foi soldado do antigo Batalhão de Segurança. “Soldado e vaqueiro do Com. Caldas”, segundo afirma êle, com certo orgulho.
               Simples 2.º sargento na noite de 23 de novembro de 1935, foi promovido a 1.º sargento por ato de bravura, por ter lutado na intentona comunista, defendendo a Legalidade. Promovido por haver realmente lutado...
               Ao reformar-se, foi seu posto elevado ao de subtenente. E hoje vive satisfeito, a família bem criada, rodeado de filhos e netos, na tranqüilidade suburbana da Rua Henrique Câmara.

 

 

 

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