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Insurreição Comunista de 1935

ÀS ARMAS, CAMARADAS!
A Insurreição Comunista e o Governo Popular de 1935 em Natal
Natanael Sarmento


A Mudança dos ventos



Depois de soltar as amarras e levantar âncora, a Nau da Revolução lançou-se às incertezas, do mar agitado, sublevado. Viagem de riscos imponderáveis, com velas soltas. O distante lema dos marinheiros de Sagres, Navegar é preciso, viver não é preciso, tão próximo. Armas e bandeiras vermelhas, a tremular em mares nunca dantes navegados. O bardo lusitano Luiz Vaz cessava o canto das antigas musas, em respeitoso louvor ao valor mais alto alevantado. E de repente, do riso fez-se o pranto, no encantamento de viver o grande amor em cada vão momento, do repentista Vinicius de Moraes . O amor da rosa vermelha, da centelha revolucionária, morreu em botão, sem canto, sem encanto.

Revolução Nacional Libertadora foi sufocada e jugulada com extrema facilidade. O Governo Popular abandona Natal, Recife sequer subiu para cair, o Rio de Janeiro chegou tarde e perdeu o trem da história. Dessa forma, a revolução comunista de 1935 morreu criança, sem tempo para envelhecer e corromper. No Rio Grande do Norte, a chama da revolução, em 35 caminhou do litoral ao Sertão. Mas os ventos sopraram em sentido da contrarrevolução, jagunços armados por fazendeiros e tropas militares da Paraíba marcharam do Sertão ao litoral. Natal fervia de temores e boatos. Temia-se a guerra civil, falava-se em bombardeio aéreo, caso o exército popular resistisse.

Nas primeiras horas do dia 27 de novembro, os ventos que empurravam a Nau a bombordo mudam, com a força de tufão, para boreste, saindo da esquerda à direita, e ainda tendo os navegantes que aturar o castigo de Éolo dado a Ulisses: quem semeia ventos, colhe tempestade!

As notícias adversas chegaram pelo telégrafo. Davam conta da derrota e rendição, no Recife. A revolta foi jugulada e os líderes aprisionados. No Ceará e na Paraíba, mar em calmaria. Suficiente para enviar forças policiais e batalhões avançar sobre o Rio Grande sublevado e combater os rebeldes.

Na linha telegráfica a voz da transmissão aconselhava imediata deposição de armas, rendição a evitar, derramamento de sangue, numa guerra perdida. Na linha de cá o sargento Quintino Clementino de Barros, Ministro da Defesa do governo, ouvia o conselho como gosto amargo da vitória de Pirro.73

Assim, os timoneiros da Junta Revolucionária, se reúnem, às pressas, na Vila Cincinato. Informados do fracasso revolucionário no Recife e do avanço das tropas da Paraíba, Pernambuco e Ceará, decidem jogam a toalha. O barco estava perdido, calhava abandoná-lo. Para garantir a vida dos oficiais presos, destacam os Cabos Giocondo e Adalberto à escolta. E sob escolta de segurança, as autoridades que estavam presas no cassino dos oficiais do 21º BC, foram conduzidas aos navios mexicanos. No quartel sem comando, elas podiam correr risco de vida . Quem respondia pela ação isoladas , por qualquer motivação? Estavam presos sob a custódia do Comando da revolução para serem processados e julgados, em Tribunal Popular. Seriam absolvidos, ou condenados. Se condenados, as mãos nos fuzis da escolta que garantia a vida não vacilariam na execução, do pelotão de fuzilamento. Não houve tempo para os réus presos da revolução responderem as acusações. Felizmente.

O Comitê Revolucionário descartou a rendição e deposição de armas. Descartou, também, resistir. Tentar manter as posições e desencadear uma guerra civil, inviável. Na correlação de forças nacionais, a revolução estava morta e sepultada. Cada revolucionário procurasse escapar como pudesse. Por onde achasse mais seguro. Cada qual por si. Queimam os papéis e arquivos do Partido Comunista, os registros do Governo revolucionário , e debandam.

Nesse momento da fuga, distribuem o restante do dinheiro dos saques, entre os membros da junta. E também a populares. Um poeta sugere jogar os pacotes do dinheiro nas casas dos ricos, da vizinhança. Assim eles incriminavam os inimigos, os ricaços. Faz parte da lenda dos casas dos “achadores de dinheiro”, da Praça Pedro Velho, bela fábula do folclore revolucionário potiguar.

Os membros da Junta fogem em pequenos grupos, em direções opostas. Os primeiros seguiram na direção Sul, os engravatados José Macedo, Lauro Lago e João Galvão, pelarota de Canguaretama. Os sargentos Quintino Clementino e Diniz Henriques, partiram pela rota de Baixa Verde em direção contrária. Já o assistente do Comitê Central, Santa, e a companheira, embrenharam-se pelas vias secundárias, na direção da Paraíba, alcançam Pernambuco.

No amanhecer da quarta-feira, 27 de novembro, Natal despertava sem governo algum: nem o popular revolucionário nem o deposto. O seguro morreu de velho, e assim o jovem Rafael somente retornou, quando as tropas paraibanas ocuparam, integralmente, Natal. Estando tudo sob controle, já passava do meio dia quando reassume as funções da governança constitucional à qual fora eleito pela constituinte e deposto pela revolução.

Natal foi ocupada, militarmente, pelas tropas do 22º BC, de João Pessoa. Paulatinamente, a urbe retornava à rotina do comércio, serviços de transportes, correios e telefonia. As tropas legalistas desfilavam nos prédios estratégicos, palácios, porto, e os extremistas não ofereciam mais perigo. Entra em cena o General da Serra do Doutor, Júlio Cesar não conheceu entrada mais triunfal em Roma que Dinarte em Natal, a frente da legiões de caminhões carregados de jagunços armados.

Senhor absoluto da situação, Rafael Fernandes Gurjão telegrafa ao Presidente da República a transmitir as alvíssaras. O governador divulga Nota Oficial ao povo do Rio Grande do Norte. No telegrama, breve resumo do movimento extremista. As principais ações dos rebeldes: distribuição de boletins em nome da Aliança Libertadora; pilhagens do Banco do Brasil, Banco do Rio Grande do Norte, Banco Rural, Recebedoria do Estado, Delegacia Fiscal, estimada emais de 5 mil réis; saques do comércio etc. Não precisou o número de mortos, porém os estimou em “grande número”. Congratulações. Vivas à vitória e à ordem legal. Na Nota do Governador Constitucional do Estado ao Povo do RN, avalia-se prestigiado pelo apoio unânime do povo e amparado pela solidariedade absoluta do Governo Federal. Recomenda aos conterrâneos calma, na situação, tranquilidade com a presença confortadora dos aviões do Exército e da Marinha e 22º BC. Comunica a derrota dos rebeldes no Recife e a debandada dos


[...] últimos comunistas sem coração e sem alma, [...] perseguidos sempre pela nossa gloriosa polícia e por centenas de voluntários civis que pegaram em armas para defender os sentimentos de cristandade que nos embalam desde o berço e que nunca poderemos substituir pelas ideias sanguinárias indesejáveis e loucas dos adeptos de uma doutrina que procura assaltar o mundo com a sua onda de sangue e de desonra.74


Com a poeira assentada, abriu-se a temporada da caça às bruxas. Naquele Brasil, ainda de questão social vista como caso de polícia, que se esperava? As oligarquias autoritárias e excludentes, com seu projeto continuísta de poder, foram provocadas. Ameaçados de perder a essência dos privilégios, o poder de mandar e ser obedecido. Pela ação de extremistas. De comunistas? O brejeiro ensina que há males que vêm para o bem. O caso da bernarda vermelha. Um cavalo selado no curral do estanceiro dos pampas, O melhor dos inimigos. Já eleitos pela estratégia da propaganda nazista, os comunistas. Uma retórica patriótica contra os agentes de Moscou que querem transformar o Brasil em colônia soviética; uma cruzada religiosa, contra os ateus, à igreja católica e aos valores cristãos; enfim, chutar cachorro morto, os exóticos energúmenos, contrários à família e à propriedade. Nessa conformidade, o adversário ideal a ser combatido. Ficasse a propaganda com os propagandistas, a marreta com os marreteiros, as contas com os contadores, cada qual com seu ofício e serventia. Da repressão da polícia e da justiça, cuidavam trupes que não amarram cachorro com linguiça.

Uma temporada de delações gratuitas, de denuncismo infames , capítulo lamentável, da história de Natal e do Rio Grande do Norte. Simples rixas familiares, recalques, despeitos, pessoas desafetas, qualquer motivo, os mais baixos e vis serviram às denúncias. De dívida de jogo a marido traído, à mulher abandonada. Canalhas de ocasião e aproveitadores do momento davam vasão no acerto de contas. Na repressão vigente, prendia-se e sovava-se, depois, enquanto investigava-se a culpa. No mais, a eternamente vantagem de bajular os poderosos. Esse denuncismo vazio infernizou a vida de mais de mil pessoas em Natal. Menos de 15% foi condenada. Por “Tribunal” de exceção, criado para punir os insurretos. Natal conhecida como cidade de um poeta em cada esquina e cada rua um jornal perdia lirismo , transformada na cidade dos delatores e dos torturadores, um dedo-duro em cada esquina, um preso, em cada rua.

Natal colheu tempestade, sem ter plantado ventos. A violência repressiva abatida sobre o Estado, exaspero de abuso do poder, arbitrariedades policiais, casas invadidas, prisões ilegais, torturas, assassinatos nas dunas, simulados e reais, não teve paralelo. Violência extremada, mesmo para os costumes da polícia que degolava os cangaceiros e exibia as cabeças enfiadas nas estacas, em praça pública. E a Nau reacionária do Rio Grande, retomava seu curso, com o PP de Rafael e Dinarte, acompanhando a correnteza do autoritarismo em curso no país.

Posto que denúncias de invasões, torturas e morte repercutem na Assembleia estadual, a ponto de o “Ministro” João Macedo, da Viação da Junta Governativa Popular, perder um rim, imagine o que apanhou a massa popular75. Era muito valente a querer “mostrar serviço”, tipos truculentos como o sargento Aristides Cabral, da Polícia Militar e o Dr. Ivo Trindade. O Dr. Ivo passou gente dessa para melhor, na Serra Caiada, pelo que consta.76 No interior, abundavam as notícias dos abusos policiais. Nas buscas e diligências, para recuperar o dinheiro saqueado do Banco do Brasil. A polícia pintou o sete, fez chover canivete. Invasões de casas, varredura geral da cabeça aos pés, quem reclamava levava sopapos. A valentia da força pública obviamente, não chega às casas abastadas dos achadores de dinheiro. Na Praça Pedro Velho, os sobrados da burguesia, conheciam as garantias constitucionais da inviolabilidade do lar. Essas diligências excessivas ocorriam nos herdeiros das senzalas, moradores das Rocas, Areal, Alecrim e Quintas. Marx, no dezenove século , definiu o Estado como Comitê Executivo da burguesia. Os liberais, ontem e hoje, também revisionistas, criticam o simplismo conceitual. Zefinha diria “possa ser”. Mas não desmentem as invasões de favelas no Rio de Janeiro, de mocambos e palafitas, nas periferias brasileira , sem o mesmo peso, sem a mesma medida, nos umbrais das casas-grandes, a lembrar que vassalagem e suserania, pode ser coisa antiga, mas tem a mesma serventia.

O deputado Djalma Marinho encaminhou pedido de esclarecimentos ao Chefe de Polícia. Esse cujo respondeu ter dado “abundância de ordens e recomendações à apuração dos fatos [...] Mas a natureza das diligências justificavam plenamente a demora na conclusão dos inquéritos, completa”.77

Uma polícia diligente para adulterar inquérito, deturpação e criar factoides . Para servir os poderosos. Polícia morosa à apuração de violações pela natureza das diligências, escusa aceitável, posto ser destino o arquivamento, o dito ficar pelo não dito.

 

 

 

 

 

 

 

 

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