Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
Velhos Militantes
Velhos
Militantes
Depoimentos
Depoimento de João Lopes,
o Santa
Ângela de
Castro Gomes (coordenadora), Dora Rocha Flaksman,
Eduardo Stotz
Jorge Zahar Editor
Nosso
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de Produção
Do
samba ao sindicato comunista
- Em que ano o senhor chegou ao Rio de
Janeiro?
-
Cheguei aqui em 1921. Eu tinha dois parentes aqui,
um tio que morava na Gamboa e o meu primo Antônio
Carlos, que tinha vindo de Campos antes de mim.
Fui procurar esse meu tio e fui muito mal recebido:
"O que é que você veio fazer
aqui agora, nesse momento?" Estava havendo
uma greve dos marinheiros remadores, e todo mundo
estava desempregado.3
Só no quarto do meu tio tinha nove pessoas
dormindo no chão, em cima de jornal. Ele
também já sabia da minha vida, porque
a minha mãe escrevia para ele reclamando,
e foi logo me esculhambando: "Não
quero confusão aqui com você."
Eu disse: "Que confusão nenhuma, rapaz!
Sou de maior, portanto agora mesmo vou embora."
Logo
no dia seguinte, fui ao Corpo de Bombeiros. O
camarada que me recebeu fez uma pesquisa sobre
a minha compreensão de música: "Conhece
música?" Eu: "Conheço,
clave de sol, clave de dó..." Expliquei
tudo direito, e ele ficou satisfeito. Mas deixa
que eu estou vendo aquela torre lá no meio
do pátio, e uns soldados se jogando lá
de cima. Aí eu perguntei: "Músico
também faz isso?" Ele disse: "Faz,
tem que fazer." Eu digo: "Espera aí,
então não quero, não."
- O senhor queria mesmo era tocar na banda.
-
É. Aí então fui procurar
o meu primo Antônio Carlos, que era caldeireiro.
Ele me levou a uma oficina de caldeireiros de
ferro em Niterói, uma oficina dos anarquistas.
- Esse seu primo era anarquista?
-
Era anarquista, mas era contra a ação
dos anarquistas, por causa das bombas, dessas
coisas. Não tinha coragem de enfrentar
isso, e aliás eu também não.
Sabotagem eu sabia fazer, mas de bomba eu não
gostava. Muito bem. Fomos então a essa
oficina em Niterói, uma oficina muito bem
montada, com altos e baixos alugados para restaurante,
com máquinas modernas e tudo o mais. Mas
tinha um problema. Se o camarada mandasse o ajudante
fazer alguma coisa, ele respondia: "Eh companheiro!
Você também está feito capitalista?
Aqui manda você e mando eu, e não
vou fazer isso porque estou cansado." Ninguém
tinha autoridade para falar com o outro. Resultado:
eles fizeram um contrato com a Marinha para fazer
embarcações e não entregaram
na data marcada. Tiveram que penhorar a oficina
ao governo.
- O senhor chegou a trabalhar nessa oficina?
-
Não. Fui só conhecer. Depois disso,
fui com a minha carteira no Sindicato dos Padeiros.
Seu Antônio José da Silva era o presidente,
e fui muito bem recebido. Mas não gostei,
sabe por quê? Porque era tudo anarquista
espanhol, de camisa suja, deitado no chão
com o chapéu na cabeça. Não
topo esses caras de camisa sebosa. Eles me perguntaram
se eu queria trabalhar como padeiro, e eu disse
que não.
- Qual foi o seu primeiro trabalho aqui
no Rio?
-
O meu primeiro trabalho aqui foi na Ilha dos Ferreiros,
na ponta do Caju. A companhia lá parece
que era inglesa. Mas juntava muito ladrão
por ali, e eu não me dei com aquilo. Os
caras roubavam peças e de noite iam para
lá vender. Eu ficava até besta!
Porque eu sempre fui contra essas desonestidades.
Fiquei poucos meses e saí. Mas lá
encontrei cinco campistas, me juntei com eles
e comecei a tocar música em Santa Teresa.
Nessa época, encontrei também dois
rapazes de São João da Barra, o
Aristides Henrique e o Oscar Pinto. Vieram para
o Rio e ficaram anarquistas. O Aristides Henrique
então me levou a uma oficinazinha na rua
Haddock Lobo. Cheguei lá e vi uma farda
do Exército. Perguntei de quem era, e eles
disseram: "Isso é do Rocha."
Era o Manuel Alves da Rocha.4
"Ele é dos metalúrgicos, está
no Exército, mas vem aqui fazer biscates.
O pai dele foi anarquista, carroceiro brabo."
Daí a pouco o Rocha chegou, me apresentaram,
e ele disse: "O Aristides Henrique sempre
fala de você. Mas aqui não tem lugar
para você não, aqui só tem
uma forjazinha, só tem biscate." Aí
o Aristides Henrique tomou a frente: "Deixa
ele comigo, que eu vou arranjar trabalho para
ele." E me arranjou para vir para a oficina
do Cais do Porto, como ferreiro. Entrei em 1922
e fiquei lá quatro anos.
- Como era essa história de tocar
música em Santa Teresa?
-
Eu morava na Saúde, mas me meti logo em
Santa Teresa, conheci lá uma porção
de músicos e tocava por aí. Tocava
na praça Onze, tocava com Pixinguinha,
era uma farra danada. Arranjei uma senhora que
me protegia, me dava almoço e jantar. Depois
abandonei aquele pessoal e formei cá mesmo
na Saúde um bloco carnavalesco, chamado
Bloco do Casquinha. Sabe por que esse nome? Antigamente,
havia um baile, e ficava o sujeito na porta até
que aparecia um conhecido e botava para dentro.
Esse cara, a gente chamava de "casquinha".
O bloco era grande, tinha mais de 40 aderentes:
jornalista, estudante, gente do comércio,
operário, tudo isso. E todo mundo se dedicava,
porque carnaval naquela época era um mês
antes e um mês depois. Um mês antes,
todo dia era batalha de confete. Um mês
depois tinha a mi-carême.
Quando entrei para o Cais do Porto, os metalúrgicos
de lá começaram a me imprensar:
"Vamos formar uma banda de música
aqui, tal e coisa..." Mas não achei
músico ali e não topei. O Aristides
Henrique era músico, mas não trabalhava
lá, embora tivesse muita força lá
dentro. Foi ele que me apresentou ao Olinto Rabelo,
ao José Casini,5
esse pessoal todo anarquista. Nessa época
apareceu aqui também o Amaro de Araújo,6
vindo do Norte. Um dia, o Rocha me falou: "Olha
aqui, vamos nos ligar ao Amaro de Araújo,
que tem grande compreensão aí com
o pessoal da política, para a gente reabrir
o sindicato."
- Era o Sindicato dos Metalúrgicos,
que nessa época estava fechado.
-
É. Estava fechado o sindicato, mas eles
clandestinamente se reuniam. Naquela época
não havia união. Caldeireiro era
caldeireiro, fundidor era fundidor, depois é
que foi feita a fusão disso tudo. Foi quando
reorganizaram o sindicato e botaram o Amaro de
Araújo como presidente.
- O senhor entrou para o Sindicato dos
Metalúrgicos quando ele foi reorganizado?
-
Pois é. O Aristides Henrique sempre me
dizia: "Como é rapaz? Entra para os
metalúrgicos, rapaz!" E eu: "Não,
espera lá."Eu não sabia o que
fazer. Até que um dia eu disse: "Eu
entro. Mas vocês vão fazer o seguinte:
vocês me dão a sede do sindicato
para eu fazer a festa do Bloco do Casquinha."
Eles disseram: "Vocês podem fazer a
festa, mas têm que entrar todos como sócios."
Eu perguntei: "Quanto é?" Eles:
"Dois mil-réis por mês."
Levei mais de 30 pessoas, gente do comércio,
disso e daquilo, e todo mundo pagou. Um diretor
lá disse: "Mas isso não pode!
Não são metalúrgicos!"
A maioria então resolveu que depois, quem
fosse alfaiate ia para os alfaiates, quem fosse
padeiro ia para os padeiros. Aceitaram, e entrei
com o meu povo todo. Logo na primeira reunião
o Casini disse: "Olha, quando eu e o Claudino
Peixoto levantarmos, você levanta. Quando
a gente sentar, você senta." Eu disse:
"Bom..." Não estava achando muito
prático não, eu queria era farra,
não é? Mas acabei ficando.
- A que corrente política pertenciam
essas pessoas que diziam para o senhor levantar
e sentar junto com elas?
-
Tínhamos esse pessoal como anarquista.7
Eu sei é que aí nós fizemos
lá no sindicato uma escola de música
e uma escola de mecânico. A sede vivia cheia.
- O senhor tinha contato com Amaro de
Araújo?
-
Tinha. Ele confiava muito em mim, porque tinha
uma cunhada, meninazinha, que se engraçou
para o meu lado, e eu ficava sempre por perto,
para ele me dar instrução sindical.
Ele então começou a me levar, eu
e o Rocha, na casa de um deputado chamado Gusmão.
Chegando lá, eles escreviam uns manifestos
para sair no jornal e mandavam a gente assinar.
Eram uns manifestos metendo o pau nos anarquistas.
O Rocha era distraído, não prestava
muita atenção e assinava. Eu também.
Até que um dia o Olinto Rabelo me chamou:
"ô rapaz, por que é que vocês
estão assinando isso, metendo o pau na
gente?" Eu disse: "Eu não sei!
O Amaro de Araújo leva eu e o Rocha para
almoçar na casa do Gusmão e manda
a gente assinar." O Casini falou: "Olha,
rapaz, você está servindo de instrumento
aí para os outros, está sendo enrolado.
Você sempre foi um rapaz muito bom, muito
recomendado, mas caiu nas águas do Amara
de Araújo. Ele é um policial."
Eu disse: "O quê?!" E aí
foi que eu entendi. Quando tinha reunião
lá no sindicato, o Amara de Araújo
me dizia: "Olha, tem um cara lá dentro
da secretaria. Fica com a chave e não deixa
ninguém entrar." Eu via o cara ali,
mas não estava sabendo quem era e não
ligava. Teve um outro caso também: um dia
o Amaro de Araújo levou eu, o Rocha e o
Pedra de Sousa na rua Teófilo Otoni, porque
ia ter uma reunião. Estávamos no
botequim defronte tomando café quando vimos
a polícia chegar, invadir a casa, prender
o pessoal e dar pancada. O Amaro de Araújo
viu aquilo e disse: "Vamos embora."
- Que reunião era essa?
-
O Amaro de Araújo disse que era uma reunião
de comunistas. Bom, mas aí o pessoal falou:
"Olha, vamos fazer uma assembléia
para botar o Amaro de Araújo para fora,
e você e o Rocha vão contar tudo
o que ele fez com vocês." Eu disse:
"Está bem, eu conto."
Marcaram
o dia, abriram a reunião, discutiram, e
o Aristides Henrique falou: "Quero dar a
palavra ao companheiro João Lopes de Souza,
que tem muito o que contar." Falei então
tudo o que eu tinha visto, disse que ficava um
homem na secretaria, que eu não sabia quem
era - mas era um policial espiando quem falava
mal do governo -, contei que o Amaro de Araújo
nos levou lá na rua Teófilo Otoni
para ver o pessoal sair espancado, tudo isso.
Ih, rapaz! Aí eu disse para o Amaro de
Araújo: "Você sempre diz que
o sindicato é um por todos e todos por
um. Se é assim, a maioria aqui não
quer mais você como presidente. Você
está fazendo mal à maioria, e eu
no seu lugar pedia demissão." Aí
foi palma, todo mundo gritando: "Apoiado!
Apoiado!" O Amaro de Araújo explicou
três vezes: "Seu João Lopes
está dizendo isso e isso. Vocês estão
de acordo?" Todo mundo: "Estamos de
acordo!" Aí caiu o Amara de Araújo.
- E quem ficou no lugar dele?
-
Ficou uma diretoria provisória. Botaram
o Rocha como presidente, eu como vice-presidente,
e o Aristides Henrique como secretário.
Eu disse que não podia, porque trabalhava
até tarde, mas eles falaram: "Não,
é só por 30. dias, até formar
a chapa para a eleição." Aí
eu já tinha saído do Cais do Porto
e ido para o Arsenal de Marinha. Fui para lá
com a responsabilidade de organizar o pessoal.
Quase todo mundo do Arsenal foi para o Sindicato
dos Metalúrgicos. Afinal, no fim de 30
dias formaram a diretoria. O Auto Lázaro
Correia ficou como presidente, e eu fiquei como
procurador.8
- Que atividades o sindicato desenvolvia
nessa ocasião?
-
Aí transformamos num sindicato de luta
de classes. Imediatamente. Logo que entramos,
tratamos disso. Isso aconteceu da seguinte forma:
eu não tinha nada com o comunismo não.
Fui convidado para uma reunião, e disse
ao Auto Lázaro Correia: "Olha, o Casini
me chamou para ir a uma reunião assim,
assim." Ele respondeu: "Você vai,
mas não assume responsabilidade lá,
não assina nada."
-
Era uma reunião de comunistas?
-
Essa reunião foi numa casa lá no
subúrbio, em Osvaldo Cruz. Cheguei lá,
entramos, tinha muita gente: Astrojildo Pereira,
Otávio Brandão, Casini, esse pessoal
todo anarquista. Aí o Casini disse: "Eu
queria dar a palavra ao companheiro João
Lopes, para vocês saberem quem é
ele." Eu então fiz um histórico
da minha vida lá em São João
da Barra e Campos, tal e coisa, os outros também
falaram, e escutei aquelas discussões.
O Astrojildo Pereira fez uma explanação
muito bonita, dizendo que todos deviam ajudar
a classe dos metalúrgicos, que eles deviam
dar mais atenção ao Sindicato dos
Metalúrgicos. Fiquei todo envaidado.
- Ou seja, era uma reunião do Partido
Comunista. O senhor foi sabendo que era?
-
Não sabia. Me convidaram, eu fui. Aí,
quando acabou, fui para o sindicato e disse para
o Auto Lázaro Correia: "Eles estão
dando apoio a nós. O Astrojildo Pereira
mandou todos darem apoio. aos metalúrgicos."
- Depois dessa reunião em Osvaldo
Cruz o senhor entrou para o Partido Comunista?
-
Nunca me inscrevi, nunca entrei para o Partido.
- Mas o senhor entrou para esse grupo?
-
Entrei.
- E o senhor passou a ter contato com
Astrojildo Pereira e Otávio Brandão?
-
Passei. Eles iam lá no sindicato, conversavam
comigo assim como nós estamos conversando.
E o Otávio, esse tinha mais liberdade.
Cismava, ia lá em casa e dizia: "Vamos
dar uma volta." Conversava, me levava a todo
lugar. Foi meu professor, tinha uma confiança
enorme em mim. Quando a polícia perseguia,
ele ia se esconder na minha casa.
- O senhor fazia algum tipo de trabalho
para esse grupo?
-
Eles me mandaram formar comitês de empresa,
e eu também era cobrador das mensalidades
do sindicato. Eram 16 empresas que eu tinha que
visitar. Conversava com os companheiros, organizava,
era rápido. Produzi muito. E era fiscalizado,
fiscalizado.
- E o senhor continuou trabalhando no
Arsenal de Marinha?
-
Não. Abandonei. Fiquei trabalhando só
para o sindicato, recebendo pelo sindicato.
- Havia muita repressão da policia?
-
A polícia atacava um bocado. Mas a gente
trabalhava com paciência, não é?
- Há também outro dado importante:
em 1926 terminou o governo de Artur Bernardes
e entrou Washington Luís. Com a mudança
de governo, a repressão diminuiu e a organização
sindical cresceu.
-
Porque o Washington Luís não interveio.
Quando ele veio intervir na organização,
foi quase no fim do mandato. Era a liberdade.
Eu podia chegar, conversar, discutir, isso tudo.
-
No período de Washington Luís, o
Partido Comunista também chegou a ter uma
preocupação eleitoral. Formou-se
o Bloco Operário,9
depois Bloco Operário Camponês, lançaram-se
candidatos...
-
Na entrada do comunismo, eu entrei para o Bloco
Operário. Me elegeram presidente do Bloco
Operário Metalúrgico. E eu então
tive que me ligar ao Azevedo Lima. Me liguei,
eu e o Salvador Cruz, um campista, muito amigo
meu. Eu ia lá no consultório do
Azevedo Lima, que ele era operador, pegava ele,
e a gente subia o morro para ele atender os doentes.
Fomos muito amigos, mas uma vez tivemos uma briga.
Ele queria botar como candidato a vereador o Moura
Nobre, que era coronel e prestava muito serviço
ao trabalhador, dava atestado para não
ter que servir o Exército. Ele disse: "Você
faz os seus companheiros votarem nele." Respondi:
"Não posso garantir. Vou falar com
os companheiros, Salvador Cruz, Agenor Marinho,
todo mundo." O Agenor Marinho falou: "Mas
se nós temos um programa, se é Bloco
Operário Camponês, por que é
que vamos botar, um militar?" O Azevedo Lima
dizia: "Mas quem é que vocês
vão botar? Vocês não têm
dinheiro. O Moura Nobre tem." Eu disse: "A
nossa chapa é Minervino de Oliveira e Otávio
Brandão, e dessa não saímos.
E vamos arranjar dinheiro para a campanha."
- Como era a campanha do Bloco Operário?
-
A gente fazia comício relâmpago na
porta das fábricas iam uns três da
Juventude Comunista, o filho do Mangabeira,10
O filho de seu fulano, o filho de seu beltrano,
e nós, eu, o Salvador Cruz, o Agenor Marinho.
- O senhor falava nesses comícios?
-
Falava. Dizia quem era Otávio Brandão,
o que era o Bloco Operário Camponês,
isso e aquilo. Ganhava palma também. Tinha
dia de fazer cinco, seis comícios.
- E aos comícios maiores, o senhor
ia?
-
Aí ia o Morena,11
ia o Pimenta.12
Para falar ao povo é preciso ter gente
mais preparada. Você sabe, minha filha,
um ser analfabeto vai ser criticado. E eu nunca
gostei de ser criticado.
- O senhor achava que a população
de trabalhadores do Rio era simpática ao
Bloco Operário?
-
Bom, dada essa questão de anarquista com
comunista, dividia. Mas os comunistas levavam
mais vantagem.
- Na ocasião da campanha do Bloco
Operário, os anarquistas ainda tinham importância
aqui no Rio?
- Tinham, tinham. Eles continuavam lutando pelo
seu ideal anarquista, e os comunistas pelo seu
ideal marxista.
-
Os anarquistas não gostavam que os trabalhadores
participassem de eleições, não
é?
- É, eram contra chefe, contra governo.
O estatuto deles dizia que todo governo é
capitalismo. Só fala em governo quem é
capitalista. Logo compreendi que com esse meio
que os anarquistas queriam, não podíamos
ir em frente. Dando uma mão aqui, parlamentando
com um, com outro, a gente vai chegando.
- Em 1929, houve uma greve dos gráficos
em São Paulo, que recebeu o apoio de vários
outros sindicatos.13
O senhor se lembra de algum movimento de solidariedade
aqui no Rio?
- Lembro. Fizemos um comício na praça
Mauá, veio gente de Niterói, ficou
tudo cheio, bandeiras de sindicato para todo lado.
Saímos da rua Barão de São
Félix, passamos em frente à Central,
e quando chegamos em frente à Light, a
polícia do Washington Luís caiu
em cima de nós. Foi a primeira vez que
ela veio atacando, rasgando bandeira, com cavalaria
e tudo. Até pegamos um caixão para
a Laura Brandão subir e falar com o comandante.
Ela fez um discurso, uma poesia, o comandante
ficou olhando e mandou debandar a cavalaria. Aí
fomos para o sindicato, e quando chegamos a polícia
estava lá.
- A polícia tinha ocupado o Sindicato
dos Metalúrgicos?
- É, ali na rua Senador Pompeu, defronte
da Central. A polícia estava na porta,
tomou as bandeiras e fechou o sindicato. O meu
irmão era da Marinha, então pedi
para ele entrar lá e pegar todos os livros
de registro. Ele foi, pegou os livros, e, como
era militar, ninguém se incomodou. Levei
os livros para guardar em Bonsucesso. A história
foi esta: o sindicato abriu com Amaro de Araújo
e fechou com esse comício de apoio aos
grevistas. Só fomos reabrir em 30, depois
da revolução.
- Como o senhor recebeu a Revolução
de 30?
- Bom, nessa época eu já morava
na Penha, e o pessoal vivia lá na minha
casa: o Brandão, o Cristiano Cordeiro,14
essa gente toda. Fiz até uma padaria nos
fundos para tapear. Quando o pessoal chegava lá,
a companheira dizia: "Olha, chegou um irmão
de vocês aí."
- O senhor morava com mais alguém?
- Sozinho com a minha companheira. Essa companheira
eu trouxe de Campos. Foi aquela que me valeu a
vida na gripe espanhola.
- A dona Carola?!
- É, ela veio atrás de mim. O marido
abandonou, e eu fiquei com ela. Bom, no dia em
que rebentou a revolução, sabe o
que aconteceu? Estava um pessoal reunido lá
em casa, Cristiano Cordeiro, Josias Leão,
tudo já sabendo que o movimento estava
para rebentar. A gente estava esperando um emissário,
o filho do João Mangabeira, que estava
em contato com o Maurício de Lacerda. Ele
chegou, avisou, e nós saímos para
pegar em armas. Fomos para Benfica, e lá
fomos presos e levados para um quartel. Acontece
que o comandante era da nossa panela e deixou
a gente sair pela porta dos fundos.
Aí fui para a Central, com um garoto que
esqueci o nome e mais o Diamantino Domênico,
mecânico bombeiro. Passou um carro com um
tenente da Marinha, que me conhecia do Arsenal,
e mandou a gente entrar. Ele dizia: "A revolução
é fulano de tal!" Não lembro
o nome era um grande lá da Marinha. Não
era Getúlio, não. E falou: "Vamos
lá na Detenção tirar os presos!"
Chegamos lá na Detenção e
estava Otávio Brandão preso, Minervino,
uma porção de gente. Tinha um botequim
defronte, ficamos ali e vimos lá no alto,
na varanda, o pessoal do Washington Luís.
Afinal entramos, esse tenente atirando, e os diretores
falaram: "O que é isso? Não
solta todo mundo não, nós trazemos
os presos!" Mas aí o pessoal já
estava quebrando mesa, quebrando cadeira, uma
confusão dos diabos.
- E vocês soltaram os presos?
- Soltamos Minervino, Brandão, Maurício
de Lacerda. Esse tenente queria soltar o Cabanas,15
mas ele não estava lá. Então
ele disse assim: "Agora vamos para a Central
de Polícia." Chegamos lá, ele
mirou um lustr,e logo na entrada e "pá!",
caiu aquele negócio no chão, um
barulho danado. Os investigadores fugiram todos.
Ainda me lembro de um tira gordo que pegou um
lenço vermelho e botou no pescoço,
apavorado. E nós: "Abre a porta!",
de revólver na mão. O camarada abriu,
e quando chegamos lá em cima os presos
estavam revoltados, quebrando tudo. Nessa hora
os ladrões também começaram
a ir contra a polícia. Brancura, Baiaco,
esse povo todo que eu conhecia lá da Saúde,
aqueles valentes, queriam acabar com a polícia.
Meteram o pau, mataram muito policial.
- Quando foi que o senhor ouviu falar
em Getúlio Vargas pela primeira vez?
- Foi no correr da luta. Porque antes, Getúlio
nem era falado. Ele estava lá no Rio Grande
do Sul, lá para aqueles cantos farroupilhas.
Aí é que ele entrou para o rol de
candidatos. Chegou aqui num trem especial, trazendo
tudo quanto é cangaceiro lá do Rio
Grande do Sul, e aí foi que se deu o nome
dele. Os políticos ,daqui aceitaram ele,
e aceitaram porque ele chegou com um aparato enorme.
- O que o pessoal do Partido achava de
Getúlio?
- O Astrojildo Pereira, que era quem tinha mais
prestígio, dizia: "Antes Getúlio
do que..."
- Júlio Prestes.
- Não tinha nada de Prestes, não.
Era um outro cara lá.
- Batista Luzardo foi logo nomeado chefe
de polícia. O que as pessoas do Partido
achavam dele?
- Bom, o Batista Luzardo traiu. A mim, traiu,
porque pouco tempo depois me mandou para a Ilha
Grande. Logo no começo, reabrimos o sindicato,
e o Paulo Lacerda16
levava ele lá. Fui até capanga dele.
Um dia ele mandou me chamar, eu, o Agenor Marinho
e o João Júlio, porque queria dar
um cartão para a gente poder entrar no
Lloyd ou no Laje, não lembro, para ver
quem falava contra Getúlio. Aí o
Astrojildo disse: "Não faça
isso. Você dar parte de seus companheiros,
não. Não vá." Eu não
quis aceitar.
- Quando foi que vocês reabriram
o sindicato?
- Foi logo depois que começou a revolução.
O Astrojildo e o Casini me procuraram e disseram:
"Vai abrir o sindicato. Você conhece
todo mundo, vai até lá." Fui
falar com a dona do prédio, e ela disse:
"Tem que dar o dinheiro do depósito."
O Paulo Lacerda arranjou dinheiro, um outro rapaz
que tinha apólice da Prefeitura também
emprestou para pagar o aluguel, e nós reabrimos.
^
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Notas
3
- A greve dos marítimos iniciou-se em setembro
de 1920 e só terminou definitivamente em
fevereiro de 1921, sob forte repressão
policial e grande antipatia popular. Noticiada
amplamente no seu início pelo jornal Voz
do Povo, a greve foi avaliada, pelos próprios
anarquistas, como um terrível fracasso.
4
- Manuel Alves Rocha (1901-1979) era carioca e
metalúrgico. Em 1917, começou a
participar intensamente do movimento operário,
tendo sido um dos fundadores da União Geral
dos Metalúrgicos, criada em 1.0 de maio
desse ano. Essa associação, que
mais tarde deu lugar à Federação
Metalúrgica do Rio de Janeiro, fechada
devido à intensificação da
repressão ao anarquismo em 1922, foi reorganizada
em 1923 com o nome de União dos Operários
Metalúrgicos do Brasil. Em 1925, Manuel
Rocha foi secretário-geral dessa União,
e em 1926 seu vice-presidente. Com a renúncia
forçada do então presidente Amaro
de Araújo, assumiu este cargo. Afastado
do sindicato entre 1928 e 1932, retomou para participar
do movimento de "reorganização
sindical".
5
- Olinto Rabelo de Morais (1886-1967) era baiano
e chegou ao Rio em 1914. Após participar
das atividades de várias associações
operárias vinculadas à FORJ, foi
um dos fundadores da União Geral dos Metalúrgicos
e, quando da "reorganização
sindical" de 1932, ocupou vários cargos
na diretoria do novo sindicato. Preso e solto
várias vezes ao longo de sua vida, sempre
manteve a militância sindical.
José
Casini (1895-1959) nasceu em Minas Gerais. Em
1922, foi secretário ¬geral da Federação
Metalúrgica do Rio de Janeiro. Foi também
um dos fundadores da Aliança dos Operários
Metalúrgicos de Niterói, da qual
foi presidente em 1925. Membro do Partido Comunista,
representou os trabalhadores brasileiros num congresso
em Moscou em 1927, e em 1928 foi eleito membro
do Comitê Central. Em 1932, também
integrou a "reorganização sindical",
tendo sido o primeiro presidente do sindicato
então criado.
6
- Amaro de Araújo era um operário
ferreiro, natural de Alagoas, que che¬gou
ao Rio de Janeiro já experimentado nas
lutas operárias da cidade do Recife. Em
1923, com a reorganização dos metalúrgicos
na União dos Operários Metalúrgicos
do Brasil. foi eleito presidente dessa associação.
Permaneceu no cargo até 1926, quando foi
afastado por pressão de um grupo de trabalhadores
auto-intitulado "vanguarda metalúrgica",
ligado ao PC, então interessado em infiltrar-se
e ganhar a direção dos sindicatos
cariocas. Sobre o sindicato dos metalúrgicos,
ver Eduardo Stotz, A União dos Trabalhadores
Metalúrgicos na construção
do sindicato corporativista; 1920-45, Niterói,
UFF, mimeo.
7 - É interessante
observar que o depoente insistirá na designação
"anarquista" mesmo ao relatar reuniões
com pessoas conhecidas na época como comunistas.
É com o decorrer do relato e com a participação
dos entrevistadores que o termo comunista ingressará
e tomará conta de sua fala. A resistência
do depoente em dissociar anarquismo de comunismo
é ilustrativa de como era e continuou sendo
difícil separar essas duas experiências
para um militante do movimento operário.
8
- Auto Lázaro Correia presidiu a União
dos Operários Metalúrgicos do Brasil
logo após a deposição de
Amaro de Araújo em 1926.
9 - O Bloco Operário
foi formado pelo PC tendo em vista as eleições
para a Câmara dos Deputados de 24 de fevereiro
de, 1927. Seus dois candidatos foram Azevedo Lima,
médico e conhecido político de São
Cristóvão, e João da Costa
Pimenta, líder operário muito respeitado
e conhecido e o maior responsável pela
formação da União dos Trabalhadores
Gráficos. Contudo, só Azevedo Lima
foi eleito, passando a representar o BO no Congresso.
Em 1928, o então Bloco Operário
e Camponês (BOC) voltou a lançar
candidatos, dessa vez para o Conselho Municipal
do Rio de. Janeiro. Otávio Brandão
e Minervino de Oliveira foram eleitos e tomaram
posse, apesar das dificuldades do reconhecimento
eleitoral. Finalmente, em 1929, o PC resolveu
não aderir à Aliança Liberal
e lançou como seu candidato à presidência
da República o mesmo Minervino de Oliveira.
O clima nesse, ano já era distinto do de
1926-7, e a repressão foi intensa.
10 - Francisco Mangabeira
era filho de, João Mangabeira, político
baiano que participaria da fundação
do Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 1947.
Veio para o Rio quando da eleição
de seu pai para a Câmara dos Deputados e,
ainda como estudante, da Faculdade de Direito,
integrou a diretoria provisória da Federação
da Juventude Comunista, Embora tendo-se afastado
do PC, foi um dos organizadores da Aliança
Nacional Libertadora (ANL) e secretário
de. seu diretório nacional. Preso por ocasião
da revolta de 1935, foi libertado em maio de 1937,
passando a exercer a advocacia liberal.
11 - Roberto Morena (1902-1978)
era um marceneiro carioca que desde 1917 iniciou
sua militância política entre os
trabalhadores. Anarquista e depois comunista,
participou do movimento que, resultou na criação
da Confederação Sindical Latino-Americana
em Montevidéu. Preso várias vezes
ao longo dos anos 3D, lutou na Guerra Civil Espanhola
de 1937 a 1939 e esteve em um campo de concentração
na Argélia. Voltou ao Brasil em 1943, e
em 1945 foi eleito para a direção
do PCB, além de ter sido escolhido secretário-geral
da Confederação dos Trabalhadores
do Brasil (CTB).
12
- João da Costa Pimenta foi anarquista,
comunista e um dos integrantes da "cisão
barbosista", que deu origem ao grupo trotskista
no Brasil. Considerado um dos mais brilhantes
e ativos líderes do movimento operário
das primeiras décadas do século,
militou no Centro Cosmopolita do Rio e, como gráfico,
foi um dos principais responsáveis pela
organização da União dos
Trabalhadores Gráficos (UTG) em 1926.
13 - A greve geral dos
gráficos em São Paulo teve início
em março de 1929 e durou mais de três
meses, terminando por acordos parciais. A greve
foi violentamente reprimida pela polícia,
e a sede da UTG em São Paulo invadida e
fechada. Mesmo assim, os gráficos resistiram
e receberam apoio de vários sindicatos
do país.
14 - Cristiano Cordeiro
era natural de Pernambuco e foi um dos fundadores
do PCB em 1922. Como Everardo Dias, era maçom.
Membro do PC durante toda a vida, foi contrário
ao levante de 1935 por discordar dessa forma de
l uta, mas dele participou.
15 - João Cabanas
(1895-1974) era paulista e tenente quando aderiu
ao movimento militar de 1924 contra o governo
de Artur Bernardes, tornando-se um personagem
mítico por seus feitos militares. Em 1935,
já em oposição a Vargas,
assinou juntamente com outros militares a ata
de fundação da ANL. Em julho de
1937, esteve preso em Natal, e em novembro denunciou
o golpe de Vargas que implantou o Estado Novo.
16 - Paulo Lacerda, irmão
de Fernando e Maurício de Lacerda, era
jornalista e foi importante nome do Partido Comunista.
Participou das campanhas eleitorais do BOC, sendo
lançado em 1929 como candidato ao Senado
pelo Distrito Federal. Passou boa parte de sua
vida em prisões e fugas, e após
1931 tentou o suicídio, acabando por enlouquecer.
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