Capitulo
V
Revisão crítica da Bibliografia
sobre a insurreição de novembro
de 1935 em Natal
5.1
- A Infiltração policial e
o caso do telegrama forjado
Alguns autores atribuem
a insurreição do 21 BC em
Natal a uma precipitação -
que efetivamente houve, considerada a articulação
do partido comunista em nível nacional
- em função de uma provável
infiltração policial que teria
contribuido para o desencontro de informações
quanto a data da eclosão do movimento..É
o caso do chefe de policia na época,
João Medeiros Filho, que diz : “...
a surpresa com que irrompeu o movimento
e sua má organização
levam-me a aceitar a versão de ter
sido mesmo precipitado pelas autoridades
do Rio de Janeiro, a fim de que o plano
subversivo não surtir o efeito que
era de se esperar e temer”(Medeiros
Filho, 1937, p. 47). Leöncio Basbaum,
ao se referir ao esse episódio, diz
“... o telegrama foi forjado em Natal.
O chefe de policia, Aluisio Moura, fez amizade
com um membro do partido comunista por nome
“Santa”e através dele
que a policia consegue a confirmação
da chave do telegrama “(Basbaum, 1976,
p.81). Eliezer Pacheco, tem uma versão
idêntica : “... através
destas infiltrações, a policia
sabia que a revolução eclodiria
entre fevereiro e março de 1936,
sendo o seu início determinado por
telegrama cifrado e remetido aos dirigentes
de cada Estado. Passou então a empenhar
esforços no sentido de descobrir
a senha a ser transmitida através
de telegrama. Esta descoberta foi obra do
chefe de policia de Natal o qual conseguiu
tornar-se amigo de um membro do CR do PCB
de nome “Santa”ou “Santana”.Este,
acreditando nas “inclinações
comunistas”do policial revela a senha
para o inicio da insurreição.
Ali mesmo na capital do Rio Grande do Norte
a policia envia a “Santa”um
falso telegrama, datado do Rio de janeiro,
determinando o início do movimento,
que é feito apesar da absoluta falta
de condições.”(Pacheco,
1984, p.169)
John Forster Dulles, faz
referências a algumas cartas que foram
encontradas pela policia quando de sua prisão
em princípios de 1936,dirigidas a
“GIN” que era a abreviatura
dos “nomes de guerra”dos três
líderes do movimento: Garoto(Prestes),
Indio(Guiolde) e Neto(Harry Berger) . “uma
das cartas de GIN dizia que o levante de
23 de novembro em Natal fora desencadeada
por um inimigo dos comunistas”e cita
trechos da carta “... foi iniciado
pelo oficial do exército Aluisio
Moura, ex-chefe de policia de Natal (...)
durante a luta ele controlava tudo (...)
e enganava nossos camaradas, desarmando-os”(Dulles,
1985, p. 21 ).
José de Campos Aragão,
general de divisão do exército,
afirma que “há flagrante suspeição
de que foi o governo que fez precipitar
os acontecimentos”(Aragão,
1973, p. 47) João Café Filho
supõe que Getulio Vargas tenha incentivado,
mesmo que indiretamente, os acontecimentos,
“não só por inadivertência,
mas também por cálculo e talvez
pelo empenho de desmontar, através
da precipitação de levantes
isolados, a conspiração que
era de seu conhecimento” (Café
Filho, 1966, p.92) Eduardo Maffei afirma
que “Há evidências de
que Getulio não só sabia que
o movimento ia estourar como agiu para que
tal acontecesse e com precipitação”(Maffei,
l987, p.94)
Vejamos estas versões.
No primeiro caso (João Medeiros)
é muito curiosa, porque ele era o
chefe de policia na época, homem
de confiança do governador(que o
havia ido buscar na Paraíba exclusivamente
para assumir a chefia de policia) e foi
preso pelos insurretos e segundo sua própria
versão, o tentaram tirar por três
vezes do improvisado xadrez do 21 BC com
o objetivo de fuzilá-lo. E não
só ele foi preso, como o comandante
da policia militar, o comandante do 21 BC,
vários oficiais e o governador só
não o foi porque se escondeu no início
do levante(e sequer sabia do que se tratava)
se asilando em seguida. Assim sendo, que
sentido teria a policia(do Rio de Janeiro?como?)
em provocar uma precipitação
se as principais autoridades do Estado foram
pegas de surpresa e o próprio chefe
de policia foi preso?
Quanto a versão
de Leôncio Basbaum, o equívoco
é enorme. Em primeiro lugar Aluisio
Moura não era chefe de policia na
época, mas capitão comissionado
no 21 BC(fora até pouco antes do
levante o Comandante da Policia Militar)
. E só não foi preso pelos
insurretos porque não foi encontrado
em sua residência. E seria muito estranho
que um telegrama forjado em Natal pela policia
pegasse de surpresa... o próprio
chefe de policia!.
Em relação
a Eliezer Pacheco, talvez a fonte tenha
sido o próprio Leôncio Basbaum.
Na realidade não havia a suposta
amizade entre o chefe de policia e “Santa”
conforme depoimento do próprio “Santa”(Gomes,1988,
p. 73-118) Aliás o chefe de policia
vai acusar exatamente “Santa”de
querer assassiná-lo(Medeiros Filho,
1980, p. 19 ).
Aluisio Moura, conforme
dissemos, só não foi preso,
por não ter sido encontrado, o que
contradiz afirmações como
a de que durante o movimento ele “controlava
tudo”segundo uma das cartas apreendidas
pela policia.
Paulo Sérgio Pinheiro,
ao discutir esta questão, diz “...
no desencadear das rebeliões e sua
data, nada indica que tivesse algo a ver
com infiltrações de espiões”(Pinheiro,
1987, p. 603 ) . Creio ser esta a versão
mais correta. O autor se baseia em extensa
documentação , que corresponde
também as evidências dos autos
dos processos do Tribunal de Segurança
Nacional relativos ao Rio Grande do Norte
nos quais são indiciadas(e ouvidas)
mais de 1000 pessoas, entre testemunhas
de defesa e acusação, relatórios
policiais e documentações
apreeendidas e não há qualquer
referência a infiltração
policial ou telegrama falso.Evidenciado
também pela forma como se deu o levante
do 21 BC, conforme relatamos. O próprio
Getulio Vargas, numa carta a Osvaldo Aranha,
datada de 14 de dezembro de 1935, diz entre
outras coisas, “... ninguém
seria capaz de supor que os tóxicos
da propaganda subversiva houvesse ganho
tanto terreno, a ponto de determinarem um
movimento de articulação tão
extensa e seriamente ameaçador”
(49). Como diz José
Nilo Tavares “seria dificil admitir
que o chefe de governo provocasse deliberadamente
as mortes e os prejuízos materiais
ocasionados pela insurreição”e
acrescenta “mas não parece
restarem dúvidas quanto ao fato de
que o governo soube utilizar o levante no
sentido de fortalecer-se, quebrar a resistência
oposicionista no congresso e na sociedade
civil, que não era fraca, e preparar
o caminho para o golpe em gestação”(
Tavares, 1985, p. 74)
Notas
49 - Arquivo
de Getulio Vargas , CPDOC (Centro de Pesquia
e Documentação)/ Fundação
Getulio Vargas, Rio de Janeiro.
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