Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 1935 Mapa Natal
 1935 Mapa RN
 ABC da Insurreição
 ABC dos Indiciados
 ABC Personagens
 ABC Pesquisadores
 Jornal A Liberdade
 1935 Livros
 1935 Textos e Reflexões
 1935 Linha do Tempo
 1935 em Audios
 1935 em Vídeos
 1935 em Imagens
 1935 em CD-ROM
 Nosso Projeto
 Equipe de Produção
 Memória Potiguar
 Tecido Cultural PC
 Curso Agentes Culturais
 Guia Cidadania Cultural
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Rede DHnet
 Rede Brasil
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN

Insurreição Comunista de 1935
em Natal e Rio Grande do Norte

 

Histórias que não estão na História
José de Anchieta Ferreira, Livraria Clima, 1985

 

 

 

Nosso Projeto | Mapa Natal 1935 | Mapa RN 1935 | ABC Insurreição | ABC dos Indiciados | Personagens 1935 | Jornal A Liberdade | Livros | Textos e Reflexões | Bibliografia | Linha do Tempo 1935 | Imagens 1935 | Audios 1935 | Vídeos 1935 | ABC Pesquisadores | Equipe de Produção

 

O REFÚGIO DE RAFAEL

BRINCADEIRA FATAL

“SEU” MANOEL

A BARATA DO CONDE

 

 

 

 


O REFÚGIO DE RAFAEL

Muito se escreveu sobre a Intentona Comunista de 1935, em Natal, que surpreendeu as autoridades governamentais quando assistiam, no Teatro Carlos Gomes (Alberto Maranhão), a uma solenidade de formatura de alunos do Colégio Marista. Não raro, no entanto, ouve-se a falsa versão de que elas, precipitadamente, refugiaram-se numa corveta mexicana ancorada no porto. O boato adquiriu foros de verdade e é aceito por respeitáveis historiadores e memorialistas, chegando a internacionalizar-se com o americano John Foster Dulles, em seu livro “Anarquistas e Comunistas no Brasil.”

Em “Vertentes,” do Dr. João Maria Furtado, encontramos na página 126, que o governador, com “amigos e secretários refugiaram-se numa casa à Rua Sachet e depois na residência do cônsul da Itália, para, posteriormente, passarem a um navio mexicano surto no porto.”

O ex-presidente Café Filho vai mais longe em seu cochilo. Em suas memórias, “Do Sindicato ao Catete,” diz que “as autoridades desapareceram refugiando-se o Governo Rafael Fernandes num petroleiro da Air France.” Para o historiador Hélio Silva, no seu livro sobre Getúlio Vargas, da coleção “Os Presidentes”, já não foi um navio mexicano, mas um avião francês, que o governador escolheu para refúgio. “Do teatro, escreve o consagrado historiador, o governador e outras autoridades, depois de passarem pela casa de um amigo na Rua Sachet, refugiaram-se num avião da companhia Letecoére que fazia a ligação Natal-Dacar, permanecendo sob a proteção da bandeira francesa.”

De fato, encontravam-se alguns caça-minas mexicanos no porto, mas lá o governador não pôs os pés, conforme depoimento gravado, do Dr. Aldo Fernandes, então Secretário Geral do Estado: – “Quando começou o tiroteio, o pessoal foi saindo do teatro, e nós ficando, até 10 ou 11 horas. Aí eu disse: vamos embora. O teatro está se esvaziando, esses revolucionários chegam e prendem a gente. Resolvemos ir para a Inspetoria de Polícia. Você imagine que doidice nós íamos fazer! Quando chegamos defronte da casa de Januário Cicco, no meio da avenida, hoje Duque de Caxias, houve um tiroteio danado na Praça Augusto Severo. Foi só para amedrontar, porque não morreu ninguém. Naquele aperreio, entramos na casa de Xavier de Miranda, que estava aberta e com as luzes acesas. E ao chofer que vinha atrás,, (nós íamos a pé) dei ordem para entrar na casa de Antônio Farache. Quando amanheceu o dia, tudo calmo, começamos a saber das notícias. Mas até a hora do almoço a mulher de Xavier estava muito aflita porque não sabia de notícias do marido. Foi quando soubemos que a polícia havia cessado a luta por falta de munições. E ficamos assombrados. E começamos a pensar: e agora, para onde é que vamos? Resolvemos ir para a casa de Littieri, que era representante do consulado da Itália no Recife, Porque, quando Rafael veio fundar a Casa Fernandes, em 1929 ou 30, hospedou-se no Hotel Internacional que era, nesse tempo, de Lettieri, e tornaram-se amigos. Mandamos um rapaz, Pedro Fernandes de Queiroz, perguntar se ele poderia nos hospedar. E ele mandou dizer que seria um prazer. Quando escureceu e as luzes da cidade acenderam, saímos. Entramos no beco ao lado da casa de Januário Cicco, e quando chegamos na atual rua Câmara Cascudo, avistamos um carro com soldados do Exército. Passou ao nosso lado e parou num restaurante vizinho à casa de Littieri que já estava no portão nos esperando um pneu. E ficamos lá no domingo, na segunda. Na terça-feira, de manhã, chegou uma pessoa e nos disse que eles estavam fugindo, desocuparam o quartel, abandonaram armamento, etc. confirmada a notícia, tomamos o carro e fomos para o palácio. E eu, que esperava encontrar tudo anarquizado, nos surpreendemos. Estava tudo como deixamos, porque eles lá não foram. Haviam instalado o governo na Vila Cincinato, residência do governador... Essa história do navio foi um erro muito grande. Naquele livro de Rômulo Wanderley sobre a Polícia Militar (História do Batalhão de Segurança) que ele me mandou, e eu li, fiquei danado e mandei chamá-lo.

- Mas, Rômulo, como é que você faz uma coisa dessa? Você devia ter nos consultado. Rafael não foi a navio nenhum.

- Mas foi o que me disseram. Correu esse boato...

^ Subir

BRINCADEIRA FATAL

Em pânico com a “Revolução Comunista” que acabara de rebentar, no já distante 23 de novembro de 1935 pela surpresa do acontecido não foram muitas as pessoas que puderam fugir de Natal procurando as praias ou o interior do Estado. Joca Lyra, o alfaiate da moda, preferiu a residência do seu amigo Anibal Correia, mas apressou-se em mandar a família para a praia da Redinha, aceitando, com alívio, o convite do Dr. Pedro Amorim para, juntamente com os seus, ficar abrigado em sua casa de veraneio. Às pressas, atravessaram o rio. O Potengi, com certeza, lhes daria a segurança contra a violência revolucionária. E, assim, a beira-mar, se mantinham despreocupados, numa antecipação do veraneio que se aproximava. Mas o inesperado aconteceu. No dia 24 desembarca de um bote uma patrulha comandada pelo ex-jogador do América, Hemetério Canuto. Vai de casa em casa à procura de armas, mas nada encontra. Inesperadamente, chega à casa do Dr. Amorim e corre todas as suas dependências. – Estamos à procura de armas, declara, autoritário, o comandante da patrulha. Erguendo o braço e apontando um pequeno morro, Arnaldo Lyra, sempre disponível para uma brincadeira, responde: - só se tiver enterradas naquele morro de areia. Irritado com a resposta, Hemetério Canuto deu-lhe voz de prisão. – Ah, esse galinha verde sabe de tudo! Vai preso agora para Natal. a designação perjorativa, aplicada aos integralistas, não o atingia. Com 27 anos, pianista, falando bem o inglês numa época em que poucos o falavam, a política não o atraía.

A seguir, alguns trechos gravados do depoimento emocionado de sua irmã Vicentina Lyra, “daquele dia que eu jamais esquecerei. Foi horrível. Minha pobre mãe chorava tanto, ajoelhada aos pés deles, pedindo pelo amor de Deus que não fizessem aquilo. Então eles prometeram a ela que não fariam nada com ele. Chorando, minha mãe colocou uma oração no bolso dele. E eu fiquei com ela. Mas ficou manchada de sangue, e era um martírio para mim olhar ela. Até que um dia eu não agüentei mais, e me desfiz dela, queimando...”

As lágrimas de D. Elcides não comoveram o comandante da patrulha, e Arnaldo foi conduzido, preso, para a Vila Cincinato, atual Vila Potiguar, na Praça Pedro Velho. Ao chegar, foi reconhecido e logo liberado. No entanto, a amarga experiência da Redinha não lhe servira de lição. Na saída, ao passar pelo sentinela, estirou o braço, proferido um anauê, numa saudação integralista. Como resposta, recebeu uma brutal estocada de baioneta na região abdominal. Gravemente ferido, foi jogado no minguado espaço do aparelho sanitário. (Declaração do próprio Arnaldo, no então Hospital Miguel Couto, aos seus amigos Dante de Melo Lima e José Alexandre de Amorim Garcia.) Coincidentemente, chega nessa ocasião o Sr. Manoel Henrique, motorista do governador Rafael Fernandes, que passara a noite na Pensão Natal, de D. Maria Cabral (onde hoje está o Grande Hotel) no outro lado da residência do Sr. Xavier de Miranda, onde pernoitaram algumas autoridades, refugiadas, apanhadas de surpresa no Teatro Carlos Gomes (Alberto Maranhão) quando assistiam a uma solenidade de formatura de concluintes do Colégio Marista.

Voltando a uma garagem próxima, onde deixara o carro, o motorista foi preso por um soldado, que o reconheceu. Segundo depoimento do Sr. Manoel Henrique daí ele foi levado à Vila Cincinato, sob a alegação de que iria ficar à disposição da Junta Revolucionária, como motorista. Com a permissão de Lauro Lago, um dos integrantes da Junta, que lhe forneceu um salvo-conduto assinado pelo sargento Quintino, foi à sua residência, também na Praça Pedro Velho, preocupando com o filho doente, e tranqüilizar a esposa. De volta, ao aproximar-se da Vila, foi intimado por um paisano, com bornal a tiracolo, para levar um ferido ao hospital. Dizendo não ser possível atendê-lo, por encontrar-se sob às ordens da Junta Revolucionária, o indivíduo, empunhando ameaçadoramente um fuzil, respondeu-lhe categórico: - não tem isso não, você tem que ir agora.

Nesse instante, de súbito, avista Arnaldo, vindo em sua direção, enrolado em uma toalha presa à cintura, caminhando devagar, ligeiramente curvo, segurando o ventre com uma das mãos. – Eu conheço esse rapaz! É irmão do Sr. Fernando Lyra. Esse menino não é capaz de fazer mal a ninguém, exclamou surpreso e penalizado o Sr. Manoel Henrique. – Nada, isso é um integralista safado! Retrucou o paisano boçal. E Arnaldo, com voz sumida e trêmula, respondeu: - eu também conheço o senhor.

Lentamente, apoiando-se na porta do carro, sentou-se no banco traseiro do Chevrolet Imperial do governador, que rodou depressa em direção ao Hospital Miguel Couto (Hospital das Clínicas).
Operado pelo Dr. José Tavares da Silva, que utilizou todos os recursos médicos disponíveis, conseguiu sobreviver até o dia 29, quando veio a falecer, provavelmente de peritonite generalizada.

^ Subir

“SEU” MANOEL

Manoel Flausino, analfabeto e simplório, dava recados, limpava o chão, aguava o jardim e colocava o caixão de lixo na calçada. Às vezes, exercia o ofício de ajudante de pedreiro. E, assim, ia passando, ganhando uns cobres aqui, outros ali, principalmente na residência do desembargador Felipe Guerra, onde tinha as refeições garantidas e a amizade dos donos da casa. Na revolução comunista de 1935, passando em frente do quartel sublevado, foi convidado a participar da intentona. Vestiram-lhe uma farda, deram-lhe um fuzil e lhe enrolaram um lenço vermelho no pescoço. Incontinenti, foi desfilar pela cidade, mostrar-se aos amigos e visitar os antigos patrões, agora em pé de igualdade, pois já não era mais um simples faxineiro, e sim, um militar respeitado. Mais do que isso – um revolucionário.

Os integralistas, inimigos declarados dos marxistas, trataram de desaparecer. E o Dr. Otto Guerra, naquele tempo admirador de Plínio Salgado, deixou naqueles dias a família sobressaltada. E grande foi o susto quando entra de casa a dentro, sem se anunciar, aquele indivíduo fardado, empunhando um fuzil, e de lenço vermelho no pescoço. Mas o engano e o susto logo se desfizeram. Era apenas “seu” Manoel que, vaidoso e falante, vinha exibir a sua farda e a sua importância. – Seu Manoel, olhe em que o senhor está metido! Isso é um negócio muito sério, muito arriscado, advertia-o, preocupado, o doutor Felipe. Mas o “seu” Manoel encontrava-se nas nuvens, inacessível a qualquer advertência. Dias depois, já fracassado o levante, com os revoltosos em debandada, e aproximando-se da capital o 23 BC de Fortaleza e o 20 BC de Maceió, nova visita do “seu” Manoel. – Você está louco? Quer ser preso? Vá depressa tirar essa farda, jogar fora essa arma... E o inocente “seu” Manoel, perplexo, com que desperta do melhor dos sonhos, pergunta, melancólico: - Doutor, e quem foi que ganhou?

^ Subir

A BARATA DO CONDE

Como vinha ocorrendo na Europa, a política no Brasil radicalizou-se ainda mais na década de trinta.

Dois movimentos se confrontavam: a Ação Integralista, de direita, e a Aliança Nacional Libertadora, de esquerda.

O povo, em sua maioria, permanecia indiferente, mais preocupado em sobreviver às dificuldades do dia-a-dia do que mesmo motivado por considerações de natureza ideológica. Mas essa indiferença do povo não impediu que indivíduos totalmente alienados dos fatos sociais fossem arrastados no caldeirão dos acontecimentos. Foi o que ocorreu com o faxineiro Manoel Flausino e com o Conde Meireles, os quais, colocados em posição oposta da escala social, irmanaram-se, participando da “Revolta Vermelha.” De Seu Manoel já vimos a história Vejamos, a seguir, a embrulhada em que o outro se meteu:

Sempre lavada e polida, a barata (modelo de automóvel) do Conde Meireles, de tão bem cuidada, espelhava mais do que sapato de cadete em dia de formatura.

Evitada a poeira e a chuva. Nada de estrada ruim ou enlameada. O seu Ford era nobre como o dono que, vaidoso, desfilava pela cidade de Natal, cidade ainda pequena naquele ano de 1935, ano da “Revolução Comunista” quando o conde tomou um grande susto. Empalideceu e a voz quase sumiu quando os comunas lhe foram tomar o carro. Com esforço, conseguiu restaurar o equilíbrio. E fez uma proposta aceita com agrado pelos revoltosos: iria com eles dirigindo a sua barata. E lá se foi, com a maior ingenuidade, aquele “sangue azul” participar da revolta vermelha. Ficou perplexo, quando, tudo terminado, foi denunciado pelo Procurador Geral da República como indicado na subversão.

- Mas eu não fiz nada!

- O senhor diz que é inocente mas as investigações provam que o senhor, com a sua barata, esteve em todas...

E até provar que “orelha não é chifre”, o Conde Meireles passou por muito vexame. Mas, afinal, ficou provado que, como uma babá carinhosa, apenas zelava pelo seu bebé de quatro rodas.

^ Subir

Nosso Projeto | Mapa Natal 1935 | Mapa RN 1935 | ABC Insurreição | ABC dos Indiciados | Personagens 1935 | Jornal A Liberdade | Livros | Textos e Reflexões | Bibliografia | Linha do Tempo 1935 | Imagens 1935 | Audios 1935 | Vídeos 1935 | ABC Pesquisadores | Equipe de Produção

 
Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: dhnet@dhnet.org.br Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
Linha do Tempo RN Rio Grande do Norte
Memória Histórica Potiguar
Combatentes Sociais RN
História dos Direitos Humanos RN Rio Grande do Norte
Guia da Cidadania Cultural RN
Rede Estadual de Direitos Humanos Rio Grande do Norte
Redes Estaduais de Direitos Humanos
Rede Brasil de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
Direito a Memória e a Verdade
Projeto Brasil Nunca Mais
Comitês de Educação em Direitos Humanos Estaduais
Djalma Maranhão
Othoniel Menezes Memória Histórica Potiguar
Luiz Gonzaga Cortez Memória Histórica Potiguar
Homero Costa Memória Histórica Potiguar
Brasília Carlos Memória Histórica Potiguar
Leonardo Barata Memória Histórica Potiguar
Centro de Direitos Humanos e Memória Popular CDHMP RN
Centro de Estudos Pesquisa e Ação Cultural CENARTE