Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
Lauro Reginaldo
da Rocha - Bangu
Bangu,
Memória de um Militante
Brasília Carlos Ferreira
– Organizadora, 1992
Nosso
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de Produção
III
– Mãos à obra!
O
alvará de soltura veio para nós,
os três norte-riograndenses. Os demais presos
políticos continuaram aguardando a sua
vez. Recebemos de um dos companheiros presos,
o local e a senha para a ligação
com o PC lá fora e aguardamos os guardas
que nos levariam até o portão. Uma
vez na rua, resolvemos dar umas voltas pela cidade,
tomando todos os cuidados para não sermos
seguidos.
Tudo
ocorreu dentro das normas estabelecidas e ao entardecer,
tomamos um trem “Maria Fumaça”
rumo a um subúrbio longínquo. Chegamos
à noite a um pequeno sítio, onde
um cearense nos recebeu amistosamente. Respiramos
aliviados. Estávamos “dentro”
do partido. O nosso pensamento era voltar o quanto
antes para o nosso Estado, enfrentar novamente
“as feras”, começar tudo de
novo. Na primeira reunião transmitimos
à direção central esse nosso
desejo.
Como
resposta nos disseram, “em primeiro lugar
os companheiros terão que participar de
um curso de capacitação marxista-lenista.
Nesse curso os problemas de aplicação
da linha política do partido serão
analisados de forma auto-crítica, à
luz do marxismo etc, etc. Esse curso dará
alguns meses e estamos certos de que todos sairão
dele com seus conhecimentos e capacidade de luta
reforçados. Aí então discutiremos
com os companheiros onde e como cada um poderá
dar à Revolução a sua valiosa
contribuição”.
Esta
notícia me causou a maior alegria. Sempre
desejei estudar, isso já foi dividido em
duas turmas, funcionando em locais diferentes
e independentes. Os instrutores eram, Isidoro,
Júlia e um jovem cujo nome de guerra não
me recordo, todos três componentes de uma
delegação do Bureau Sul-Americano
da IC que se encontrava no Brasil. Como não
podia deixar de ser, gente do mais alto gabarito.
Os outros instrutores eram membros do CC do partido,
dentre eles um operário tecelão
(ótimo companheiro), de elevada cultura,
conhecido como Mauro. Os alunos de minha turma
eram militantes do Rio e dos Estados do Rio Grande
do Norte, Paraíba e São Paulo. A
outra turma, da qual fazia parte o Miranda, tinha
idêntica composição.
O curso
desenvolvia-se da seguinte maneira: o instrutor
fazia uma exposição sobre um tema
programado e em seguida abria os debates, dando
a palavra aos alunos, dispondo cada um determinado
tempo para expor seus pontos de vista, sua interpretação,
concordando ou discordando, de acordo com a natureza
do assunto em debate. Era um sistema democrático,
o debate era estimulado ao máximo.
Chegou
a vez da discussão em termos da aplicação
da linha política do BP do Partido. Foram
lidos vários documentos e ficamos sabendo
que havia uma crise muito séria na direção.
Tinham sido cometidos erros de direita encobertos
com frases e atitudes esquerdistas, “obreiristas”.
Os debates tinham sido abertos em reuniões
do Comitê Central, surgiram críticas
severas, alguns dirigentes não concordaram
com as críticas e houve defecções,
abrindo claros na direção. Foi lida
uma declaração do Secretário
Geral do Partido, o companheiro Astrogildo Pereira,
na qual ele dizia não concordar com as
críticas a ele dirigidas e assim deixava
o cargo ia para as “torrinhas” assistir
o desenrolar dos acontecimentos. Anos depois vim
a conhecer pessoalmente Astrogildo, tendo guardado
a melhor impressão da sua cultura, simplicidade
e espírito de companheirismo.
Nós
já vínhamos notando uma certa diminuição
da atividade da direção, falta de
assistência aos Comitês Estaduais,
omissões etc., e ali estava a explicação.
Entretanto nós os alunos estávamos
diante de fatos consumados e só nos sabia
analisá-los, colher os ensinamentos e apresentar
sugestões.
Procurei
tirar o máximo de aproveitamento do curso
e quando ele terminou, senti que tinha dado um
grande passo à frente na minha experiência
e nos meus conhecimentos. Agora era só
aguardar o momento de voltar para o meu “habitat”,
o nordeste.
Terminado
o curso, fiquei numa casa do subúrbio,
aguardando as passagens para meu regresso ao nordeste.
Ansioso como estava para retornar ao meu Estado
e com a inatividade forçada em que me encontrava,
os dias passavam lentos, enervantes e não
aparecia ninguém da comissão nacional
de organização com a decisão
sobre o meu destino.
Finalmente
um dia chegou o Martins. Trazia um ar de mistério
e após cumprimentos, foi logo me dizendo,
“prepare-se para sair, vamos a uma reunião
importante”. Todas as reuniões não
são importantes? Perguntei, tentando torná-lo
mais explícito. “esta é especialmente
importante. você vai ver”, disse-me
sorrindo.
Sem
procurar esticar o assunto preparei-me rápido
e dentro de poucos instantes estávamos
a caminho. Depois de muitas voltas chegamos ao
local da reunião. Já estavam na
sala alguns companheiros. Depois outros chegaram,
inclusive o Izidoro, o membro da delegação
do Bureau Sul-Americano da IC a quem me referi
anteriormente. Eu estava nada mais nada menos,
numa reunião do Comitê Central do
Partido. Eu me sentia feliz em estar ali no meio
de tantos “cobras”, mas continuava
a não entender nada.
Aberta
a sessão o presidente dirigindo-se a mim
disse mais ou menos o seguinte:”Temos a
satisfação de informar ao companheiro
Bangu (era o meu nome de guerra) que a direção
máxima do Partido, de comum acordo com
a delegação do Secretariado Latino-Americano
da IC resolveu elegê-lo, por “cooptação’,
membro do Comitê Central para ocupar o cargo
do Secretário Geral do PC até próximo
Congresso”.
A minha
surpresa foi imensa. A emoção tolheu-me
a fala por alguns instantes. Eu tinha então
24 anos de idade, disseram que era um acontecimento
inédito na história do PC, eu nunca
podia imaginar que tal coisa viesse um dia acontecer.
Procurei
retomar o meu auto-domínio e passei a falar:
Eu me sinto muito honrado e comovido com a distinção
e a confiança em mim depositadas. Entretanto,
eu pergunto se os companheiros pensaram bem, se
não cometeram um erro de super-estimação
da minha capacidade, de meus méritos, ao
depositarem em minhas mãos cargo de tamanha
responsabilidade.
A isto
respondeu o presidente: “Pode ficar tranqüilo
companheiro. Tudo foi muito bem pesado e bem medido.
Havia outros nomes na lista de candidatos mas
foi você mesmo escolhido. Conte com o nosso
apoio e a nossa ajuda. O nosso Partido precisa
superar suas falhas e se por à altura de
sua grande missão. Precisamos ter confiança
em nós mesmos e partir para frente. Coragem!”
Estas
palavras me causaram um grande estímulo.
A reunião continuou mas eu não podia
me fixar nos debates. Minha vida sofrera uma guinada
brusca, eu senti de repente que tudo ia mudar,
a partir daquele momento. Finalmente a reunião
terminou. Cada companheiro que se despedia procurava
me encorajar.
Ao
chegar em casa procurei por em ordem as minhas
idéias, aos poucos fui recuperando a calma
e a confiança. Bem, agora tenho que organizar
minha vida aqui no Rio e providenciar a vinda
imediata de minha família. Tenho que elaborar
um plano de trabalho em função do
meu novo cargo de Secretário Geral do Partido.
Tenho que verificar e acompanhar o funcionamento
dos secretariados da organização,
de agit-prop, de trabalho sindical e de organizações
de massas, tenho de cuidar da assistência
aos Estudos, à JC ao SV tenho que ter uma
visão global dos problemas nacionais, tenho
que estudar muito! E disse comigo mesmo: “ora,
muito bem, “seu” Lauro! Veja só
que abacaxi te arranjaram...”
Mas
não posso negar, no íntimo eu me
sentia feliz. E uma grande vontade de me empenhar
com todas as forças na reconstrução
do Partido se apoderou de mim.
A situação
do país se agravava rapidamente. O governo
provisório de Getúlio ia se tornando
cada vez menos provisório e as bases de
uma ditadura iam sendo cravadas em nosso solo.
O integralismo se expandia com o bafejo do nazi-fascismo,
que estimulava a ação de seus asseclas
nativos de dentro e de fora do governo. Os sindicatos
eram controlados pela polícia, a repressão
e a espionagem tornavam a ação dos
revolucionários dura, difícil.
Nesse
estado de tensão começamos a trabalhar.
A direção do Partido foi reconstituída,
o entrosamento dos antigos membros com os novos
promovidos passou a dar os resultados previstos.
O Bureau Político, ora com 7, ora com 9
dirigentes se reunia periodicamente, analisava
os acontecimentos nacionais e traçava os
planos de ação, dentro da estratégia
elaborada pelo Comitê Central. Enquanto
isso, um secretariado composto de 3 a 5 elementos
tinha uma função opinativa, dinâmica,
com reuniões 2 vezes por semana, acompanhando
de perto a execução dos planos traçados.
Este secretariado era constituído pelo
Secretário Geral, a Secretária de
Agitação e Propaganda, o Secretário
de Organização, o Secretário
Sindical ou do Trabalho de Massas, de acordo com
as circunstâncias.
Havia
uma equipe constituída na maioria de ativistas
com experiências de trabalho partidário,
com pouca formação teórica
mas com muita disposição para a
luta.
Passamos
a realizar uma política de concentração
de forças no trabalho de massas, visando
os setores fundamentais da produção,
os transportes marítimos e ferroviários,
as indústrias principais. Reativamos o
trabalho militar, passamos a preparar e a enviar
reforços para os Estados, com instruções
para intensificar o trabalho no campo, como tarefa
na máxima importância.
Nessa época o oportunismo de direita, tal
como acontece hoje na maioria dos velhos partidos
comunistas, não existia em nossas fileiras.
Havia sim desvios ora de direita, ora de esquerda,
que procurávamos combater dentro do nosso
entendimento e capacidade ideológica.
Estávamos
plenamente conscientes de que as classes dominantes
nunca entregariam o poder “de mão
beijada”, jamais renunciariam aos seus privilégios,
a não ser pela violência. Nunca surgiu
em nossas fileiras nessa época, qualquer
ilusão ou veleidade no que concerne à
conquista do poder pelas massas populares por
outro caminho que não fosse pela luta armada,
cairia no ridículo. Para nós, este
era o princípio básico, a conclusão
lógica do marxismo-leninismo. Dentro dessa
perspectiva revolucionária, nossa ação
só poderia ser encaminhada no sentido de
preparar o Partido para esse desfecho.
Era
fundamental para nós nunca perder de vista
que o Partido Comunista era um Partido Revolucionário,
no verdadeiro sentido da palavra, um partido que
não deveria esperar indefinidamente, na
passividade e na burocracia, que o poder viesse
às nossas mãos por uma dádiva
dos céus. Ao contrário, deveria
se preparar e preparar as massas para (com as
massas) conquistar o poder, tornando o nosso país,
o nosso povo, livre do jugo imperialista. Teria
de criar as bases para as transformações
socialistas, sem outra alternativa que não
fosse pela violência, pela luta armada,
única linguagem capaz de ser entendida
“pelos que estão no poder”.
Norteados
por estes princípios, a nossa ação
não tardou a dar seus frutos. O partido
crescia rapidamente, nossos apelos ao povo no
sentido de se organizar começaram a ser
atendidos, novas forças vieram se incorporar
à ação, criando as bases
para a formação de ampla frente
única, que viria mais tarde a se concretizar.
O fascismo
no plano internacional, avançava a passos
largos para a segunda guerra, na sua tentativa
de dominar o mundo e afogar em sangue as aspirações
de liberdade e de progresso de todos os povos.
Para
enfrentar essa iminente ameaça, o Partido
comunista tinha de realizar um supremo esforço
para vencer o seu atraso e se colocar à
frente das lutas populares, para cumprir sua missão
de vanguarda.
A nossa
atividade não tinha limites. O excesso
de trabalho, as reuniões cansativas, as
noites mal dormidas, a alimentação
nem sempre à altura das necessidades, levaram-me
depois de certo tempo, ao enfraquecimento físico
e à estafa. Uma velha bronquite da infância
que julgava curada, veio à tona. O BP achou
por bem aliviar minha carga, substituindo-me por
Miranda na Primeira Secretaria. Continuei no Secretariado,
como Secretário de agitação
e Propaganda depois de uma licença para
recuperação.
O Miranda
tinha o dom da palavra fácil, era capaz
de passar horas a fio dissertando sobre um tema
sem se cansar. Juntando este fato ao seu natural
dinamismo, acabou conquistando as simpatias e
se firmando no posto, passando de secretário
interino a efetivo.
Um
membro do BP certa vez, me alertou contra possíveis
manobras que Miranda vinha pondo em prática
para alcançar o posto. Não dei importância.
Achei ridícula e até mesmo indigna
de revolucionários uma luta desse jaez.
Eu jamais me envolveria disputa sem princípios,
simplesmente pela conquista de postos de direção.
E tudo seguiu normalmente, o importante era tocar
o trabalho para frente, a nossa ação
continuou dentro do mesmo espírito de camaradagem
e do mesmo entusiasmo.
Chegamos
assim à segunda metade do ano de 1934.
Foi quando recebemos um comunicado de convocação
de um congresso da IC a ser realizado em Moscou.
O nosso Partido deveria enviar uma delegação.
Foi convocada uma reunião plenária
do Comitê Central para decidir sobre o assunto.
Nessa reunião foram eleitos os cinco representantes:
Miranda, eu, Caetano Machado, Elias e Jovino,
todos membros do CC. Caetano Machado era um padeiro
de Recife, remanescente da Coluna Cleto Campelo.
Essa coluna foi o resultado de um levante popular,
ocorrido por volta de 1926 em Pernambuco, cujos
componentes iniciaram uma marcha para se juntar
à Coluna Prestes, tendo sido desbaratada
por forças governistas e seu líder
– Cleto Campelo – morto em combate.
Aqui
é necessário um esclarecimento:
a IC era organização que unia todos
os PCs do mundo. Funcionava em Moscou é
obvio, por ser a União Soviética
naquela época o único país
socialista existente no globo, capaz de permitir
o seu funcionamento livre e sem restrições.
Esta era a 3ª Internacional e foi dissolvida
em 1943. A 1ª Internacional foi criada sob
a orientação de Karl Marx, em 1864,
com o nome de Associação Internacional
dos Trabalhadores. A 2ª Internacional surgiu
em 1889 e tomou orientação oportunista.
A viagem
da delegação a que vínhamos
nos referindo, era por conta do nosso Partido
e a estadia em Moscou durante a Conferência
era por conta da IC.
O dinheiro
estritamente necessário foi arrecadado
pelo nossa organização e a seguir
embarcamos na 3ª classes de um navio rumo
à França. Tudo correu normalmente.
O pior foi atravessar toda a Europa de trem, incluindo
nesse trajeto a travessia do território
alemão dominado pelo nazismo. Embora nossa
documentação e nossa bagagem estivessem
em ordem, nas paradas de trem nas estações,
ficávamos quietos e cautelosos nas poltronas,
vendo o desfilar arrogante nas plataformas, dos
pelotões nazistas, os seus repetidos “Heil
Hitler!”, o seu farejar constante de cães
de caça.
Éramos
passageiros em trânsito, sem direito a descer
em território germânico. Talvez por
este motivo ou talvez porque “o faro”
dos nazistas não estivesse não estivesse
num bom dia, o certo é que fizemos a penosa
travessia sem atropelos.
No
território polonês a tensão
diminuiu. Tivemos que descer em Varsóvia
e aguardar num hotel outro trem, rumo a uma cidadezinha
da fronteira com a URSS. Dois dias depois pisamos
em território soviético. Nesse momento
os semblantes se transformaram. Passageiros que
antes se mantinham cautelosos e retraídos,
agora se abraçavam, emocionados, “pela
primeira vez em minha vida posso dizer, sem medo
de ser preso: “Yo soy comunista!”
Tomamos
um novo trem, agora com as insígnias da
URSS. A composição passou a correr
em direção a Moscou, cortando o
lençol branco formado pela neve. Nada de
paisagem, somente aquela brancura de doer na vista,
a visibilidade reduzida pela nevasca caindo incessantemente.
Depois
de horas e horas de ansiedade, chegamos à
capital da grande nação soviética.
Na gare, já estavam à nossa espera
Prestes e Silo Meireles. Abraços e palavras
acolhedoras de uma recepção simples,
mas calorosa. A seguir, tomamos os automóveis
que nos levaram ao hotel onde ficamos hospedados.
Nesse mesmo hotel já residiam há
anos, desde que foram exilados, o casal Otávio
e Laura Brandão e seus filhos.
Eu
saí do Brasil convencido de levada uma
roupa capaz de enfrentar o frio russo. Para isto
tinha comprado o sobretudo mais espesso, o terno
mais quente que encontrava nas lojas do Rio e
de São Paulo. Puro engano.
Logo
que chegamos ao Hotel em Moscou, nossa roupa foi
examinada pelos companheiros residentes e considerava
inadequada. “A temperatura aqui, costuma
descer além de 30 graus abaixo de zero.
Com essa roupa você pode apanhar pneumonia”.
E me fizeram calçar umas botas de feltro
à altura dos joelhos e vestir um sobretudo
acolchoado com 3 centímetros de espessura,
luvas, gorro de pele etc, etc. somente olhos,
nariz e boca ficaram descobertos.
Quando
saímos à rua, principalmente quando
paramos por alguns instantes sobre a neve, é
que verificamos que sem essa roupa teríamos
virado sorvete.
Nos
primeiros encontros no COMINTERN, fomos informados
de que o Congresso da IC tinha sido adiado e que
em seu lugar seria realizada uma Conferência
dos Partidos Comunistas da América Latina,
aproveitando a presença de delegações
do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Cuba, Bolívia
e México.
Poucos
dias depois a Conferência foi instalada
num dos salões do velho edifício
sede da IC. O conclave tinha por finalidade realizar
um balanço da situação dos
partidos e das perspectivas revolucionárias
de cada país.
Os
debates dividiram-se em duas partes. Na primeira
parte foi discutia de forma geral e sem quebra
de sigilo, a linha política dos Partidos
Comunistas latino-americanos, de características
semelhantes, de modo a permitir um intercâmbio
de experiência, sobretudo no trabalho de
massa. No segunda parte, cada delegação
debatia entre si, mais detalhadamente, as perspectivas
revolucionárias de seu país e as
medidas de organização a serem adotadas
como conclusão dos trabalhos da Conferência.
Evidentemente essas decisões deveriam ser
submetidas à direção e ratificadas
pelo Comitê Central de cada Partido.
No
desenrolar da Conferência o Brasil passou
a atrair as atenções dos delegados
pela gravidade de sua situação econômica
e política, pela miséria e condições
sub-humanas das massas e camadas de sua população,
aguçamento das contradições
das lutas de classes, perspectivas de uma saída
revolucionária para solução
de seus problemas fundamentais a para a libertação
do seu povo.
Em
princípios de 1935 quando voltamos ao Brasil
e Aliança Nacional Libertadora já
tinha sido lançada. Sua expansão,
em todo o país, assumiu proporções
rápidas e imprevistas.
As adesões das personagens de projeção,
dentre elas governadores de Estados (Moreira Lima
do Ceará e Pedro Ernesto do Rio de Janeiro),
davam a dimensão e a amplitude da frente
nacional que se iniciava. Por outro lado, as caravanas
que percorriam os Estados eram recebidas e aplaudidas
com entusiasmo pelas massas populares; a palavra
de ordem Pão, Terra e Liberdade começou
a ser bandeira de luta de camadas cada vez mais
amplas da população.
Surgiam
núcleos da A.N.L., surgiam também
novas organizações de estudantes,
de mulheres e de operários, enquanto começava
a penetração entre as populações
camponesas.
Enquanto
isso, o integralismo era repudiado, seus comícios
eram hostilizados e dissolvidos violentamente
pelo povo.
O que
se passava no Brasil, naquela época, não
era um fenômeno fortuito, criado artificialmente
pela imaginação dos comunistas,
como atribuem certos críticos. Era uma
crise políticos grande pelo descontentamento
geral e que atingia também seriamente as
forças armadas. Esse descontentamento,
mais cedo ou mais tarde, explodiria – como
explodiu – em movimentos insurrecionais,
dos quais está cheia a história
do Brasil, desde a era colonial.
O que
havia de novo nesse período importantíssimo
de nossa história, era a existência
de um Partido Comunista – jovem e com pouca
experiência, mas audacioso e combativo –
que se pôs à frente dessas lutas.
Porque nas lutas passadas (eu me refiro às
de caráter insurrecional), ele não
participou ou porque ainda existia ou porque,
por esta ou aquela razão, não se
fez presente. Este fato novo, de capital importância,
é o que esses famosos críticos ignoram
ou fingem ignorar.
Numa
tarde, saí de casa para um encontro com
uma companheira da União Feminina, na rua
Matriz e Barros, em frente ao Instituto de Educação.
Eu era assistente dessa organização.
Estava à espera no ponto quando notei a
presença de dois indivíduos mal-encarados
que me olhavam com insistência.
Um
deles parecia que já tinha visto em algum
lugar, mas não me lembrava onde, pensei
que pudessem ser assaltantes mas logo concluí
que eram “tiras” e senti instintivamente
que ia “entrar em cana”.
Minha
primeira preocupação foi evitar
que a pessoa que eu esperava chegasse de repente
e viesse falar comigo, caindo na esparrela. Procurei
me afastar do local e quando andei alguns passos
os caras vieram na minha direção
em manobra envolvente, tentando cortar minha retirada.
Achei o procedimento dos indivíduos muito
estranho e senti rapidamente a necessidade de
resistir à prisão (agressão
ou seqüestro, sei lá), achei por bem
tumultuar o local para que a pessoa que eu esperava
pudesse se afastar, levando a notícia de
acidente à nossa organização.
Instintivamente
tomei o cuidado de só me defender, sem
nunca atacar. Os “tiras” tentavam
me agarrar eu me esquiava; novas tentativas, novas
negaças. Apareceram mais pessoas, “fechou-se
o tempo”, quando vi tinha se formado em
“bolo” medonho em volta de mim, eu
não sabia quem era polícia e quem
não era. Revólveres brilhando no
ar, eu não compreendia donde me vinham
as forças para resistir a tanta gente,
o certo é que uma hora eu estava agarrado,
de repente eu estava solto.
O tumulto
crescia e se prolongava, parecia não ter
fim. Nisto apareceram dois marinheiros e entraram
na briga. Na confusão eu pensei que eles
estavam contra mim, mas notei que eles me defendiam,
não sei o que deu no juízo deles.
Acho que ficaram revoltados de ver tantos policiais
agredindo um rapaz franzino e desarmado, e que
viram logo não se tratar de nenhum marginal;
ou talvez, por uma natural aversão aos
métodos de violência policial. Por
qualquer uma destas razões ou por outras
quaisquer, o certo é que eles não
tiveram dúvidas: entraram no “bolo”
em minha defesa, o que foi, pela menos para mim,
a idéia mais genial que eles devem ter
tido em toda a sua vida.
Quando
os policiais erguiam os revólveres para
me dar coronhadas – uma vez que, atirando
corriam o risco de atingir até mesmo os
seus colegas – os marujos aparavam o golpe
e diziam “não batam no homem! Num
homem como esse não se bate!”
Já
havia mais de trinta pessoais briga, a confusão
continuava, o tempo corria e os policiais não
conseguiam me levar. Por fim os dois marinheiros
propuseram um acordo (sem que eu fosse consultado...)
os policiais me levariam, mas eles acompanhavam
até o Distrito, para que não acontecesse
nenhuma violência contra mim. A proposta
foi aceita, me puseram num carro e me levaram
para o Distrito da Praça Saenz Pena. Quando
falaram em Distrito da Praça Saenz Pena,
respirei aliviado.
Ao
entrarmos na Delegacia, um dos “tiras”
foi logo dizendo para seus colegas de plantão:
“arranjem uma jaula para essa fera!”
a jaula que me arranjaram foi um cubículo
sem cama e sem móveis de espécie
alguma. Nesse ponto eu achei que eles estavam
com a razão, afinal, para que uma fera
quer cama? Os dois marinheiros se mantiveram todo
o tempo vigilantes e só depois que fui
trancado no xadrez foi que eles se retiraram.
Deitei-me
no chão de cimento duro e frio, morto de
cansado, e pensei: vejam só quanta ironia,
indivíduos mau-encarados, armados, suspeitíssimos,
sem se identificarem, sem apresentarem qualquer
ordem judicial de prisão legalmente expedida,
investem contra um cidadão que transita
pacatamente pela rua e que não cometeu
nenhum crime; tentam prendê-lo, agredi-lo
ou seqüestrá-lo (sei lá). Esse
cidadão reage contra a violência,
e no fim ele é quem é a fera. Dá
prá entender?
No
dia seguinte fui levando à presença
do delegado do Distrito, que registrou o fato
no livro de ocorrências. A seguir fui transferido
para a casa da Detenção e lá
fiquei até que um advogado, por meio de
um habeas-corpus, conseguiu minha liberdade.
Lição
da história: se eu não tivesse feito
aquela “quizumba” acredito que coisas
mais graves teriam me acontecido.
Linhas
atrás, manifestei a hipótese de
ter sido vítima de seqüestro, no incidente
descrito. É possível que alguém
considere isto fantasia, na suposição
de que este tipo de violência seja coisa
de nossos dias. Para elucidar vou citar um fato
ocorrido naquela época, ressalvando-se
a imprecisão nos detalhes, pois tenho que
recorrer exclusivamente à minha memória,
passados quarenta e tantos anos.
O jornalista
e humorista Aparício Torelli – o
“Barão de Itararé” –
destacou-se pelas suas críticas maliciosas
ao regime discricionário de então,
através de seu jornal “A Manhã”.
Certo dia ele teve seu escritório invadido
por indivíduos armados que dizendo-se da
polícia, prenderam-no e conduziram-no de
olhos vendados, num carro, para local ignorado.
Nesse local espancaram-no, rasparam-lhe a cabeça
e submeteram-no a toda sorte de humilhações.
Depois, largaram-no numa estrada deserta. Voltando
ao seu local de trabalho, o “Barão”
continuou normalmente a sua atividade, sem se
deixar intimidar e colocou na porta um cartaz
com as caricaturas dos seqüestradores espancados
a vítima, e mais estes dizeres: “ENTRE
SEM BATER”.
Antes
de reiniciar minhas atividades, tive um encontro
com Miranda. Depois de falarmos sobre vários
assuntos, ele me comunicou que a cúpula
estava preocupada com a minha segurança,
em face dos últimos acontecimentos e que
eu deveria me ausentar do Rio por alguns tempos,
para “despistar a polícia”.
Disse que a Bahia estava precisando da ida de
uma pessoa experiente para levantar o Partido,
que estava em crise, e que eu era a pessoa indicada
etc, etc. e perguntou o que eu achava. Respondi-lhe
que era um militante do Partido sempre pronto
a cumprir suas decisões. E que a tarefa
difícil desde que necessária, era
um desafio e ao mesmo tempo um estímulo
para mim.
Alguns
dias depois dessa conversa, eu estava viajando
para Salvador. A situação do Partido
na Bahia, era pior do que eu imaginava e do que
informara Miranda. Havia dois companheiros enviados
do Rio Ferreira e Bagé, mas o Comitê
Estadual não funcionava.
Nas
primeiras cartas que enviei ao Secretariado Nacional,
informei com detalhes sobre essa desorganização.
Não podia mesmo que porventura o quisesse
dar informações baluartistas, como
estranhamente diz o falecido Leôncio Basbaum
no seu livro de memórias. Simplesmente
porque a direção nacional já
estava inteirada dessa desorganização,
tanto assim que fui enviado para aquele Estado
justamente com a missão de levantar o Partido.
Lembre-se de que Miranda era o Secretário
Geral do Partido e era baiano. Por estas razões
era impossível que não soubesse,
pelo menos por alto, o que havia em seu Estado
natal.
Como
sempre fui otimista com relação
às possibilidades de criação
de organizações revolucionárias,
achei que a missão de reorganizar o Partido
na Bahia era Perfeitamente realizável e
uma questão de tempo, bastando para isto
que tivéssemos confiança no povo
trabalhador, que não tivéssemos
medo dele (como alguns pretensos políticos
parecem ter), que falássemos na sua linguagem,
dos seus problemas e de suas aspirações.
Dizer simplesmente que não existia nada
e deixar que continue a não existir, é
uma atitude conformista. Quando não existe
nada, a gente procura criar. E se houver força
de vontade e persistência, a gente acaba
criando.
Quem
disse que não existia nada estava exagerando.
Havia alguns elementos e com eles traçamos
um plano de trabalho muito simplesmente de acordo
com as possibilidades do momento, tendo como tarefas
imediatas: 1) recomposição de um
CE pequeno, prático e ativo; 2) montagem
de uma tipografia clandestina para tiragem de
manifestos e outros impressos, através
dos quais pudéssemos transmitir mensagens
a certas camadas da população.
Com
referência ao primeiro item, conseguimos
formar um CE com apenas 3 elementos inicialmente,
e começamos a fazê-lo reunir. Quanto
ao segundo item, tínhamos um prelo e algumas
caixas de tipo e tínhamos o tipógrafo.
Faltava alugar uma casa, comprar móveis
e material. E para isto faltava o dinheiro.
Leôncio
Basbaum, antigo membro da direção
nacional do Partido Comunista, estava na Bahia,
em boa situação financeira, dono
de uma ou várias lojas varejistas. Eu o
conhecia desde 1925, 1926, somente através
de cartas, quando eu estava no Rio Grande do Norte
e ele no Rio e era através dele que eu
recebia instruções do partido para
o trabalho de organização da JC
de cujo primeiro núcleo criado eu estava
à frente. Procurei Leôncio e pedi
a sua ajuda financeira para montar a tipografia
clandestina, no que fui atendido.
Eu
estava informado, desde quando assumi a primeira
secretaria nacional do PC em 1933/1934, que Leôncio
afastara-se da direção do partido
por divergências e posteriormente, foi expulso
por ter participado de lutas fracionistas contra
o Partido. Mas como eu não participei das
reuniões em que esta decisão foi
tomada e não estava suficientemente inteirado
do seu caso, julguei por bem dar-lhe um crédito
de confiança, sob minha inteira responsabilidade.
Comuniquei e submeti a questão da decisão
do Secretário Nacional, o qual ratificou
a minha atitude.
Com
a ajuda financeira do Leôncio, montamos
a imprensa clandestina e começamos a imprimir
prospectos e inclusive fizemos uma reedição
do jornal, órgão do Comitê
Central do Partido.
Tudo
era feito com as maiores dificuldades, não
só pela escassez de militantes, como também
pela própria natureza do trabalho ilegal.
Com minha volta súbita ao Rio, como era
relatado mais adiante, evidentemente as coisas
se tornaram mais difíceis.
Em
novembro de 1935, eu apenas iniciara meu trabalho
na Bahia, quando a imprensa escrita e falada começou
a divulgar as notícias sobre os levantes
de Natal, Recife e Rio.
Essas
notícias me causaram um grande espanto.
O que estava ocorrendo era para mim, inesperado
e confuso. Embora eu me desse conta de que estávamos
vivendo, especialmente no nordeste, uma situação
explosiva, não podia entender aquela seqüência
de levantes, virtualmente anulando o fator surpresa,
que poderia ser decisivo a nosso favor. Como também
não entendia porque a insurreição
partia da periferia e não do centro, dos
quartéis e não das massas.
Entretanto,
o que mais me desgostava, era o fato de eu estar
fora da ação, sem nenhuma condição
de participar pessoalmente da luta. Tive que me
confortar com a condição de expectador,
em vista das condições desfavoráveis
em que nos encontrávamos na Bahia. Resta-nos
agora, fazer um ligeiro retrospecto dos acontecimentos,
como ponto de partida para uma análise
maus substancial no futuro.
Já
em 1931 o 21 BC sediado em Recife, havia se revoltado
tendo sido dominado e, em conseqüência,
transferido para Natal. O 29 BC que estava em
Natal, foi mandado para Recife. A troca deu o
seguinte resultado: em 1935, enquanto o 21 BC
se revoltava em Natal, o 29 BC também se
levantava em Recife.
O Exército atravessava um período
de inquietação em face de um antigo
regulamento militar que permitia o desligamento
de cabos e sargento após oito anos de serviço
ou por limite de idade. Os cabos e sargentos lutavam
pela revogação dessas medidas. Mais
precisamente, era a continuação
do antigo descontentamento que culminou com as
revoltas tenentistas de 22, 24 e 26, e que a chamada
“revolução de 30” não
conseguiu resolver.
No
dia 23 de novembro ou seja, dois dias depois do
levante de 1935, a Guarda Civil de Natal havia
sido dissolvida sem mais nem menos, atirando ao
desemprego centenas de pessoas, dentro as quais
muitos chefes de família. Esses homens,
com instrução militar, vieram engrossar
as fileiras dos descontentes.
O levante
de Natal, embora tendo partido do quartel, teve
a participação não só
de soldados, cabos e sargentos, mas também
a adesão popular de operários, funcionários
públicos e inclusive de mulheres, que lutaram
bravamente de armas na mão nas ruas de
Natal.
Em
Recife, apesar de inesperado, o levante teve também
a participação de populares, inclusive
de crianças. “Em Olinda, um grupo
de civis conseguiu apoderar-se dos pontos estratégicos.
O prefeito, o delegado e outras autoridades foram
presos”. “Lamartine resistiu, com
dezoito homens, de onze horas da manhã
de domingo até as duas horas da tarde:
eram populares, inclusive crianças, que
faziam o reabastecimento das posições
rebeldes, correndo perigosamente de um ponto para
outro. Uma delas caiu ali mesmo, cortada pela
metralha”. (Hélio Silva, “A
Revolução Vermelha”, Civilização
Brasileira, p. 302-308).
No
Rio, por incrível que pareça, não
houve participação de Civis. O 3
RI revoltou-se, dominou a situação
no quartel, prendeu toda a oficialidade mas ficou
impossibilitado de se locomover da Praia Vermelha,
devido o cerco. Não houver sequer um grupo
de combate de civis, que saísse à
rua e tentasse impedir que esse cerco se completasse.
Na Escola de Aviação, outro foco
de revolta militar, ocorreu idêntica situação.
As
causas da miséria e do atraso das populações
nordestinas – o latifúndio, as secas
e a falta de assistência aos pequenos e
médios lavradores e criadores – continuavam
sem solução. O descontentamento
popular em conseqüência, já
vinham crescendo há anos e às vezes
nos períodos de secas, resultavam em ataques
às feiras e trens de mercadorias pelos
flagelados. Nas ribeiras do Morrosó e do
Assu tinham surgido os primeiros focos de guerrilhas
operário-camponeses encabeçados
por Miguel Moreira, Manoel Torquato e outros.
Do
ponto de vista nacional, contribuíram para
o agravamento da situação, fechamento
da Aliança Nacional Libertadora –
a maior organização de frente única
já criada no país e a expansão
do integralismo, com a ajuda do nazifascismo e
sob o beneplácito oficial.
Todos
esses fatos indicam que existia, naquela época,
uma situação favorável às
explosões de revoltas parciais e locais,
antes que tivéssemos atingido o ponto culminante
para uma insurreição de caráter
nacional, com possibilidades do assalto final
para a tomada do poder, tanto do ponto de vista
da radicalização e politização
das massas, como da preparação do
Partido e das forças de vanguarda.
Segundo
depoimento de vários participantes do levante
de Natal, os líderes militares, em novembro
de 35 estavam dispostos a irem à luta com
ou sem a participação do PC. Em
face dessa alternativa, poderíamos indagar:
era possível ter evitado o levante de Natal?
Talvez sim. Pelo menos o Partido deveria ter feito
todo o possível para adiá-lo. A
partir do momento que não conseguíssemos
impedir ou adiar o levante, seria justo cruzamos
os braços, negar o nosso apoio e participação?
Isto seria indigno de um partido revolucionário
e resultaria na sua total desmoralização
perante as massas. Não devemos justificar
nossos erros. Mas, as lamentações
não conduzem a nada de proveitoso.
Do
ponto de vista da experiência e do amadurecimento
da consciência política do povo brasileiro,
a revolução de 1935 constitui “o
fato mais importante” de toda a nossa história.
Aquele
mês de novembro de 1935 valeu mais, do ponto
de vista da conscientização do nosso
povo, do que todos os longos anos de pregação
feita nesse sentido. Não sei mesmo, que
espécie de ENSAIO poderia ter sido mais
valioso para a formação e o amadurecimento
da consciência revolucionária do
povo brasileiro do que as jornadas heróicas
de novembro de 1935.
A reação
procura por todos os meios, desvirtuar o verdadeiro
caráter daquele movimento, chamando-se
de “intentona comunista”. Tenta difamar
e caluniar os seus participantes e os seus líderes,
com estórias fantásticas de assassinatos
de oficias dormindo, quando todo mundo sabe ser
isto impossível, diante do fato de que
todos os quartéis estavam de prontidão,
de sobreaviso.
Tanto
na época da insurreição de
35 como nos anos posteriores, durante o Estado
Novo fascista e até os dias atuais, essa
campanha difamatória e caluniosa dos meios
reacionários vem sendo secundada pelo “trabalho”
sistemático desenvolvido no mesmo sentido
pelos falsos teóricos, pelos grupelhos
trotskistas e divisionistas de vários matizes.
A pretexto de realizar a crítica e de escrever
a história, deturpam os fatos, mentem descaradamente
e procuram jogar lama nos líderes e militantes
dessa fase difícil, mas riquíssima
de experiência, de nossa história
revolucionária, não poupando sequer
a memória dos nossos heróis e mártires
trucidados pela polícia.
Estamos
certos de que as novas gerações
saberão colher a experiência e o
estímulo decorrentes do nosso gesto, da
nossa atuação e do nosso sacrifício.
Em toda derrota há um germe para futuras
vitórias. É isto que precisamos
entender. Não há presente sem passado.
Não haverá futuro sem presente.
Os
revolucionários de 35 deram ao povo brasileiro
em exemplo de iniciativa, audácia e de
bravura. Mostraram – e isto é fundamental
– que não se combate o fascismo com
simples palavras, que a luta contra o regime de
exploração e opressão não
se faz com conversa fiada.
É
inútil tentar jogar areia nos olhos do
povo. O povo brasileiro não é uma
criança e já conhece esse tipo de
engodo. Toda análise das nossas lutas passadas
só será útil se for feita
de forma honesta, sem paixão, com espírito
construtivo. As campanhas difamatórias,
as calúnias e os embustes só podem
interessar ao sistema vigente, à sua máquina
brutal repressiva.
No
dia 23 de novembro de 1935, sábado ao meio
dia, irrompeu a revolta no quartel do 21 BC em
Natal. Os revoltosos dominaram fácil a
situação. O Cel. José Otaviano
foi para o quartel da Força Pública
onde organizou a resistência, com a participação
do Major Luiz Júlio, comandante da Força
Pública. A resistência durou até
a manhã do dia seguinte, dia 24.
Dominada
a situação, assumiu o governo uma
junta revolucionária assim constituída:
“aprovisionamento” – José
Praxedes de Andrade, operário sapateiro;
“defesa” – Quintino Clementino
de Barros, Sargento; “interior” –
Lauro Cortês Lago, funcionário; “viação”
– João Galvão, estudante;
“finanças” – José
Macedo, funcionário dos Correios e Telégrafos.
Nas
oficinas do antigo órgão oficial
“A República” foi impresso,
sob a direção do professor Raimundo
Reginaldo da Rocha, o primeiro e único
número do jornal “A Liberdade”,
órgão do novo governo revolucionário.
Este jornal divulgou um manifesto ao povo, com
as diretrizes e com a palavra de ordem, “Todo
o poder à ANL, Aliança Nacional
Libertadora.”
Por
ordem do governo, foi feita a distribuição
gratuita de alimentos à população
necessitada e faminta. A revolução
se estendeu rapidamente pelo interior, chegando
a dominar as cidades e vilas vizinhas de Macaíba,
Ceará Mirim, São José de
Mipibu, Vila Nova, Lagoa de Montanha, Nova Cruz,
Goianinha, Canguaretama, Panelas, São Gonçalo,
Santa Cruz e Arês.
Em
Natal durante o levante, um grupo revolucionário
dirigido pelo professor Raimundo Reginaldo da
Rocha e sua filha Amélia, jovem de 18 anos
aproximadamente, atacou d dominou um foco de resistência,
a Cadeia Pública. Durante o ataque os presos
foram libertados.
Continuava
o meu trabalho na Bahia, no sentido de reerguer
o Partido, quando recebi uma carta do Secretariado
Nacional, dizendo para que eu seguisse com urgência
para o Rio.
Imediatamente
comuniquei o fato ao CE da Bahia há pouco
reconstituído, a quem passei a ligação
da tipografia clandestina que estava sob minha
responsabilidade. Recomendei também ao
companheiro Ferreira, tipógrafo, que procurasse
o Basbaum que era médico, para tratamento
de saúde, pois estava com sintomas de impaludismo.
E parti para o sul, preocupado com o trabalho
apenas iniciado em Salvador e que não houve
tempo de consolidar.
Chegando
ao Rio entrei em contato com o Secretariado Nacional
e fui informado dos motivos do meu chamado. Disseram-me
que por indicação de Prestes, eu
fora designado para ocupar o cargo de Secretário
Geral do Partido, em substituição
a Miranda, que tinha sido preso. Pela segunda
vez assumi o mais alto posto do PC, premiado pelas
circunstâncias, sendo que desta vez numa
situação muito mais difícil
e dramática.
Depois da derrota de insurreição
de novembro de 35, as prisões começaram
a atingir os membros da cúpula: Berger,
Ghioldi, Miranda e outros tinham caído.
Embora o aparelho dessa cúpula, inclusive
o de Prestes, fosse independente da nossa organização,
nós vivíamos em constante sobressalto.
A caça a Prestes pela polícia era
sentida até no ar.
Fizemos
a recomposição do Secretariado Nacional
e passamos à ação com o máximo
cuidado para evitar novas quedas. O fundamental
era fazer todo o possível para que a direção
nacional do partido continuasse funcionando, em
contato com os Estados, mantendo a unidade orgânica
e política. A situação era
difícil, a repressão policial e
a espionagem tornavam a atmosfera pesada. Mas
íamos tocando para a frente.
Estávamos
traçando um novo plano de trabalho, quando
ocorreu o desastre: “a prisão de
Prestes”. Os detalhes de prisão da
Prestes se espalharam rapidamente, de boca em
boca. A gente via o povo andando nas ruas, calado
e triste. Ficamos sabendo que a polícia
cercou e invadiu a casa da rua Honório
e ao apontar as metralhadoras contra Prestes,
Olga Benário sua esposa, abriu os braços
num gesto espontâneo de proteção.
Tempos
depois outra notícia estarrecedora se espalhou,
Olga Benário Prestes foi entregue ao nazismo
pela ditadura de Vargas. E num campo de concentração
da Alemanha ela foi assassinada, depois que deu
à luz a uma filha, Anita Prestes. Anita
foi arrancada das garras do nazismo pela campanha
mundial que se fez em sua defesa, encabeçada
por dona Leocádia, mãe de Prestes.
Nas
primeiras reuniões que tivemos do Secretariado
após a prisão de Prestes, decidimos
continuar funcionando normalmente, no Rio. Mas
em vista de jornais terem publicado fotografias
de alguns de nossos companheiros, essa decisão
tornava-se difícil e arriscada. Tivemos
que tomar outra resolução, a de
transferir por algum tempo a direção
nacional para Recife.
A operação
mudança não era fácil, pois
não havia estradas de rodagem naquela época
e, conseqüentemente, o transporte terrestre
era uma aventura. Mesmo assim, decidimos que dois
seguiriam por terra, eu e o Martins e os outros
membros do Secretaria seguiriam por via marítima.
O plano foi traçado e cuidadosamente executado.
Uns dois meses depois de ter saído do Rio,
a Direção Nacional estava funcionando
na cidade do Recife.
O primeiro
Estado com o qual estabelecemos ligação
foi o Rio Grande do Norte. A repressão
alí, como nos demais Estados do Nordeste,
colocava nossas organizações partidárias
na defensiva, funcionando a duras presas. Os melhores
militantes estavam presos, deportados ou foragidos.
Mesmo em Recife, onde precisávamos ter
uma base de apoio, o partido ressentia-se da falta
de quadros para uma reestruturação
mais firme.
Algumas
dúvidas que ainda tínhamos, quando
saímos do Rio, quanto à eventual
existência de focos de luta armada pelo
interior, se desvaneceram. Os remanescentes dos
levantes de Natal e de Recife que tentaram marchar
para os sertões, tinham sido destroçados
e apanhados por tropas que, alertadas, vinham
em sentido contrario. Algumas delas andavam perseguindo
Lampião.
Longe
do centro político do país, o Rio
de Janeiro, a Direção Nacional sentia-se
deslocada e meio fora de ação. Tínhamos
ido para Recife em caráter provisório,
mas agora era preciso abreviar o nosso retorno.
De
qualquer maneira a nossa ida ao nordeste foi útil
não só do ponto de vista da segurança
mas também pelo contato que tivemos com
a real situação partidária.
Passamos mais alguns meses em Recife, preparando
com calma, as condições para a volta.
O nosso destino agora era S.Paulo.
Não
obstante vivermos num clima de constantes apreensões
e de dificuldades sem conta, nunca descuramos
o nosso trabalho de direção em todos
os setores de atividade, dentro dos limites de
nossa compreensão, dos recursos e das possibilidades
de que dispúnhamos. Por mais que os agentes
da reação – os trotskistas
e divisionistas de varias facções
– tentem denegrir o nosso passado, não
poderão encobrir nem deturpar os fatos
por muito tempo, a verdade acabará emergindo.
Vamos
citar um episódio que ficou gravado para
sempre em nossa história. Em 1936 rebentou
a guerra civil na Espanha. Havia nesse país
um governo de coalisão recentemente eleito
que programou realizar grandes reformas sociais,
pondo fim ao domínio de uma oligarquia
aristocrática, retrógrada e medieval
que através dos séculos, vinha mantendo
a Espanha como um dos países mais atrasados
da Europa.
As
ditaduras nazi-fascistas da Alemanha e da Itálica
tramaram a derrubada desse governo. Armaram seus
títeres, os generais da quinta coluna falangista,
os Franco e companhia. E estes traidores se sublevaram
e abriram caminho para os tanques, aviões
e tropas mandados por Hitler e Mussolini.
O povo
espanhol e seu governo não estavam preparados
e não puderam conter forças tão
poderosas. E a guerra civil espanhola tornou-se
uma das mais encarniçadas que se conhece.
O nosso Partido Comunista reuniu e deliberou prestar
todo apoio e ajuda ao povo irmão. A consulta
foi feita e da Espanha veio a resposta, “Dispomos
de gente suficiente para combater. Precisamos
de oficiais e técnicos”.
Foi
nessa ocasião que se verificou o elevado
grau de consciência e desprendimento dos
nossos companheiros militares. Foram muitos os
que, deixando aqui suas famílias e seus
interesses pessoais, se pontificaram a seguir.
E partiram incontinenti para a Espanha, onde tiveram
atuação destacada nos combates:
Carlos da Costa Leite (que foi promovido a major
pelo governo espanhol), Guei da Cunha, o tenente
França, Correia de Sá, Apolônio
de Carvalho e outros.
Apolônio
de Carvalho, depois que terminou a guerra espanhola,
permaneceu vários anos na França
participando, com sua esposa da resistência
ao nazismo, sendo ambos condecorados por atos
de bravura.
Depois
de uma ligeira parada no Rio seguimos para S.Paulo,
onde a direção do Partido pretendia
se estabelecer por um longo período. Chegamos
a S.Paulo e tivemos que cooptar três elementos
para recompor o Bureau Político, sendo
um deles o secretário do CR de São
Paulo como era de praxe; e outros dois para substituir
em caráter temporário Martins e
Lacerda que estavam em Moscou. Os três cooptados
foram os seguintes: Paulo (Hermínio Sacheta),
Luiz (Hílio Manna) e Barreto (Heitor Ferreira
Lima). Todos indicados pelo Comitê Regional.
Hílio Manna e Sachetta ficaram incumbidos
do setor de finanças, função
que já vínhamos exercendo.
Fizemos
restrições ao Barreto porque era
do nosso conhecimento que ele já tinha
pertencido a Direção Nacional nos
dois de 32-33 e fora expulso do Partido por atividades
divisionistas. Achamos estranho que ele tivesse
voltado ao Partido em S.Paulo, sem que a direção
nacional tivesse sido avisada. E só depois
de muitas explicações e justificativas
por parte do CR foi que resolvemos aceitá-lo.
Transcorria
o ano de 1937. Contrariando os desejos continuistas
de Vargas, o problema de eleições
para presidente da República veio à
tona. Através da imprensa, as correntes
políticas passaram a uma ação
mais concreta, as pressões culminaram com
o surgimento dos primeiros candidatos. Primeiro
surgiu Armando Sales de Oliveira, com o apoio
do antigo PRP. Depois surgiu o nome de José
Américo, ligado a setores da antiga Aliança
Liberal e apoiado por um grupo de intelectuais
de esquerda.
Os
fatos indicavam que os planos de Getúlio
eram de evitar eleições e continuar
no poder, reforçando a ditadura. E para
ganhar tempo, seus pregoeiros criavam impasse
impugnando os candidatos surgidos e reclamando
um “tertius” que – embora não
declarassem – não era outro senão
o próprio Getúlio.
Foi
convocada uma reunião do Bureau Político
para debater o problema. À reunião
compareceram os titulares Bangu, Morena, Câmara
Ferreira, Elias, Dreifus, Xavier, Paulo Sachetta,
Luiz (Hílio Manna) e Barreto (Heitor F.
Lima). Abrindo os debates sobre a ordem do dia,
as eleições, o Secretariado pela
voz de Bangu apresentou os seguintes pontos de
discussão: Primeiro: O inimigo principal,
no país, contra quem devíamos concentrar
o nosso ataque era “a ditadura”; Segundo:
Um balanço da correlação
de forças entre a revolução
e a contra revolução, indicava que
o PC atravessava uma fase difícil, decorridos
dois anos apenas da derrota da insurreição
de 35, lutando pela sobrevivência e para
conquistar e manter um mínimo que fosse
de contato com a massa; Terceiro: Para tentar
frustrar os planos de continuação
e reforçamento da ditadura, o PC devia
lutar pela vitória de um candidato à
presidência da República que tivesse
maior possibilidade de restabelecer as liberdades
democráticas. Esse candidato, de um a plataforma
de governo que incluísse um mínimo
de programa de interesse nacional popular.
O “trio”
Paulo-Luiz-Barreto, usando plenamente do direito
de defender suas opiniões, apresentou a
tese da eqüidistância com relação
aos candidatos à presidência ou seja:
“o não envolvimento” do PC
na campanha eleitoral, a não ser para desmascarar
a todos, pondo no mesmo saco a ditadura e os candidatos
que pretendiam substituí-la. Isto significava
que o PC, segundo interpretamos, devia se meter
no casulo da falsa pureza ideológica, cruzando
os braços. Essa atitude, “por estranha
coincidência”, correspondia perfeitamente
aos interesses continuistas da ditadura.
Mas,
os defensores da eqüidistância não
podiam se queixar: tiveram toda liberdade de defender
seus postos de vista, certos ou errados. Só
que depois de longos debates, na hora da votação
ficaram em minoria, só os seus três
votos apareceram.
Aparentemente
saíram conformados da reunião, como
é justo e democrático. A minoria
se submete a maioria, e toca prá frente.
Dias depois eles lançaram manifesto ao
público, com ataques ao Partido e acusações
pessoais e caluniosas aos seus dirigentes, citando
além dos pseudônimos, os nossos nomes
verdadeiros. E o mais importante: levaram todo
o dinheiro do Partido que estava em seu poder,
pois eles como foi dito, eram tesoureiros.
O golpe
foi violento e traiçoeiro. A situação
ficou difícil para nós sob todos
os pontos de vista, inclusive da segurança.
Não tínhamos recursos, nem aparelhagem
suficiente e nem tempo para convocação
de uma conferência nacional. Era urgente
tomar uma decisão. Alguns dirigentes de
nosso Partido, Honório, Fernando Lacerda
e outros, estavam em Moscou. Havia uma organização,
a IC à qual nosso PC era filiado. Por que
não apelar para sua decisão?
Reunimos
o Secretariado Nacional e decidimos reunir todos
os impressos publicados pelo grupo divisionista
e todo o material editado por nós. Designamos
um membro do Secretariado, Xavier, para ir a Moscou
levando todo esse material para que a IC com a
participação dos nossos dirigentes
que lá estavam, decidisse sobre o que estava
ocorrendo em nosso Partido. Como Secretário
Geral e como principal acusado pelo “trio”
divisionista, escrevi uma carta pondo meu cargo
à disposição do Partido e
da própria IC. Nessa carta eu dizia que
continuaria desempenhando minhas funções
até ser substituído.
Logo
que o nosso emissário chegou ao seu destino
e fez a entrega do material acompanhado do seu
relatório verbal, a rádio de Moscou,
que naquela época era muito ouvida no Brasil,
começou a irradiar uma mensagem expulsando
o grupo divisionista-trotskista: Paulo (Hermínio
Sachetta), Luiz (Hílio Manna) e Barreto
(Heitor Ferreira Lima). Com isto estava liquidado
a façanha do grupelho, desmascaradas as
suas mentiras e calúnias.
Quanto
à minha renúncia, não foi
sequer tomada em consideração. Pela
terceira vez tive que assumir o cargo de Secretário
Geral do PC sem nunca ter pedido ou feito qualquer
empenho para tal, muito embora eu me sentisse
honrado com a distinção, não
vou agora me acobertar com o manto da falsa modéstia.
Também nunca me queixei do peso que carreguei
nos ombros durante tantos anos. Os apertos e as
agruras que passei fazem parte da luta, acho tudo
muito normal num partido revolucionário
de vida ilegal, que sofre toda sorte de restrições
e de dificuldades.
Quanto
às ofensas e calúnias que os provocadores
e divisionistas infiltrados nos dirigiam, não
nos causam surpresas. Afinal de contas, o trabalho
do aparelho da repressão não consta
somente da agressão física, de prisões
e torturas. Outras formas sutis de agressão
são postas em prática, na vá
tentativa de desmoralizar a revolução
e seus líderes. Isto sempre ocorreu no
mundo inteiro.
Tais
ataques e injúrias, partindo de trânsfugas
e inimigos declarados da classe operária,
têm razão de ser, se apresentam dentro
de uma certa lógica. Se em vez desses ataques
e calúnias, esses indivíduos nos
dirigissem elogios, aí sim, nós
ficaríamos bastante surpresos e seriamente
encabulados.
O que
é importante ressaltar, é a ressaltar,
é a firmeza com que o nosso Partido reagiu
diante das provocações do grupelho
trotskista. Apesar de debilitado pelos golpes
sucessivos desferidos pela ditadura, o PC se manteve
coeso e disciplinado, destacando-se a campanha
eficiente de Otávio e Laura Brandão,
através da Rádio de Moscou.
Voltemos
ao assunto da campanha para as eleições
de 37, que serviu de pretexto para toda a ação
nefanda do grupo divisionista. Não houve
apoio do PC a nenhum candidato, simplesmente porque
deixaram de haver candidatos. Como todos sabem,
não houve eleições presidenciais
de 1937. Getúlio deu o golpe, como se esperava.
A ditadura do “Estado Novo” tomou
novo impulso e a história novos caminhos.
Depois
dos acontecimentos de São Paulo, a direção
nacional do Partido voltou para o Rio, disposta
a ficar em definitivo. E realmente ficou de fins
de 1937 a princípios de 1940.
Este
foi um período dos mais duros de nossa
história. Isto porque a partir do golpe
branco de 37 que o famigerado Estado Novo atingiu
seu auge, com a criação do seu respaldo
jurídico, com o controle absoluto da imprensa
falada e escrita através do DIP, com o
domínio dos sindicatos e organizações
de massa pela polícia política,
com a espionagem generalizada e com a repressão
fascista mais brutal.
Apesar de tudo, a direção do Partido
conseguiu se firmar no Rio de Janeiro, montando
seus aparelhos, sua imprensa ilegal, penetrando
nas empresas, reatando suas ligações
com os Estados. O ambiente era tenso, de terror
e de guerra e era nesse clima que tínhamos
de trabalhar. Era preciso esclarecer a opinião
pública, dizer em manifestos e jornais
ilegais o que não era possível divulgar
legalmente, concitar o povo para a luta contra
o inimigo comum da humanidade, o nipo-nazi-fascismo.
E isto tinha que ser preparado na absoluta clandestinidade,
sabendo cada um de antemão, o que nos aguardava,
caso fôssemos presos, sabendo claramente
que éramos todos candidatos às câmaras
de torturas dos carrascos de Felinto Müller.
Foi
com esse objetivo que instalamos nossa tipografia
(mais uma) na rua Engenho do Mato, em Tomás
Coelho, onde foram residir o companheiro Júlio
Barbosa, sua esposa D. Alice e filhos menores.
Júlio
e D. Alice – de saudosa memória –
eram um casal que conquistava amizade logo aos
primeiros contatos. Havia um entendimento perfeito
entre ambos, não era preciso argúcia
para se perceber que eles se amavam seriamente.
Numa época de expectativas e sobressaltos,
a calma dos dois era absoluta, viviam como se
nada existisse de anormal em redor. Sabiam manter
uma prosa agradável, era um prazer conviver
com eles.
Eu
morava na ocasião na Piedade e fazia diariamente
o trajeto à pé de casa até
a oficina ilegal, passando pela Botija e pela
estação Tomás Coelho, levando
os originais para compor e imprimir. Ensinei ao
Júlio Barbosa a profissão de tipógrafo
e ele passou a tomar conta do serviço.
Mas o material tipográfico era insuficiente,
eu tinha que ajudá-lo. Tinha que corrigir
provas e fazer clichês em madeira, à
canivete (xilogravura), não só para
suprir a escassez de tipos para os títulos,
como também para a ilustração
do jornal. A tarefa mais difícil era fazer
um velho prelo funcionar sem barulho, quando sua
maior reivindicação era a aposentadoria.
Mas,
o material saía. Jornais e manifestos,
aos milhares, eram entregues ao aparelho de organização
para a distribuição. Outros candidatos
voluntários às salas de torturas
transportavam esse material em trens, navios ou
caminhões para os mais longínquos
rincões do país. E assim, a mesma
palavra de incentivo e de orientação
podia ser lida pelo trabalhador amazonense, nordestino,
gaúcho ou paulista. E esses leitores anônimos
também eram candidatos eventuais às
salas d tortura, porque alguém que fosse
encontrado com um desses impressos era o suficiente
para ser considerado suspeito de comunista e levado
aos pavorosos tomentos medievais.
Os
candidatos às salas de torturas não
eram grupos isolados de aventureiros e visionários.
Eles faziam parte de uma cadeia imensa e poderosa
espalhada por todos os países do mundo,
disposta a esbarrar por todos os meios o avanço
da hordas fascistas e assegurar o triunfo das
forças do progresso e do socialismo.
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