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Insurreição Comunista de 1935
em Natal e Rio Grande do Norte

1935 Setenta anos depois
Isaura Amélia Rosado Maia e Laélio Ferreira de Melo (Organizadores)

 

 

 

 

 

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O velho e o novo (sob a aleluia da redenção nacional)
Juliano Siqueira

Temos sido acusados, geralmente por pessoas que gostam de aderir ao falatório dominante, por imbecilidade ou por interesses patrimoniais e políticos, de ter “um discurso ultrapassado”. Os primeiros são uns pobres diabos: perderam o rumo e rodam a bolsinha miserável para o todo-poderoso capital, sonhando com as migalhas do banquete. Os outros estão na sua. Acumularam, sabe-se lá como, e defendem ferozmente suas regalias.

Na verdade, há muita coisa ultrapassada nesta podre (e pobre) imitação chinfrim do Reino da Dinamarca. Muitos Polônios; nenhum príncipe Hamlet. A lista é mesmo vergonhosa (ver Diário de Natal, 15/11/95). São dez milhões de desempregados, ou seja, dezesseis por cento da população economicamente ativa em potencial; trinta e dois milhões abaixo da linha de miséria absoluta; sete milhões de crianças submetidas a trabalho escravo; cinqüenta e sete por cento de evasão escolar; centenas de áreas de conflito pela posse e uso da terra; mortalidade infantil nas nuvens, com o Rio Grande do Norte na frente, apresentando como índice do genocídio doméstico oitenta mortos no primeiro ano de vida para cada mil nascidos; violência urbana, na qual o povo é vítima do fogo cruzado entre quadrilhas oficiais e marginais, numa guerra sem nome. Estão brincando com fogo... E com o povo. Diplomatas do tráfico de influência e ministros apadrinhando banqueiros e grandes negociatas. Assim se afunda o planalto.

Somente um louco teria prazer em denunciar esses dados. Sujeitos sem escrúpulos e ingênuos de todo o mundo, silêncio, por favor. Respeitem a indignação, a revolta, a tristeza de quem carrega uma grande dor no peito. Como homem e cidadão, tenho, ao longo de minha vida, procurado o novo, um mundo solidário e justo. Não me alegram as estatísticas da morte. Prefiro vida, trabalho e pão. A coletividade em festa, não na degradação. Queria ser otimista e escrever coisas suaves, bonitas, delicadas. Mas quem sabe das coisas, se não é um cretino, como pode fazê-Io? Quem não sabe de nada, que se cale.

Não faço os meus discursos, apenas falo e escrevo. Os autores, de fato, são as elites minoritárias, parasitas e plutocráticas. No entanto, é certo que não danço de acordo com a música. Resisto à uniformidade massificadora do tom, do ritmo, do som dos cartéis da mídia. E, umas vezes incompreendido, outras isolado, confesso que vou bem. Mesmo não sendo, como tentou provocar uma escriba municipal, o “coerente dos coerentes”. E mais simples: bajulação? Estou fora. Fácil de entender, não? Para muitos, nem tanto.

Por isso o meu orgulho de filho de Natal. Setenta anos são passados e não saímos dos desafios postos pela Insurreição Nacional-Libertadora de 1935. De lá até os nossos dias, quantas transformações – econômicas, políticas, éticas, tecnológicas... No Brasil e no mundo. Contudo, não parece muito distante, no tempo e no espaço, um movimento que tenha como consignas Pão, Terra e Liberdade.

Já sabemos que ninguém morreu dormindo, que donzelas continuaram como tal, que a população gostou e, dez anos depois, em 1945, fez majoritário, a depender do voto natalense, o candidato presidencial comunista.

Os fatos de 1935 e a ANL (Aliança Nacional Libertadora) saem das páginas policiais, da marginalidade da história e, como gesta antifascista, ingressam, após longo e difícil vestibular, na universidade, na academia, como objetos de estudo e pesquisa. A “Intentona” transformada em matéria-prima da ciência. Na política, feita a subtração das circunstâncias, é lição acumulada, tradição revolucionária e.inspiração à continuidade da luta pela sociedade livre dos explorados, o socialismo.

Quando, sentindo vergonha pela nação, vemos através de imagens vivas Diolinda, a dos Sem-Terra, sendo algemada, num país de tantos crimes impunes, de criminosos premiados e gangsters cheios de mordomias e poder, temos a certeza de que aquela prisão é bem o símbolo de um povo em grilhões, da pátria amada amordaçada. Em conseqüência, somos todos aliancistas.

E, voltando no tempo, em novembro de 1935, coloco-me às ordens do Governo Popular Revolucionário, sob “a aleluia da redenção nacional”, distribuindo a poesia panfletária do jornal A Liberdade pelas ruas de Natal.

William Waack na mira da história
A edição de 28/11/93 da Tribuna do Norte, em matéria assinada por Carlos Peixoto e Nilo Santos, “Camaradas rebatem duras críticas do livro de W. Waack”, na intenção de abordar a Insurreição de 1935, envereda pelo caminho da apologia mais simplória de uma extensa reportagem (que virou livro), eivada de confusões e propositais distorções dos fatos históricos, da autoria de William Waack (WW).

Louvável a inserção do depoimento do veterano comunista mossoroense Francisco Guilherme. Lamentável a forma como foi explorada a primeira, exclusiva, longa e rica entrevista de Giocondo Dias, com autoridade de quem foi o comandante militar das operações que resultaram na formação do Governo Popular Revolucionário em 1935.

Fica-se com a impressão, pelas contradições entre as declarações tio Cabo Dias (em Os objetivos dos comunistas) e certas afirmações feitas no curso do texto, que este não foi sequer lido. Por que, então, citá-Io? O início, a evolução e a derrota do movimento, confrontando-se o dito na matéria com as palavras do falecido dirigente comunista, não guardam qualquer ponto de convergência. Isso não é simples, nem aceitável de pronto. E muito estranho. Tão incompreensível quanto o silêncio (ao contrário do que ocorre com o de WW) que cerca o livro de João Falcão (G. Dias: vida de um revolucionário), lançado em outubro do corrente, e, ainda assim, já na segunda edição, com detalhado capítulo acerca dos acontecimentos de 1935 em Natal.

Cabe assinalar que através de dezenas de livros, entrevistas, estudos, pesquisas, artigos, o movimento revolucionário de 1935 vem sendo inventariado, nos últimos cinqüenta anos. E os autores, de diversas tendências político-ideológicas e nacionalidades várias, já abordaram de modo mais honesto, sem esgotar, rigorosamente, as questões que, ao inverso do afirmado (“não se sabia e as dúvidas agora esclarecidas, a partir dos detalhes secretos que faltavam sobre a revolução brasileira de 1935 (?), até o momento guardados nos arquivos de Moscou”), já eram de pleno conhecimento – exceção feita ao que é creditado ao “realismo fantástico” de WW.

“Muitas surpresas.” E quantas... Vamos ao concreto.

1. O Partido Comunista do Brasil (PCB), esses o nome e sigla corretos, em 1935 - “brasileiro” é coisa do início dos anos 1960 -, após o XX Congresso do PCUS e seus reflexos no Movimento Comunista Internacional, era uma Seção da lU Internacional-Comunista (IC), dirigida pelo Comitê Executivo Internacional (Comintern), até sua dissolução, em 1943, e conseqüente substituição pelo Cominform (Comitê de Informações).

A sede da IC, lógica e naturalmente, ficava em Moscou. A URSS era, então, o único país socialista do mundo. Na Internacional participavam os partidos comunistas que existiam no planeta, e o seu Comitê Executivo era integrado por dirigentes de diferentes nações (Dimítrov, Mao, Ho, Tito, Thorez, Togliatti, Dolores Ibarruri, Prestes etc.). É falso, portanto, dizer que o partido brasileiro “era controlado por Moscou”. Se não há intenção de inverdade, ocorre, no mínimo, grave amadorismo, descuido, relativamente ao objeto em foco, cuja importância, que não merece, nos marcos deste esclarecimento, maiores sustentações, pois desnecessárias, exige abordagem segura, tratamento fundado no estudo – em suma, o conhecimento, sem o qual é impossível penetrar científica e conscientemente a história. Salvo, como diria Marx, com o fim predeterminado de violentá-Ia.

2. Não é verdade que a Aliança Nacional Libertadora (ANL) “não foi criada pelos comunistas”. Foi. Basta a leitura das obras e memórias de destacados historiadores e personalidades da cena política dos anos 1930 e posteriores, num arco que vai de Lacerda a Prestes, passando por Giocondo Dias, Dinarco Reis, Juarez Távora, Cordeiro de Farias, João Alberto, Agildo Barata, Gregório Bezerra, Stanley Hilton, José Joffily, Robert Levine, Ronald Chilcote, Paulo Cavalcanti,]. W. Foster Dulles, Pedro Pomar, João Amazonas, Edgar Carone, Nelson Werneck Sodré, Jacob Gorender, Hélio Silva, Graciliano Ramos, entre outros. Rodolfo Ghioldi, máximo dirigente comunista argentino e membro da direção da IC, muito além, pelo visto, de “homem do Comintern na Argentina”, tem absoluta razão quando afirma que a ANL “tinha sido fundada por iniciativa dos comunistas”. Sobre esse item, bastante elucidativa seria uma passada, rápida que fosse, no famoso Informe de G. Dimírov, na abertura do VII Congresso da IC. A bibliografia está espalhada, nas bibliotecas e livrarias, aguardando consulta (ou compra).

3. É ausente de fundamentação ampla e sólida, não passa de meia verdade, dizer que o partido comunista “não tinha naquele, nem conseguiu reunir depois em nenhum momento, penetração popular...”, ou que apenas nos quartéis os comunistas “tinham alguma penetração”. Não é preciso ir muito longe. Um dado é suficiente:o desempenho dos comunistas nas eleições de 1945/1947. Alguns exemplos soltos: duzentos mil filiados; quinze constituintes (terceira bancada); seiscentos mil votos (dez por cento do eleitorado) para Yeddo Fiúza. desconhecido candidato do partido à presidência da República; senador mais votado do Brasil (Prestes),eleito pelo Distrito Federal; maior bancada na Câmara Municipal carioca; dezenas de parlamentares estaduais; eleição de prefeitos. Destaque-se,como julgamento de 1935, pelo voto popular, a vitória de Yeddo Fiúza, em Natal.

A linha ascendente da performance eleitoral e do crescimento dos efeitos dos comunistas forçou o imperialismo a exigir dos serviçais internos a cassação do registro do Partido.

4. “O livro mostra um Luís Carlos Prestes oportunista, caudilhista e incompetente em termos políticos e militares”. Divergências postas de lado, é uma leviandade adjetivar desse modo uma das maiores figuras da fase republicana da história do Brasil. Prestes com certeza tinha defeitos e cometeu erros; contudo, sem dúvida, desde a Coluna, traçou uma vida de “lutas e autocríticas”. Morreu com dignidade e sem abdicar de suas convicções. Suas condições materiais de existência são prova bastante da falácia fóbica do “ouro de Moscou”. Não fosse a ajuda, fruto da amizade fraternal e desinteressada, da amizade forjada na mútua admiração, de Oscar Niemeyer, não teria sequer onde morar. Esse é meu testemunho, o de quem acompanhou essa relação de perto.

Mesmo assim, pouco antes de sua morte, rejeitou pensões oficiais, em solidariedade a trabalhadores grevistas, e mandou às favas promoções e soldos militares que considerava não reparadores efetivos das injustiças de que fora vítima.

Não sou prestista. Nunca fui. Sou marxista-leninista. Trabalhamos juntos, no período 1979/1982. A partir de 1983, razões de ordem política, sem que abandonássemos o campo da revolução (“sempre à esquerda”), levaram-nos a posições divergentes. Mas, precisamente por isso, não posso silenciar frente à calúnia. Respeitem a memória de Prestes.

5. Por fim, devo, seguindo o exemplo de Sobral Pinto, católico, humanista e corajoso, fazer a defesa de quem tão desleixadamente é mencionado como o “alemão Arthur Ewert”. Saibam que esse “alemão” foi deputado do parlamento incendiado pelo terror nazista e um dos poucos parlamentares comunistas sobreviventes (6 num total de 112) à farsa do “Incêndio do Reichstag”, desmascarada por Dimítrov, no Processo de Leipzig; contribuiu na Revolução Chinesa, tinha a cabeça posta a prêmio pela Gestapo; veio para o Brasil como voluntário internacionalista, revolucionário e comunista. Preso e torturado, juntamente com sua esposa Elise, enlouqueceu. Nada falou aos inquisidores. Mas não suportou a intensidade das violências sofridas, nem assistir à companheira ser seviciada pelos torturadores de elite da polícia especial do fascista Filinto MüIler. Na defesa de Arthur Ewert, ou Herry Berger, Sobral Pinto invocou a Lei de Proteção aos Animais.

Elise Ewert e Olga Benário morreram no forno de gás de um campo de concentração nazista. Portanto, não são “tópicos” de nenhuma polêmica séria o local e a data do assassinato de Olga Benário. Exceto na cabeça doentia e provocadora de WW. Harry Berger morreu na ex-RDA, hoje anexada e esmagada pela ofensiva anticomunista do capital monopolista germânico.

1935 – A falsificação da história pelo sr. Waack
WIadimir Ilitch Lênin, debruçando-se sobre os elementos informadores da primeira tentativa revolucionária russa, sob direção e perspectiva bolchevique, o “ensaio geral de 1905”, afirma que “a verdade é sempre revolucionária”. É, numa expressão simples, direta e concisa, a continuidade coerente da abordagem histórica sistematizada por Marx e Engels.

Na contramão da ciência, o livro Camaradas, de William Waack (WW), com indisfarçáveis insumos da “historiografia” de inspiração nazista, promove o culto das informações secretas e inacessíveis, levanta aleivosias (“a mentira repetida torna-se verdade”), articula um grandioso aparato da mídia, divulgação e adesões. E o extrato da mistificação pela propaganda.

1935 é uma insurreição insultada. Maldita e amaldiçoada pelas elites brasileiras. Contudo, por mais de meio século, muito se trabalhou e produziu para que se promovesse o primado da verdade. A bibliografia existente nos limites do nosso conhecimento pessoal é uma prova eloqüente desse esforço. A reportagem de WW tem endereço. Nestes tempos de apostasia, conforme R. Corbusier, vale tudo, desde que o objetivo de denegrir o comunismo e os comunistas venha à tona. O relato histórico das características socioeconômicas e políticas que contextualizem as ações individuais e coletivas da luta antifascista, de uma época de feição obscurantista e traços sombrios, cede ao delírio fóbico do anticomunismo.

“Os comunistas aparecem como grotescos, cínicos, intrigantes, burros, desconfiados, trapalhões, apressados, ingênuos, descuidados, irresponsáveis, uma adjetivação excessiva, comparada com os fatos revelados, tão expressivos em si mesmos.” Esta é a consideração insuspeita do social-democrata Daniel Aarão Reis.

Quais são os alvos de WW? Além do Movimento Comunista Internacional, é claro, os personagens principais da insurreição: Prestes, Olga Benário, Arthur Ewert (Harry Berger), Rodolfo Ghioldi.

Da figura de Prestes, buscando sintetizar o caráter da Internacional Comunista (IC) e dos seus dirigentes, diz que “se tornará o dono do mais caro bilhete de entrada para a URSS” e, conseqüentemente, para o Comintern. E de conhecimento público o nível das divergências políticas e ideológicas entre João Amazonas e Luís Carlos Prestes. No entanto, frente às calúnias de WVI/, numa atitude de grandeza ética e humana, de honestidade política e revolucionária, o presidente do PCdoB declara: “quem pode acreditar nesta balela? Nem Prestes era pessoa desse gênero, nem a Internacional adotava semelhante procedimento”.

Arthur Ewert, ou Harry Berger surge como um desprezível dinamiteiro, “sempre a reclamar dinheiro”. WW não deve, nem um pouco, partilhar da indignação que, por exemplo, moveu o católico Sobral Pinto, chocado com as torturas que levaram seu cliente à loucura e, posteriormente, pelas seqüelas, à morte prematura, a usar como base da defesa jurídica de Berger a Lei de Proteção aos Animais. Acrescente-se que esse internacionalista alemão foi também forçado a presenciar as cenas de sevícia de sua companheira Elise (deportada para a Alemanha nazista, aos cuidados da Gestapo, juntamente com Olga Benário, onde foram companheiras de tragédia do campo de concentração e da morte na câmara de gás). Fica uma dúvida, em forma de interrogação: WW almeja a infâmia de carrasco póstumo de Berger?

“Olga era uma agente do serviço secreto militar soviético.” Essa denúncia, reducionista e simplória, seria indicador justificativo do martírio da heroína? Então, é isso? A fogueira, pois, com tudo o que se escreveu e com todos os documentos levantados acerca dessa “mulher de coragem”, como nos diz Ruth Werner. Olga, que dedicou sua vida por inteiro à causa da revolução socialista, vítima dos algozes dos povos do Brasil e da Alemanha, pela distorção de WW, resta como espiã e mercenária. Sob todos os aspectos, inadmissível, é uma cretinice sem medida.

“Prestes enviou João Amazonas a Moscou, em 1949, com a denúncia de que Ghioldi não se comportara como revolucionário ao ser preso no Brasil”. De acordo com seu depoimento, a informação é inteiramente falsa. Amazonas viajou pela primeira vez à União Soviética em junho de 1953, três meses depois da morte de Stálin. E nunca foi portador de denúncia contra o comunista argentino. Se existe no arquivo secreto tal indicação, quem teria interesse em incluir o nome de Amazonas nesse repositório clandestino, matreiramente aberto a investigadores facciosos?

Aos preconceituosos e estreitos, se não bastam as afirmações de Amazonas, recomendamos a leitura de Graciliano Ramos, em particular das passagens de Memórias do cárcere com referências explícitas a Ghioldi. Ou será que mestre Graça, por ser comunista confesso, entrou em descrédito, também caiu em desgraça?

WW é um fascinado pelo ouro, mesmo o de Moscou. Coisa compreensível, sinal dos tempos. Muito mais grave, porém, que a doença geral do consumismo. Afinal, nos dias que passam, como nos têm chegado as elites dessa infeliz república das empreiteiras? A podridão exposta nas denúncias crescentes de corrupção, mais um privilégio das classes dominantes, não surgem ao acaso. Sua origem está localizada no próprio processo de exploração capitalista, nos mecanismos da acumulação do capital, na busca sem escrúpulos do lucro máximo.

Todavia, não obstante a idéia fixa no vil metal, WW é muito ruim de conta. Os “mercenários” levavam uma vida modesta. Tome-se o caso de Prestes. Recebia uma mesada de 290 dólares, enviados da URSS. Hoje, essa quantia equivale a menos de três salários mínimos. E o orçamento da “intentona”? Pouco mais de 20.000 dólares, o preço de um automóvel (não importado).

Segundo o próprio WW, a documentação que utilizou “não pode ser consultada”, nem é sequer possível conhecer a sua localização precisa. Como comprovar, portanto, a credibilidade das informações contidas em Camaradas? Podemos acreditar nas palavras do autor, se no decorrer do texto encontramos afirmações ridículas e sabidamente equivocadas, que depõem contra a seriedade de WW? Para citar apenas alguns exemplos: afirma-se no livro que Genny Gleiser , a jovem expulsa do Brasil e deportada para a Europa por Getúlio Vargas, como tantos outros judeus, teria sido a mulher de Fernando Lacerda, na verdade casado com Gina Lacerda; diz-se que Genny Gleiser teria abandonado Lacerda, apaixonada por E. Browder, o então secretário-geral do PC americano, que, aliás, jamais esteve no Brasil. Outra sandice incluída em Camaradas: Orlando Leite Ribeiro teria acompanhado Prestes e Olga em sua viagem clandestina para o Brasil. Se erros tão grosseiros foram cometidos, qual a garantia de que as informações supostamente extraídas de documentos que ninguém pode ver estejam corretas e não tenham sido manipuladas? Pode ser sério um trabalho de “história baseado em fontes invisíveis e secretas?”. Assim escreveu Anita Leocádia (Jornal do Brasil, 06/11/93), filha de Olga, Prestes e, como costuma justamente dizer, “da solidariedade internacional”.

Na falta de prefácio, que poderia (e muito adeqüadamente) ter sido encomendado ao benemérito Pedro Bial, o livro de WW ganhou na louvação de Wilson Martins (WM) um correligionário posfácio.

Crítico literário medíocre, ignorante em política, na condição de hierofante da indigência cultural das elites (essas mesmas das mazelas e roubos que assolam o país), WM é todo elogios para o escrito de WW (Jornal do Brasil, 27/11/93).

Pretensioso e arrogante, o que é uma prerrogativa dos pseudo-intelectuais, chegando, recentemente, a pôr em dúvida a veracidade da obra-prima da parcela político-memorial do labor literário de Graciliano Ramos, Memórias do cárcere, na ótica da censura da rentável indústria da falcatrua anticomunista, WM investe furiosamente contra os revolucionários de 1935. Sugere a continuidade do cárcere de Prestes, das torturas de Berger, do sacrifício de Olga. Um nazista infeliz em perseguição do inglório.

Fala, em tonalidades de cinismo crítico, das “condições de caráter de Prestes”, “das hagiografias piedosas inspiradas entre nós por Olga Benário”. Vai adiante, com a histeria típica dos que tentaram e, por motivos inconfessáveis, não conseguiram ser comunistas, referindo-se a Olga como “confidente das mais altas instâncias soviéticas, que a encarregaram da segurança do camarada Prestes, seu último marido”. Qual a insinuação real dessa menção? Sumariamente, WM é um completo velhaco e um refinado canalha.

A citação, a seguir, de um trecho do que elegemos como posfácio, em confirmação do juízo acima: “Olga Benário, cuja memória se beneficia pela circunstância irônica de ter sido eliminada pelos inimigos e não pelos camaradas de partido (ao contrário do que aconteceu com todos os seus companheiros de aventura no Rio de Janeiro que cometeram o erro de regressar a Moscou)”.

Quanta frieza e mentira, em tão curto espaço! Senão, vejamos: qual a conotação “irônica” que pode ser apreendida nesse seqüencial drama trágico – uma gestante, comunista e judia, deportada aos cuidados da Gestapo, encerrada num campo de concentração, separada à força de sua filha de meses, morta numa câmara de gás? Quanto aos “companheiros”, os fatos são bem distintos do que é inescrupulosamente insinuado. Elise Ewert, mulher de Berger, foi assassinada na Alemanha pelos fascistas. Teve final idêntico ao de Olga. Arthur Ewert (Harry Berger) morreu louco, na década de 1950, na ex-RDA, em conseqüência do tratamento recebido pela polícia de Felinto Muller. Victor Allen Barron, jovem militante comunista norte-americano, barbaramente torturado, foi jogado do último andar do prédio da Polícia Especial, no centro do Rio, que divulgou sua morte como suicídio. Rodolfo Ghioldi faleceu, octogenário, em Buenos Aires.

Eis o jornalismo dessa gente. E com pretensões de reescrever a história. Não fosse o esquecimento, no que se refere ao Bial, a reportagem do Estadão ficaria, desde a abertura até o fechamento, realmente fantástica.

Pobre Lord Wilson. Tão decadente quanto o império britânico. Um leão sem juba. Frente a tamanha e tão grosseira falsificação, fica uma consolidada certeza: o comunismo está vivo. Os liberticidas falharam. Sabem que “o morto se levanta e anda”. Ronda o mundo, como um espectro. É futuro, e não passado. Talvez isso explique suas próprias vitórias de trânsito. A aurora é inexorável, proclamava Neruda. Os vencidos de hoje serão os vencedores de amanhã, confirmava Brecht.

Livros dessa qualidade têm um duplo efeito. Enquanto os revolucionários (dinossauros?) dormem tranqüilos, a sono solto, os reacionários, no rápido fenecer da alegria fugaz da ignorância, saem da euforia enganosa e mergulham na depressiva insônia dos invertebrados.

“1935 não chega a ser mistério, nem fruto de manipulação estrangeira, como sugere W. Waack. Surge com formidável ascenso da luta revolucionária no mundo, contrapondo-se ao nazifascismo, séria ameaça a todos os povos. A Aliança Nacional Libertadora (ANL), que teve apenas alguns meses de atuação legal, nasceu do sentimento libertador e antifascista do povo brasileiro” (João Amazonas).

Juliano Siqueira
Mestre em Direito e Teoria do Estado e professor do Curso de Direito da UFRN

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