Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
1935
Setenta anos depois
Isaura Amélia Rosado Maia
e Laélio Ferreira de Melo (Organizadores)
Nosso
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de Produção
1935,
fruto de lutas sociais e de lutas de classes
Mery Medeiros
Dirijo, inicialmente, minha saudação,
meu abraço fraterno a essa iniciativa gloriosa,
do Governo do Estado, das entidades já
mencionadas e ao compromisso de Isaura Amélia
Rosado Maia com a cultura e com a história.
Compromisso com a preservação da
memória histórica e cultural do
nosso Estado. Isto é muito raro e difícil
nos dias de hoje.
Quero
também dirigir minha saudação
a Meneleu uma figura terna e doce que eu conheci
há quatro anos, quando fizemos uma homenagem
aos 66 anos da Insurreição Comunista.
Hoje, Meneleu diz carinhosamente e eu me orgulho
disso, que eu sou um dos amigos que ele tem, porque
os amigos de 1935 desapareceram.
Falarei
mais coloquialmente, deixando um pouco de lado
aspectos históricos, explicitados tão
bem por Cortez, Ivis Bezerra e pela professora
Brasília Carlos Ferreira. Quero falar mais
sobre o humano e o humanismo dos homens envolvidos
nesses episódios.
Começo
por Meneleu, um homem que foi condenado durante
seis anos a trabalhos forçados, cumpriu
sua pena imposta pelo famigerado Tribunal de Segurança
Nacional, casou-se na prisão. Episódio
inédito no Brasil inteiro, preso político,
casa-se com uma pessoa que era da sociedade. Apesar
dessa história, Meneleu tem a grandeza
e a simplicidade de ser alegre, de ser fraterno,
reconstruiu sua família. Um homem que têm
alegria de viver. O maior bem de Meneleu é
a estima aos amigos. Comportamento raro nessa
sociedade, cosmopolita e capitalista de hoje.
Quero render a Meneleu, meu amigo fraterno, nosso
amigo fraterno, esta homenagem e este reconhecimento
na grandeza do ser humano.
Quero
falar também das palavras fraternas de
Laélio Ferreira de Melo, pesquisador de
fôlego. Laélio é uma figura
que conhece a vida da cidade, é testemunha
precisa da sua transformação ao
longo dos últimos 60 anos.
Sou
militante político desde os dezesseis anos
de idade. Aderi à luta do povo integrando
as lendárias ligas camponesas. De todo
o grupo, somos apenas três companheiros
vivos aqui no Rio Grande do Norte: companheiro
Floriano Bezerra de Araújo, companheiro
Pedro Simão e eu.
Fui
levado pela figura de um artesão, um sapateiro,
chamado Mário de Castro, irmão de
Lauro de Castro, hoje, patrono da escola com o
seu nome. Ele foi meu professor, falava de política
internacional como se tivesse falando de ABC e
América. Os dois irmãos me ensinaram
a grandiosidade das idéias socialistas.
Encontrei
na prisão outra figura humana que me marcou
profundamente. Na centenária Casa de Detenção
do Recife, conheci Gregório Lourenço
Bezerra, líder comunista e homem profundamente
enérgico e, acima de tudo, humano. Aliava
a energia de militante à grandeza de saber
amar as crianças, do amor genérico
pelas pessoas. Foi com Gregório Bezerra
que eu aprendi muito durante quase dois anos convivendo
diariamente.
Também
que 1935, como foi já foi exposto neste
seminário, foi fruto do somatório
das lutas sociais, das lutas de classes, nada
além disso. Todos os movimentos libertários
do Brasil deram a sua lição. A lição
de 1935 que hoje está sendo contada e discutida
tem sido objeto de estudo, investigações
e denúncias. Saliento que a presença
aqui dos alunos é de máxima importância
para a história, para a transmissão
do saber.
Às
vezes, admito que 1935, a exemplo de outros movimentos
libertários, teve falhas, erros de condução,
mas houve, acima de tudo, o mérito de se
voltar para a liberdade do Brasil. Naquela época,
a ALN tinha em seu programa um projeto político
para mudar o Brasil. Quero dizer também
que eu amo a liberdade. A nós, comunistas,
não nos interessa a clandestinidade. Fomos
levados a ela várias vezes no Brasil por
circunstâncias muito duras, muito cruéis.
Só quem conhece a clandestinidade e viveu
nela, como vários companheiros aqui presentes,
sabe como é dura. Hoje, dirigindo a Associação
Norte-rio-grandense dos Anistiados Políticos
sei o quanto é duro a vida de um militante
político, o quanto deixa de seqüelas.
Como Roberto Monte observou, destrói famílias,
destrói laços que muitas não
mais se reatam.
O
companheiro, comunista histórico, Bento
Ventura de Moura está morrendo aos poucos
e morrendo mais, por que ele não vê
ao seu lado a sua família, porque a fraternidade
que se esperava do mundo e da sociedade já
não existe.
É
muito duro. Laélio sabe sobre o que falo,
porque é testemunha. Às vezes, não
encontra nos companheiros e familiares a compreensão
do ideal marxista, do ideal socialista.
É
com essa ótica e com essa visão
que discutimos 1935. Evidencio que o que aconteceu
naquele ano foi um ato de rebeldia e de coragem,
um ato heróico. Quando Gregório
me contava o que os presos sofreram na Casa de
Detenção do Recife, inclusive ele
próprio. Imagino a dimensão e a
grandeza desses homens que apesar de tudo não
cultivaram em seus corações as marcas
do revanchismo e do ódio.
Outro
dia fui convidado para fazer uma palestra num
colégio chamado Itaeci, eu e um companheiro
do PCB, da luta armada, chamado Irapuan Rocha.
Lá, uma jovem me perguntou: “Meri
vocês sofreram tudo isso, vocês não
guardam nos seus corações mágoas,
ressentimentos, ódios?” Eu respondi
que no meu coração não trago
ódio, nem dos algozes e nem dos que praticaram
esses crimes; trago, sim, no meu coração
um grande bem pela humanidade.
Considerem
que Meneleu não era comunista, era um profissional
que cumpria uma missão profissional de
compor o jornal do movimento libertário,
mas que com raiva de ver tanta atrocidade, tornou-se
comunista. Ele viu nos seus companheiros uma bondade
sublime, um imenso amor pela humanidade. Eu sou
testemunha disso. No cárcere, eu presenciei
Gregório Bezerra durante oito meses não
receber ajuda do comitê central, do seu
partido tinha uma parte que estava no Brasil e
uma parte estava na França. Durante oito
meses Gregório não recebeu nem pó
de café para os companheiros. Às
vezes, até a comida faltava. Gregório
soube compreender esse gesto como uma dificuldade
orgânica, da clandestinidade que nos impunha
naquele momento do Brasil. Ele tratava a todos
com afeto e com muito carinho.
Eu
presenciei no Quartel da Artilharia da Costa em
Olinda três militares fardados comandarem
o estupro de uma companheira nossa que hoje mora
em Portugal e é advogada. Não quero
nominar, mas presenciei. Aquele ato que tinha
por objetivo nos humilhar, nos diminuir, teve
resultado inverso. Fomos superiores diante daquele
ato de bestialidade.
Para
que fatos como aquele não se repita, nos
sentamos diante desta mesa-redonda, neste evento,
narrando, denunciando, dando conta das nossas
pesquisas e da nossa vivência para que a
bestilaidade não ocorra novamente.
Discutir
1935 é também discutir 1964. Isso
não interessa aos brasileiros, aos democratas,
tão pouco aos comunistas. Como bem disse
Graciliano Ramos no seu livro Memórias
do Cárcere, falando de 1935, mas que reflete
muito bem o golpe de 1964, todos estes movimentos
da direita objetivam atingir a cultura e a sociedade
brasileira. Vários intelectuais foram presos
em 1935, com Graciliano Ramos. Em Natal, o exemplo
é Othoniel Menezes. Não tive o prazer
de conhecê-lo, eu era menino naquela época,
era serviçal da casa de Maria Celeste Siqueira,
irmã de Esmeraldo Siqueira. Passávamos
na casa de Esmeraldo e passávamos na Correia
Teles, e viamos sempre Othoniel e Esmeraldo conversando.
Não o conheci de perto, mas quero reverenciar
a memória de Othoniel Menezes.
Queria
também prestar uma homenagem a Benilde
Dantas, também da Insurreição
de 1935. Eu não o conheci, foi através
do seu sobrinho Aníbal, meu companheiro
de pelada na Rua Apodi, e através da música
“Saudades de Muriú”, que tocavam
no piano lá de casa, que tomei conhecimento
da sensibilidade desse homem, através da
grandeza dos seus versos.
Lembro
ainda Sizenando Filgueira, que conheci em seus
últimos dias, memória viva da sua
época, figura com quem convivi através
dos ensinamentos que ele deixou, na sua obra.
Lembro também Luís Maranhão
Filho, que não teve a ventura de morrer
dignamente, morto pela ditadura, tendo seu corpo
atirado ao mar, e sua companheira, Odete Roseli
Maranhão Garcia, hoje esclerosada, com
Mal de Parkinson, vivendo entre quatro paredes,
são exemplos de atrocidades do braço
forte da direita, reprimindo os movimentos libertários
do país.
É
para que isso não se repita que estamos
aqui rememorando 1935. É um ato de grandeza
humana, de grandeza solidária do Governo
do Rio Grande do Norte, que tem a coragem, a ousadia,
e também o desvelo e o cuidado com a história.
É
por amar a causa política que eu estou
aqui, como simples militante, um homem do povo,
filho de uma empregada doméstica, que tem
no coração a certeza de que a luta
pela liberdade não pode morrer.
Não
nos interessa o golpe. O golpe sempre suscita
o que Luiz Gonzaga Cortez afirmou, situações
esdrúxulas como, por exemplo, transformar
um deficiente mental em herói. É
um absurdo! É um esbulho à dignidade
humana.
Este
seminário realizado aqui, no antigo Palácio
do Governo, no Palácio da Cultura, no centro
de Natal, abordando um tema tão importante,
tão pouco discutido, tão distante
dos que aqui se sentaram como governador, secretários,
parece uma contradição, mas se explica
pela dinâmica da história.
Digo
que a historia é o registro dos fatos,
e não a omissão dos fatos. Felizmente,
a sociedade brasileira e a sociedade norte-rio-grandense
têm figuras que hoje se dedicam à
pesquisa da história. Tive a alegria de
ver a figura de Ivis Bezerra, meu companheiro
na juventude, médico, professor aposentado
da UFRN, dedicando-se ao estudo do socialismo
e ao estudo das lutas sociais. Então é
com o espírito solidário que eu
encerro as minhas palavras dizendo que 1935 é
um tema que tem que ser debatido mais e que a
juventude tem que se aprofundar mais, para que
não se repitam fatos daquela natureza.
Mery
Medeiros
Cronista, líder sindical
e pesquisador
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