Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
1935
Setenta anos depois
Isaura Amélia Rosado Maia
e Laélio Ferreira de Melo (Organizadores)
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Dunas
vermelhas: a rara ficção sobre o
levante
Laélio Ferreira de Melo
Minha homenagem especial ao velho e tinhoso Meneleu,
companheiro de Othoniel, meu pai, na jornada da
A Liberdade. Minha presença aqui é
fácil de ser explicada. Estou representando
um velho amigo de juventude, colega do Atheneu,
chamado Nei Leandro de Castro, reconhecido poeta
e escritor, que está, hoje, no Rio de Janeiro,
tratando da elaboração do filme
baseado no romance de sua autoria As Pelejas de
Ojuara. Não podendo vir, outorgou-me o
honroso mandato.
Para
este seminário, a professora Isaura Amélia
Rosado Maia, pensou também em abordar a
rara ficção que existe sobre o levante.
Sugeri, ao ser consultado, os nomes de Moacir
de Góes (pai) e de Nei Leandro de Castro.
O
inventor de Ojuara chegou muito perto da verdade,
descrevendo a saga dos que fizeram o primeiro
jornal dito “comunista” do hemisfério,
e que custou a Othoniel Menezes, particularmente,
o estigma de “maldito” entre os intelectuais
da provinciana Natal de então, dominada
pelos fascistas que vestiam verde e desfilavam,
fardados, rua acima e rua abaixo gritando “anauê,
Deus, pátria e família”.
No
livro Dunas Vermelhas, Nei escreveu dois capítulos
abordando a revolta de 1935. Peço ao mestre-de-cerimônias
que, por favor, leia os dois.
Capítulo
16
Um grupo de revolucionários invade a casa
de Othoniel Meneses. O poeta está no seu
quarto, de pijama, dentro de uma rede. Tem um
livro na mão e uma dúzia de outros
embaixo da rede, sobre o acimentado do quarto.
É ali onde Othoniel dorme, lê, escreve
e passa praticamente as quarenta e oito horas
dos seus sábados e domingos. À mulher
que o avisa da visita inesperada, ele diz que
mande entrar. Não vai à sala nem
para receber o comandante Prestes. Entram os seis
camaradas, com o sargento Quintino à frente,
pisando em ovos. A visita é rápida:
apenas um convite para o poeta fazer o jornal
da revolução vitoriosa. O poeta
coça o queixo, resmunga, quer uns dias
de prazo para decidir, embora ache a idéia
boa.
–
A revolução não pode esperar
– diz um dos visitantes e recebe um olhar
de Othoniel que vale por dez palavrões.
O clima fica pesado, o silêncio que se instala
ameaça acabar com a reunião, mas
aí entra a habilidade do negro Santa: –
Meu caro poeta, o senhor conhece Maiakóvski?
– pergunta o revolucionário carioca,
atraindo para si todas as atenções.
Othoniel
não foi apresentado ao negro que sorri
à sua frente e não faz idéia
se ele quer agradá-lo ou embaraçá-lo
com a pergunta. A resposta sai em tom pouco amistoso:
–
Não senhor.
João
Lopes, o Santa, sem afetação, com
ar tranqüilo, passa a falar de um poeta morto
em 1930, depois de fazer os mais belos poemas
para a Revolução de Outubro. Segundo
o negro, os reacionários espalharam que
Maiakóvski se suicidou, mas na verdade
foi assassinado por russos brancos, numa batalha
que durou dois dias e duas noites. No lugar onde
tombou o poeta, seu sangue formou o desenho da
foice e do martelo.
–Arretado!
– diz um camarada, que admirava a sabedoria
de Santa.
Othoniel
acha que o negro deve estar mentindo, mas se deixa
seduzir pela sua arte de narrar. O que é
um escritor, senão um grande mentiroso?
Não fosse a presença do dito-cujo
mentiroso, ele já teria despachado todo
mundo. Não gostava de perder tempo com
gente, mil livros não lidos e outros tantos
por reler estavam à sua espera.
–
O senhor sabe de cor algum poema desse russo?
–
pergunta Othoniel.
Desde
o começo, Santa esperava por essa pergunta.
Responde que sim, mostrando duas fileiras de dentes
alvíssimos. Pede licença e começa
a recitar, com entusiasmo crescente, numa língua
que ninguém no Rio Grande do Norte e adjacências
jamais ouvira. Em seguida, Santa explica que o
poema russo fala em liberdade, na igualdade dos
homens, na máquina de construir felicidade.
–
A Liberdade... – diz Othoniel, enigmático.
Depois
do silêncio que ninguém ousa interromper,
ele acrescenta:
–
Vai ser o nome do jornal. Aceito a missão.
A
mulher do poeta, uma doce criatura, entra com
uma bandeja carregada de sequilhos e ponche de
graviola.
Capítulo
20
Para que o jornal “A Liberdade” seja
composto e rodado ainda neste domingo de revolução,
é preciso convocar os funcionários
que trabalham na imprensa do governo destituído.
Otoniel Meneses despacha uma tropa para apanhar
em casa um linotipista, o clicherista, impressores
e serventes, que chegam sob escolta, cheios de
medo.
Otoniel
esclarece que a revolução comunista
defende a causa dos operários, dos explorados,
e logo os funcionários arrebanhados à
força ganham alma nova e começam
a trabalhar com ânimo revolucionário.
Há muito o que fazer. Otoniel Meneses redige
quase todo o jornal. Capricha nas matérias
da primeira página, principamente no artigo
de fundo. Com o título de Sob a Aleluia
da Liberdade, ele escreve que pelo esforço
invencível dos oprimidos de ontem, pela
colaboração decidida e unânime
do povo, legitimamente representado por marinheiros,
soldados, operários e camponeses, inaugura-se
no Brasil a era da liberdade, sonhada por tantos
mártires, centralizada e corporificada
na figura legendária – onipresente
no amor e na confiança divinatória
dos humildes – de Luís Carlos Prestes,
o Cavaleiro da Esperança.
Ao
ler o trecho em voz alta, exaltado, sem a inibição
do poeta Otoniel, Zé Aguinaldo arranca
vivas da equipe de trabalho.
A
primeira página é completada com
dois telegramas sobre adesões em São
Paulo e na Paraíba, invenção
do camarada Gastão Correia, e mais um artigo
intitulado Delenda Fascismo, de Otoniel Meneses.
O revisor entra na sala de Otoniel para perguntar
se não há erro no título.
Que diabo é delenda?
O
revisor aprende o significado da palavra e também
fica sabendo que na antiguidade existiu uma cidade
chamada Cartago, arrogante como o fascismo, de
que não restou pedra sobre pedra. Vale
a pena trabalhar com gente assim, orgulha-se o
revisor.
A
última página é preenchida
com palavras de ordem e louvores à revolução,
nas maiores letras de que dispõem. Penoso
é compor as duas páginas centrais
que completam a edição. Não
há notícias, não há
equipe para inventá-las, a luta é
também contra o tempo. O jornal tem que
ir para as ruas nas primeiras horas de segunda-feira,
já bastante atrasado.
Às
oito da noite conseguem fechar a edição.
O jornal está indo para o prelo quando
alguém percebe um espaço em branco
na segunda página. Antes que Otoniel Meneses
chame a atenção dos culpados com
a necessária veemência, o clicherista
encontra a solução: ocupa o espaço
com um reclame de Sal de Frutas Eno. É
a colaboração capitalista à
voz da liberdade revolucionária.
Agradeço
a Gileno a leitura do texto. Reservo-me, agora,
como filho de Othoniel Menezes, personagem deste
texto, para, no momento oportuno dos debates,
falar sobre A Liberdade.
Agradeço
a todos e considero cumprida a promessa feita
ao meu amigo Nei Leandro de Castro de representá-lo
neste seminário.
Laélio
Ferreira de Melo
Poeta e pesquisador
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