Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
1935
Setenta anos depois
Isaura Amélia Rosado Maia
e Laélio Ferreira de Melo (Organizadores)
Nosso
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Apontamentos
sobre a revolta de 1935
Luiz Gonzaga Cortez Gomes
O meu trabalho de pesquisa sobre os acontecimentos
políticos ocorridos no Rio Grande do Norte,
na década de 1930, envolvendo integralistas
e comunistas, foi puramente jornalístico,
sem obedecer a nenhuma metodologia científica.
Foi a primeira iniciativa de pesquisar aqueles
episódios independentemente de linhas ideológicas.
O resultado das pesquisas, com entrevistas diretas,
consultas a jornais, livros, revistas, arquivos
pessoais, etc. foi publicado em edições
do semanário O Poti, em 1985, numa série
de 20 reportagens intitulada “O comunismo
e as lutas políticas do RN, na década
de 1930”. Antes, em 1984, no mesmo jornal,
tínhamos publicado reportagens sobre “A
Pequena história do integralismo no RN”,
também enfocando os mais importantes episódios
da luta política, envolvendo os comunistas
e integralistas, os seguidores do Partido Comunista,
de um lado, e os adeptos da ideologia nacionalista
da Ação Integralista Brasileira,
criada pelo escritor Plínio Salgado.
Eu
considero que as mais importantes revelações
foram as descobertas de adulterações
no texto do relatório oficial sobre a insurreição
comunista em Natal, elaborado pelo delegado Enock
Garcia e concluído em 18 de abril de 1936,
que não registrou nenhum herói da
Polícia Militar e as revelações
de Sizenando Filgueira, o homem que matou um doente
mental na lama do Paço da Pátria.
O doente mental era conhecido por “Doidinho”,
natural de Sacramento, Ipanguassú (RN),
que perambulava pelas ruas de Natal e comia as
sobras do rancho do quartel da PM, na Salgadeira,
onde hoje está a Casa do Estudante, bem
perto do mangue do Rio Potengi. Ele não
era soldado, mas um pobre coitado, desequilibrado
mental que foi usado na noite do dia 23 de novembro
de 1935 para carregar baldes de água para
“refrescar” a metralhadora da polícia
que esquentava muito durante os disparos.
Manoel
Rodrigues de Melo, que foi um dos líderes
integralistas do RN e que esteve em Natal durante
os quatro dias de domínio comunista, sem
mudar a sua rotina de trabalho, disse-me que foi
a polícia que criou, anos depois, “o
herói” Luiz Gonzaga. Essa afirmação
foi publicada em O Poti, em 1985, sem nenhum desmentido.
O
que Sizenando disse? Disse “eu matei o falso
soldado Luiz Gonzaga durante a revolução
de 1935”, numa entrevista gravada, em sua
residência no bairro de Lagoa Seca. Ele
participou do ataque ao quartel da Polícia
Militar, no dia 23, e da prisão dos oficiais
e praças da PM, na tarde de 24, domingo,
que tentavam fugir pelo Pio Potengi e foram alcançados
no mangue. Disse Sizenando Filgueira (já
falecido):
“Ele
não era herói nem militar na época.
Ele era apenas um débil mental, menor
de idade, e deram um fuzil a ele para acompanhar
os que iam fugindo do quartel. Depois que fiz
a prisão do major Luiz Júlio,
comandante da PM, e de um coronel do Exército,
eu olhei para a direita e vi quando ele estava
fazendo pontaria para atirar. Antes que ele
atirasse, eu atirei. Só dei um tiro e
ele caiu. Ele estava atrás de uma moita,
no mangue, fazendo pontaria, vi que era para
mim a uns 80 metros e atirei no peito, ele deu
um pulo e caiu para um lado e pra outro. Mandei
buscálo e botei o corpo ao lado dos prisioneiros,
do major Luiz Júlio e do coronel Pinto
Soares, comandante do 21° BC. Eram 27 prisioneiros”.
Na
entrevista, Sizenando contou que esteve preso
durante 10 meses na Ilha Grande, no Rio de Janeiro.
Muitos anos depois de sua soltura, Sizenando contou
a sua participação na revolta de
1935 ao também falecido desembargador João
Maria Furtado, autor do livro Vertentes:
“Ele
me disse que não daria em nada, pois
tudo aconteceu no meio de uma revolução
e atirei em legítima defesa. Se eu não
tivesse atirado, talvez estivesse morto hoje.
Quando o livro saiu, o coronel Bento Medeiros
mandou me chamar para conversar sobre isso.
Confirmei tudo. Ele perguntou se eu não
estava enganado e eu disse que não. Matei
não foi por matar, não. Fiz pra
me defender. Ele estava com pontaria pra mim
e eu atirei. O coronel Bento disse que aquilo
foi coisa de uma revolução mesmo,
se fosse crime matar em revolução,
eu pegaria prisão perpétua. ‘Você
em São Paulo era conhecido como doido’,
disse Bento, se referindo a minha participação
impetuosa na revolução de 1932,
em São Paulo, onde o major Zenóbio
gostava muito de mim. O culpado de tudo isso,
dessa história do herói Luiz Gonzaga,
é o doutor João Medeiros Filho.
Todos os anos fazem essas comemorações
para refrescar a memória contra o comunismo.
Nada é verdade sobre essa estória
de Luiz Gonzaga, que nunca foi herói
de nada”.
As
adulterações no relatório
policial sobre a revolta comunista ajudaram a
desmascarar o suposto herói maluco. A minha
fonte sobre o caso foi o falecido representante
comercial e comunista Poty Aurélio Ferreira
que, na calçada defronte ao Café
São Luiz, na Cidade Alta, me mostrou um
exemplar do livro Meu depoimento, de autoria do
advogado João Medeiros Filho, de 1937,
editado pela Imprensa Oficial do Estado, no qual
o relatório está inserido. Nesse
livro, estão transcritos, nas páginas
107 e 112, trechos do “Relatório
do Delegado de Ordem Social (sobre a insurreição)
– Departamento de Segurança Pública
– Delegacia de Ordem Social e Investigações”,
datado de 18 de abril de 1936. Os dois documentos,
o relatório e o livro, não registram
o tal “soldado” Luiz Gonzaga.
Mas
no livro 82 horas de subversão, impresso
no Centro Gráfico do Senado Federal, em
1980, de autoria de João Medeiros Filho,
chefe de polícia do RN em 1935, o relatório
do delegado de Ordem Social Enock Garcia foi novamente
enxertado nas páginas 91 a 101. Mas o enxerto
sofreu uma adulteração. É
no trecho “As Victimas” (página
111 da 1ª edição de Meu depoimento),
na página 100 do livro 82 horas de subversão.
A adulteração enxertada no relatório
está na segunda linha do intertítulo
“As Victimas”: “Soldado Luiz
Gonzaga, do Batalhão Policial”. Observem
que a segunda linha do citado trecho começa
com “Entre os mortos, contam-se os seguintes:
Octacílio Werneck, assassinado barbaramente
à porta de sua residência a tiros
de fuzil pelo comunista Epiphanio Guilhermino
de Oliveira”. Por que a adulteração?
Também
publicamos matérias sobre o tiroteio ocorrido
na Serra do Doutor, no município de Santa,
hoje pertencente a Campo Redondo, onde os revoltosos
foram barrados pelos sertanejos aliciados pelos
“coronéis”, fazendeiros, agricultores,
integralistas chefiados pelo padre Walfredo Gurgel,
vigário de Acari, na Região Seridó.
Alguns
autores têm publicado livros mostrando Dinarte
Mariz como o único responsável pela
arregimentação dos homens para a
resistência na Serra do Doutor, o que não
é verdade. É mais uma mentira sobre
os acontecimentos de novembro de 1935. Publicamos
em O Poti matérias com José Pacheco,
Bianor Medeiros, Manoel Lúcio Filho, Seráfico
Batista, entre outros, abordando aquele episódio,
e todos disseram que Dinarte Mariz esteve na Serra
do Doutor, após o término da luta,
que ele não participou do movimento de
armas nas mãos, pois ele tinha ido à
Paraíba pedir ajuda ao governador Argemiro
Figueiredo. Mas essa ajuda chegou quando os revoltosos
tinham sido derrotados na subida da Serra do Doutor,
na emboscada feita pelos integralistas, chefiados
por Walfredo Gurgel, que jogaram bombas nos caminhões
do Exército, bombas estas que foram fabricadas
por fogueteiros de Carnaúba dos Dantas.
Por sinal, os irmãos Lúcio, Joel,
Manoel e Felinto, este o famoso músico
e compositor, todos integralistas, jogaram muitas
bombas.
Mataram
muitos revoltosos que foram levados para a delegacia
de polícia de Currais Novos, onde desapareceram
ou foram mortos por policiais. Dinarte Mariz passou
um telegrama no dia 28 de novembro de 1935 para
o governador Rafael Fernandes dizendo que tinha
acabado de chegar na Serra do Doutor e que os
revoltosos foram derrotados e 28 prisioneiros
foram para Currais Novos.
Enock
Garcia, que estava no Seridó durante a
insurreição, em entrevista gravada
no dia 5 de maio de 1983, para o programa Memória
Viva, da TV Universitária de Natal, portanto
dois anos antes da publicação das
nossas reportagens em O Poti, disse que Dinarte
Mariz não lutou na Serra do Doutor nem
arregimentou prefeitos para lutarem contra os
comumistas. O arquivo da TV U deveria reprisar
a entrevista completa com Enock Garcia. Na entrevista,
Enock Garcia diz: “Todo mundo queria que
Dinarte tivesse tomado parte na Serra do Doutor.
Ele não tomou parte na Serra do Doutor,
como eu não tomei, como Humberto Gama não
tomou [...]”. Infelizmente, eu não
publiquei a entrevista com Enock Garcia na série
de reportagens “O comunismo e as lutas políticas
do RN na década de 1930” porque só
vim tomar conhecimento anos depois, após
Carlos Lyra ter publicado a sua coletânea
sobre as entrevistas que fez no programa Memória
Viva.
Ainda
sobre 1935, quero lembrar que a Igreja Católica
não foi conivente com os comunistas, apesar
dos rebeldes terem usado a torre da catedral da
praça André de Albuquerque, onde
instalaram uma metralhadora, para atirar contra
o quartel da Polícia Militar. José
Pretextato (comunista antigo) disse-me que o cabo
Valverde (do Exército, que atirou contra
o quartel), Luiz Inácio Maranhão
Filho (comunista desaparecido desde 1974) e Aluízio
Alves (que estava de férias do Colégio
Militar de Fortaleza), tentaram ajudar os revoltosos,
carregando água para refrigerar a metralhadora
colocada na torre da igreja, mas foram dispensados
pelos sediciosos que advertiram que aquilo não
era coisa para meninos. Pretextato hoje nega que
disse aquilo e eu nunca procurei Aluízio
Alves para falar sobre aquele episódio.
Luiz
Gonzaga Cortez Gomes
Jornalista e pesquisador.
Autor do livro A Revolta Comunista de 1935 em
Natal
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