Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
1935
Setenta anos depois
Isaura Amélia Rosado Maia
e Laélio Ferreira de Melo (Organizadores)
Nosso
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de Produção
A Insurreição Militar e Comunista
de 1935
Ivis Bezerra
Às 19h30m do sábado, 23 de novembro
de 1935, o 21º Batalhão de Caçadores
do Exército Brasileiro, sediado em Natal,
iniciou um levante liderado por sargentos e cabos
filiados ao Partido Comunista do Brasil e à
Aliança Nacional Libertadora, organização
política de esquerda, recebendo a adesão
da direção do PCB e a participação
de operários, populares e ex-integrantes
da guarda civil do Estado. Consolidado o controle
militar, foi instalado um autodenominado “Comitê
Popular Revolucionário” que durante
80 horas, até a madrugada do dia 27, manteve
o controle da capital e de 17 cidades do interior,
dissolvendo-se e se pondo em fuga, ante a aproximação
de tropas leais ao governo federal, provenientes
dos Estados vizinhos. O episódio ocorreu
simultaneamente com dois outros levantes militares
frustrados no Recife e no Rio de Janeiro, desencadeando
numa violenta repressão que levou à
prisão de milhares de cidadãos,
entre eles o líder comunista Luís
Carlos Prestes, e culminou com o golpe militar
de 1937 que implantou o regime de direita denominado
Estado Novo. Finalmente, apesar do curto período,
da ausência de medidas sociais de maior
vulto e da desorientação de seus
líderes, entrou para a história
como a primeira experiência comunista de
governo no continente americano.
Não
tenho a pretensão de analisar sociologicamente
as causas da revolta ou as suas conseqüências
para história política do País,
mas apenas oferecer às novas gerações
com base na razoável literatura existente,
em pesquisa na imprensa da época e na memória
pessoal do autor, na condição de
filho e neto de contemporâneos do episódio,
as informações que possam ajudar
a dirimir algumas das dúvidas existentes.
Constitui também uma homenagem àqueles
que, de um lado ou de outro, acertada ou equivocadamente,
há 70 anos, com idealismo e patriotismo,
lutaram por mudanças sociais ou defenderam
a legalidade.
Os
antecedentes nacionais
A partir de 1932 o país viveu uma fase
de agitação política, social
e militar, talvez nunca igualada em outros períodos
de nossa história e que somente terminou
no final de 1935, com as revoltas militares do
Rio de Janeiro, Recife e Natal, cuja derrota deu
início ao longo período de repressão
que culminou com a implantação do
Estado Novo, em 1937, e findou com a redemocratização
e a deposição de Vargas, em 1945.
A
revolução de 1930, tendo como bandeiras
a representatividade do voto popular, o combate
ao coronelismo político, à corrupção
e ao atraso econômico, derrubou a República
Velha, cujos principais expoentes eram os chefes
políticos tradicionais de São Paulo
e Minas Gerais, que se alternavam no poder, na
chamada “política do café
com leite”, numa alusão às
principais atividades econômicas daqueles
Estados. A ascensão de Getúlio Vargas
ao governo provisório foi fruto de uma
aliança heterogênea de políticos
emergentes com dissidentes oportunistas do antigo
regime e uma geração de jovens militares
idealistas e politizados que há uma década
lutavam por reformas políticas, através
de intervenções militares.
A
primeira dessas foi o levante da guarnição
do Forte de Copacabana, em 5 de julho de 1922,
liderada pelos tenentes Eduardo Gomes e Siqueira
Campos, um episódio que ficou conhecido
como “Os Dezoito do Forte” e foi o
ponto de partida do movimento conhecido como “Tenentismo”,
que empolgou toda uma geração de
militares, divididos ao longo de quadro décadas
entre várias tendências ideológicas,
sendo alguns de seus expoentes, como Juarez Távora,
Cordeiro de Farias, Juraci Magalhães e
Ernesto Geisel, orientadores do golpe militar
de 1964. O Tenentismo era um movimento ao mesmo
tempo nacionalista, contra a dependência
do capital externo, antioligárquico, no
combate ao coronelismo político e moralista,
combatendo a corrupção nos vários
níveis de governo. A grande contradição
do movimento tenentista reside em sucessivas tentativas
de purificação da democracia e valorização
do voto popular através de intervenções
militares, dentro da tradição das
forças armadas, desde a proclamação
da república. Em 1924, ocorreu o segundo
5 de julho, com o levante das guarnições
do exército e da Força Pública
de São Paulo e de quartéis de exército
na fronteira do Rio Grande do Sul, que ao serem
reprimidas pelas forças legalistas, promoveram
uma retirada estratégica e se uniram naquela
que seria a lendária Coluna Prestes, comandada
pelo capitão Luís Carlos Prestes
e que contando com 1.500 homens, percorreria 25
mil quilômetros em 14 Estados, durante 30
meses, até exilar-se na Bolívia,
em 24 de março de 1927.
A
extraordinária capacidade de liderança
militar, os dotes de estrategista exímio,
a austeridade pessoal e o caráter inatacável
do jovem capitão de 24 anos, somaram-se
à fama que a “coluna invicta”
angariou no imaginário popular, e resultou
na entrega simbólica a Luís Carlos
Prestes da liderança do tenentismo e por
extensão, daquela que então se denominava
a Revolução Brasileira, antioligárquica,
liberal, moralista e industrializante. Exilado
na Bolívia e a seguir na Argentina, Prestes
não era mais o idealista apolítico.
Iniciou-se na leitura de Marx e nos contatos com
os comunistas argentinos. Após a derrota
de Getúlio Vargas nas eleições
presidenciais de 1930 para o candidato do presidente
Washington Luís, Prestes, passa a ser assediado
pelos tenentes e pelo próprio Vargas, para
assumir o comando do movimento militar. A essa
altura, descrente da democracia liberal-burguesa,
funda a Liga de Ação Revolucionária,
de existência efêmera, recusa a adesão
à Aliança Liberal no famoso manifesto
em que renega seu passado tenentista e afasta-se
da maioria de seus mais destacados comandados
da Coluna, que apóiam Vargas, com ele chegam
ao poder em outubro de 1930 e assumem importantes
funções no Governo Provisório
e tornam-se interventores em vários Estados.
Combatido pelo Partido Comunista do Brasil que,
fundado em 1922, seguia então uma linha
sectária, “obreirista”, Prestes
faz contato direto com a Internacional Comunista
e é convidado para passar uma temporada
de estudos do marxismo-leninismo na União
Soviética, para onde viaja em setembro
de 1931 e onde permanece até abril de 1934,
quando chega ao Brasil, em companhia de Olga Benário.
Enquanto
isso, a situação política
no Brasil, deteriorava-se em face da crise econômica
e das contradições existentes no
interior do Governo Vargas, um amontoado heterogêneo
de interesses conflitantes: os “tenentes”
insatisfeitos com a ausência de reformas
sociais, os cafeicultores e industriais paulistas
inconformados com a perda do mando, os liberais
clamando por eleições. Em 1932 eclode
a Revolução Constitucionalista em
São Paulo que, mesmo derrotada, consegue
um objetivo: pressionado, Vargas convoca eleições
para uma Assembléia Nacional Constituinte
que, instalada em 15 de novembro de 1933, foi
palco e iniciou um período de dois anos
dos mais agitados da vida parlamentar brasileira.
Apesar
da ampla maioria obtida pelo governo e da eleição
indireta de Vargas para um mandato constitucional
de quatro anos (1934-1938), uma aguerrida bancada
de oposição repercutia no congresso
a agitação e a polarização
ideológica existente no país. Plínio
Salgado fundaria em 1933, a Ação
Integralista Brasileira, organização
de orientação fascista que empolgou
os setores de direita, inclusive com forte penetração
nos quartéis e marcada linha anticomunista.
De outro lado, começavam a se articular
os setores democráticos de esquerda, que
incluíam socialistas, nacionalistas, trotskistas,
operários, camponeses, intelectuais e estudantes,
para a formação de uma organização
que contrabalançasse o crescimento do fascismo
e forçasse o Governo Vargas a tomar medidas
populares.
Instalada
em março de 1934, a Aliança Nacional
Libertadora era uma frente ampla, cuja principal
força era constituída pelos tenentes
dissidentes da Revolução de 1930,
inconformados com os rumos tomados e que ainda
reconheciam em Prestes o seu líder e comandante.
Seu presidente era o capitão da marinha
Hercolino Cascardo, revolucionário de 1930,
democrata de esquerda e interventor federal no
Rio Grande do Norte, de julho de 1931 a julho
de 1932. Oito dos dezessete membros do Diretório
Nacional eram militares. O Partido Comunista do
Brasil somente a ela aderiu após a decisão
da Internacional Comunista de recomendar aos seus
partidos filiados, a política de frente
popular. Antes disso, porém, muitos “tenentes”
comunistas haviam aderido. A chegada de Prestes
ao Brasil, seu apoio à Aliança Nacional
Libertadora (ANL), e sua escolha para presidente
de honra incendiaram o tenentismo, aumentou a
adesão ao movimento e produziu uma seqüência
de assembléias e manifestações
populares, que culminaram com os grandes comícios
do dia 5 de julho, em São Paulo e no Rio
de Janeiro. Neste, o estudante Carlos Lacerda
leu o manifesto de Prestes, sectário e
provocativo, que ao final proclamava: “Abaixo
o fascismo, por um Governo Popular Nacional Revolucionário,
todo o poder à ANL”. Seis dias depois,
o governo publicou o decreto de fechamento da
ANL e a prisão de numerosos oficiais aliancistas.
Esses atos, embora não justificassem, influenciaram
decisivamente a eclosão dos levantes de
novembro.
Compreensivelmente,
desde a adesão de Prestes ao marxismo-leninismo
em 1929, o Partido Comunista o rejeitava, em parte
pelo radicalismo da linha “obreirista”
que afastou da direção os intelectuais,
substituídos por quadros oriundos do operariado.
Alegando sua origem pequeno-burguesa e seu personalismo.
Na realidade, temiam que seu prestígio
popular se sobrepujasse ao partido e faziam forte
oposição ao que então se
denominava “prestismo”. Seu ingresso
no PCB somente ocorreu por imposição
da Internacional Comunista, na ocasião
da ida dos integrantes do Comitê Central
a Moscou, para participar do VII Congresso da
Internacional Comunista (IC), em outubro de 1934.
Nessa ocasião foi também decidida
a volta de Prestes ao Brasil e a preparação
para instalação no Rio de Janeiro,
do Bureau Sul-América da IC, que seria
transferido de Buenos Aires, para o que, a pedido
do Comitê Central, foram destacados cinco
quadros da organização com funções
de assessoramento, entre eles Olga Benário
e Arthur Ernst Ewent, o “Harry Berger”,
ambos alemães. No primeiro semestre de
1934, assume o cargo de Secretário Geral
do PCB, Antônio Maciel Bonfim, o Miranda,
um professor primário do interior da Bahia,
que ascendeu graças à política
“obreirista” do partido e seu reconhecido
poder de envolvimento, inclusive dos membros da
Internacional. Seus relatórios, tanto para
Moscou como para o Comitê Central (CC),
em tom triunfalista alegava que o Brasil estava
pronto para a revolução socialista,
com intensa mobilização no campo
(o que era uma fantasia), nos sindicatos (um exagero)
e no meio militar. Prestes, afastado da realidade
brasileira devido a dez anos de lutas, exílio
e clandestinidade, dotado de uma personalidade
destituída de sentido pragmático
e de oportunidade, fatalmente entregou-se aos
mesmos devaneios.
A
partir de julho de 1935, fechado o único
canal de atuação política
legal, a ANL, os tenentes aliancistas e comunistas
recomeçaram a prática do esporte
preferido de sua geração há
treze anos: a conspiração. E a preparação
daquilo que sua formação autocrática
entendia como a forma mais justa de tomar o poder
para realizar as reformas que julgavam necessárias
para o país: o levante, o golpe. Em várias
guarnições do país, mas principalmente
no Rio de Janeiro, em Recife, Maceió, João
Pessoa, Natal, Belém e Manaus, articulavam-se
oficiais, sargentos e cabos para um movimento
militar que não se sabia quando ou onde
começaria, mas para o qual todos tinham
uma certeza: o comandante seria Luís Carlos
Prestes.
Os
antecedentes locais
As agitações políticas e
sociais da primeira metade da década de
1930 repercutiram no Rio Grande do Norte de forma
amplificada. Com a vitória da Revolução
Liberal e a deposição do presidente
Washington Luís, findava em nosso Estado
um ciclo de dominação política
iniciado com a proclamação da República
e a instauração da oligarquia dos
Albuquerque Maranhão, da qual as expressões
principais foram os presidentes (denominação
dada na época aos governadores) Pedro Velho
(o líder, falecido precocemente), Alberto
Maranhão (dois mandatos), Ferreira Chaves
e Tavares de Lira. Diretamente ou através
de prepostos, esse grupo, favorecido pelas “eleições
a bico de pena”, conduziu os destinos do
Rio Grande do Norte até o início
da década de 1920, quando consolidou a
sua força política, um coeso grupo
de oligarquias familiares baseado no latifúndio
agropastoril e no poder local. Essa confederação
de oligarquias tinha sua expressão máxima
na Região do Seridó, de onde vinham
suas principais lide ranças, entre as quais
se destacava no final da década, como seu
incontestável comandante, José Augusto
Bezerra de Medeiros, várias vezes deputado
geral (federal), senador e presidente (governador)
no quatriênio 1924-1927, elegendo o seu
sucessor. José Augusto era um líder
nato. Inteligente, bom orador, ameno no trato,
sedutor, conciliador e, sobretudo, excelente articulador,
detinha o comando político com suavidade
o que facilitava a coesão interna do partido
e dificultava as ações da débil
oposição. Seu sucessor, o também
seridoense Juvenal Lamartine de Faria, tinha temperamento
diverso. Culto, estudioso das questões
econômicas da região, atualizado,
com vocação mais dirigida para a
ação administrativa que para a política,
eleito para o quatriênio 1928-1931, realizou
governo dinâmico, modernizador, estimulador
da cultura e dos esportes, mantenedor da ordem
pública. Criou o Aero Clube, implantou
campos de pouso no interior, abriu estradas, foi
pioneiro dos direitos femininos, fazendo aprovar
legislação estadual que concedia
o direito de voto à mulher, pioneiro no
país. O combate ao banditismo e ao cangaço,
os excessos ocorridos e sua personalidade autoritária
contribuíram para o crescimento da oposição,
principalmente nos redutos locais, sendo seu principal
líder o jornalista e advogado trabalhista
João Café Filho. Deposto pela revolução
liberal e exilado na Europa, Lamartine foi substituído
por uma junta militar, em 5 de outubro de 1930.
A
partir de 12 de outubro de 1930 até 29
de outubro de 1935, o Rio Grande do Norte teve
cinco interventores nomeados pelo governo provisório,
chefiado por Vargas. Essa rotatividade de curtos
períodos contribuiu para a descontinuidade
administrativa e a instabilidade política.
De 12 de outubro a 27 de novembro de 1930, Irineu
Joffily, advogado paraibano, cuja dupla condição
provocou ciumeira dos tenentes e dos políticos
potiguares, resultando em desgaste e breve destituição.
De 28 de novembro de 1930 a 2 de julho de 1931,
Aluísio Moura, tenente do exército
e casado com natalense, seria depois chefe de
polícia e comandante da polícia
militar (1933-1934). De 3 de julho de 1931 a 10
de julho de 1932, o capitão da marinha
Hercolino Cascardo, catarinense, revolucionário
de primeira hora, tenentista de orientação
esquerdista e que seria um ano depois, fundador
e presidente da Aliança Nacional Libertadora.
De 11 de julho de 1932 a 1º de agosto de
1933, Bertino Dutra, capitão da marinha
e também casado com natalense, que governou
no período da revolta constitucionalista
paulista de 1932 e destituído de aptidão
política. Finalmente, em 2 de agosto de
1933, assume o primeiro civil e norte-rio-grandense,
Mário Leopoldo da Câmara, que veio
com a missão específica de preparar
o terreno para dar a vitória no Estado,
nas eleições de novembro de 1934
para Assembléia Estadual Constituinte,
ao Governo Vargas. Filho de um prestigioso político
de oposição da República
Velha, o ex-deputado Augusto Leopoldo da Câmara,
residindo há muitos anos no Rio de Janeiro
e portanto afastado do radicalismo local, alto
funcionário do Ministério da Fazenda,
adquiriu a confiança de Vargas como seu
chefe de gabinete naquele ministério no
período de 1926 a 1927 e era seu oficial
de gabinete na presidência quando de sua
designação para a interventoria.
Mário
Câmara trazia orientação de
Vargas, de se aproximar de José Augusto
e fazer uma composição com seu grupo
político. Sua missão não
parecia difícil. A grande maioria dos políticos
da República Velha, gradualmente iniciou
sua aproximação com o governo federal
a partir de 1931. O Partido Popular fundado por
José Augusto em janeiro de 1933, reunindo
os antigos situacionistas, elegera três
dos quatros deputados norte-rio-grandenses à
Assembléia Nacional Constituinte, que já
haviam declarado apoio ao governo, inclusive à
eleição indireta de Vargas para
presidente constitucional que ocorreria em 17
de julho de 1934. Histórica fotografia
do ato de fundação do partido, mostra
na primeira fila o jovem estudante Aluízio
Alves, o qual aos 11 anos, já demonstrava
a mesma precocidade política que o fez
deputado federal aos 21 anos e governador aos
39 anos. O novo interventor foi recebido com boa
vontade pelo Partido Popular e pelo seu jornal
A Razão, e os entendimentos prosseguiram
estimulados pela demissão do então
chefe de polícia, Café Filho, tradicional
adversário do grupo oposicionista. O impasse
estabeleceu-se quando Câmara concordou com
a participação dos populistas no
governo com a condição de formação
de um novo partido que congregasse os dois grupos.
Temerosos de entregar o comando político
ao interventor, os líderes recusam a auto-extinção
do seu Partido Popular e, apesar da intervenção
direta de Vargas, Mário Câmara estimulado
pelos correligionários e picado pela “mosca
azul”, funda em julho de 1934 o seu Partido
Social Democrático, coopta um deputado
federal do PP, Francisco Martins Veras, articula
os prefeitos (então nomeados pelo interventor)
e reconcilia-se com Café Filho, formalizando
uma coligação do PSD com o PSN,
denominada Aliança Social. Estava dada
a partida da mais radical das campanhas políticas
de nosso Estado e que, marcada pela paixão
e pela violência, envolveu grande parte
da oficialidade do exército destacada no
21BC.
A
primeira manifestação de violência
ocorreu precocemente, com o assassinato em maio
de 1934, cinco meses antes da eleição,
do chefe oposicionista de Apodi, Francisco Pinto.
Em agosto, durante comício do Partido Popular,
em Parelhas, houve tiroteio entre membros de ambas
as facções, resultando em um morto
e dois feridos. Em 13 de fevereiro de 1935, dias
antes das eleições suplementares
que foram realizadas em 39 seções
eleitorais de 23 municípios, uma escolta
da polícia militar com a missão
de prender o agrônomo Otávio Lamartine,
filho do ex-governador, baleou-o e causou sua
morte, na fazenda Ingá, em Acari, provocando
grande comoção e indignação
no Estado, com repercussão na imprensa
e na Assembléia Nacional.
Durante
toda a campanha eleitoral, que durou oito meses,
foi notória a participação
da maioria dos oficiais do 21BC em apoio ao Partido
Popular, um fiel retrato da indisciplina que reinava
nos quartéis naquele período. Esse
fato determinou uma disputa junto ao Ministério
da Guerra, entre o interventor, com prestígio
no gabinete presidencial e José Augusto,
muito ligado às bancadas gaúcha
e mineira. No entrevero, bem ao seu estilo, Vargas
“cozinhou” os dois lados até
o final do processo. Merece registro, por retratar
muito bem o ambiente de boatos e intrigas, a solicitação
do interventor ao comandante da região
militar para a transferência de dez sargentos
que supostamente também estariam apoiando
a oposição “liberal”.
Curiosamente, quatro deles estiveram entre os
mais destacados líderes do levante de novembro.
As eleições realizaram-se em 14
de outubro de 1934 e tiveram a participação
também do Partido Comunista do Brasil (com
chapa encabeçada por Lauro Reginaldo da
Rocha, membro do Comitê Central Nacional
e norte-rio-grandense) e da Ação
Integralista Brasileira (encabeçada pelo
advogado Oto de Brito Guerra). Um recurso da Aliança
Social é acatado pelo TSE e eleições
suplementares são realizadas em fevereiro
de 1935. Somente em 16 de outubro de 1935 de 1935,
o Tribunal Superior Eleitoral proclamou o resultado
final: o Partido Popular elegeu três dos
cinco deputados federais (José Augusto,
Ferreira de Souza, senador de 1946 a 1954, e Alberto
Roselli) e a Aliança Social, dois (Café
Filho e Martins Veras); dos 25 deputados federais,
14 eram do PP (entre eles, José Augusto
Varela, governador de 1947 a 1950, Aldo Fernandes,
futuro secretário-geral do estado e Maria
do Céu Pereira, primeira parlamentar eleita
no Brasil) e 11 da Aliança Social (entre
eles Djalma Marinho, várias vezes deputado
federal no período de 1950 a 1974). Foi
também marcada a data para a instalação
da Assembléia e eleição indireta
do governador e dois senadores: 29 de outubro
de 1935.
A
partir do mês de abril, com a divulgação
do resultado parcial das eleições
dando a vitória à oposição
e a perspectiva da volta ao poder dos depostos
em 1930 e com o fechamento da Aliança Nacional
Libertadora no mês de julho, o ambiente
político adquiriu uma temperatura mais
elevada. No interior do Estado grupos civis armados,
provocavam agitação e no Rio de
Janeiro, o interventor usava o seu antigo prestígio
na tentativa de virar o jogo: influir nas decisões
do TSE ou cooptar dois dos deputados da oposição.
No
quartel do 21BC a situação não
era das mais calmas. Além dos baixos salários
e más condições de trabalho,
pairava sobre sargentos, cabos e soldados a ameaça
de cumprimento de decreto presidencial que autorizava
o ministério a dispensar aqueles que contassem
com menos de dez anos de serviço e a reformar
quem tivesse mais de vinte anos. Com o fechamento
da ANL, os seus filiados, que eram muitos, ficaram
sem um canal de expressão política
e passaram a conspirar.
Desde
1926, as primeiras células do Partido Comunista
em Natal começaram a atuar, sob a liderança
dos sapateiros José Praxedes e Aristides
Galvão e, em Mossoró, com Raimundo
Reginaldo da Rocha. A partir de 1933, com a abertura
política devida à convocação
das eleições para a constituinte
e a criação da Aliança Nacional
Libertadora, os trabalhos de organização
do partido se intensificaram, culminando com a
1ª Conferência Estadual realizada em
abril de 1935, em Natal, quando foi formalmente
eleita sua primeira direção, constituída
pelos três já citados, mais Francisco
Moreira e Lauro Lago, então diretor da
Casa de Detenção, a penitenciária
estadual. Nesta reunião estiveram presentes
João Batista Galvão, servidor público
estadual, em cuja residência de solteiro
se realizava a maioria das reuniões do
partido, e José Macedo, funcionário
do Departamento dos Correios. Seguindo orientação
do Comitê Central e da Internacional Comunista,
as ações do partido estavam direcionadas
para três focos: o movimento operário
(o PCB controlava a direção dos
dois maiores sindicatos do Estado, o dos estivadores
de Natal e o dos salineiros, de Mossoró,
além do sindicato dos sapateiros, de Natal),
o movimento camponês (havia movimento armado
no campo, no Vale do Açu e em Areia Branca)
e na área militar (eram membros do partido
os sargentos Quintino Clementino de Barros e Eliziel
Diniz Henriques e o cabo Giocondo Dias, que na
década de 1980, seria secretário
geral do PCB). No 21BC havia duas dezenas de sargentos
e cabos aliancistas e com ligações
com o partido e que conspiravam permanentemente.
Entre março e novembro de 1935 estiveram
em Natal, conspirando e aliciando oficiais e subalternos
para um golpe armado com o objetivo de depor Vargas
e implantar um regime militar, vários “tenentes”
aliancistas: em março, o capitão
Otacílio Lima, lotado no 29BC de Recife
e membro do PCB, vem a pretexto de viagem de inspeção
e articula-se com sargentos do 21BC; em julho,
o capitão da marinha Roberto Sisson, ex-vice-presidente
da ANL, com a mesma finalidade; também
em julho, o tenente João Cabanas, legendário
participante da Coluna Prestes, visita Natal e
a região da guerrilha camponesa no Vale
do Açu; em agosto, o capitão Silo
Meireles, também do 29BC e comunista.
Desde
o mês de junho de 1935, encontrava-se em
Natal, designado pelo comitê central do
Partido Comunista, João Lopes, destacado
membro do secretariado político, com a
missão de assessorar a direção
estadual e com a orientação de impedir
o envolvimento do partido em aventura golpista.
Recebeu do comitê central o codinome “Santa”
e ficou em Natal até o dia 27 de novembro,
tendo importante papel nos acontecimentos.
Nos
dias que sucederam a proclamação
dos resultados eleitorais, a bancada oposicionista
viajou para João Pessoa, onde foi recebida
pelo governo paraibano, alegadamente por motivos
de segurança, mas também com a finalidade
de evitar a possibilidade, muito comentada na
época, de cooptação de pelo
menos dois deputados, o que inverteria o resultado
da eleição indireta para 12 a 13.
Em
27 de novembro, o interventor Mário Câmara
transmite o cargo ao coronel Liberato Barroso,
comandante interino do 21BC, e embarca no dia
seguinte, de navio, para o Rio de Janeiro. Em
29, realiza-se a eleição indireta
com o resultado esperado: Rafael Fernandes, ex-deputado
federal e estadual, principal líder da
política mossoroense, recebeu 14 votos
e o desembargador Elviro Carrilho, candidato simbólico,
11 votos. Com a posse imediata, após exatos
cinco anos, os grupos oligárquicos retornavam
ao poder e como sempre acontecia, iniciava-se
a revanche.
Em
todo o Estado foi iniciado o processo de substituição,
não somente de prefeitos e delegados de
polícia, mas em todos os níveis
da administração, inclusive do Ministério
Público, acirrando ainda mais os ânimos
e fomentando a revolta. Houve um fato que envolveu
um segmento específico do funcionalismo:
a extinção da Guarda Civil e a demissão
em massa de seus componentes. Criada por Mário
Câmara, com seus componentes recrutados
entre correligionários e segundo a oposição,
em muitos casos, com antecedentes de violência
e até de criminalidade, a Guarda Civil,
com desvio de funções, merecia um
expurgo. No entanto a demissão indiscriminada
de três centenas de seus participantes,
com a agravante de ter sido previamente anunciada,
transformou parte dos demitidos em conspiradores
e insufladores da revolta dos descontentes subalternos
do 21BC, com sua demissão também
anunciada. Finalmente, na sexta-feira, 22 de novembro,
o secretário geral do estado determina
a demissão, por motivos ideológicos,
do diretor da Casa de Detenção e
servidor da polícia civil, Lauro Lago (na
realidade, membro do CC do PCB, mas não
envolvido na conspiração). Os atores
achavam-se na coxia, aguardando as três
batidas convencionais para adentrar o palco.
O
teatro dos acontecimentos
A cidade de Natal, no ano de 1935, era uma cidade
provinciana de aproximadamente 42 mil habitantes,
o equivalente a apenas cinco por cento da população
do Estado. Com a atividade econômica baseada
na agricultura e na pecuária, a população
do Rio Grande do Norte era predominantemente rural,
a capital sediava as incipientes atividades administrativas,
o ensino de primeiro grau e umas poucas indústrias
de transformação.
A
área urbana encontrava-se circunscrita
a um perímetro limitado a leste pelas praias
do Meio e de Areia Preta, ao norte o Rio Potengi,
ao sul a cadeia de dunas acompanhada pela Avenida
Hermes da Fonseca e ao oeste, uma linha imaginária
que partindo do atual Aero Clube, acompanhasse
a rua presidente Sarmento (Avenida 4) até
o Potengi. Areia Preta possuía algumas
casas de veraneio e Brasília Teimosa e
Santos Reis eram um grande areal (aliás,
denominação que persiste até
hoje, em certo trecho).
Nas
Rocas, concentrava-se uma população
predominantemente operária e de estivadores
e portuários, o que explica a intensa atividade
política no bairro, que abrigava a maioria
dos militantes do Partido Comunista e dos sindicatos.
A
Ribeira sediava as principais repartições
públicas estaduais e federais, o comércio
atacadista e o sofisticado, bares e jornais. Na
Rua Tavares de Lira, o centro nevrálgico
da cidade (equivalente ao Grande Ponto das décadas
de 1950 a 1970), o Banco do Brasil, o Café
Cova da Onça (onde havia tradicionais rodas
de políticos, empresários e profissionais
liberais), o Hotel Internacional (na esquina da
Rua Chile) e ao final, o cais onde faziam o translado,
em lanchas para os navios, os passageiros do único
meio de transporte para o Sul do Brasil. Na Tavares
de Lira também se realizavam os festejos
carnavalescos e as concentrações
políticas. Na Duque de Caxias e ruas adjacentes
residiam famílias de classe média
e alta, algumas protagonistas dos episódios
adiante descritos.
Na
Praça Augusto Severo, o Teatro Carlos Gomes,
única casa de espetáculos do gênero
era também o grande auditório onde
ocorriam as principais solenidades da cidade.
No outro lado da praça, situava-se o Cinema
Politheama.
A
Assembléia Legislativa, instalada em 29
de novembro, após recesso de cinco anos,
funcionava no prédio que hoje sedia a Ordem
dos Advogados do Brasil, seção do
Rio Grande do Norte. Defronte, a Praça
Tomás de Araújo, onde seria construída
a atual sede do SESC e do outro lado da mesma,
o Quartel do 21º Batalhão de Caçadores,
no terreno hoje ocupado pelo Colégio Estadual
Winston Churchill. No quarteirão ao lado,
onde hoje se situa a agência do Banco do
Brasil, o mercado público da Cidade Alta,
na época o único existente. Ainda
na Avenida Junqueira Aires (atual Câmara
Cascudo) no prédio hoje ocupado pela Capitania
das Artes, a Escola de Aprendizes Marinheiros,
única unidade naval sediada em Natal.
Cruzando
as praças Sete de Setembro, André
de Albuquerque e João Tibúrcio e
descendo em demanda do Rio Potengi, vamos encontrar
na velha Rua da Salgadeira, onde hoje funciona
a Casa do Estudante, o quartel do Batalhão
de Polícia Militar, cenário da principal
batalha ocorrida em Natal.
No
ano de 1935, os estabelecimentos que ministravam
o ensino formal de primeiro grau eram em número
reduzido, compreendendo o velho Atheneu Norte-riograndense,
no prédio hoje ocupado pela Secretaria
Municipal de Finanças, a Escola Normal,
na Rua da Conceição (ao lado da
atual Assembléia Legislativa), o Ginásio
Santo Antonio (no atual convento do mesmo nome),
o Ginásio Nossa Senhora das Neves, no Alecrim,
o Ginásio Pedro II, na Avenida Rio Branco,
por trás do teatro e a Escola Doméstica,
na Ribeira, onde hoje funciona o Centro Clínico
Dr. José Carlos Passos.
Três
jornais tinham circulação diária:
A República, órgão oficial
do Estado, dirigido pelo advogado Edgar Barbosa;
A Razão, órgão do Partido
Popular, fundado em 1934, durante a campanha eleitoral
e que encerrou suas atividades após a posse
do governador Rafael Fernandes; O Jornal, dirigido
pelo jornalista e advogado provisionado João
Café Filho, que exercia o papel de principal
voz de oposição desde os últimos
anos da República Velha; e A Ordem, folha
católica, à época com orientação
fortemente integralista.
As
únicas agremiações sociais
eram o Natal Clube, na esquina da Avenida Rio
Branco com a Rua João Pessoa, e o Clube
Carneirinho de Ouro, na Avenida Tavares de Lira,
que mesmo com atividades reduzidas, sobrevive
até os nossos dias.
Nos
esportes, o remo atraía a atenção
da sociedade, disputado entre o Centro Náutico
Potengi e o Sport Clube de Natal, com suas sedes
na Rua Chile, às margens do Potengi, onde
as regatas domingueiras mobilizavam a população.
O futebol iniciava a consolidação
de sua popularidade, deixando a prática
improvisada nas praças Pedro Velho e Pio
X, já realizando seus campeonatos no então
chamado “Campo da ARA”, atual estádio
Juvenal Lamartine, onde rivalizavam ABC, América
e Alecrim, fundados em 1915. Nesse ano de 1935,
como sempre sob o comando de Vicente Farache,
o ABC Futebol Clube sagrou-se tetracampeão,
com um time histórico formado por Edgar,
Nezinho e Dorcelino; Adalberto, Hermes e Acácio;
Oscar, Simão, Xixico, Mário Crise
e Edevaldo.
O
único meio de transporte coletivo era o
bonde elétrico, implantado na década
de 1920 e que sobreviveu até 1954. Seu
trajeto, partindo da Ribeira, cursava a Duque
de Caxias, Praça Augusto Severo, Junqueira
Aires, Ulisses Caldas e Rio Branco, terminando
na Praça Padre João Maria. Do Grande
Ponto, saíam três linhas em demanda
dos novos bairros residenciais: para Petrópolis,
seguindo a João Pessoa, Deodoro, Praça
Pedro Velho, Nilo Peçanha e Getúlio
Vargas, onde findava; para o Tirol, pela Jundiaí
e Hermes da Fonseca, até o Aero Clube;
para o Alecrim, descendo a Rio Branco, subindo
a Amaro Barreto e pela Presidente Quaresma chegando
à Rua São João, em Lagoa
Seca. Não havia mais que três dezenas
de automóveis particulares na cidade e
alguns poucos “carros de aluguel”.
O sistema de telefonia, embora existente há
mais de uma década, era precário
e limitado, com menos de uma centena de aparelhos.
Tal deficiência de comunicações,
agravada pela coincidência (ou pelo propósito)
da eclosão do movimento ter ocorrido em
um final de semana, teria fundamental importância
nos acontecimentos. Está montado o cenário.
Deixemos que os atores saiam da coxia e adentrem
o palco.
23
de novembro de 1935, sábado
9h – O bacharel João
Medeiros Filho, Chefe de Polícia, recebe
telefonema do 21ºBC, informando o desligamento
de praças, por incapacidade moral.
O
jornal A República, órgão
oficial do governo do Estado, noticiava a realização
à noite, no Teatro Carlos Gomes, hoje Alberto
Maranhão, de solenidade de colação
de grau do Colégio Santo Antônio,
então funcionando nas dependências
do atual convento e confirmava a presença
do governador Rafael Fernandes. Informava ainda
estar ancorado no cais do porto, uma esquadrilha
mexicana, composta de seis navios, em operações
de treinamento.
O
secretário geral do governo, Aldo Fernandes,
teria recebido em palácio informações
acerca de “reuniões de caráter
subversivo” com a participação
de Lauro Lago, que recentemente havia sido demitido
da direção da Casa de Detenção,
após a posse do novo governo.
No
quartel do 21BC chegou expediente do comandante
da 7ª Região Militar oficializando
o desligamento dos primeiros 30 soldados, cabos
e sargentos com o tempo de convocação
extinto e a informação de que na
segunda-feira, 25, chegaria nova relação.
12h
– Findo o expediente da manhã e por
ser sábado, os oficiais e praças
foram dispensados com a obrigação
de apresentar-se para a revista, somente às
21 horas, ficando no quartel apenas o pessoal
da guarda e o oficial de dia, tenente Abel Cabral
Batista.
15h
– A direção do Partido Comunista
que se encontrava reunida com o enviado do comitê
central nacional João Lopes, o “Santa”,
recebe a visita do cabo Giocondo Dias e do sargento
Quintino Clementino de Barros para transmitir
informações de que a tropa estava
revoltada e um levante era iminente. Apesar da
discordância inicial dos dirigentes do partido,
que não haviam recebido instruções
do comitê do Recife, ao final da reunião,
por volta das dezesseis horas, a direção
curvou-se ao fato consumado, solicitando um prazo,
para arregimentar seus quadros (basicamente estivadores
e portuários) e fez uma única exigência:
todos os civis deveriam usar fardas do exército
e estar armados. Quintino e Giocondo voltaram
ao quartel e a direção do partido
iniciou a mobilização de seus filiados
e simpatizantes, ficando estabelecido que a deflagração
do levante seria naquela noite.
18h
– Na Vila Cincinato, residência oficial
do governador, situada à Praça Pedro
Velho, de frente para o atual Palácio dos
Esportes Djalma Maranhão, no prédio
hoje ocupado por repartição da Secretaria
da Educação, o governador Rafael
Fernandes, após o jantar, acompanhado do
secretário geral Aldo Fernandes e do ajudante
de ordens capitão José Bezerra de
Andrade, dirigese ao Teatro Carlos Gomes para
presidir a solenidade de colação
de grau e a seguir, assistir à encenação
pelos alunos da peça “A Vitória
da Cruz”. Um dos formando com idade de 14
anos era Geraldo Ramos dos Santos, tradicional
empresário do ramo automotivo, que hoje
aos 84 anos, guarda uma viva memória do
episódio e dos fatos ocorridos nos dias
que se seguiram. No recinto encontravam-se além
das mais altas autoridades como o prefeito de
Natal, Gentil Ferreira de Souza, e diretores de
departamentos da administração estadual,
todo o grand monde natalense.
18h30m
– Joaquim Inácio Torres, “seu
Torres”, farmacêutico e professor
do Ateneu, figura folclórica da cidade,
residindo na Avenida Rio Branco, próximo
ao quartel, após o jantar senta em cadeira
na calçada, para fumar seu charuto. Cascudo,
no livro O Tempo e Eu, conta o episódio:
passou um cabo do exército e vendo aquela
tranqüilidade, segredou-lhe:
“Seu
Torres é melhor o senhor entrar. Vai
começar uma revolução no
quartel e deve haver tiroteio. – Revolução,
é? Está certo, obrigado. Não
perguntou que revolução era, nem
para que e meteu-se na sala. Meia hora depois,
como nada ocorresse, levou a cadeira para fora
e continuou fumando. Passou um soldado correndo
e Torres gritou: Como é? Essa revolução
vem ou não vem? Comecem logo, que coisa
mais demorada! - Vai rebentar logo, seu Torres,
mas não se arrisque, entre... e saiu
convencido que o velho professor do Ateneu estava
inteiramente sabedor da conspiração”.
19h30m
– Dando seqüência aos preparativos
que vinham sendo feitos desde o final da tarde,
o cabo Giocondo Dias e o soldado Raimundo Tarol
deram voz de prisão ao sargento, chefe
da guarda, e ao oficial de dia. Ao mesmo tempo,
comandados pelos sargentos Quintino Clementino
de Barros e Eliziel Diniz Henrique, os praças
comprometidos com o levante ocupam as posições
estratégicas do quartel, soltam os soldados
presos no xadrez e aliciam os indecisos. Ao toque
de recolher que ecoou no centro da cidade, acorreram
oficiais e praças que residiam ou se encontravam
nas imediações. Os praças
receberam comunicação que o quartel
estava de prontidão; os oficiais, instados
a aderir, negaram-se e recusaram assumir o comando
oferecido. Em vista disso, assumiu o comando militar
formal do movimento, o sargento Quintino Clementino
de Barros que, além de senso de organização,
demonstrou equilíbrio nos dias que se sucederam,
evitando ou condenando violências e arbitrariedades.
Fez recolher presos no cassino os poucos oficiais
que atenderam ao toque, em número de sete,
sendo um capitão e seis tenentes. Vale
ressaltar que havia dezoito oficiais no contingente
do batalhão, tendo a maioria se refugiado
em residências de amigos e parentes ou no
interior do Estado.
Assumido
o controle da unidade, os insurrectos efetuaram
sucessivos disparos para o alto, sinal combinado
como aviso para os civis que se achavam comprometidos,
aos quais foram distribuídos fardamento
militar, armas e munições. Curiosamente,
os tiros disparados serviram também de
alerta às autoridades e à principal
força militar legalista, a Polícia
Militar, de vez que seu QG, no prédio hoje
ocupado pala Casa do Estudante, estava a pouco
mais de um quilômetro do 21BC. Por outro
lado, apenas três quarteirões separavam
o local da rebelião do teatro, onde se
encontravam as principais autoridades.
Encontrando-se
no Grande Ponto, o chefe de polícia (equivalente
hoje às funções de secretário
da Segurança Pública), ouvindo os
tiros e identificando a origem, mas sem a menor
idéia de seu real significado, dirigiu-se
ao quartel da PM onde sugeriu ao oficial de dia,
capitão Joaquim Teixeira de Moura, que
entrasse de prontidão e convocasse seu
contingente, fazendo o mesmo na Inspetoria de
Polícia Civil, localizada na atual sede
do ITEP, na Avenida Duque de Caxias; depois, foi
ao teatro onde conferenciou com o governador e
voltou ao centro da cidade para averiguações.
No
teatro, os primeiros tiros foram ouvidos em meio
à solenidade, provocando natural alvoroço
e a retirada de oficiais da marinha mexicana e
dos comandantes militares Otaviano Pinto Soares,
do 21BC, e major Luiz Júlio, da PM, além
de parte da platéia. Reiniciada a cerimônia,
com a intensificação do tiroteio,
aumentou o pânico e efetuou-se a dispersão
dos assistentes, inclusive das autoridades. O
governador, acompanhado do secretário geral
e do ajudante de ordens, dirigiu-se à Inspetoria
de Polícia e como os tiros já estivessem
sendo disparados na Praça Augusto Severo,
optaram por solicitar abrigo na residência
do comerciante Xavier de Miranda, na Avenida Duque
de Caxias, onde passaram a noite e aguardaram
contatos com informações mais precisas.
No mesmo momento, o prefeito Gentil Ferreira,
o presidente da Assembléia Legislativa,
monsenhor João da Mata Paiva, o chefe de
gabinete do governador, bacharel Paulo Pinheiro
de Viveiros e o diretor do jornal oficial A República,
bacharel e jornalista Edgar Barbosa, refugiaram-se
na residência do comerciante Amador Lamas,
irmão do cônsul honorário
do Chile, comerciante Carlos Lamas, também
na Ribeira.
Enquanto
isso, acorrem ao 21BC algumas dezenas de operários,
principalmente estivadores e sapateiros e antigos
guardas civis que ao chegar recebem fardamento
do exército, armas e munição.
Com o controle total do quartel e seu contingente
acrescido de grande número de civis, os
rebeldes trataram de dominar a capital, sendo
formadas diversas patrulhas com a finalidade de
ocupar os pontos estratégicos: o palácio
do governo, a residência do governador,
o Banco do Brasil, a sede da polícia civil,
a Companhia Força e Luz (eletricidade),
o telégrafo, a companhia telefônica,
o cais do porto e a estação ferroviária.
A seguir, foram formados dois destacamentos, sendo
o primeiro para assumir o controle da Casa de
Detenção (onde hoje fica o Centro
de Turismo), o que foi feito sem nenhuma resistência,
tendo a guarda se retirado pelos fundos, através
das dunas situadas na área da atual Rua
do Motor; o segundo dirigiu-se ao Esquadrão
de Cavalaria, onde após breve tiroteio
durante a noite seus defensores comandados pelo
tenente Severino Raul Gadelha e em desvantagem,
retiraram-se através das dunas (o esquadrão
estava localizado no terreno onde foi edificada
a Escola Doméstica). Na breve luta na Casa
de Detenção ocorreu a primeira morte
da insurreição: um preso de justiça
José Pedro Celestino, que antes de ser
libertado, foi baleado pela guarda do presídio.
20h
– João Medeiros Filho, após
tomar as primeiras providências na Ribeira,
dirigi-se ao Grande Ponto no automóvel
particular do comerciante Daniel Serquiz e em
companhia do fotógrafo José Seabra,
com a finalidade de colher maiores informações
acerca do movimento. Mesmo sabendo que o mesmo
tinha origem no 21BC, de ter encontrado uma patrulha
do exército guardando a sede do Banco do
Brasil e seu automóvel oficial ter sido
alvejado por tiros na Duque de Caxias, ao encontrar
o sargento Amaro Pereira que comandava uma patrulha
na Rua João Pessoa, inadvertidamente aceita
o convite para dirigir-se ao 21BC, onde um oficial
lhe daria informações mais precisas.
Ao transpor o portão do quartel é
imediatamente preso e recolhido ao xadrez onde
permaneceu até a madrugada do dia 27, privando
a cidade e o estado de sua principal autoridade
policial, elemento importante para a coordenação
de sua defesa. Nessa mesma hora, o cabo Giocondo
Dias, ao descer a Avenida Rio Branco no comando
de uma patrulha, trava tiroteio com policiais
militares, é baleado superficialmente na
cabeça sendo internado no Hospital Miguel
Couto (atual Onofre Lopes), onde permanece também
até o final. Um anticlímax para
dois atores que estavam fadados a ser os personagens
principais.
20h
30m – O major Luiz Júlio,
comandante da Polícia Militar, que havia
recebido telefonema do oficial de dia, capitão
Joaquim Teixeira de Moura, informando que o quartel
estava sendo atacado e tendo se dirigido à
residência do governador, lá se encontrou
com o tenente-coronel José Otaviano Pinto
Soares, que há duas semanas era o novo
comandante do 21BC. A pé, ambos dirigiram-se
ao quartel da PM, nesse momento sendo atacado
por pequena força, conseguindo o intento
de penetrar e comandar a organização
da defesa. Nesse ínterim, atraídos
pelos tiros, comunicados por telefone ou convocados
pelo toque de reunir, dezenas de sargentos e praças
conseguiram chegar antes que o cerco fechasse.
21h
– Estabelecido o controle da cidade, foi
possível aos rebelados direcionar para
o ataque ao quartel da Polícia Militar
o grosso de suas tropas, tanto militares, como
civis que haviam aderido. A partir desse momento,
e até o início da tarde do domingo,
dia 24, o quartel resistiu ao cerco, com sessenta
e oito defensores, sendo cinco oficiais, vinte
e quatro sargentos, trinta e quatro soldados e
cinco civis. Além do comandante e do oficial
de dia já citados, os únicos oficiais
que acorreram ao quartel foram os tenentes Francisco
Bilac de Faria, José Paulino de Medeiros
(o Zuza Paulino) e Pedro Sílvio de Morais.
Dentre os sargentos, inúmeros chegaram
ao posto de coronel e se destacaram na história
da corporação, como Celso Carlos
Pinheiro, Sebastião Revorêdo, Bento
Manuel de Medeiros e Júlio César
Pinheiro. Entre os civis, os servidores públicos
estaduais João Batista de Andrade, Lucrécio
Pegado Cortez e Damasceno Bezerra. Para a luta,
o batalhão contava apenas com quatro metralhadoras,
trezentos fuzis, cinqüenta e dois revólveres
e cerca de trinta mil balas. A força atacante
era superior em número, com o triplo de
combatentes, com armas modernas e com cerca de
cento e trinta mil cartuchos, com os quais manteve
o cerco ao quartel e combateu entrincheirada em
situação favorável, mais
elevada, na esplanada que corresponde à
atual Praça João Tibúrcio,
durante toda noite do sábado, 24. Nessa
noite, quem pode, saiu da cidade; quem ficou não
dormiu com o barulho.
24
de novembro de 1935, domingo
8h – Com a cidade sob controle,
restando apenas o quartel da PM resistindo, o
comitê regional do PCB reúne-se com
o comando militar e o assessor “Santa”,
para definir as medidas administrativas e a estratégia
militar, na residência de um ferroviário
membro do partido, nas Rocas. Com a recusa de
diversos oficiais convidados para assumir o comando
militar do movimento, essa posição
foi entregue ao sargento músico Quintino
Clementino de Barros, norte-rio-grandense de Serra
Negra, membro do PCB e líder natural entre
seus pares. Em seguida, foi escolhido o Governo
Popular Revolucionário, constituído
por Lauro Lago, servidor da polícia civil,
secretário do Interior; José Macêdo,
tesoureiro dos Correios, secretário de
Finanças; João Batista Galvão,
servidor do Ateneu Norterio-grandense, secretário
da Viação; José Praxedes
de Andrade, sapateiro, secretário de Abastecimento;
e Quintino Clementino de Barros, secretário
da Defesa. Foi oferecido a “Santa”
o cargo de presidente, que foi recusado, permanecendo
o assessor dando sempre a última palavra
em todas as decisões. Todos os cinco componentes
eram filiados ao Partido, sendo que dois, eram
membros do comitê regional.
9h
– A junta de governo toma as primeiras medidas
práticas. O presidente do sindicato dos
estivadores João Francisco Gregório
recebe a incumbência de assumir o comando
militar do cais do porto, impedindo a entrada
ou saída de qualquer navio, inclusive as
seis corvetas mexicanas, dois cargueiros britânicos
e um brasileiro, o embarque ou desembarque de
passageiros e tripulantes, e a desativação
de seus rádios/telégrafos e do farol
marítimo.
Durante
a noite, haviam recebido asilo na esquadrilha
mexicana, algumas pessoas entre as quais o médico
Aberdal de Figueirêdo, o deputado Pedro
Matos, o desembargador Silvino Bezerra e o capitão
Leonel Bastos, comandante da Escola de Aprendizes
Marinheiros. O capitão havia abandonado
a escola, atravessando o Rio Potengi em escaleres,
com dezenas de alunos e retornando até
o navio mexicano. O motorista Epifânio Guilhermino,
membro do Partido Comunista, recebe a tarefa de
requisitar automóveis particulares e caminhões
e organiza um grupo de motoristas, entre os quais
Domício Fernandes, que também teve
destacada atuação no movimento.
Vários proprietários foram procurados
e tiveram seus veículos requisitados, entre
eles os comerciantes Severino Alves Bila e José
dos Santos, que eram concessionários. Na
mesma hora, em Currais Novos, o delegado geral
Enock Garcia, que havia deixado a capital durante
a madrugada, telegrafa a Dinarte Mariz, em Caicó,
relatando os acontecimentos e solicitando arregimentação
de homens e armas. Dando seqüência,
Dinarte telegrafa ao governador Argemiro Figueiredo,
da Paraíba e acerta o envio do pedido com
a máxima urgência.
10h
– José Praxedes, provavelmente por
sua condição de filiado mais antigo
do PCB, era tido entre os membros da Junta de
Governo, como seu coordenador, reúne populares
e partidários na praça do mercado,
em frente ao quartel do 21BC, para ler a proclamação
do Governo Popular Revolucionário, o que
fez “subindo na mureta do quartel em meio
a vivas à Revolução e a Prestes”.
11h
– A Junta assume formalmente o governo do
Estado em reunião na Vila Cincinato, residência
oficial do governador, editando então seu
primeiro decreto, que destituía o governador
Rafael Fernandes e dissolvia a Assembléia
Estadual Constituinte. Distribuiu comunicado “aos
camaradas em armas e ao povo em geral”,
apelando à manutenção da
ordem, respeito às pessoas e à propriedade
privada e dando garantia aos comerciantes para
abertura dos estabelecimentos comerciais na segunda-feira.
Em seu périplo na coleta de viaturas, ao
passar pela Rua General Glicério, na Ribeira
(por trás da Igreja do Bom Jesus) ao avistar
na porta da sua residência o agente da Companhia
de Navegação Costeira, Otacílio
Werneck, sem motivo aparente o alvejou mortalmente.
Por esse crime hediondo, que seria a segunda das
quatro únicas mortes violentas ocorridas
em Natal em quatro dias de lutas, receberia mais
tarde a maior pena aplicada aos participantes
da insurreição: trinta e três
anos de prisão. Continuando sua trajetória
de violências, que incluiu o incêndio
de um cartório e saque em um box do mercado
público, ao tentar arrombar o armazém
da viúva Machado, desentendeu-se com um
soldado do exército que o atingiu com um
tiro, levando à sua internação
hospitalar e ao final de sua carreira de “revolucionário”,
poupando a cidade de sua sanha.
14h
– Após dezessete horas de combate,
não havendo mais munição,
o comandante Luiz Júlio reúne seu
estado-maior e decide pela retirada, evitando
assim a rendição. A saída
dos combatentes se dá pelos fundos do quartel,
situado em um barranco voltado para o mangue na
margem do Potengi, onde hoje passa a Avenida do
Contorno. O objetivo era tentar alcançar
a Ribeira ou o Alecrim pela margem do rio ou atravessá-lo
a nado. Dos oficiais, o único a conseguir
esta façanha foi o tenente Bilac de Faria,
exímio nadador. Bilac, que tinha relação
de parentesco com o ex-governador Juvenal Lamartine
e na década de 1950 seria deputado estadual,
destacou-se como um dos mais aguerridos combatentes
durante o cerco. Todos os demais oficiais foram
presos, juntamente com grande número de
praças. O tenente José Paulino de
Medeiros, o Zuza Paulino, que também se
destacara pela bravura no combate, no momento
da fuga foi atingido por uma rajada de metralhadora
no braço, foi preso e transportado para
o Hospital Miguel Couto, onde depois teve o antebraço
esquerdo amputado. Zuza Paulino era um dos mais
exaltados partidários de Mário Câmara
na polícia militar e estava sofrendo pressões
do novo governo por suas posições
políticas. Sua atitude legalista reforça
o entendimento de que apesar do elevado número
de “maristas” que aderiram ao levante
(inclusive na PM), essa não foi uma posição
oficial da Aliança Social, nem do ex-interventor
ou de Café Filho. O major Luiz Júlio
e o comandante do 21BC, tenente coronel Otaviano
Pinto Soares seguiram pelo mangue, na tentativa
de abrigar-se na Escola de Aprendizes Marinheiros,
que não sabiam já estar ocupada
pelos revoltosos desde a noite anterior. No trajeto,
foram presos por uma patrulha e recolhidos ao
xadrez do 21BC. No decorrer da luta apenas cinco
combatentes sofreram ferimentos, todos de natureza
leve, sendo um deles o futuro coronel Celso Pinheiro.
Apenas uma morte (a terceira das quatro ocorridas
em Natal durante todo o levante, de acordo com
a documentação existente) foi registrada
no longo combate pela posse do quartel da PM:
do cidadão Luiz Gonzaga. Esse fato ocasionou
uma polêmica que setenta anos depois não
ficou completamente esclarecida. Luiz Gonzaga
realmente participou dos combates dentro do quartel
desde a primeira hora, tendo demonstrado muita
coragem e afoiteza, sendo essa a causa de sua
morte, pois no momento da retirada retardou a
fuga, sendo alvejado pelo motorista Sizenando
Filgueira, membro do PCB e dos mais ativos participantes
do levante. A polêmica situa-se no fato
de que, até o mês de janeiro de 1936,
nem o detalhado relato do órgão
oficial A República, nem os diversos relatórios
oficiais, tampouco nos autos dos processos e nos
julgamentos dos indiciados, há citação
da morte e da condição de soldado
da polícia militar de Luiz Gonzaga. A ausência
de divulgação da morte, que realmente
ocorreu, levou alguns historiadores a aventurar
a hipótese de que, o fato de não
ter sido registrada, significaria que era um popular
desconhecido, cujo alistamento realizou-se post
mortem. Caso tenha sido na época a tentativa
de criar um herói, resultou desnecessária,
pois heróica foi a luta coletiva dos sessenta
e oito defensores. Sete décadas depois,
a polêmica persiste.
15h
– Dominado o quartel da PM e controlada
totalmente a capital, com todos os efetivos armados
disponíveis e contando com um número
razoável de viaturas, a junta de governo
deu seqüência ao seu segundo objetivo
militar: a ocupação e instauração
de governos locais provisórios nas principais
cidades do interior do estado. Foram organizados
três destacamentos, constituídos
de militares e civis armados, que seguiram o roteiro
das estradas que levam ao Litoral Sul e Agreste,
ao Litoral Norte e Mato Grande e ao Trairí
e Seridó.
18h
– Após entendimentos intermediados
por Aurino Suassuna, genro do cônsul honorário
do Chile, Guilherme Lettiére, o governador
Rafael Fernandes, o secretário geral Aldo
Fernandes e o ajudante de ordens, capitão
José Bezerra de Andrade, transferem-se
para a residência do cônsul, situada
em rua próxima. A família do governador,
que até então residia no Rio de
Janeiro, havia partido no dia 21, de navio, tendo
desembarcado em Salvador no dia 24, a convite
do governador Juraci Magalhães, que a hospedou
até o final do levante.
25
de novembro de 1935, segunda-feira
Na madrugada do dia 25, segunda-feira, partem
para o interior as primeiras tropas de ocupação.
O destacamento sul, comandado pelo tenente da
PM, Oscar Mateus Rangel (o comandante da patrulha
envolvida na morte de Otávio Lamartine)
que havia sido libertado na véspera, da
prisão no quartel da PM, ocupou os municípios
de São José de Mipibu, Arez, Goianinha,
Canguaretama e Pedro Velho, substituindo os respectivos
prefeitos e delegados. O destacamento norte, comandado
pelo estudante Benilde Dantas, membro do PCB,
repete os mesmos procedimentos nas cidades de
Ceará-Mirim e Baixa Verde. O destacamento
centro, que se destinava ao eixo Trairi-Seridó
seguiu para Panelas (atual Bom Jesus), sob o comando
do sargento do exército Oscar Wanderley,
assumiu o controle da cidade e em seguida de Serra
Caiada. Nesse momento, enfrenta uma coluna formada
por civis do Seridó, que foi organizada
sob a liderança de Dinarte Mariz e tinha
a participação de alguns policiais
militares, entre eles o capitão Severino
Elias. Os legalistas, inferiorizados, batem em
retirada até a Serra do Doutor, onde aguardariam
os rebeldes para aquela que seria a última
batalha, no dia 26. De Serra Caiada o destacamento
dirigiu-se no dia seguinte a Santa Cruz, onde
recebeu o apoio de parte da população,
principalmente de partidários locais da
Aliança Social, determinou a substituição
do prefeito e do delegado e providenciou o reabastecimento
necessário para prosseguir até o
Seridó. Nesse momento, os rebeldes controlavam
dezessete dos quarenta e um municípios,
correspondendo à terça parte da
área geográfica do Estado.
8h
– Apesar do apelo da Junta na véspera,
compreensivelmente o comércio não
abriu suas portas na segunda-feira. Foram expedidas
requisições assinadas por Praxedes,
para o fornecimento de víveres, que seriam
distribuídos à população.
Seja porque não foram encontrados os proprietários,
seja por decisão arbitrária, foram
arrombados e saqueados diversos estabelecimentos
comerciais, entre eles o armazém da viúva
Machado, o maior e mais tradicional empório
de alimentos da cidade. Aproveitadores de ocasião
associaram-se a revoltosos inescrupulosos e arrombaram
e saquearam outros estabelecimentos que comercializavam
produtos diversos, como tecidos (Loja Paulista),
utilidades (Armazém Elias Lamas), cigarros
(Souza Cruz) e jóias (Joalheria Progresso).
Apesar da falta de planejamento e de estrutura,
a Junta conseguiu distribuir à população,
na Vila Cincinato, grande quantidade de alimentos
e de tecidos. Essa medida, até certo ponto
ingênua (ou demagógica) repete outras
que foram tomadas, como a promulgação
de decreto que instituiu a reforma agrária
e confiscou as terras de latifúndio (sem
no entanto, regulamentar) e a redução
de quarenta por cento no preços das passagens
de bondes.
Necessitando
recursos para o custeio do levante, a Junta recorreu
às reservas do Banco do Brasil, do Banco
do Rio Grande do Norte e da Recebedoria de Rendas,
que na segunda-feira continuaram fechadas e com
seus administradores foragidos. As sedes foram
arrombadas, assim como seus cofres, esses com
a utilização de maçaricos.
Do Banco do Brasil foi retirada à quantia
de dois mil e novecentos contos de réis,
e da Recebedoria, cerca de duzentos contos de
réis que somados as quantias menores requisitadas
de algumas coletorias no interior, totalizam aproximadamente
três mil e duzentos contos de réis.
Para uma referência a este valor, uma passagem
de bonde custava cinqüenta réis.
Ainda
na manhã da segunda-feira, uma patrulha
foi enviada à praia da Redinha, principal
local de veraneio, onde muitas famílias
haviam se refugiado na véspera. O objetivo
principal era a eventual prisão de autoridades
(ou simplesmente adversários) e a busca
de armas. Ao chegar à residência
de Arnaldo Lira, tendo o mesmo ironizado a busca
e manifestado sua condição de integralista,
foi preso e recolhido à Vila Cincinato.
Ao chegar, reage à tentativa de um soldado
de tomar-lhe o relógio e na briga é
atingido com um golpe de sabre no abdome. Removido,
gravemente ferido, para o Hospital Miguel Couto,
veio a falecer após o final do levante.
Seria a quarta e última vitima de morte
violenta comprovadamente ocorrida durante o levante,
em Natal.
26
de novembro de 1935, terça-feira
O dia começou tranqüilo em Natal:
os revoltosos dominavam a cidade e os combates
estavam ocorrendo no interior, com suas forças
controlando um perímetro cujos pontos mais
remotos distavam mais de cem quilômetros:
Canguaretama, Baixa Verde e Santa Cruz.
A
Junta iniciou então a batalha da comunicação.
Determinou a impressão de milhares de folhetos
que continham uma proclamação e
informavam as principais medidas tomadas e de
maneira ufanista, a marcha da insurreição
pelo país. Um avião da companhia
aérea Condor foi requisitado e sobrevoou
a cidade, lançando os panfletos. Nesse
dia também, foi composta e impressa nas
oficinas gráficas de A República,
órgão oficial do Estado, a única
edição do jornal oficial da revolução,
A Liberdade. Dessa missão foi encarregado
Raimundo Reginaldo da Rocha, mossoroense, do comitê
regional do PCB, que teve a colaboração
de Horácio Valadares, jornalista e membro
do secretariado nacional que se encontrava no
Estado em missão partidária, acompanhando
as lutas camponesas da Região Oeste. Tão
logo eclodiu o levante, ambos deslocaram-se para
Natal e tiveram participação discreta,
mas importante. Acompanhados de Francisco Meneleu,
gráfico do jornal cafeísta, assumem
o controle das oficinas, convocam seus gráficos
e determinam aos redatores do jornal, o poeta
Othoniel Menezes e o provisionado Gastão
Correia, a editoração das matérias,
a maior parte previamente redigidas por Valadares.
Com apenas quatro páginas e datado de 27
de novembro, os mil exemplares do jornal tiveram
sua impressão concluída na noite
do dia 26. No momento em que deveriam ser distribuídos,
na manhã da quarta, foram todos apreendidos.
No final da manhã da terça-feira,
26, chega ao comando rebelde a primeira má
notícia: o fracasso do levante do 29BC,
do Recife, iniciado no domingo e subjugado na
noite da segunda-feira, com a prisão de
seus principais líderes, o capitão
Otacílio Lima e o tenente Silo Meireles,
prestistas e comunistas. Na tarde do dia 26, rearticulados
em Santa Cruz e após receber reforços
de Natal, os revoltosos tomam a direção
do Seridó, tentando alcançar Currais
Novos. A essa altura, a força legalista,
coordenada por comerciantes e fazendeiros liderados
por Dinarte Mariz e acrescidos de integralistas
de Acari e policiais paraibanos, reagrupa-se na
Serra do Doutor, entre Santa Cruz e Currais Novos.
Enquanto isso, chegam ao conhecimento do comando
militar notícias de que após a rendição
do 29BC, tropas do 20BC de Maceió e do
22BC de João Pessoa se dirigiam rapidamente
para Natal (há boatos, não confirmados,
de bombardeio aéreo). Aguçam-se
as divergências entre os chefes civis e
militares: os voluntaristas defendendo a resistência,
os realistas a favor da retirada. Os militares,
com uma avaliação mais precisa,
estão convencidos da derrota. Giocondo
Dias sai do hospital e começa a articular
uma saída. Em nome de um grupo de cabos
e sargentos e com a aquiescência de Quintino,
tenta negociar com a Junta a transferência
dos presos civis e militares para a esquadrilha
mexicana. Essa atitude teria dupla finalidade;
retardar a articulação de uma possível
perseguição nas primeiras horas
da retirada e preservar a integridade dos prisioneiros
de forma a garantir a atenuação
de penas em um futuro julgamento. À revelia
da Junta e sem seu conhecimento, o sargento Amaro
Pereira vai à corveta Capitânia em
nome dos militares e recebe de seu comandante
a garantia do asilo.
No
meio da tarde as tropas rebeldes iniciam a marcha
para Currais Novos, sem conhecimento da real magnitude
da reação que irão enfrentar.
Em uma das curvas da estrada, na subida da serra,
defrontam-se com uma barreira de pedras fechando-lhes
a passagem. Inferiorizadas pela surpresa e pela
posição do inimigo, bem entrincheirado,
resistem algumas horas. Ao escurecer, batem em
retirada desordenadamente, deixando em campo três
mortos e muitos feridos. Às dezenove horas
estava encerrado o último combate.
Tarde
da noite, em Natal, Quintino recebe um telegrama
do comando da Sétima Região Militar
no Recife, comunicando o controle da situação
em todo o Nordeste e conclamando os rebeldes à
rendição. Ao mesmo tempo, começam
a chegar as primeiras notícias da derrota
na serra. À meia-noite, Giocondo, o sargento
Amaro e o cabo Adalberto Cunha, com forte escolta
e em três caminhões, realizam a transferência
dos presos para os navios. À uma hora da
quarta-feira,dia 27, “Santa” vai ao
21BC para fazer uma avaliação e
constata, surpreso, que o quartel encontra-se
deserto. Quintino, rendido às circunstâncias,
determinara a retirada e a dispersão dos
remanescentes, liberando-os para a decisão
pessoal: fugir ou se entregar às autoridades
militares. Na Vila Cincinato, constatada a derrota,
os membros civis da Junta e as lideranças
do partido iniciam as providências para
a fuga. Destroem os documentos mais importantes
e distribuem o dinheiro entre todos os participantes
que lá se encontravam. Despedem-se e cada
um toma seu destino. Os primeiros a sair, às
duas horas, foram Lauro Lago, José Macedo
e João Batista Galvão que juntos,
em um automóvel dirigido por motorista,
rumaram para Canguaretama. Às quatro horas,
em outro automóvel, “Santa”,
sua companheira e um auxiliar, saem em direção
à Paraíba por estradas secundárias.
Na mesma hora, Praxedes, a pé, a partir
da Ponte de Igapó, dirige-se a Pajuçara,
entre a Redinha e Genipabu. Às cinco horas,
Quintino e o sargento Eliziel Diniz Henriques,
que era de fato o segundo homem no comando militar,
seguiram também de automóvel para
Baixa Verde.
Antes
do nascer do sol, Natal estava abandonada pelos
revolucionários. Foram necessárias
algumas horas para que se restabelecesse a autoridade
legal. Chegava ao final a tentativa de implantar
um governo popular ou a aventura de sobrepor-se
às massas através do golpe militar.
Epílogo
e revanche
Na manhã do dia 27, quarta-feira, aos poucos
a cidade se deu conta de que sua vida havia voltado
à normalidade. Através de funcionários
de escalões inferiores que continuavam
em circulação, de cidadãos
de fora do governo, mas a ele ligados, dos anfitriões
do governador e do prefeito e dos militares mexicanos,
o mundo oficial teve a certeza do abandono da
capital pelas forças revoltosas. As forças
policiais militar e civil ocuparam os pontos estratégicos,
restabeleceram as comunicações telefônicas
e telegráficas iniciaram a prisão
dos que se renderam e a busca dos foragidos. Ao
meio-dia, após a chegada das tropas da
Polícia Militar da Paraíba e do
22BC, de João Pessoa, o governador Rafael
Fernandes reassumiu formalmente o governo.
Enquanto
o comando revoltoso em Natal desativava seu dispositivo,
na mesma hora, no Rio de Janeiro, tinha início
o levante do 3º Regimento de Infantaria na
Praia Vermelha, na Urca, sob comando do capitão
Agil do Barata Ribeiro, tenentista e membro do
Partido Comunista. Iniciado na madrugada do dia
27, foi prontamente reprimido, tendo o quartel
se rendido após oferecer resistência
e ser bombardeado, às catorze horas. Os
líderes da revolta de Natal somente vieram
tomar conhecimento desse levante, na prisão.
Iniciou-se
então uma fase de intensa repressão,
à qual não faltaram os ingredientes
da falsa denúncia de adversários
inocentes e a tortura de presos. Aproveitando-se
da ocasião, partidários do governo
e autoridades policiais incriminaram, prenderam
e indiciaram centenas de adversários, apenas
pela condição de correligionários
ou amigos de Café Filho e de Mário
Câmara. Os presos civis de maior participação
no levante como Lauro Lago, João Batista
Galvão, José Macêdo, Epifânio
Guilhermino e Sizenando Figueira foram barbaramente
espancados. O próprio chefe da polícia
reconhece em seu livro: “Houve, sim, interrogatórios
ásperos, inflexíveis, como era natural;
de pressões físicas, tive notícias,
é verdade”.
Para
que se tenha uma idéia do “denuncismo”
da época, nos processos do Rio Grande do
Norte foram indiciados 1.039 cidadãos (695
de Natal e 344 do interior), dos quais apenas
154 (15%) foram condenados. Dos indiciados, três
eram deputados da oposição, todos
inocentados. Vinte e três oficiais da PM
foram indiciados, a grande maioria apenas por
ter servido ao governo Mário Câmara.
Apenas cinco foram condenados (entre eles, Mário
Cabral de Lima, Moisés da Costa Pereira
e Oscar Mateus Rangel, que tiveram atuação
destacada). O tenente Augusto Leopoldo da Câmara
Sobrinho foi indiciado (e absolvido) apenas por
ser primo-irmão do ex-interventor. São
exemplos de indiciados que não tiveram
participação alguma os juizes João
Maria Furtado e Fábio Máximo Pacheco
Dantas (futuros desembargadores), o médico
Ezequiel Fonseca, futuro deputado estadual e o
usineiro Luís Lopes Varela, todos correligionários
de Café Filho, todos absolvidos.
Com
as prisões, a polícia iniciou as
diligências para a apreensão do dinheiro
retirado do Banco do Brasil, da Recebedoria de
Rendas e de Coletorias do interior do estado.
De um total de três mil e trezentos contos
de réis, foram apreendidos com presos,
com familiares dos revoltosos e em repartições
públicas, novecentos e vinte dois contos
de réis, o que corresponde a cerca de trinta
por cento do que foi confiscado. A controvérsia
que cerca o destino da diferença de pelo
menos dois mil contos de réis (uma fortuna
na época) permanece setenta anos depois.
Sabe-se que parte razoável dessa quantia
não foi apreendida, pois ficou com pessoas
que nunca foram presas (ou porque se evadiram
ou nunca foram considerados suspeitos). Outra
parte ficou com familiares que escaparam da busca.
A maior quantia provavelmente foi apropriada por
agentes do poder público encarregados das
diligências. Na época, pessoas que
tiveram uma repentina elevação do
padrão de vida ou do patrimônio pessoal
foram rotuladas como “achadores de dinheiro”.
O
Tribunal de Segurança Nacional, órgão
de exceção criado pelo Estado Novo,
somente começou a funcionar no final de
1937, sendo que a maioria dos principais envolvidos,
que ainda se encontravam presos, foram julgados
em 1938. Vejamos o destino das principais personagens
da insurreição. Lauro Lago, José
Macedo e João Batista Galvão passam
a quartafeira abrigados na residência de
um correligionário em Canguaretama, à
noite penetram na Mata da Estrela, na expectativa
de embarcar, com a ajuda de estivadores, nas barcaças
que faziam o transporte de sal de Barra de Cunhaú.
No dia seguinte, foram presos pelo delegado local,
com a ajuda da polícia paraibana, provavelmente
denunciados por correligionários. Lago
e Macedo após alguns meses na Casa de Detenção
foram transferidos com dezenas de presos do Nordeste
para o presídio político da Ilha
Grande, no Rio de Janeiro, onde foram companheiros
de Graciliano Ramos e personagens do livro Memórias
do Cárcere. Galvão, estando doente
e usando o prestígio familiar, conseguiu
permanecer preso em Natal. Aproveitando-se de
uma liberdade provisória de três
dias, escondeu-se na fazenda de um primo na Paraíba,
onde permaneceu escondido alguns meses, daí
seguindo para o Amazonas onde ficou até
a redemocratização e anistia, em
1945.
Quintino
Clementino de Barros e Eliziel Diniz Henriques,
de Baixa Verde seguiram para Pedra Preta onde
foram presos poucos dias depois. Giocondo Dias
dirigiu-se para o município de Lages, onde
permaneceu refugiado na fazenda de um amigo, Paulo
Teixeira, durante cinco meses. Em abril de 1936,
devido a uma desavença de caráter
pessoal, foi esfaqueado por seu anfitrião,
sendo preso e novamente internado no Hospital
Miguel Couto e depois transferido para o presídio
militar no Rio.
José
Praxedes de Andrade e João Lopes, o “Santa”,
tiveram uma trajetória digna de ficção.
Às quatro horas da madrugada, do dia 27,
Praxedes caminhou solitariamente de Igapó
até a localidade de Pajuçara, na
época uma área de pequenos sítios,
alguns de propriedade de sua família e
recebeu abrigo de um primo. Durante seis meses,
até maio de 1936, viveu em um barraco de
madeira no meio de uma mata. Nessa época,
veio a Natal um enviado do PCB que conseguiu localizá-lo
e transmitir um endereço no Recife para
contato. Com o dinheiro que tinha guardado, iniciou
viagem a pé, durante a noite, até
poucos quilômetros após Nova cruz,
onde tomou um trem clandestinamente até
João Pessoa e daí de ônibus
para Recife e depois Salvador. Na Bahia, adquiriu
nova identidade, com a qual viveu quarenta e nove
anos incógnito, até 1984, quando
foi descoberto pelo jornalista paulista Moacyr
de Oliveira Filho. Em novembro de 1984 grava longa
entrevista que Oliveira transformaria em livro.
Sofrendo de grave enfermidade crônica, vem
a falecer em 11 de dezembro de 1984.
“Santa”
viajou de automóvel por estradas secundárias
até chegar ao território paraibano
e a partir daí, a pé até
Pernambuco, durante doze dias. Em Recife faz contato
com o partido e chega ao Rio de Janeiro. Com a
prisão de Prestes e de Miranda em 1936,
a polícia carioca apreende seu detalhado
relatório sobre a insurreição
de Natal, que é anexado ao inquérito.
Da mesma forma que em Natal, onde apenas Praxedes
conhecia sua identidade o que tornou impossível
uma delação, no inquérito
do Rio não foi possível identificá-lo.
Inexplicavelmente, mesmo depois da anistia e da
legalização do PCB, a identidade
de “Santa” continuou desconhecida
de historiadores e jornalistas até 1984.
Sem identificação, uma das mais
importantes figuras do levante sequer foi indiciada.
Epifânio
Guilhermino com a soma das penas, que incluiu
o assassinato de Otacílio Werneck, foi
condenado a trinta e três anos de prisão,
sendo a maior pena entre todos os envolvidos.
Lago, Macedo, Galvão, Quintino e Eliziel
foram condenados a dez anos; Giocondo e Praxedes,
a oito anos; e Raimundo Reginaldo, a 3 anos. Todos,
com exceção de Galvão e Praxedes
cumpriram suas penas e foram libertados com a
anistia política em 1945.
Conclusões
A insurreição militar e comunista
de 1935, em Natal, ocorreu dentro de um contexto
nacional no qual se destacavam a insatisfação
popular com os rumos do governo Vargas, a crise
econômica, a desilusão com as prometidas
reformas políticas e a preocupação
dos setores progressistas com o crescimento do
integralismo. O Partido Comunista do Brasil vivia
uma fase ufanista, na qual superestimava a mobilização
popular da Aliança Nacional Libertadora,
como se fosse exclusiva do partido. Prestes, isolado
na clandestinidade, há oito anos afastado
do país, acreditava nos relatórios
fantasiosos de Miranda, o despreparado secretário-geral
do PCB e julgava que o extraordinário prestígio
que detinha no meio militar e no povo brasileiro
se traduziria em apoio incondicional à
revolução socialista. Os “tenentes”
elementos progressistas do exército, descontentes
com os caminhos tomados pela revolução
de 1930 e com o fechamento da ANL, sem perspectiva
de ação política e sabendo
não haver condições objetivas
para uma revolução de cunho popular,
passam a articular um golpe, dentro da tradição
militar desde a proclamação da República.
Encontrando ambiente propício, apesar das
resistências iniciais, levam seu guia e
chefe militar, o PCB e a Internacional Comunista,
a embarcar na aventura.
Em
Natal, as condições locais contribuíram
para amplificar a motivação. Os
militares de baixa patente, muitos já excluídos,
outros ameaçados, com uma atuante célula
comunista no quartel, há muito se encontravam
aliciados por tenentes de outras guarnições.
A demissão coletiva foi o estopim que detonou
o levante antes da hora. Curiosamente, foi também
a razão do sucesso inicial. A surpresa,
somada à incompetência do aparelho
de segurança, contribuiu para que os militares
tivessem razoável apoio popular. O radicalismo
das lutas partidárias recentes, as demissões
e perseguições do novo governo criaram
o ambiente propício para a adesão
dos que se encontravam “de baixo”.
Finalmente os comunistas, apesar da oposição
inicial e ignorando todas as avaliações
anteriores, não resistem ao glamour de
protagonizar a “sua” aventura.
Ivis
Bezerra
Médico, professor do Departamento
de Medicina da UFRN; membro da Academia de Medicina
do Rio Grande do Norte
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