
A TRANSFORMAÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL E A EDUCAÇÃO
José Willington
Germano Germano
(Conferência
proferida durante a 50ª Reunião Anual da SBPC. Natal,
julho de 1998)
Os
processos de mundialização da economia em curso, neste
final de século, têm repercutido de forma dramática e
intensa nas diferentes dimensões da vida social, atingindo
de frente evidentemente o Estado, as políticas sociais
e o mundo do trabalho. Tratando-se de um contexto fortemente
dominado pelas forças econômicas, o paradigma hegemônico
de organização da vida social está ancorado, logicamente,
no “mercado como modelo” e, portanto, na empresa enquanto
sinônimo de organização perfeita, na qual as várias instituições
e esferas da sociedade deveriam se espelhar. O referido
paradigma foi incorporado pelas denominadas “estruturas
mundiais de poder”, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e tem sido adotado por países dos
diversos quadrantes do mundo, notadamente nos “ajustes
estruturais” e na reforma do Estado dos chamados “países
emergentes”, entre os quais os da América Latina, pressionados,
em grande medida, por aquelas agências internacionais.
No
dizer de Victória Camps (1996: 209-10), o “mercado como
modelo não se atém a critérios morais”, a ideais de equidade
e justiça pois interessa-lhe apenas os “critérios de perdas
e ganhos, de oferta e procura”. Para Camps, portanto,
o mercado fera injustiça “porque o direito que fundamentalmente
protege é o que está pior distribuído: o direito de propriedade”.
Na conjuntura atual, contudo, vigora no plano econômico
a supremacia de um capital financeiro sem fronteiras,
sem restrições a sua livre circulação e a sua ação meramente
especulativa capaz de arruinar a economia de países periféricos
da noite para o dia, conforme aconteceu com o México em
fins de 1994 e com os ditos “tigres asiáticos” no primeiro
semestre de 1998, configurando o que Robert Kurz qualifica
de “capitalismo-cassino global”.
No
plano político, por outro lado, tem lugar a implementação
de políticas calcadas no ideário neoliberal que Bruno
Theré (Apud. Draibe, 1993: 88) define como um “sistema
de receitas práticas para a gestão pública”, cujas palavras-chaves
são: agilidade, eficiência e eficácia, nada, que diga
respeito, portanto, a equidade e a justiça. Essas políticas
se caracterizam pelos ataques frontais desferidos contra
os direitos sociais arduamente conquistados, desestabilizando
o sistema de proteção e de garantias sociais decorrentes
das chamadas políticas de bem estar social, desestruturando,
assim, as políticas de formato universalizantes. Em troca,
ganham relevo as políticas compensatórias, emergenciais
e focalizadas nos pobres e nos “excluídos”, constituindo
aquilo que Robert Castel (1997b) chama de “políticas de
discriminação positiva”. Nesse sentido, cabe ao mercado
o atendimento de uma fatia substancial das necessidades
sociais das populações, conformando uma ampla mercadorização
da saúde, da educação, da seguridade social e assim por
diante.
No
tocante ao mundo do trabalho, esse capitalismo sem freio
vem provocando um desemprego massivo, fato que é geralmente
atribuído ao rápido desenvolvimento tecnológico, mas que
decorre, na verdade, das restrições e da vulnerabilidade
impostas ao trabalho numa época de globalização e neoliberalismo,
que acaba por acarretar o surgimento de uma nova questão
social em um cenário que aponta para o fim da própria
sociedade salarial. No que pese a evidente diferença entre
países, por conta dos seus respectivos processos de formação
histórica, convém frisar, no entanto, que uma ordem globalizada
cria problemas mundiais, no âmbito dos quais se situa
a questão social fundamental deste fim de século.
O
que se pode entender, então, por questão social? Para
Robert Castel (1997:20a), a questão social
é caracterizada “como uma aporia fundamental, na qual
uma sociedade experimenta o enigma da sua coesão e trata
de conjurar o risco de sua fratura. É um desafio que interroga,
põe de novo em questão a capacidade de uma sociedade (o
que em termos políticos se denomina uma nação) para existir
como um conjunto vinculado por relações de interdependência”.
Assim, por exemplo, a questão social na primeira metade
do século XIX na Europa dizia respeito ao pauperismo da
classe trabalhadora “populações flutuantes, miseráveis,
não socializadas, cortadas de seus vínculos rurais e que
ameaçam a ordem social, seja pela violência revolucionária,
seja como uma gangrena” (Castel, 1997: 165). O trabalho
assalariado era algo miserável, indigno, provisório, ameaçador
à ordem estabelecida, conforme demonstra Marx em suas
análises. Para Bronislaw Geremek (1995: 272), nesse período,
“o pauperismo e a ‘questão operária’ permanecem extremamente
ligados”.
Essa
situação se prolonga na Europa até quase o início do século
XX onde, após um processo de conflitos e lutas, o proletariado
passou a ser uma classe trabalhadora relativamente integrada.
Nessa perspectiva, segundo Castel (1997), o setor assalariado
chegou a “estruturar nossa formação social quase totalmente”,
mediante o desenvolvimento de um “processo de transformação
do trabalho em emprego”, ou seja, o trabalho passou a
ser objeto de um sistema de proteção, de garantias e de
direitos. isso não significa assinalar, em absoluto, que
a sociedade salarial tenha se constituído no “melhor dos
mundos”. Ela, por outro lado, não eliminou a desigualdade
e a exploração e, por outro, estimulou o individualismo
em decorrência da cristalização da gestão tecnocrática
do social. Não obstante isso, direitos e garantias com
relação ao trabalho assalariado foram instituídos. A propósito
disso escreve Castel (1997: 394a): “Os despedidos
eram, então, pouco numerosos, e o contrato de trabalho
por tempo indeterminado chagava quase sempre até o limite,
permitindo ao assalariado fazer sua carteira completa
na empresa”. Nesse sentido, a condição salarial passou
a ser uma situação almejada por conta dessas garantias,
mesmo pelas pessoas situadas no topo da hierarquia social,
dando margem ao surgimento daquilo que Bourdieu chama
de “nobreza de estado”: filhos das classes dominantes
que começaram a penetrar no mercado do salariado, mediante
a posse de diplomas universitários das grandes escolas.
No caso da sociedade francesa, nos anos 70, aproximadamente
82% da população ativa era constituída de assalariados
(Castel, 1997: 169c). trata-se de uma situação, portanto,
em que a centralidade assumida pelo trabalho assalariado
faz com que ele assuma uma dimensão de categoria organizadora
do social e fornecedora de identidade. Uma sociedade salarial,
por conseguinte, consiste nisto: “uma sociedade na qual
a maioria dos sujeitos sociais têm a sua inserção social
relacionada ao lugar que ocupam no salariado” (Castel,
1997: 169c).
No
contexto atual, contudo, o trabalho perde espaço no tocante
a essa dimensão de centralidade. Para Castel (1997: 165-166c),
“a nova questão social hoje parece ser o questionamento
desta função integradora do trabalho na sociedade”. Uma
desmontagem desse sistema de proteção e garantias que
foram vinculadas ao emprego e uma desestabilização, primordialmente
na ordem do trabalho, que repercute como uma espécie de
choques em diferentes setores da vida social para além
do mundo do trabalho propriamente dito” e que vem atuando
como agente desagregador do tecido social. A palavra-chave
desse processo é a flexibilização. Ela decorre das exigências
da concorrência e da competitividade em um modelo mundializado,
no qual o trabalho passa a ser o alvo principal da redução
de custos. Trata-se de reduzir o preço da força de trabalho,
e, ao mesmo tempo, maximinizar a sua eficácia produtiva.
Desemprego massivo, vulnerabilidade e insegurança em decorrência
dos ataques desferidos às garantias e direitos sociais,
sinalizam para o desaparecimento do emprego, isto é, do
trabalho com proteção e estabilidade. Essa situação é
tanto mais grave em contextos como os da América Latina
ou em países como o Brasil que, por não terem erguido
sistemas de proteção ao trabalho e portanto um sistema
salarial maduro, tendem a desagregar-se de forma mais
rápida e devastadora.
Nessa
perspectiva, a própria representação do progresso, concebido
como um futuro melhor, e a crença em que o amanhã seria
sempre mais promissor entram em crise. Para Hobsbawn (1995:
15), a última parte do século XX tem se caracterizado
como “uma nova era de decomposição, incerteza e crise”,
para uma parte do mundo. Para a outra parte, como a África
e países do Leste da Europa, por exemplo, a palavra certa
é “catástrofe”. No dizer de Edgar Morin (1996: 10), “o
número mesmo da fé no progresso” ancorado na tríade ciência,
técnica, indústria, “encontra-se cada vez mais profundamente
corroído”. A implosão do “socialismo real” no Leste, o
desemprego elevado ao Oeste e, no terceiro mundo, o fim
do desenvolvimentismo “resultaram em regressões, estagnações.
Fomes, guerras civis/tribais/religiosas”. Por conseguinte,
escreve Morin, “o navio-terra trafega na noite e na neblina,
em uma aventura desconhecida”. A “revolução informacional”,
por sua vez, da forma pela qual está ocorrendo está trazendo
desemprego em massa bem como uma precarização do trabalho.
Contratos de duração de zero hora, na qual o empregado
de posse de um telefone celular fica aguardando o chamado
da empresa para, por um só dia ou por uma hora, executar
uma tarefa. Segundo entende Paul Virílio (1997: 4), isso
é “equivalente a ser escravo”.
Ainda
de conformidade com o urbanista francês, “estamos às voltas
com uma nomadização das populações”, com uma degradação
das metrópoles que estão se “terceiro-mundializando” em
decorrência da elevada densidade populacional, do desemprego
e da sua “incapacidade de garantir paz social e a democracia”.
A “grande questão ecológica atual”, afirma, “é a cidade
e não a fauna e a flora”. No entendimento de Virílio,
“se o poder político não for capaz de controlar o desenvolvimento
técnico dos autômatos, dos sistemas de produção e do mercado,
iremos em direção a uma sociedade que terá duas velocidades:
formada por uma elite que viverá em “bunkers” e os miseráveis
que vão atacá-las”.
A
erosão do tecido social provocado por essas mudanças tem
gerado um quadro de insegurança, tendo como consequência
a “desestabilização dos estáveis”, a “instalação da precaridade”
e a existência dos “sobrantes” (Castel, 1997c). para Castel
(1997, 179-180c), a “desestabilização dos estáveis” engloba
aqueles “trabalhadores que ocupavam uma posição sólida
na divisão do trabalho clássico e que se encontram ejetados
dos círculos produtivos”. A “instalação da precaridade”
atinge “os jovens com alternâncias de períodos de atividades,
de desemprego, de trabalho temporário, de ajuda social”
e que acabam por configurar o que se “poderia chamar de
cultura do aleatório, as pessoas vivem o dia-a-dia” de
forma vulnerável e instável. Os “sobrantes”, por sua vez,
correspondem aquelas “pessoas que não têm lugar na sociedade,
que não são integradas, e talvez, não sejam integráveis”.
Estar integrado, afirma Castel (1997: 180c) “é estar inserido
em relações de utilidade social, relações de interdependência”
como é o caso de um operário que embora explorado, era
ao mesmo tempo indispensável e por essa razão podia reivindicar,
organizar-se, participar de lutas por conta do seu pertencimento
a um dos grupos importantes da sociedade e obter ganhos
como as proteções e garantias aqui referidas. Nessa perspectiva,
os “sobrantes” não são sequer explorados.
Para
Hannah Arendt (Apud Castel, 1997: 390a), nada
pior que uma “sociedade de trabalhadores sem trabalho”.
Assim, na atualidade, o mundo abriga 800 milhões de pessoas
sem emprego. O Brasil dos anos 90 produziu um desempregado
a cada 68 segundos (Folha de São Paulo, Especial, 01/05/98:
1). Empresas que foram privatizadas em decorrência da
reforma do Estado produziram substanciais cortes de pessoal.
Esses cortes chegaram a 67% na Acesita, 40% no Banco Meridional,
39% na Companhia Siderúrgica de Tubarão, 33% na Usiminas
e 28% na Companhia Vale do Rio Doce (Folha de São Paulo,
Especial, 07/04/98: 10). Na França dos últimas anos, cerca
de 12% da população ativa é desempregada e aproximadamente
70% das novas admissões são contratos por tempo determinado,
precários (Castel, 1997 a.) na Itália, o desemprego
ronda 12% da população ativa e no México 25% (Folha de
São Paulo, 07/06/98. 2: 13), tornando evidente os acontecimentos
de Chiapas. Nos EUA, onde a propaganda neoliberal se encarrega
de difundir o “pleno emprego”, o número de empregos temporários
cresceu 500% entre 1980 e 1997, o salário médio caiu 20%
nos últimos 25 anos e cerca de um quarto das pessoas empregadas
têm empregos de tempo parcial (Silva, 1998: 10). Em sete
países da Ásia, por sua vez, incluíndo Japão, China, Indonésia,
Coréia do Sul, Tailândia, Malásia e Filipinas, em 11 meses
de crise o desemprego saltou de cerca de 22 milhões em
1997 para 43,6 milhões de trabalhadores em 1998, produzindo
21,6 milhões de novos desempregados, o equivalente a população
de países como a Austrália, Taiwan ou a Venezuela (Aith,
1998. 2: 1). Dessa forma, o Japão, considerado antes como
um país de “pleno emprego”, convive hoje com a presença
de “homelesses” nas ruas de suas cidades.
Nesse
contexto, a “exclusão” aparece como questão social por
excelência dos novos tempos, quando, na realidade, em
face do exposto, a transformação da questão social, a
nova questão social, portanto, diz respeito ao desaparecimento
do emprego (não se trata assim, do desaparecimento do
trabalho) e a instalação da precaridade. A noção de “exclusão”,
por sua vez, tem, sido objeto de controvérsias e críticas.
Para alguns autores, ela ressuscita uma interpretação
dualista da sociedade. Conforme esses críticos, essa noção
comporta limites do ponto de vista da análise econômica,
porquanto a oposição excluídos/incluídos seria produzida
pelo mesmo processo econômico. Contudo, ele se reveste
de relevante importância do ponto de vista da ética e
do processo político. Assim, para Oliveira (1997: 60),
no tocante à causalidade do fenômeno, a perspectiva antidualista
é a mais apropriada, “sob o pena de cairmos no dualismo
ingênuo e insuportável, típico da literatura moralista
do século XIX, mais ainda existente ao nível de senso
comum – de achar que os miseráveis são responsáveis pela
própria miséria”. Em contrapartida, no que se concerne
aos seus efeitos, “analisar o problema dos excluídos sob
o viés econômico nada nos diz sobre a necessidade – que
não é econômica, mas ética e política – de sua inclusão”
(grifos no original). Ao se reportar à realidade brasileira,
o autor chama a atenção “sobre o perigo que toma corpo
a vista de todos nós” como as constantes “chacinas e execuções
a que o Brasil assiste nos últimos anos” que constituem
“indícios de que começa a tomar forma na sociedade brasileira
um processo de extermínio de seus ‘excedentes’, já não
assimiláveis pelos processos tradicionais de trabalho
e socialização”. Para ele, “essas mortes exemplificam
um processo de exclusão, na mais insuportável radicalidade
do termo”.
Ainda
com referência à sociedade brasileira, Valladares (1996:
138) afirma que a “discussão sobre a exclusão” faz surgir
“algo de novo no que tange à reflexão sobre a cidadania”.
A autora critica, igualmente, as análises dualistas do
processo econômico. Assim, conforme escreve, “a noção
de exclusão ajuda, sem dúvida, a caracterizar a situação
de não-cidadania em que se encontram milhares de brasileiros
desde a República e o Estado Novo”. Estar-se-ia, portanto,
“diante de uma nova exclusão social que teria além do
fundamento sócio-econômico, uma Segunda fase, a de representação
que se faz sobre o excluído nas camadas sociais mais favorecidas”.
Tais imagens sinalizam na seguinte direção: “Em última
instância, a sociedade, que não apresenta mecanismos de
assimilação, estaria agudizando seus mecanismos de expulsão.
A partir de uma imaginária relação de causa e efeito entre
pobreza e violência, pobre e bandido juntam-se numa única
imagem para produzir o novo excluído, novo porque passível
de eliminação física pelo perigo social que representa”.
Trata-se de reconhecer, portanto, a existência de uma
fatura que atua como fator desagregador do tecido social.
Configura-se, assim, uma situação que nas palavras de
Viviane Forrester (1997: 17), compreende o deslocamento
de levas de homens “da exploração à exclusão, da exclusão
à eliminação”.
No
entendimento de Robert Castel (1997: 16b), a palavra exclusão
“oculta e traduz, ao mesmo tempo, o estado atual da questão
social”. O autor critica o uso indiscriminado do vocábulo
porque acaba por designar todas as misérias do mundo,
bem como critica a concepção substancialista que encara
a “exclusão” com uma situação em si mesma. Fazer isto
“é rotular com uma qualificação puramente negativa que
designa a falta, sem dizer no que ela consiste nem de
onde provém” (p. 19). Na atualidade, por conseguinte,
falar de “exclusão” pressupõe que se leve em conta “situações
que traduzem uma degradação relacionada a uma posição
anterior”(p. 21), ou seja, a situação de “exclusão” corresponde
a estados de equilíbrios anteriores e que foram perdidos.
É o caso, por exemplo, de um trabalhador integrado que
perde o emprego, fica sem proteção, torna-se vulnerável,
não podendo mais se reproduzir de conformidade com a situação
anterior ou de moradores de rua que eram, antes, trabalhadores
rurais e que foram expulsos do campo, perderam tudo, as
referências sociais inclusive, tornaram-se socialmente
isolados e portadores de uma identidade negativa, como
demonstra Ataíde (1998) em pesquisa realizada com “homelesses”
de Salvador: “éramos assim”, “estamos assim”, diz bem
da situação de excluído. Os excluídos, escreve Castel
(1997: 21b), povoam a zona mais periférica caracterizada
pela perda do trabalho e pelo isolamento social”.
Nessa
perspectiva, o “excluído” é de “fato um desfiliado” e
a “exclusão” se traduz, portanto, como “efeito de processos
que atravessam o conjunto da sociedade e se originam no
centro e não na periferia da vida social” (Castel, 1997:
21-22b). é o caso, por exemplo, de uma empresa que resolve
aplicar seriamente a flexibilização. Da forma como é usada
comumente a “exclusão”, no dizer de Castel (1997b), constitui
uma armadilha tanto para a reflexão como para a ação.
Para a reflexão, porque simplesmente descrevem-se os “estados
de despossuir” e omitem-se ou criam-se impasses acerca
dos “processos que os geram”. Para ação, porque as políticas
sociais de reparação da exclusão acabam por tomar o lugar
das políticas sociais mais gerais com finalidades preventivas.
Essa intervenção termina por funcionar como um autêntico
“pronto socorro social”, à medida que se escolhe intervir
no que é periférico e não no coração mesmo dos processos
que produzem a “exclusão”.
Este
é o caso de programas como o “Renda Mínima de Inserção”
(RMI – França), o “Programa Nacional de Solidariedade
(PRONASOL –México) e o “Programa Comunidade Solidária”
(Brasil). Programas de discriminação positiva que levam
oxigênio a quem se encontra em desespero, mas que tendem
a se tornar programas de discriminação negativa (Castel,
1997b) estigmatizadora e que terminam por atribuir um
status de cidadãos de Segunda categoria aos segmentos
mais vulneráveis da população beneficiária desses programas.
Embora eles apresentem o mérito de atenuar o sofrimento
daqueles que se encontram em situação de “inutilidade
social”, não se pode desconhecer, contudo, que as políticas
sociais focalizadas na pobreza, em geral, induzem ao sentimento
de vergonha, a uma identidade negativa, portanto, quem
recebe a “ajuda” passa a se reconhecer como alguém que
se situa na escala da degradação social, sendo portador,
assim, da condição humilhante de quem é inferior (Germano,
1998). Ao estudar, por exemplo, o RMI, Takeuti (1993:
52) identificou esse sentimento negativo de pertencimento
ao escrever que, se por um lado, a pobreza “suscita compaixão
e complacência”, por outro, “ela é também associada à
sujeira, à fedor, à feiura, à grosseria, à negligência,
à incultura, à violência (...) e à morte” (grifos no original).
Isso constitui uma clara demonstração da transformação
de um programa de discriminação positiva em discriminação
negativa.
No
tocante a programas como o PRONASOL e o “Comunidade Solidária”
desenvolvidos pelo México e pelo Brasil, respectivamente,
torna-se evidente a tentativa de conciliar o gasto social
com as políticas de ajustes estruturais, de contenção
do déficit público e de reforma do Estado, ancorados na
concepção de “piso social” ou de “necessidades básicas”.
Nessa perspectiva, constituem programas focalizados que
visam atender às demandas urgentes da população em condições
de pobreza extrema (PRONASOL, 1994) e que são definidos
como um novo modo de enfrentar a pobreza e a exclusão
social (Comunidade Solidária, 1996). Deve-se evidenciar,
em primeiro lugar, que se tratam de programas residuais
no sentido assinalado por Titmuss, isto é, restringem
as suas práticas a grupos marginalizados e pauperizados,
o que os diferencia, portanto, da dimensão universalista.
Em segundo lugar, esses programas resultam de uma renúncia
no sentido de intervir de modo preventivo para enfrentar
as causas que produzem a “exclusão” e a vulnerabilidade
e não simplesmente de se deter nos seus efeitos. Para
Castel (1997: 30b), “as medidas adotadas para lutar contra
a exclusão tomam o lugar das políticas sociais mais gerais,
com finalidades preventivas e não somente reparadoras”(grifos
no original). Em terceiro lugar, os resultados apresentados
são extremamente insatisfatórios, porquanto não são acompanhados
de políticas macro-econômicas capazes de gerar empregos
e de aumentar o nível de renda da população. Finalmente,
em contextos como o mexicano e o brasileiro, o social-liberalismo
aliado à cultura política latino-americana, através dos
seus programas sociais, têm contribuído para a manutenção
do clientelismo, do neo-assistencialismo ou do neolocalismo,
mediante uma forma de utilização de recursos que acaba
por funcionar como um sistema de recompensas e castigos
aos grupos locais de poder (Germano, 1998). Não se trata
assim de constituição de “cidadãos de direitos” mas da
manutenção de sujeitos clientes do Estado e portanto de
programas que visam acarretar um “alívio da pobreza”,
mas os seus beneficiários permanecem “lá onde estão”.
Desse
modo, importa salientar que o desemprego, a precarização
do trabalho, déficit social e a desintegração cresceram
sem parar nos últimos anos. Nos EUA, 1,8 milhões de empregos
foram eliminados entre 1981 e 1991). Na Alemanha, 500
mil empregos foram eliminados em apenas 12 meses, entre
1992 e 1993 (Folha de São Paulo, 01/05/98, Especial, 2).
Na América Latina, de cada 100 novos postos de trabalho
85 criados estão no setor informal de economia (Espósito,
1998: 2: 8) e a proporção de pessoas ganhando menos de
2 dólares por dia subiu de 22% em 1987 para 23,9% em 1994,
segundo o Banco Mundial (Folha de São Paulo, 17/04/98.
2: 1). No Brasil, entre 1989 e 1996, conforme Márcio Pochmann,
o número de desempregados cresceu 179, 1%, chegando a
7,3 milhões. O país perdeu 2,2 milhões de empregos com
carteira assinada, durante a recessão do governo Collor
(1990-1992) e não voltou a registrar mais evolução positiva
(Pochmann, 1998: 3). Assim, ocorreu um aumento das ocupações
não-assalariadas e dos assalariados cem registro em carteira.
“Nos anos 90”, afirma Pochmann, “de cada dez empregos
criados, oito eram não-assalariados; até a década anterior,
de cada dez vagas criadas, oito eram assalariados” (Espósito,
1998, 2: 1). Verifica-se, portanto, o incremento do trabalho
precário, vulnerável, sem acesso à Previdência, aos direitos
sociais, mais mal pago e menos qualificado.
Nesse
contexto da transformação de questão social, dois discursos
distintos têm pontificado: um que louva as maravilhas
do mercado da competitividade e da eficácia; outro que
se debruça sobre o destino dos “excluídos”. Um que valoriza
que os recursos humanos, apontados como sendo a coluna-mestra
dos modernos processos de produção; outro que defende
a flexibilização, ataca os direitos sociais, as regulações
e proteções ligadas ao trabalho e que instala a vulnerabilidade.
Como situar, então, a educação e as políticas educacionais,
notadamente na América Latina, nesse cenário globalizado
e neoliberal? Pode-se afirmar que, inequivocadamente,
o “mercado como modelo” constitui também o paradigma organizador
das políticas educacionais nesta parte do mundo. Em face
da “exclusão social” existente, compete a educação reduzir
o quadro de pobreza ao tornar empregável aqueles que não
estão inseridos no mercado de trabalho. Assim sendo, de
conformidade com o ideário do Banco Mundial, adotado pelos
governos, o que deve presidir o processo educativo e as
políticas educacionais, de um lado, é o conceito de empregabilidade
e, de outro, a noção de piso social ou de necessidades
básicas.
A
palavra “empregabilidade” é dotada de um significado preciso,
o qual implica em transferir ao indivíduo, a periferia
do sistema, portanto, a responsabilidade pela sua inserção
ou não no mercado de trabalho e nos circuitos responsáveis
pela produção da “exclusão”, contudo, permanece intocável.
Do ponto de vista dessas políticas, a educação assume
uma dimensão meramente instrumental, qual seja, a de preparar
força de trabalho para um marcado em desaparecimento.
Não se trata, assim, de admitir o trabalho como princípio
educativo, mas de tornar a educação como prática social,
refém do mercado. Dessa maneira, o sistema educacional
passaria a ser inteiramente subsumido pelo sistema ocupacional,
isto é, pelo mercado. Nessa perspectiva, sob a égide de
uma política educacional cujo termo-chave é a “empregabilidade”,
o governo inglês fundiu, desde o período de Tatcher, os
Ministérios da Educação e do Trabalho, medida conservada
pelo trabalhista Tony Blair. No Brasil, o decreto nº 2.208/97,
que regulamenta o ensino profissional médio no país, separou
o curso técnico do 2º grau, fragmentando ainda mais a
formação, ao acentuar a disjunção entre cultura humanística
e os saberes vinculados ao mundo do trabalho. A propósito
um alto prócer do Ministério da Educação declarou recentemente
de forma entusiástica: “Nós vamos sair da escola da engabilidade
para a escola da empregabilidade” (Folha de São Paulo,
07/06/98. 6: 11). No Chile, conforme Robert Austrin (1998:
7), “em 1996 foi proposto o fechamento de Departamento
de Música da Universidade do Chile por não corresponder
a lógica do mercado”.
A
principal crítica a ser feita a esse modelo diz respeito
ao instrumentalismo e ao produtivismo. Adorno (1995: 121),
em seu belo texto “Educação após Aushwitz”, escreve que
“a educação tem sentido unicamente como educação dirigida
a uma auto-reflexão crítica”. Ou seja, a escola tem sentido
apenas se formar pessoas capazes de pensar. Naoki Ogi
(Folha de São Paulo, 03/05/98, 1: 23), um dos principais
pedagogos do Japão, ao comentar a recente onda de violência
nas escolas daquele país afirma que: “a crise econômica
japonesa está deixando obsoleto o modelo de ensino criado
no pós-guerra e que impera nas escolas(...). esse sistema
serve para criar mão-de-obra sem se importar com a satisfação
pessoal do aluno. já era controverso quando havia empregos.
Ficou mais defasado com a crise. “A educação, portanto,
é algo que transcende ao mercado, a estrutura da ideologia
neoliberal e do “consenso de Washington”. Ela diz respeito
à formação do homem de forma plural, ao conhecimento,
à cultura, aos valores, à participação política, enfim,
ao capital sócio-cultural acumulado e em experimentação
pela humanidade e constantemente reinventado pelas sucessivas
gerações. Mozart, Einstein, Guimarães Rosa, Aristóteles,
Picasso, violeiros nordestinos, cultura elaborada e conhecimento
de tradição devem fazer parte do horizonte da educação
escolar. Não é isto, contudo, o que importa º os arautos
do mercado.
“Empregabilidade”
constitui também a palavra mágica que norteia os programas
de qualificação, em si importantes, mas que transmitem
uma carga de ilusões a quem está desempregado: a de que
a elevação da qualificação torna o trabalhador empregável.
Para Castel (1997: 409 a), “resulta ilusório
deduzir que os não-empregados poderão encontrar emprego
simplesmente elevando o seu nível”. Atualmente, existe
um problema novo e grave “a possível inempregabilidade
dos qualificados”1 (grifos no original) ou
então, o acesso a empregos precários e de baixo nível
salarial. A propósito disso, Pochmann (1998, 2: 6) é enfático
ao afirmar: “Está errado o apelo de que a educação garante
a entrada no mercado de trabalho”. No Brasil, “os setores
que mais contrataram na década de 90 são considerados,
em geral, de baixa qualificação e que pagam mal. Estão
sendo criadas mais vagas em profissões como faxineiro,
segurança e recepcionista, que já corresponderam a 8,5%
do total das carteiras assinadas e hoje atingem 15,5%”.
Portanto, “os empregos que estão sendo gerados são de
pior qualidade” e nos “setores que respondem por maior
crescimento de vagas, a remuneração média era de 1,9 salário
por mês em 80 e agora é de 1,2”. Nos EUA, embora o desemprego
e a má distribuição da renda sejam debilitadas à má educação,
os empregos criados no setor de serviços empregam pessoas
com o nível maior de educação e menores salários (Sayad.
1998, 2: 2). Depreende-se, portanto, que o desemprego,
a “exclusão”, a vulnerabilidade, dependem decisivamente,
de fatores macro e meso-econômicos e de políticas gerais
preventivas e não apenas de reparação, capazes de enfrentar
esses ataques destrutivos.
Finalmente,
cabe mencionar que atribuir à educação, ao sistema educacional
o poder de resolver a questão do desemprego e da pobreza
significa conceder uma autonomia ao planejamento educacional
com relação ao sistema ocupacional, autonomia que ele
não possui. Segundo Claus Offe (1990), o planejamento
educacional, “traz consigo permanentemente a dificuldade
de ter que invalidar os seus dados orientadores”. Assim,
“parece bastante duvidoso que os determinantes autônomos
(isto é, não induzidos do próprio sistema educacional)
de demanda do sistema ocupacional possam ser previstos,
especialmente em um sistema econômico no qual as decisões
de investimento são feitas através do cálculo do lucro
privado e da pressão da concorrência”. Nessa perspectiva,
“um planejamento abrangente não é possível”, uma vez que
“o horizonte temporal dos empresários não planejamento
do pessoal qualificado que necessitam é restrito e o acesso
às informações disponíveis para o planejamento pode ser
bloqueado”, pois dizem respeito à dinâmica empressarial
de busca do lucro. Daí a existência de um déficit crônico
de prognose empírica e lógica e de recursos de poder.
Daí a discrepância existente entre a qualificação adquirida
e aquela que será exigida, num momento futuro, pelo mercado
de trabalho. Daí, igualmente, a formação dos “excedentes”
profissionais.
A
outra ponta do paradigma organizador das políticas neoliberais
na América Latina, como já foi mencionado está ancorado
na noção de “piso social ou de “necessidades básicas”
o que significa fornecer o “mínimo” ou a “cesta básica”
da educação à população pobre. De acordo com os analistas
do Banco Mundial, a pobreza e a “exclusão” na América
Latina são fruto, em grande medida, da falta de educação
escolar das suas populações. Messe sentido caberia à educação
um papel fundamental no enfrentamento da pobreza e na
redução das desigualdades sociais. Este deveria ser o
foco de atuação das políticas públicas de educação, o
restante poderia ficar a cargo, pelo menos em grande parte,
do mercado. Embora essas políticas, às vezes, funcionem
como “pronto-socorro social”, difundem um ideário no qual
a educação é apregoada como a porta de entrada no mercado
de trabalho o que acaba por ser assimilado pelo próprio
imaginário popular.
Fomentar
a educação básica, portanto, para os economistas do BIRD,
significa a possibilidade de incrementar o crescimento
econômico da região e tornar “empregável” os segmentos
excluídos do mercado. Essa é uma postura que tem sido
objeto de críticas. Apesar da importância que possui,
não pode ser atribuída à educação a correção de desigualdades
que se originam no âmbito social mais amplo, tampouco
nortear o curso dos investimentos numa economia de mercado.
A propósito disso, escreve A. Singh (Apude. Fennetti,
1997: 247): “o fracasso econômico dos países latino-americanos
durante a ‘década perdida’ de 1980 dificilmente pode ser
atribuído a uma insuficiência do setor educacional”, atribuição
que é particularmente aventureira no tocante aos países
africanos. Trata-se de uma visão claramente produtivista
que contrasta com a postura civil democrática que “encara
a educação em geral e a escola em particular como processo
de formação cidadã, tendo em vista o exercício de direitos
e obrigações típicas da democracia” (Singer, 1996: 6).
Como
a análise das taxas de retorno é fundamental para o estabelecimento
de prioridades educacionais segundo o produtivismo, em
face de projeções da pirâmide ocupacional-educativa da
América Latina para o século XXI, como as que foram feitas
por Steffan (1995), em que, caso prevaleça a atual lógica
sistêmica, entre 45 a 70% da PEA se reproduzirão através
de empregos precários ou simplesmente ficará fora da economia
como desempregado. Torna-se evidente que, para essa população,
é suficiente uma escolarização precária (2-3 anos), como
no Brasil, cuja escolarização média da PEA gira em torno
de 3,6 anos, o analfabetismo, os programas educacionais
de emergência, uma pobre educação, uma educação para os
pobres, ou como afirma Evaldo Vieira (1996: 2), “uma política
social sem direitos sociais”.
Neste
cenário de hegemonia neoliberal em que a política educacional
tem sido regulada pelas forças do mercado, torna-se importante,
para finalizar, fazer referência à ampla mercadorização
da educação superior na América Latina, desde a implantação
dos regimes militares no subcontinente e que prosseguiu
no período pós-ditatorial. O próprio Banco recomenda,
em um dos seus documentos (1995), “criar um ambiente propício
para as instituições privadas”. É o que tem acontecido.
No Brasil, oitavo país no “ranking” das privatizações,
74% das instituições de nível superior e mais de 60% da
matrícula estão concentradas na rede privada. O Chile,
no entanto, é apontado como exemplo mais eloquente de
um país cujo governo, como assinala Austin (1998: 2-3),
“abriu a educação superior ao livre mercado e aos processos
de privatização, com a explícita intenção de converter
toda instituição superior em empresa privada e auto-financiada”.
Nessa perspectiva, o governo militar, além de cercear
o pensamento crítico, institucionalizou a desigualdade
e a competitividade, premiando com dinheiro, inclusive,
aquelas universidades com maior pontuação na escala de
avaliação estabelecida pelo Ministério da Educação.
Pelo
conjunto de leis impostas entre 1979 e 1981, não revogadas
pela “Concertación Democrática” que assumiu o governo
em 1990, qualquer empresário pode estabelecer uma instituição
de educação superior, incluindo institutos profissionais
e centros de formação técnica. Como consequência, entre
1980 e 1993, subiu a 45 o número de universidades privadas
e as públicas reduzidas a 3, mas que aparecem como se
fossem 15 por conta do processo de desmembramento. No
mesmo período, de acordo com Austin (1998), 50 institutos
profissionais e 75 centros de formação técnica foram constituídos
em Santiago, com conexões abertas ao capital transnacional,
entre os quais empresas como Epson, Manpower, Crown, Gamma
e Canon e assim por diante.
A
educação superior como objeto de lucro redundou no lançamento
de títulos no sistema bancário, no crescimento desmedido
de cursos de carreiras rentáveis com baixo custo de implementação,
no incremento da elitização do sistema universitário chileno
em decorrência dos elevados preços das mensalidades e
na recusa do governo em financiar as universidades estatais,
de um financiamento de cerca de 75% em 1973, a erosão
provocada pelos diferentes governos fez baixar esse índice
para 27% em 1996 (Austin, 1998).
O
império do “livre mercado” no campo da educação superior
no Chile acabou por cristalizar, conforme Austin (1998:
19-20), os seguintes traços característicos “em primeiro
lugar, um continuismo oficial favorecendo a revigorização
da elite neoliberal””
e enfraquecendo a autonomia universitária; “em
segundo lugar, a universidade privada segue inscrita em
uma lógica de seleção de estudantes a base de sua capacidade
financeira, dispensando pouca atenção ao talento estudantil”.
Um bacharelado, por exemplo, custa em média 375 dólares,
o que elimina, automaticamente, os setores populares.
Um terceiro traço diz respeito à dominação de estudos
rentáveis como engenharia, contabilidade e informática,
complementando a ideologia acrítica implantada com antecipação
durante o Regime Militar. Neste modelo não há lugar para
o conhecimento desinteressado no campo das ciências, humanidades,
filosofia, arte. Finalmente uma Quarta característica,
a atomização e mercantilização das universidades públicas.
Cabe ainda assimilar que países como Argentina, Brasil
e México tentam implementar o modelo chileno de educação
superior. No Brasil, o governo pretende diminuir o número
de universidades públicas e aumentar o número de instituições
não universitárias de ensino superior. Incentivar ainda
mais o ensino privado que já detém a maioria das matrículas
nesse nível de ensino. A implementação desse modelo poderá
acarretar sérias consequências ao desenvolvimento da pesquisa
científica e tecnológica que, atualmente, é feito nas
universidades públicas, tornando o país ainda mais dependente
dos centros hegemônicos do capitalismo.
Enfim,
as políticas neoliberais estão interessadas, no fundamental,
em manter a “confiança no mercado”, isto é, de acionistas
e investidores. Por isso atacam direitos e garantias sociais,
incrementam o desemprego, instalam a vulnerabilidade e
consideram a desigualdade como valor positivo. Acentuam
a individualização instalando um mundo darwiniano de luta
de todos contra todos no qual os mais “competentes” serão
vitoriosos. A substituição da qualificação por competência,
por sua vez, implica uma diferença conceitual que remete
a uma relação contratual direta entre trabalhador e empresa
(o das competências individuais) e na quebra de solidariedade.
O resultado disso é a dessindicalização e a perda de identidade
de substanciais parcelas da população. Por isso que Bourdieu
(1998: 7) classifica o neoliberalismo como “um programa
de destruição metódica da coletividade”. No âmbito das
políticas educacionais, o “mercado como modelo” ao adotar
como palavras-chave “empregabilidade”, “piso social”,
“necessidades básicas”, de um lado, reduz a educação a
uma dimensão meramente instrumental do mercado e, de outro,
implementa “políticas de pronto socorro social” como os
cursos de 40, 50, 60 horas ministrados pelo Ministério
do Trabalho no Brasil, chamados de “qualificação”, mas
que, na verdade, constituem um arremedo, mediante os quais
o governo pretende tornar os trabalhadores “empregáveis”.
Quem produz, efetivamente, desemprego, vulnerabilidade,
“exclusão”, continua, no entanto, intocável, aprofundando
a questão social deste fim de século.
Às
portas de um novo tempo, como concluir estas reflexões.
Com as palavras de Hobsbawn (1995: 15) que afirma: “Não
sabemos o que virá a seguir, nem como será o terceiro
milênio, embora possamos ter certeza que ele terá sido
moldado pelo (...) século XX”. Com as palavras de Ítalo
Calvino (1994: 41) que diz: “iremos ao encontro do próximo
milênio sem esperar encontrar nele nada além daquilo que
seremos capazes de levar-lhe”. Ou, quem sabe, com a fala
de Riobaldo, vivente do “Grande Sertão” do mestre Guimarães
Rosa: “O senhor sabe: o perigo que é viver...”.
1
O Governo Brasileiro desenvolve estratégias entre as quais
programas de qualificação voltados para a compensação
dos problemas do mercado de trabalho, financiados com
recursos do próprio trabalhador, principalmente através
da FAT, Fundo de Apoio ao Trabalhador. As principais estratégias
são implementadas pelos seguintes programas: o Planfor
(Programa Nacional de Qualificação do Trabalhador), o
Proger (Programa de Geração de Emprego e Renda) e o Proemprego
(Programa de Expansão do Emprego e Melhoria da Qualidade
de Vida do Trabalhador. Matéria publicada no jornal Folha
de São Paulo (01/05/98. E.: 9), assinala: “As primeiras
avaliações indicam que fazer cursos de formação e requalificação
(...) altera pouco as chances de o empregado conseguir
uma nova colocação”, conforme pesquisa realizada com egressos
desses cursos realizada em São Paulo e no Rio de Janeiro.
De acordo com Alexandre Loloian, Coordenador de Emprego
da Secretaria de Trabalho em São Paulo, apenas 11% dos
desempregados que fizeram cursos na primeira metade de
1997 conseguiram emprego seis meses após o aprendizado
que receberam.
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(Professor
do Programa de pós-graduação em Ciências Sociais – UFRN.
Autor do livro “Estado Militar e educação no Brasil –
1964/1985”, SP; Cortez/UNICAMP, 1994. E-mail: germano@cchla.ufrn.br)
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