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                BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS |    A
        VIOLÊNCIA NA ESCOLA : A PERCEPÇÃO DOS ALUNOS E PROFESSORES AIDA MARIA MONTEIRO SILVA "A
        violência é a força bruta contra alguémQuem pratica a violência é burro, covarde,
 porque somos seres humanos e a única coisa
 que nos diferencia dos animais é a capacidade
 de pensar e de falar. Se nós temos a capacidade
 de usar palavras, para que usar a força bruta?
 É isso que as pessoas precisam
        entender."
 Renata Aguirre - 8ª Série - Escola Municipal de São Paulo.
 A PROBLEMÁTICA DA VIOLÊNCIA A questão da violência e as violações
        dos direitos humanos no Brasil, especialmente as que atingem a vida e a
        integridade física dos indivíduos, têm sido amplamente divulgadas na
        sociedade em geral, aparecendo com bastante ênfase nos meios de
        comunicação de massa e, segundo as pesquisas de opinião pública,
        constituem-se em uma das maiores preocupações da população nas
        grandes cidades. O interesse dos meios de comunicação
        por esta temática encontra sua maior justificativa em dados
        estatísticos bastante alarmantes. Nos últimos 15 anos, os homicídios
        triplicaram no Brasil e matam-se 50% mais jovens em São Paulo do que em
        Nova York, sendo esta uma das cidades mais violentas entre as cidades de
        países desenvolvidos. O assassinato tem sido a principal causa de morte
        de adolescentes do sexo masculino em São Paulo - em cada 100 mil
        adolescentes paulistanos, 88 foram assassinados no ano passado ( Folha
        de São Paulo, 11/11/96). Somando-se a esses dados, entre 1979 e
        1978, ocorreram 272 casos de linchamento no Brasil, sendo que 181
        aconteceram no Estado de São Paulo. É esse Estado que também
        apresenta a maior taxa de mortalidade entre policiais e civis e a
        prática da tortura é sistematicamente empregada em interrogatórios
        nos distritos policiais (Sérgio Adorno, 1994). Conforme coloca Maria Victória Benevides
        (1996), esta realidade serve para desmascarar a imagem tradicional de
        que o brasileiro é "um povo sentimental, ordeiro e
        pacífico". Hoje, a violência, estampada nos grandes centros
        do país, comprova que a sociedade brasileira é extremamente violenta,
        e esta se apresenta sob diferentes formas de manifestações. Por isto,
        para Vera Telles (1996), é mais fácil se falar de violências no
        plural, ou seja, a violência urbana, a policial, a familiar e a
        escolar. Estas, no entanto, não são
        características apenas da sociedade brasileira. Outras sociedades da
        América Latina e da América Central também vivem experiências de
        elevadas taxas de violações dos direitos humanos, entre estas, a
        violação do direito à vida é muito freqüente, como é o caso do
        Peru, Colômbia, Bolívia, El Salvador e Guatemala (Sérgio Adorno,
        1994). Segundo Nancy Cardia (1995), apesar das
        violações dos direitos humanos constantes no Brasil e estarem
        amplamente divulgadas, não têm conseguido tornar-se um tema de debate
        social mais amplo, com maior clamor público. Os protestos e as
        manifestações têm sido muito localizadas e pontuais, a exemplo dos
        assassinatos mais recentes de jovens de classe média em bares e
        restaurantes de São Paulo, o que mobilizou parte da população desta
        cidade no movimento intitulado: "Reage São Paulo". Neste quadro merece destacar que boa
        parte da população brasileira que sofreu alguma forma de agressão,
        parece desconhecer as formas, os mecanismos de reparação ou
        desacreditar nas instituições públicas. A maioria da população não
        procura a justiça para reclamar a violação dos seus direitos.
        Pesquisa recente, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
        Estatística - IBGE, mostra que metade da população pesquisada que
        declarou ter-se envolvido em algum conflito, afirmou não ter ido à
        justiça e, mais de 50% dentre essas pessoas afirmaram fazer justiça
        "por conta própria", o que de certa forma, reforça a
        necessidade dessas pessoas resolverem seus problemas de modo individual
        e privado. Esta forma de a população tentar
        resolver ou reparar violações, não contribui para o avanço da
        democracia, uma vez que não são priorizados os mecanismos de
        atendimentos públicos, mas aqueles que atendem parte da população. Na opinião de Tereza Caldeira (1996), a
        privatização da segurança não é uma alternativa à segurança
        pública deficiente e, conseqüentemente, não é remédio para a
        violência. Ela pode oferecer aos que pagam a ilusão de proteção.
        Mas, "num país com o grau extremo de desigualdade social como o
        Brasil, a difusão da segurança privada tende a ser mais um sistema
        perverso de aprofundamento dessa desigualdade. A criminalidade violenta
        distribuí-se iniquamente: os moradores dos bairros pobres são
        sabidamente as maiores vítimas da violência das grandes cidades
        brasileiras, enquanto os mais ricos são os que vivem nos locais mais
        seguros". E esta mesma autora chama a atenção
        para o fato de que o abandono do espaço público e a proliferação de
        espaços fortificados privados para uso coletivo também não resolvem a
        questão da violência, como é o exemplo dos condomínios fechados que
        desenvolvem práticas sistemáticas de revistas nos empregados, nas
        portarias dos prédios. Estas são medidas muito mais de controle e de
        exclusão social do que de segurança ao conjunto daquela população. Na verdade, ao adrentrarmos na questão
        da violência, percebemos como coloca Maria Victória Benevides, que
        "inexiste vontade política" para enfrentar os
        diferentes tipos de violência, bem como "inexiste uma tomada de
        consciência da sociedade de que ela é responsável, ou seja, de que o
        problema da violência tem raízes econômicas, sociais e culturais; que
        diz respeito aos governos e aos políticos, mas também às famílias,
        às escolas, às igrejas, às empresas, aos sindicatos e associações
        de profissionais, aos meios de comunicação, à sociedade civil"
        (1996, p.76). Esta posição vem ao encontro dos
        estudos realizados por Rodrigues Guerreiro (Colômbia) e João Yunes
        destacados em artigo de Gilberto Dimenstein (1996).A violência, para
        esses autores, é hoje uma questão mundial, pois afeta as grandes
        metrópoles, inclusive as dos países de Primeiro Mundo. É considerada
        "um problema de utilidade pública e usar apenas a repressão
        simplesmente não funciona. O germe da violência se propaga em
        proporções semelhantes às das doenças infecciosas".
        E o mais grave é que esta problemática não pode ser combatida com
        vacinas para que se possa obter resultados mais rápidos como nos casos
        dessas doenças. Estes pesquisadores, ao investigarem as
        causas da violência, evidenciaram que são vários os fatores que a
        determinam: desemprego, renda, escolaridade, religião, cor e
        desestrutura familiar, entre outros. Esta compreensão sobre as causas da
        violência é também refendada por Marília Spósito (1994), ao
        enfatizar que são várias as explicações que têm sido utilizadas
        sobre o fenômeno da violência. Uma delas é calcada nas
        determinações sociais e econômicas: "gran parte de las
        interpretaciones busca explicar el aumento de la violencia urbana y
        juvenil, solo con base en las determinaciones sociales; en el caso
        brasileno, la crises social y econômica" (p. 118-119). Mas para esta autora, "la
        violência es, al miesmo tiempo, producto de condiciones estabelecidas y
        de um conjunto de experiencias y finalidades producidas por los actores,
        lo cual no está totalmente determinado a priori e la violencia social y
        de los jovens carenciados se inscriben también en el cuadro de
        la crises del accional cotectivo"(p.118-119). Esta multiplicidade de fatores torna a
        problemática da violência muito mais difícil de ser combatida, uma
        vez que, pela sua complexidade, requer definição e implementação de
        políticas públicas sociais nas áreas básicas, destinadas ao
        atendimento de todos os cidadãos. Mas, no Brasil, o que se tem
        assistido, além da ausência de políticas nesta direção, é a
        vivência de práticas sistemáticas de violência e de violação de
        direitos praticadas pelo próprio Estado, quando, por exemplo, este não
        garante aos cidadãos os direitos que lhes são assegurados,
        constitucionalmente, há várias décadas, como é o caso do direito à
        educação, entre outros. Em relação a educação
        especificamente, a problemática da repetência e da evasão vem
        permeando o sistema escolar, há várias décadas, numa demonstração
        de que o Estado, além de não ter garantido a universalização da
        escola pública para todos os cidadãos, também não tem conseguido
        garantir aos que nela ingressam a sua permanência com qualidade. Segundo a Secretaria de Educação do
        Estado de São Paulo, "ano após ano, muitos dos repetentes deixam
        a escola, diminuindo o número dos que conseguem chegar até a 8ª
        série do Ensino Fundamental, enquanto outros continuam a freqüentá-la
        pela merenda, pela convivência e por um pouco de esperança de que
        alguma coisa melhor lhes possa acontecer" (1996, p.8). Embora
        saibamos que as origens do fracasso escolar encontra, explicação
        também, no interior da escola, este interior é resultante do conjunto
        de determinações político-sociais, onde as definições e a vontade
        políticas têm maior peso. A não garantia, pelo Estado do acesso à
        escola pública a todos, desencadeia novas modalidades de exclusão
        social pelos mecanismos de seleção que o sistema educativo aplica.
        Esta seletividade se estabelece entre quem tem acesso à instituição
        escolar e os que são excluídos, estratificando e segmentando os
        cidadãos; dentro os que sabem, os que têm cultura e fora, os que
        não têm (Spósito, 1994). Além disso, este processo de exclusão
        faz com que a maioria da juventude não tenha participação nem
        política, nem na produção econômica, social e cultural, por não ter
        acesso à educação básica, e daí o caminho do crime, muitas vezes,
        apresenta-se como um sucedâneo para a frustração social (Vicente
        Barreto, 1996). As manifestações de violência também
        aparecem nas relações entre as instituições públicas e os seus
        usuários. Geralmente estas instituições são estruturadas com base em
        modelos de organização privada, patrimonialista, com características
        de gerenciamento autoritário, de mando e desrespeito, cuja prevalência
        não tem sido do atendimento ao público, no sentido do bem coletivo, e
        a escola também reproduz este modelo. O que nos parece bastante grave, além da
        violência em si, é o fato de que as várias formas de violência,
        produzidas no cotidiano da sociedade parecem não mais indignar a
        população brasileira. É como se a mesma fosse "aceita" por
        todos, a tal ponto que a população convive com esta realidade sem
        maiores traumas, ou seja, a própria vida parece não ter maior
        significado, chegando ao ponto de ser banalizada. Matar ou morrer não
        faz maior diferença. Este quadro de violência e a falta de
        indignação da população em relação a esta problemática,
        especialmente em um Estado como São Paulo, que apresenta grandes
        contradições sócio-econômicas, uma vez que é responsável por 50%
        do Produto Nacional Bruto, PIB, mas detém elevadas taxas de
        criminalidade e de violação dos direitos humanos. Partindo da
        compreensão de que, as contradições que perpassam o conjunto da
        sociedade se manifestam e se refletem no interior da escola, resolvemos
        aprofundar e explicitar essas relações. Estes foram portanto, os
        principais motivos que nos levaram a realização deste trabalho. Para tanto tomamos como campo de estudo
        seis escolas da Rede Municipal da Cidade de São Paulo, utilizando, como
        instrumento de coleta de informações, o questionário aberto, com
        questões semi-estruturadas que possibilitassem o posicionamento dos
        diretores, coordenadores pedagógicos, professores e alunos sobre a
        problemática estudada. Inicialmente, foram distribuídos 80
        questionários, no período de outubro a novembro de 1995, obtendo o
        retorno de 66 questionários, assim distribuídos: 34 questionários
        respondidos pelos alunos, 23 pelos professores, 6 pelos diretores e 6
        pelos coordenadores pedagógicos. Em cada escola, os questionários
        deveriam ter sido respondidos por 1 diretor, 1 coordenador pedagógico,
        4 professores e 4 alunos da 5ª à 8ª série do 1º Grau, sendo um para
        cada série. Essa distribuição, de certa forma, foi respeitada pelas
        escolas, com exceção da distribuição aos alunos, pois, devido ao
        grande interesse pela temática, estes responderam em número maior do
        que o previsto. Este fato muito nos surpreendeu, pois fica claro que
        estas questões estão interessando os alunos, possivelmente, pela
        convivência muito próxima destes com diferentes formas de violência. As perguntas foram divididas em dois
        blocos. Um primeiro, que procurava apreender o entendimento que os
        sujeitos da pesquisa tinham sobre a violência no contexto da realidade
        brasileira e, um segundo bloco, se esses sujeitos percebiam violência
        na escola e, em caso positivo, como a mesma era produzida nas relações
        sociais desta instituição. A VIOLÊNCIA VISTA PELOS SUJEITOS DA
        ESCOLA Para podermos entender melhor a
        problemática dos jovens e a relação destes com a violência no
        sentido mais amplo, procuramos analisar alguns estudos que tratam desta
        questão, destacando-se as pesquisas realizadas por Angelina Peralva
        (1995), e Marília Spósito (1994), que focalizam o jovem em
        determinadas práticas de violência, inclusive, com ele próprio, como
        é o caso dos surfistas ferroviários na Cidade do Rio de Janeiro,
        estudados por Peralva. Uma das características desses jovens
        surfistas, destacada com grande ênfase nestes estudos, é a emoção
        dos mesmos ao infligirem normas e a necessidade de enfrentarem o medo,
        principalmente o medo da morte que é uma realidade muito próxima da
        população de baixa renda, localizada nas grandes cidades, a exemplo do
        Rio de Janeiro e de São Paulo. Assim, uma das razões apresentadas,
        pelos surfistas ferroviários para desenvolverem esta prática, é
        justificada pela emoção, e a mesma está relacionada a dois elementos:
        o medo, remobilizado através da prova e o prazer na superação do
        medo. O jovem, ao conviver com a realidade do risco e do medo, tenta
        superá-los, utilizando estratégias de vivências perigosas, como é o
        caso desses surfistas. No nosso estudo, a convivência com a
        violência é confirmada pela maioria dos entrevistados. 90% dos
        pesquisados afirmaram já terem sido vítimas de alguma forma de
        violência, manifestada sob diferentes formas de agressão: física,
        moral e sexual, embora o significado da agressão moral não fique
        explícito nas respostas dos entrevistados. Foi, a partir da análise da violência
        em um contexto mais amplo, que procuramos investigar neste trabalho
        quais representações os sujeitos que produzem a prática escolar, têm
        sobre a violência, como esta se reproduz no interior da escola, e quais
        as alternativas para tratar com este tipo de violência. Assim, para os alunos, violência
        representa agressão física, simbolizada pelo estupro, brigas em
        família e também a falta de respeito entre as pessoas, conforme as
        falas: "violentar é romper a liberdade e os direitos do
        cidadão. É alguém que passa dos limites e invade a privacidade do
        outro. É a falta de solidariedade e o desrespeito aos direitos dos
        humanos. É a agressão física, psicológica, sexual e moral". Enquanto que para os diretores,
        coordenadores pedagógicos e professores, a percepção que estes
        apresentam, com mais freqüência, é da violência, enquanto
        descumprimento das leis e da falta de condições materiais da
        população, associando a violência à miséria, à exclusão social e
        ao desrespeito ao cidadão: "violência é atingir o direito do
        outro, o direito de viver, de trabalhar. É o descumprimento das leis em
        todos os sentidos. É a fome, o preconceito, o autoritarismo e a perda
        da dignidade". Nestas falas, foi importante observar que
        as condições precárias de trabalho e de salários foram destacadas
        pelos professores como atitudes de desrespeito e de violência por parte
        dos Governos. É muito freqüente também a
        associação que os professores e alunos fazem entre as causas da
        violência e as condições sociais, tais como a desigualdade social, a
        falta de emprego, a falta de educação - esta bastante enfatizada -, os
        problemas familiares (traumas, motivos psicológicos) e a influência da
        mídia, ou seja, os filmes e os programas de televisão "que
        ensinam a praticar a violência" (fala dos alunos). Um dado interessante a destacar com
        relação à explicação da violência é a ênfase que os alunos dão
        aos filmes e aos programas violentos da televisão. Inclusive, este foi
        um aspecto muito mais enfatizado pelos alunos do que pelos professores. Com relação ainda à mídia, todos os
        entrevistados focalizaram a associação da violência à liberação da
        censura pela televisão. Estes acreditam que as pessoas "copiam"
        os programas, a ponto de determinadas atitudes virarem moda entre as
        crianças e os jovens. Portanto, defendem a necessidade de que haja um
        disciplinamento. Na visão da maioria dos entrevistados, a sociedade
        está corrompida nos seus valores éticos e morais e a escola também é
        afetada por este tipo de corrupção. Esta ênfase na importância dos meios de
        comunicação nos parece merecer uma maior atenção por parte dos
        educadores, haja vista que a televisão é um veículo de comunicação
        que está presente em quase todas as residências de diferentes camadas
        sociais. Esta é uma temática que necessita de maior investigação,
        até mesmo para investigar se existe relação, por exemplo, entre
        pessoas que praticaram violências com a assistência sistemática a
        programas que enfatizam estas práticas. De certa forma, as várias explicações
        para as causas da violência, destacadas neste estudo, vêm ao encontro
        dos autores que têm estudado esta problemática, já refendados neste
        trabalho e no que Telles (1996) denomina de negação da sociabilidade,
        ou seja, a violência é o retrato negativo da civilidade. E "é
        neste terreno da sociabilidade negada que talvez se tenha uma chave para
        compreender as relações (em negativo) entre violência e cidadania"
        (p.108). E continuando, esta mesma autora coloca
        que na nossa sociedade "os direitos não se generalizam e
        terminam por se transformar em privilégios de alguns" (p.108). Esta negação dos direitos fundamentais
        à maioria da população, na sociedade brasileira, encontra
        explicação no modelo econômico e social excludente, que apresenta
        grandes disparidades quanto ao acesso da população aos bens sociais,
        caracterizando-se como um das sociedades que apresenta uma das piores
        distribuições de renda do mundo. A convivência dos indivíduos, em
        extrema desigualdade social, certamente, é um dos fatores que muito
        contribui para a degradação do comportamento humano. Nesta questão houve um certo consenso
        entre os entrevistados, inclusive, o que nos surpreendeu foi a
        maturidade das respostas dos alunos, indo ao encontro das respostas dos
        professores e dos dirigentes das escolas. Como podemos perceber, há uma
        diversidade de conceitos e de entendimentos sobre a violência no
        conjunto dos sujeitos da pesquisa e nos estudos destacados. Mas, segundo
        Peralva (1995), a definição de violência não é uma tarefa fácil,
        até porque, na própria teoria da violência, não se encontra resposta
        satisfatória, no sentido de contemplar todas as variáveis que
        contribuem ou interferem para a prática da violência. Com relação à violência praticada no
        interior da escola, ou seja, a violência que se efetiva na prática
        cotidiana e no conjunto das relações sociais do aparelho escolar, no
        Brasil, ainda são poucos os estudos que têm focalizado esta
        problemática. Muitas pesquisas que têm tratado da
        temática da violência na escola, como os estudos de Spósito (1994);
        Whiataher (1994); Fukui (1994); Combier (1989); Mangel (1989) e
        Perdriault (1989), procuram analisá-la a partir de questões mais
        relacionadas à violência simbólica, à segurança da escola e,
        principalmente, sobre depredação e deteorização do patrimônio
        escolar. Embora, neste trabalho, não tenhamos a
        preocupação de aprofundar estas questões, alguns dados apresentados
        na pesquisa de Spósito (1994) sobre as relações entre violência
        coletiva, os jovens e a educação, nos chamaram a atenção e vêm
        referendar alguns aspectos que aparecem nas respostas dos entrevistados. Spósito (1994) destaca que em 1982,
        cerca de 66% das escolas estaduais da Cidade de São Paulo sofreram
        depredações, invasões, roubos e destruições, cometidos geralmente
        nos finais de semana. E em 1990, no período de julho a novembro,
        ocorreram 1.732 casos de violência à escola, sendo que desse total 35%
        corresponderam a depredações sem furto ou roubo. Um dado interessante desse estudo é que
        entre os prédios públicos que são alvos de depredações, as escolas
        são as mais escolhidas pela população, cujos autores são crianças,
        jovens e adolescentes moradores dos bairros. Vale destacar que boa parte
        desses depredações acontecem nos finais de semana e nem sempre são
        acompanhadas de furtos. Acreditamos que a violência, praticada
        em relação ao patrimônio público, está muito relacionada à falta
        de conscientização da população sobre o significado do que é
        público, tendo em vista a forma como as instituições, geralmente,
        aparecem para os seus usuários. Na maioria das vezes, a instituição
        pública tem muito mais uma feição de empresa privada, cujos
        administradores, os "donos", são os que estabelecem
        normas e regras de uso e dos direitos do que um patrimônio que pertence
        aos cidadãos, em que todos são usuários. Esta forma de privatização
        da instituição provoca, na maioria das vezes, reações agressivas da
        população, pois, ao agredir o patrimônio público, o usuário
        materializa a sua insatisfação em relação aos serviços prestados e
        aos seus administradores. No caso da escola, é possível que este
        tipo de violência se manifeste como uma forma de protesto escolar e
        também como expressão de crítica da população aos serviços
        prestados, à impossibilidade do uso de suas dependências para
        recreação, - quando na maioria das vezes nas comunidades, a escola é
        um dos poucos espaços que se presta a este tipo de atividades -, ou
        até mesmo, como forma de revide em relação às agressões vividas no
        cotidiano da escola (Spósito, 1994). Esta posição de certa forma é
        confirmada nas respostas dos alunos. Ao perguntarmos se eles percebem
        violência no âmbito escolar e, em caso positivo, de que forma esta
        violência se manifesta, a resposta unânime foi: "a escola é
        um espaço de violência". E as razões apresentadas foram
        surpreendentes, uma vez que algumas atitudes, desenvolvidas entre
        professor/aluno e entre os alunos, não chegam a ser percebidas como
        atitudes violentas, como por exemplo: falta de diálogo entre os alunos,
        entre professores e alunos, falta de companheirismo, falta de educação
        doméstica, mas especialmente, pelo desrespeito dos professores para com
        os alunos, manifestado em suas falas: "este aluno está ferrado
        comigo (isto porque o aluno era indisciplinado). Este aluno não quer
        nada com a escola e por mim já está reprovado". Estas expressões vêm ratificar que a
        cultura da reprovação, na escola, tem raízes muito fortes e tem
        contribuído muito mais para desmotivar e excluir o aluno do aparelho
        escolar do que como fonte de diagnóstico para a melhoria da sua
        aprendizagem e do trabalho do professor. Assim, "sem
        desconsiderar as questões estruturais mais amplas, pode-se afirmar que
        a produção do fracasso escolar também tem origem no interior da
        escola, e um dos seus focos é a não adequação da proposta de
        ensino à clientela" (Secretaria de Educação de São
        Paulo, 1996, p.8), que no nosso entendimento é um das formas
        simbólicas de violação dos direitos do aluno quanto ao seu direito de
        aprender. É preciso que trabalhemos um novo
        formato de prática pedagógica, em que a escola passe a ser, de fato,
        local de aprendizagem, de uma nova cultura, a da aprovação e da
        formação da cidadania, sendo a mesma entendida, como a
        materialização dos direitos sociais a todos os cidadãos. Quando nos aproximamos das questões que
        permeiam mais diretamente as relações na escola, os resultados desse
        estudo mostram que existe uma diferença significativa entre a forma
        como os professores, coordenadores pedagógicos e diretores percebem a
        violência e a percepção dos alunos. Para os educadores, a violência se
        evidencia, de forma mais clara, na relação entre os alunos. Estes é
        que são violentos e geralmente os educadores não se percebem
        promovendo atitudes de violência para com os alunos. É como se os
        professores, diretores e coordenadores pedagógicos fossem isentos de
        práticas violentas. Na visão dos professores, a direção
        das escolas, em geral, é promotora de violência, que se manifesta sob
        a forma de comportamentos autoritários, de poder e de superioridade. É
        a predominância da cultura da privatização do espaço público, ainda
        muito arraigada, onde os dirigentes se colocam muitas vezes como os
        "donos" das instituições e, conseqüentemente, os detentores
        do poder e das tomadas de decisões. Em relação ao grupo de professores, é
        visível a existência de uma relação mais amistosa, mais cooperativa
        e também corporativista, com melhor entrosamento entre eles. No entanto, os alunos destacam que a
        relação entre professor e aluno nem sempre é boa, por falta de
        compreensão e respeito entre os mesmos: "há professores que
        não se dão respeito na classe. Em geral, não há muito respeito, por
        falta de respeito à idéia do outro". Esta questão, levantada pelos alunos,
        demonstra que o conceito de autoridade está passando por profundas
        transformações, devido, principalmente, ao crescente processo de
        democratização vivenciado na sociedade brasileira, onde a "idéia
        clássica de autoridade, originária da relação de pai para filho, de
        professor com o aluno, como modelo para explicação e o entendimento da
        autoridade política sofreu profundas alterações nas últimas
        décadas" (Barreto, 1996). Esta crise de autoridade, cujas bases
        está na relação familiar, vem perpassando o conjunto das relações
        nas diferentes instituições da sociedade, repercutindo de forma direta
        na escola, a ponto de alguns professores por não saberem enfrentar este
        desafio decidirem abandonar a profissão. Muitas vezes, ao tentar fugir dos
        padrões autoritários, a família não consegue estabelecer novos
        padrões e limites na educação dos filhos. Na fase da adolescência, a
        ausência de clareza, a desorientação, enfim, torna-se um complicador
        para os jovens. A total liberdade, que a família assegura aos seus
        filhos, acaba levando-os à perda de referências significativas, o que
        lhes complica o desenvolvimento e o amadurecimento psicológicos. Esta problemática, de certa forma, se
        reproduz na escola. A Revista Veja (maio de 1996), em reportagem sobre
        problemas de disciplina na escola, mostra que uma das principais
        explicações para a indisciplina na escola é a falta de educação em
        casa. Quem não assimilou regras básicas de convivência social, acha
        que tudo é permitido. Assim, alunos indisciplinados e mal educados
        atormentam professores, e estes não apresentam condições para "controlar
        a bagunça que come solta dentro da sala de aula. E o que é pior: não
        bastassem as conversinhas, os risinhos, as guerrinhas de papel, o
        respeito pela figura do professor passou a ser tão raro como um nota 10
        em redação" (p.54). Isto se evidencia, ao indagarmos, junto
        aos sujeitos da pesquisa, sobre a forma como a violência se manifesta
        na escola. As respostas são as mais diferentes: na discriminação
        masculina em relação à mulher, na agressão física e moral entre os
        alunos, no desrespeito entre o professor e aluno e entre aluno,
        professor e direção da escola, e na falta de diálogo entre professor
        e aluno. Outra causa apontada nos estudos que têm
        investigado a questão da indisciplina, é que a escola parou no tempo e
        não incorporou no seu cotidiano tecnologias e conteúdos a que os
        alunos têm tido acesso. Os alunos reivindicam aulas mais dinâmicas,
        mais criativas e com mais novidades, mas a prática desenvolvida na
        maioria das escolas está calcada na aula expositiva e o uso do
        giz-e-lousa. Estas percepções vêm confirmar um
        certo indício de insatisfação dos alunos pelo trabalho que escola tem
        desenvolvido: "a escola é coercitiva, desinteressante e não
        resolve os problemas imediatos. A escola não consegue cumprir seus
        objetivos básicos, pela própria desvalorização em que se encontra". Esses aspectos vêm também ao encontro
        dos estudos de Spósito (1994), quando estes mostram que uma das causas
        de depredações, invasões, roubos e agressões à escola, podem
        simbolizar a insatisfação que a comunidade tem com o trabalho da
        escola. Embora saibamos que as causas não se
        limitam aí, esses dados são muito importantes para se repensar o papel
        e a função da escola, especialmente, no atendimento à população de
        baixa renda. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Este trabalho nos possibilitou elaborar
        algumas reflexões sobre a escola que temos e a escola que queremos, em
        termos do atendimento à maioria da população brasileira. Fica evidente, nas respostas dos
        entrevistados, que a escola não está satisfazendo aos seus usuários,
        não apenas em relação aos aspectos pedagógicos, diante das elevadas
        taxas de evasão e repetência, mas, também na gestão do aparelho
        escolar. Há de fato uma insatisfação da população em relação à
        instituição escolar e como os mecanismos legais nem sempre chegam ao
        conhecimento das camadas menos favorecidas, a justiça passa a ser feita
        por "conta própria". Em um país onde as leis existem, mas
        não são cumpridas, e quando o próprio Estado viola os direitos dos
        seus cidadãos, a população fica sem direção para reivindicar seus
        direitos. E podemos pensar em alguma saída? Quando perguntamos aos entrevistados: que
        sugestões poderemos ter para diminuir a violência na escola? Foram
        várias as sugestões que apareceram, por sinal muito ricas e criativas
        no conjunto das respostas:
         
          Tratar todos os indivíduos com
            respeito e dignidade, valorizando o que cada um tem de bom.Fazer com que a escola se torne mais
            atualizada para que os alunos gostem mais dela.Trabalhar a problemática da
            violência e dos direitos dos cidadão no currículo escolar,
            através do conjunto de disciplinas, na perspectiva da
            interdisciplinaridade.Promover um processo de
            conscientização constante, através de palestras, cursos com
            especialistas, sobre a temática da violência, sobretudo em um
            trabalho conjunto com a família e a comunidade.Respeitar as opiniões divergentes.A família assumir o papel de
            formadora dos seus filhos.Desenvolver dinâmicas para melhorar o
            entrosamento entre os alunos e entre estes e os professores. Incentivar comportamentos de trocas,
        diálogos, estimulando a análise crítica dos alunos sobre situações
        variadas. É, neste sentido, que concordamos com
        Renata Aguirre "se nós temos a capacidade de usar as
        palavras, para que usar a força bruta? É isso que as pessoas precisam
        entender". E para chegarmos a este nível de
        entendimento, de usarmos a palavra no lugar da força bruta, é
        imprescindível a realização de trabalhos de conscientização dos
        indivíduos, enquanto sujeitos de direitos, calcados em uma formação
        voltada para a cidadania onde a educação tem papel preponderante,
        conforme advoga Benevides (1994):"a educação para a cidadania
        deve ser entendida como preparo para a participação na vida pública,
        com dois registros: o político e o social. O registro político
        significa organização e participação pela base e o registro social
        significa reconhecer e reivindicar os direitos e a existência, a
        criação e a consolidação de novos sujeitos políticos, de novos
        indivíduos ou grupos com a consciência de seus direitos e
        deveres" (p.15). voltar |