 |
REDE
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS |
EDUCAÇÃO
E VIOLÊNCIA:
qual o papel da escola?
Aida Maria Monteiro Silva *
Nos últimos anos muito se tem falado de
violência, até porque esta passou a fazer parte do nosso cotidiano, o
que explica o interesse em discuti-la. Esta motivação é comprovada em
pesquisa realizada recentemente pelos meios de comunicação, sobre os
problemas que mais inquietam a população. A violência, entre outros,
foi destacada por pessoas de diferentes camadas sociais, como um dos
principais problemas, principalmente aquela que atinge a vida e a
integridade física dos indivíduos.
Para que possamos entender melhor os
determinantes da violência e o papel da educação, algumas questões
nos parecem pertinentes para ajudar a nossa reflexão. De que forma a
violência é engendrada na nossa sociedade? Quais os valores que têm
norteado as diferentes práticas sociais e entre estas, a educacional?
Qual o papel da educação e da escola diante de uma sociedade com
características violentas? Estas são perguntas fundamentais.
Hoje, a violência está estampada nos
grandes centros do nosso país e se apresenta de diferentes formas. Por
isso, para Vera Telles (1996) é mais fácil se falar de violências no
plural, ou seja, a violência urbana, a policial, a familiar e a
escolar. Embora considerando que todas essas manifestações de
violência estão imbricadas, vamos dar um maior destaque, neste texto,
à violência escolar, sobretudo a que se manifesta de forma subjetiva
nas relações sociais no interior da escola.
Este problema tomou tamanhas proporções
que está sendo visto como de âmbito mundial e também como uma
questão de utilidade pública, pois sua manifestação se propaga em
proporções semelhantes às das doenças infecciosas, uma vez que afeta
as grandes metrópoles (Gilberto Dimenstein 1996). Portanto, esta
problemática não é uma caraterística apenas da sociedade brasileira.
Outras sociedades da América Latina e da América Central também vivem
experiências de taxas elevadas de violações dos direitos humanos,
inclusive a violação do direito à vida é muito freqüente, como é o
caso do Peru, Colômbia, Bolívia, El Salvador e Guatemala (Sérgio
Adorno, 1994).
Em relação ao Brasil, não podemos
desconsiderar a história da formação do nosso povo, com a escravidão
gerando comportamentos de servidão, de mando e de submissão, em que o
indivíduo é desrespeitado na sua condição fundamental de pessoa
humana e tratado como "objeto" de manipulação dos
seus "proprietários". Sérgio Adorno (1994) chama a
atenção para o fato de que, durante o período monárquico, a
sociedade resolvia os seus conflitos relacionados à propriedade, ao
monopólio do poder, e à raça, utilizando, de um modo geral, o emprego
da violência. E este era considerado um comportamento normal, legítimo
e por ser rotineiro passava a ser institucionalizado. É como se fosse
um processo natural, justificando até uma certa aquiescência da
sociedade.
Ao longo da história do nosso país, o
que se tem observado é que mesmo com a implantação do regime
republicano, cujo fundamento básico é o bem comum e o bem público a
todos os cidadãos, esse quadro de violência pouco se modificou, até
porque no campo político temos convivido com várias alternâncias de
regimes autoritários, ditatoriais, que implodiram o direito de
liberdade dos indivíduos. Estes foram períodos que trouxeram elevados
custos à convivência democrática do nosso povo, com violações do
direito à vida e inúmeras mutilações físicas.
Esta realidade do nosso país serve para
desmascarar a imagem tradicional de que o brasileiro "é um povo
sentimental, ordeiro e pacífico", conforme coloca Maria
Victória Benevides (1996).
O fato de a sociedade brasileira ser
organizada e determinada por um modelo econômico capitalista
extremamente excludente, caracterizado por uma grande concentração de
renda, aliás, uma das maiores do mundo, este se constitui em um dos
principais fatores da desigualdade e da violência. 50% da renda do
país fica nas mãos de 10% da população, enquanto que os 20% da
população mais pobres detém apenas 2,1% dessa renda (Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento-PNUD,1994). As relações são
profundamente desiguais. Essas grandes diferenças geram privilégios
para alguns e, conseqüentemente, a ausência de direitos para muitos.
É a sociedade do mundo capitalista que
valoriza, essencialmente, o consumo, as coisas materiais, a aparência
em detrimento da essência da pessoa humana. É um total desvirtuamento
do significado de ser gente, ser sujeito, ser pessoa. Valores como
solidariedade, humildade, companheirismo, respeito, tolerância são
pouco estimulados nas práticas de convivência social, quer seja na
família, na escola, no trabalho ou em locais de lazer. A inexistência
dessas práticas dão lugar ao individualismo, à lei do mais forte, à
necessidade de se levar vantagem em tudo, e daí a brutalidade e a
intolerância.
A violência perpassa as diferentes
relações sociais e aparece de forma explícita nos meios de
comunicação de massa, principalmente na mídia televisiva. São
vários os programas que enfatizam e reproduzem, com veemência, atos de
violência e até de barbárie que acontecem freqüentemente nas
sociedades em geral. Além disso, a televisão comumente apresenta
programas com "brincadeiras" desrespeitosas em que os
indivíduos são usados como objeto sarcástico. Até os programas
infantis não fogem a essa conotação violenta.
Esta questão da influência da mídia
eletrônica é destacada por alunos de um conjunto de escolas
localizadas no Município de São Paulo, onde realizamos uma pesquisa
sobre a percepção que alunos, professores e direção da escola têm
em relação à problemática da violência urbana e escolar (Aida
Silva-1995). Os alunos, de forma unânime, afirmaram que há uma
tendência das pessoas em "copiarem" os programas da
televisão, a ponto de determinadas atitudes virarem moda entre as
crianças e os jovens. E eles vão mais além, defendem a necessidade de
um disciplinamento para o horário e a freqüência de programas que
têm conotação violenta.
O alerta que esses jovens nos trazem,
merece ser apreciado com mais atenção, até porque a televisão é um
dos meios de comunicação que está presente em praticamente todos os
lares da nossa população e boa parte do tempo das crianças é ocupado
com a televisão.
É neste contexto que entendemos a
violência, enquanto ausência e desrespeito aos direitos do outro. É
como dizem os sujeitos dessa pesquisa: " violentar é romper a
liberdade e os direitos do cidadão. É alguém que passa dos limites e
invade a privacidade do outro. É a falta de solidariedade e o
desrespeito aos direitos humanos".
Na verdade a escola também reflete o
modelo violento de convivência social. E o mais grave é que muitos
educadores não se apercebem como violadores dos direitos dos alunos. É
o que podemos chamar de violência simbólica, que segundo Dulce
Whitaker (1994), "ajuda não só a obscurecer a violência que
está no dia-a-dia, no cotidiano, como também a esconder suas verdadeiras
causas". É a violência sutil que, em geral, não aparece de
forma tão explícita e serve para escamotear e dissimular os conflitos.
E ainda essa mesma autora chama a
atenção porque muitas vezes "os professores não se dão conta
de que o que torna as crianças apáticas, não são propriamente os
conteúdos ministrados, mas sim o ponto de partida da ação pedagógica
que se apresenta carregado de autoritarismo e, portanto, de violência
simbólica".
Na pesquisa a que nos referimos
anteriormente sobre a percepção dos alunos e educadores
em relação a violência urbana e
escolar, esta visão da escola enquanto espaço de violência é
destacada pelos alunos, e estes exemplificam como esta se manifesta: "quando
o professor fala: este aluno está ferrado comigo" (isto
porque o aluno era indisciplinado), ou então, "este aluno não
quer nada com a escola e por mim está reprovado". E o mais
interessante é que os professores não vêm estas formas de
relacionamento com os alunos como desrespeitosas ou violentas. Para
estes, a violência na escola aparece, basicamente, na relação entre
os alunos e destes para com o professor. Era como se o professor pudesse
ficar isento de tais práticas, mas, na verdade, todos nós somos
produtos do conjunto das relações sociais de uma determinada sociedade
da qual fazemos parte. Daí a importância de termos conhecimento de
como essas relações são produzidas para podermos pensar alternativas
de superação.
E qual é o papel da educação
e da escola nesse contexto? Se entendemos
que a educação é um processo de construção coletiva, contínua e
permanente de formação do indivíduo, que se dá na relação entre os
indivíduos e entre estes e a natureza, a escola é, portanto, o local
privilegiado dessa formação, porque trabalha com o conhecimento, com
valores, atitudes e a formação de hábitos.
Dependendo da concepção e da direção
que a escola venha assumir, esta poderá ser local de violação de
direitos ou de respeito e de busca pela materialização dos direitos de
todos os cidadãos, ou seja, de construção da cidadania.
Entendemos que um projeto de escola que
busque a formação da cidadania, precisa ter como objetivos: tratar
todos os indivíduos com dignidade, com respeito à divergência,
valorizando o que cada um tem de bom; fazer com que a escola se torne
mais atualizada para que os alunos gostem dela; trabalhar a
problemática da violência e dos direitos humanos, a partir do processo
de conscientização permanente, relacionanado esses conteúdos ao
currículo escolar; incentivar comportamentos de trocas, de
solidariedade e de diálogos, como bem coloca Renata Aguirre - aluna da
8ª série da Escola Municipal de São Paulo -, "a violência é
a força bruta contra alguém. Quem prática a violência é burro,
covarde, porque somos seres humanos e a única coisa que nos diferencia
dos animais é a capacidade de pensar e de falar. Se nós temos a
capacidade de usar palavras, para que usar a força bruta? É isso que
as pessoas precisam entender".
E para Vera Candau e outras (1995), é
importante que "a escola seja um espaço onde se formam as
crianças e os jovens para serem construtores ativos da sociedade na
qual vivem e exercem sua cidadania" e essas autoras,
referendando Sime (1991), chamam a atenção no sentido de que esta
proposta educativa deve ter como eixo central a vida cotidiana,
vivenciando "uma pedagogia da indignação e não da
resignação. Não queremos formar seres insensíveis e sim seres
capazes de se indignar, de se escandalizar diante de toda forma de
violência, de humilhação. A atividade educativa deve ser espaço onde
expressamos e partilhamos esta indignação através de sentimentos de
rebeldia pelo que está acontecendo". Assim, acreditamos, que
esta deva ser a nossa utopia.
Bibliografia
1-ADORNO, Sérgio-Violência: um retrato
em branco e preto-In Revista Idéias-nº 21-FDE-SP-1994.
2-BENEVIDES, Maria Victória- A
Violência é Coisa Nossa-In A Violência no Esporte - vários
autores-Secretaria. da Justiça e da Defesa da Cidadania-SP-1996
3-CANDAU, Vera e outras-Oficinas
Pedagógicas de Direitos Humanos-Vozes-RJ-1995.
4-DIMENSTEIN, Gilberto- A Epidemia da
Violência- Folha de São Paulo- 22/09/96.
5-SILVA, Aida Monteiro-A Violência na
Escola: a percepção dos alunos e professores-1995-mimeo.
6-TELLES, Vera-Violência e
Cidadania-InViolência no Esporte-vários autores-Secretaria da Justiça
e da Defesa da Cidadania-SP-1996
7-WHITAKER, Dulce-Violência na Escola-In
Revista Idéias-nº 21-FDE-SP-1994
* Professora da Universidade Federal de
Pernambuco-Doutoranda da Universidade de São Paulo
voltar |