 |
REDE
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS |
O CURRÍCULO ESCOLAR E OS DIREITOS HUMANOS
Abraham
Magendzo#
Alguns princípios básicos que orientam a relação
escola, currículo e direitos humanos:
- A escola formal e seu currículo pretendem a formação
de uma consciência, o desenvolvimento de uma moral e a aquisição de
uma concepção de vida. Possuem valores e ideologias a respeito da
seleção, organização e transmissão da cultura;
- Assim, o poder está implícito e se manifesta
quando alguns conteúdos recebem maior status que outros, quando alguns
departamentos recebem mais recursos que outros. Poderíamos
perguntar-nos das razões destas diferenciações. Deveríamos perguntar
também quais os efeitos que esta diferenciação tem sobre professores,
estudantes e pais de família. A resposta destas indagações foge ao
propósito deste texto, mas é necessária esta reflexão quando se
pensa em introduzir no currículo a temática dos direitos humanos. O
caráter reprodutor da escola e do currículo aparece como uma
perspectiva importante na resposta às questões formuladas;
- A escola e o currículo partiram de alguns pressupostos
que a realidade especialmente dos últimos anos, tem se encarregado de
desmentir. “Aquele que conhece, por exemplo, os clássicos,
interbalizará os valores subjacentes aos textos; aquele que se
interdisciplinar nas ciências exatas será um sujeito objetivo e
isento; aquele que se desenvolver motora e fisicamente será um
indivíduo sadio de corpo e mente” etc. Que maneira ingênua de
conceber o homem! Que forma limitada de pensar! Há muitos indivíduos
que não desenvolveram suas instâncias morais nas escolas e há outros
que, acumulando muito saber, foram capazes de cometer atrocidades contra
os homens e contra os princípios que seus próprios saberes para ser um
indivíduo tolerante, amante da justiça, solidário, enfim, humano.
Os três princípios que insinuamos, nos introduzem em
cheio na temática da relação entre escola, currículo e direitos
humanos.
Os direitos humanos não integravam o currículo, não
porque no passado fossem integralmente respeitados, mas porque
pensávamos, ingenuamente, que todo indivíduo “bem educado” e “bem
escolarizado”, implicitamente, havia internalizado o respeito a esses
direitos. Hoje sabemos que não foi bem assim e por isto devemos
incorporar esta disciplina ao currículo. Mas não queremos que os
direitos humanos se convertam em opção de segunda classe, em uma
atividade agregada com misericórdia ao currículo.
Não se trata de um conteúdo adicional, mas se está pondo
em jogo uma totalidade educativa que compromete o conteúdo e o método,
o código e a mensagem, a interação humana na escola e fora dela.
Cuidado com o reducionismo simplista e ingênuo de pressupor que a
temática dos direitos humanos se pode resolver com a mera introdução
de um conteúdo ou representação de um material didático.
Insistimos em que os direitos humanos constituem por si uma
ideologia educativa que compromete a essência mesma do currículo,
tanto manifesta quanto oculta. Sua incorporação exige repensar o
currículo. A temática dos direitos humanos na escola significa,
certamente, repensar a instituição educacional em seu conjunto,
promover a mudança e gerar um processo de autocrítica e auto-análise.
O pior serviço que se poderia fazer a este desafio seria
ignorar e minimizar as contradições que não surgem apenas em
períodos ditatoriais, mas também no Estado Democrático, já que os
direitos humanos questionam a ação global da escola e seu currículo
explícito e implícito. Acrescentando, deveríamos assinalar que a
temática dos direitos humanos não é um “conteúdo” que se
encontre “fora” e que se incorpora “dentro”, e que pode
necessariamente ser identificado com, por exemplo, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
É muito mais, é um processo de reconstrução do saber,
do pensar, do sentir e atuar em subjetividades e significados próprios
e idiossincrásicos que lhes outorgam seres de carne e osso. O
importante é que seja fruto de algo assumido como próprio, gerado nas
entranhas do currículo e da escola. Seu conceito variará de acordo com
as vivências. Os direitos Humanos são um saber existencial que se
reconstrói e se recontextualiza permanentemente. Nenhum documento
poderá expressar em sua real magnitude os significados da
subjetividade.
# Coordenador do Projeto
Educação Formal e Direitos Humanos do Programa Interdisciplinar de
Investigações em Educação, PIIE.
voltar |